A Palavra Escrita
Por Angelo Brás Fernandes Callou
Travessias Acadêmicas das Tecnologias de Comunicação para o Desenvolvimento é um livro comemorativo dos nossos 35 anos de vida acadêmica, minha e de Salett Tauk, nesta Universidade; é também uma comemoração dos nossos 110 ex-alunos, autores-parceiros, hoje professores, pesquisadores, consultores, jornalistas, extensionistas, que realizaram conosco essa travessia, para conquistar, pelo trabalho focado e permanente, o título de mestre. Uma travessia de cumplicidade amorosa, como nos referimos na apresentação do livro, porque tecida de laços de estima e amizade.
Tenho a impressão de que nenhum de nós, que passou por um curso de pós-graduação, jamais se esquecerá desse período da formação universitária. Sou capaz de descrever, em detalhes, as vivências acadêmicas e de lazer com colegas e professores durante o mestrado realizado na Universidade Federal de Santa Maria, há mais de 37 anos. Portanto, Travessias é, também, em certo sentido, uma memória escrita – acadêmica, é verdade –, desse período que cada um de nós vivenciou na pós-graduação da UFRPE. Por isso, essa memória é extensiva a todos os nossos ex-alunos, autores ou não nesse livro. Fiz as contas: foram mais de 300 alunos que frequentaram as aulas de Teoria da Comunicação e de Comunicação Rural (no CMARCR – mestrado em Administração Rural e Comunicação Rural) e de Fundamentos da Comunicação e do Desenvolvimento Local e de Culturas Populares (no Posmex – mestrado em Extensão Rural e Desenvolvimento Local), ministradas por Salett e por mim, em 20 anos ininterruptos dedicados à pós-graduação stricto sensu na nossa universidade. Sem esses alunos dificilmente teríamos construído a nossa travessia acadêmica.
Para além das comemorações, a edição deste livro também se constitui num ato político e de resistência deliberados. Explico. A grande maioria dos nossos...
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A Palavra Escrita
Por Angelo Brás Fernandes Callou
Travessias Acadêmicas das Tecnologias de Comunicação para o Desenvolvimento é um livro comemorativo dos nossos 35 anos de vida acadêmica, minha e de Salett Tauk, nesta Universidade; é também uma comemoração dos nossos 110 ex-alunos, autores-parceiros, hoje professores, pesquisadores, consultores, jornalistas, extensionistas, que realizaram conosco essa travessia, para conquistar, pelo trabalho focado e permanente, o título de mestre. Uma travessia de cumplicidade amorosa, como nos referimos na apresentação do livro, porque tecida de laços de estima e amizade.
Tenho a impressão de que nenhum de nós, que passou por um curso de pós-graduação, jamais se esquecerá desse período da formação universitária. Sou capaz de descrever, em detalhes, as vivências acadêmicas e de lazer com colegas e professores durante o mestrado realizado na Universidade Federal de Santa Maria, há mais de 37 anos. Portanto, Travessias é, também, em certo sentido, uma memória escrita – acadêmica, é verdade –, desse período que cada um de nós vivenciou na pós-graduação da UFRPE. Por isso, essa memória é extensiva a todos os nossos ex-alunos, autores ou não nesse livro. Fiz as contas: foram mais de 300 alunos que frequentaram as aulas de Teoria da Comunicação e de Comunicação Rural (no CMARCR – mestrado em Administração Rural e Comunicação Rural) e de Fundamentos da Comunicação e do Desenvolvimento Local e de Culturas Populares (no Posmex – mestrado em Extensão Rural e Desenvolvimento Local), ministradas por Salett e por mim, em 20 anos ininterruptos dedicados à pós-graduação stricto sensu na nossa universidade. Sem esses alunos dificilmente teríamos construído a nossa travessia acadêmica.
Para além das comemorações, a edição deste livro também se constitui num ato político e de resistência deliberados. Explico. A grande maioria dos nossos ex-alunos agora faz parte, Salett e eu também aí nos incluímos, de um coletivo que foi formado por programas de pós-graduação, hoje extintos. Foi Georges Bataille (apud Ciro Marcondes Filho) quem disse, já me referi a isso em outro lugar, “que as coisas para resgatar a continuidade têm que morrer.” Nós só estamos aqui reunidos em torno desta publicação porque existiram o CMARCR e o Posmex. Nós somos, portanto, o CMARCR e o Posmex num só corpo vivo e reprodutivo. Nós somos todos aqui Paulo Freire, nossa mais importante chave teórica, que vem sendo vilipendiada nas ruas pela ignorância. Inclusive, do atual ministro da educação. Foi a ignorância que construiu o ovo da serpente, de que fala Ingmar Bergman, no seu emblemático filme de 1977, que leva esse nome, quando aborda o ataque à democracia na Alemanha, cujo resultado foi o surgimento do Nazismo naquele país. Não à toa, abrimos o Travessias, com um texto do Patrono da Educação Brasileira para revelar que Paulo Freire está em nós e que resistiremos! A educadora Nita Freire, viúva de Paulo Freire, disse em uma entrevista recente que “Quanto mais se bate em Paulo Freire, mais ele cresce.”
Quando Salett e eu nos debruçamos sobre os nossos baús acadêmicos, para catalogar todo o material de pesquisa desenvolvido com os nossos ex-alunos, na perspectiva de sistematizar as diferentes apropriações teóricas que realizamos para renovar o objeto da Comunicação Rural, da Extensão Rural e da Extensão Pesqueira no Brasil, nestes últimos 35 anos, encontrei, nos meus arquivos, a transcrição original de uma palestra de Paulo Freire, realizada em Santa Maria, em 1982, na qual tive a oportunidade de assisti-la. A transcrição foi feita pela jornalista e amiga Néri Pedroso.
Ao ler a palestra, nos espantávamos a cada trecho com a atualidade da abordagem do tema – A Educação como Espanto –, e decidimos publicá-la na íntegra, incluindo as respostas de Paulo Freire às perguntas formuladas pela plateia. Era o fio condutor que procurávamos para dar sentido ao vasto material que possuíamos. Nita Freire foi generosa conosco ao atestar o ineditismo do material e a nos confiar a sua publicação e a escolha do título à palestra. Registro aqui nossos mais sinceros agradecimentos a ela.
Por certo instinto acadêmico, nunca gostei de me desfazer de documentos, mesmo aqueles aparentemente sem importância, na crença de que, um dia, poderão construir novos sentidos. E, de fato, eles sempre constroem. Tanto eu, quanto Salett, desde o começo de nossa parceria acadêmica (numa época que não existia currículo Lattes e nem pressão da Capes pela produção acadêmica, ou pelo produtivismo científico, como se referem alguns), registramos, pela palavra escrita, os resultados de nossos trabalhos de pesquisa e de extensão, individuais ou em parceria. Aprendemos, ao pé da letra, as lições de Tereza Halliday, nossa eterna professora, infelizmente não mais entre nós. Tereza era uma defensora inarredável da palavra escrita.
Se algum dia tive dúvida sobre a importância da palavra escrita, como sedimento da história e dos diferentes sentidos que os documentos assumem no decorrer do tempo, a certeza dessa importância se concretizou quando li, recentemente, Viagem ao Brasil (1644-1654), diário de um soldado, organizado pelos historiadores Benjamin Nicolaas Teensma, Bruno Romero Ferreira Miranda, professor desta casa, e Lucia Furquim Werneck Xavier (Cepe, 2016). O livro compila com ricos comentários dos organizadores, o raro manuscrito – Memorial e Jornal – escrito por Peter Hansen Hajstrup, um soldado raso dinamarquês a serviço da Companhia das Índias Ocidentais, que desembarcou no Recife, em 1644, aos 20 anos de idade. Ele descreve, como testemunha ocular das batalhas em que lutou no front, na ascensão e queda do domínio holandês no Nordeste, entre elas a dos Guararapes, de 1649. Sobreviveu a todas elas.
Para que vocês compreendam melhor o que quero dizer sobre a importância da palavra escrita, e, portanto, sobre este livro que ora publicamos, trago um trecho de Recantos Felizes da Memória: uma casa, uma família, uma vida, de Terezinha Lins e Silva, que tive o privilégio de fazer a apresentação oral (mas com um texto escrito à mão), no lançamento da obra, em 2017. E, com ele, caminho ao encerramento desta minha intervenção. Escreve ela, de cima dos seus 92 anos:
“A escrita depende da palavra, porque ela é a vontade de dizer. Ela externa, comunica, transmite, impressiona, mas depois permanece na memória. Porque a palavra fica no ar, espalha-se no tempo e no espaço. Corre o risco de se perder. A escrita, não. Permanece onde está. Enfrenta o tempo e o espaço. É sempre testemunha do que você pensou em qualquer tempo (p.16).”
Travessias Acadêmicas das Tecnologias de Comunicação para o Desenvolvimento é, nesses termos, um livro-testemunho, escrito a 113 mãos, incluindo a de Paulo Freire; é, também, um testemunho da Comunicação para o Desenvolvimento, em suas diferentes transmutações em solo brasileiro. Travessias é, sobretudo, ouso dizer, um testemunho desta própria instituição – a UFRPE –, que ajudamos a construir durante estes últimos 35 anos. Este é nosso maior legado.
Por fim, gostaria de pedir licença aos autores para dedicar esse livro, na parte que me toca, ao professor Manoel Vital Fernandes Pereira (in memoriam). Um primo querido, que, dentro de sua vasta cultura, me ensinou o mais simples: o conceito de generosidade para o bem viver. Sem generosidade, penso eu, não é possível o ofício de professor.
Muito obrigado.
Recife, 5 de dezembro de 2019.
Referências
SILVA, Terezinha Lins e. Recantos felizes da memória: uma casa, uma família, uma vida. Recife : FASA, 2017.
TAUK SANTOS, Maria Salett; CALLOU, Angelo Brás Fernandes. Travessias acadêmicas das tecnologias de comunicação para o desenvolvimento. Recife : FASA/UNICAP, 2019. 1008 p.
TEENSMA, Benjamin Nicolaas; MIRANDA, Bruno Romero Ferreira; XAVIER Lucia Furquim Werneck (org.). Viagem ao Brasil (1644 –1654), diário de um soldado. Recife : Cepe, 2016.
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