Projeto Correios – 350 anos aproximando pessoas
Depoimento de Paulo Bruscky
Entrevistado por Márcia Ruiz e Fernanda Paulo Prado
Recife, 11/06/2013
HVC_010_Paulo Bruscky
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
P/1 – Paulo, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Eu queria agradecer em nome do Museu da Pessoa a sua delicadeza de nos atender em seu estúdio e nos dar esse depoimento. Para início eu gostaria que você dissesse o seu nome, local e data de nascimento.
R – Paulo Bruscky, o meu nome completo é Paulo Roberto Barbosa Bruscky, eu nasci no Recife em 21 de março de 1949.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Eufêmius Bruscky e Graziela Irene Barbosa Bruscky.
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Sei. O meu pai veio com uma trupe de artistas, na época era Bielorrússia, e eles ficaram aqui e conheceu minha mãe numa apresentação no Teatro Santa Isabel, aqui em Recife. Ele não falava uma palavra em português e começaram, se conheceram, enamoraram mais por gestos e é uma história curiosa.
P/1 – Você sabe mais ou menos em que época isso se deu?
R – Isso foi nos anos 20.
P/1 – Fala um pouquinho sobre eles, eles eram artistas? Conta um pouquinho para gente.
R – O meu pai ele veio nessa trupe de artistas, e ele tem foto dele lá na Rússia na época, e em cavalos ele ficava, aquele pessoal em dois cavalos que faziam aquela pirâmide e ele era o último. E ele era fotógrafo também, então, depois ele montou um ateliê fotográfico de onde vem praticamente a minha formação, eu muito pequeno ia para lá. E ele depois, de fronte, até aqui perto do meu ateliê, onde é hoje esse ateliê, ele botou um restaurante chamado Volga, especializado em comida russa, que demorou pouco tempo.
P/1 – E sua mãe também?
R – Minha mãe, é curioso, nasceu em Fernando de Noronha, na ilha, porque o meu avô era meteorologista de lá, porque Fernando de Noronha você trabalha um ano conta dois de tempo de serviço, porque mesmo com toda a estrutura de hoje ninguém quer ficar morando, porque você com pouco tempo você não tem muito que fazer. E o meu avô mandava, quando os filhos nasciam, para cá com três anos para se educar. Mamãe foi candidata, a primeira mulher candidata a vereadora aqui, apoiada por Miguel Arraes e João Goulart, tem foto da minha mãe no aeroporto, inclusive assinada pelos dois na campanha dela, que era: “Não vote nele, vote nela”, por ser a primeira mulher candidata aqui em Recife.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho, você, quer dizer, a origem da sua família por parte de pai é russo.
R – É Bielorrússia hoje essa parte, depois ficou Polônia.
P/1 – Eles eram de que cidade?
R – Meu pai era de um vilarejozinho junto de Minsk, que fazia parte de Minsk.
P/1 – E tua mãe ela era de Fernando de Noronha?
R – É, mas foi daqui de Recife toda a educação, toda a formação, minha família por parte dela é toda daqui.
P/1 – Você chegou a conhecer seus avós?
R – Não. A gente está em contato atualmente, por causa da internet, eu estou tirando, não por causa de mim, mas por causa de meus filhos, meus netos, tirando dupla nacionalidade e o que facilitou é que a gente tem toda a documentação de meu pai e a gente está entrando em contato agora, já descobriu parente lá. E por parte de minha mãe sim, a gente conviveu com toda família.
P/1 – Seus avós por parte de mãe faziam o quê?
R – Eles eram funcionário público, esse por parte de mamãe fazia meteorologia lá em Fernando de Noronha. E eram pessoas com atividades normais, um era professor, tinham vários, um era, foi o irmão de mamãe foi gerente da Severino Ribeiro de cinema, por isso eu frequentava o cinema muito pequeno, porque eu tinha um permanente e era louco por música ele, eu ia muito a casa dele, ele tinha uma sala enorme com tudo que você imaginasse uma sala acústica só para ouvir música.
P/1 – Me fala uma coisa, você tem irmãos?
R – Tenho.
P/1 – Quantos?
R – São sete comigo.
P/1 – Nessa escadinha você está aonde?
R – Do mais velho para baixo eu sou o terceiro.
P/1 – Conta um pouquinho, você contou um pouco para gente que seus pais se conheceram num teatro, ele estava fazendo um espetáculo e a sua mãe foi assistir, foi isso?
R – Era com essa trupe, com esse grupo de artistas e minha mãe tinha ido assistir e se conheceram.
P/1 – Como é que ele resolveu ficar no Brasil, como é que foi isso?
R – Ele e alguns outros ficaram aqui na época, os meus padrinhos também, eram amigos dele, quer dizer, ficou um pessoal, ficaram vários dessa trupe que veio, gostaram e ficaram aqui.
P/1 – E, aí, o seu pai resolveu se manter aqui em Recife, ele montou um estúdio fotográfico?
R – Um ateliê fotográfico na Rua do Aragão, que é aqui nesse bairro, fica a três ruas daqui e defronte depois ele botou um restaurante de comida russa.
P/1 – Logo em seguida eles se casaram? Como é que foi?
R – Se casaram logo em seguida. Meu pai morreu cedo num acidente, o ônibus da universidade, o motorista estava embriagado e atropelou ele com o sinal fechado, papai morreu eu tinha acho que 17 anos, por aí, minha mãe morreu agora recente.
P/1 – Me diz uma coisa, como é que era? Eles se casaram, eles foram morar numa casa, conta um pouquinho para gente, você lembra dessa casa onde você nasceu?
R – Lembro. Eu nasci e me criei no começo, nos primeiros anos, na Praça do Hipódromo, que até hoje existe, inclusive a TV Cultura fez um filme, foi lá e documentou essa praça. E eu me lembro das casas onde eu morei, todas elas, sempre em Boa Vista, morei um período em Olinda, cerca de quatro anos, depois voltei novamente por coincidência para Boa Vista.
P/1 – A primeira casa que você tem lembrança na sua infância, como é que ela era? Descreve para gente.
R – Era uma casa, nessa praça era uma casa como uma vila as casas iguais, como uma casa normal, sendo que eram casas com quintais, então, a minha infância foi fantástica, porque eu brincava, rua descalçada, para jogar bola e bola de gude. Então, minha infância foi genial, nos meus trabalhos eu vou buscar muita coisa lá atrás na minha infância.
P/1 – Conta um pouquinho dessas brincadeiras e com quem que você brincava? Fala um pouquinho quais eram as suas preferências.
R – Com o pessoal do bairro e depois de jogar bola, como todo menino e depois quando eu entrei no colégio, eu sempre ia jogar, eu sempre pratiquei esporte na minha vida, então, eu tive uma infância maravilhosa.
P/2 – O que você busca nessa sua infância hoje nos seus trabalhos?
R – Eu não busco, vêm coisas, lembranças boas que eu aproveito nos meus trabalhos, porque hoje as pessoas não brincam mais. Eu acho, que um dos grandes problemas da educação hoje em dia é falta de atividade, quer dizer, é falta de lazer para criança, a questão do bullying, naquela época existiam brincadeiras, brincadeiras sadias, até que você hoje poderia chamar bullying, mas não era, porque era brincadeiras sadias, ninguém estava preocupado, ninguém era de reprimir a própria criança, eram coisa normais. Então, me vem à tona coisas na minha obra, eu tenho trabalho com bolas de gude, porque eu joguei muito, com futebol, desde 71 eu pratiquei, agora mesmo eu estou em algumas exposições que o tema, vai ser lançado um álbum chamado: “Ora, bolas”, que vai ser lançado no Museu do Futebol em São Paulo. Então, eu tenho anotações, a minha carreira toda, eu tenho uns livros que eu chamo banco de ideias, que eu vou anotando tudo, muita coisa que eu faço em bar, em ônibus, ou em qualquer lugar, em avião, para mim é um grande ateliê, são as viagens aéreas, porque é muito tempo, você ali sem ter muito o que fazer, então eu tenho, assim, eu levo sempre bloco de anotações, eu passo, eu não converso em avião, eu só trabalho. Então, quer dizer, são coisas que vem normal, eu gosto de frequentar mercado público, que eu acho que é onde você conhece o povo e até hoje aqui, Recife é uma cidade privilegiada, porque tem um mercado público por bairro, então, e nesse entorno, principalmente, no Mercado São José no centro, tem muitas coisas populares. Então, eu sempre, até hoje, eu chamo excursões que eu faço pelo centro, principalmente, aos sábados de manhã, depois eu passo num barzinho, tomo uma, paro em outro lugar tomo outra, e faço essas excursões pelo Recife e em outras cidades eu também faço nos entornos do mercado, onde você descobre muita coisa, e eu acho muita coisa e onde eu acho, eu me lembro coisas de infância que eu vejo, de coisas, sem nunca ter feito análise, eu nunca senti necessidade de análise, eu já faço análise no meu dia a dia.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho, Paulo, você falou que nessa casa onde vocês moravam que era nessa praça, como é que era o bairro? Você falou de mercados, tinha feiras populares?
R – Tinha feira popular, assim, na rua. Eu já usei, já botei um pedaço de uma feira dentro do Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco em 74, numa exposição que eu fiz. E tive a sorte de ser vizinho do grande poeta do modernismo Ascenso Ferreira, que mamãe dizia que ele brincava muito comigo, eu naqueles quadrados que tinha para criança andar e brincar, eu ainda era muito pequeno, ele sempre passava, brincava comigo. E depois eu cheguei a conhecê-lo e conheço a obra dele toda, e cheguei a ajudar a fazer um disco com toda a obra dele, recitado por Chico Anísio, tive com o Chico aqui na época e passei o livro, Paulinho Lima, de Salvador, foi quem prensou e me pediu os contatos, e fiquei amigo da viúva dele, ela morreu faz dois anos, ia dia de sábado para casa dela beber, ela fazia umas galinhas de cabidela, cozinhava maravilhosamente bem, eu e os amigos, a gente levava umas cervejas, umas coisas, nessa mesma praça onde eu nasci, quer dizer, na mesma casa que ela morava.
P/1 – Me fala uma coisa, como é que era o cotidiano na sua casa? Você me falou que vocês eram sete irmãos.
R – Sete.
P/1 – Como é que era? Vocês almoçavam todos juntos? Conta um pouquinho para gente.
R – Não, no fim de semana sim, mas cada um estudava e a gente não almoçava todo dia em casa, trabalhava também. Então, a gente, de fim de semana, sempre almoçava, principalmente, no domingo, porque no sábado saía para farra, cada um ia para as suas farras e às vezes juntos, mas era raro, cada um tinha seus amigos, e a gente também fazia farra em casa, quando a gente morava em Olinda, principalmente, os amigos, tinha um pé de pitanga, de coco, a gente preparava batidas, e whisky com coco. Então, a gente sempre teve uma convivência muito boa em casa e fora de casa.
P/1 – Me fala um pouquinho da sua formação, como é que se deu? Você lembra da sua primeira escola?
R – Me lembro, eu comecei na Escola de Aplicação, que ainda existe no Parque 13 de Maio, que é próximo daqui, depois eu fui para o Colégio Nóbrega e do Nóbrega eu fui para o Ginásio Pernambucano e depois para universidade.
P/1 – Você cursou o que na universidade?
R – Eu fiz Jornalismo, eu sou técnico em comunicação, eu sempre tive consciência que minha arte é muito difícil, eu faço coisa que eu não entendo, imagina os outros. Então, eu sempre procurei ter um emprego, e ter o meu curso para poder sustentar eu fazer o que eu penso, quando eu quero, como quero e quando quero.
P/1 – Então, vamos falar um pouquinho desse primeiro, como é que seu esse primeiro contato com o mundo das artes, como isso aconteceu na sua vida?
R – Acho que dentro de casa, meu pai ouvia muita música, eu conheço a música clássica muito cedo, ouvia muita música russa, e também conheço a literatura russa muito cedo, não só a russa como outras, eu li muito na minha vida, eu sempre li muito, então eu sempre tive amigo mais de literatura e música de que de artes visuais. Então, isso para mim foi muito importante, por papai ser tenor, ele cantava também muito bem, a gente teve piano em casa, eu estudei, cheguei a estudar no conservatório de música, por isso que até hoje eu gosto de música também, trabalho com poesia sonora, música experimental, nas minhas instalações grande parte delas eu mesmo faço os sons, tenho instalações grandes sonoras, como a das fontes, que eu coletei sons de fonte de vários países onde eu passei, depois fiz um projeto com um pessoal da USP, a cada segundo uma fonte nunca se repete, eu vim montar esse trabalho agora, apesar de ser do início dos anos 80, pela dificuldade de fazer uma instalação dessa. Então, quer dizer, isso tudo para mim, na minha formação dentro de casa eu sempre tive muito apoio, mesmo no período da repressão, eu sempre tive muito apoio dentro da minha casa em tudo o que eu fiz.
P/1 – E na escola, você também teve incentivo, como é que eram as aulas de Arte? Como é que era?
R – Não tinha aula de Arte, às vezes eu era repreendido por estar desenhando a própria sala e algumas coisas. A minha nota em comportamento variava de zero a cinco, mas no Nóbrega, por exemplo, quem fosse do primeiro ao quinto lugar, todo mês tinha um quadro de honra, e eu nunca saí desse quadro de honra, embora fosse comportamento, as minhas notas de comportamento era de zero a cinco. Eu sempre fui muito brincalhão e imitava os padres no colégio, uma vez me pegaram eu imitando um irmão que tinha, que dava aula de Religião, e eu fiquei no birô falando igual a ele e ele entrou e eu não vi, ele ficou atrás de mim, então, quer dizer, tem muitas coisas. No admissão, naquela época tinha admissão, que eu pulei, eu fiz uma prova e pulei, eu fui para o colégio de padre e na hora de rezar aí eu fazia: “(balbucio)”, aí o Irmão Sabino, que era o diretor do primário foi junto de mim, aí senta todo mundo, disse: “Paulo Roberto, reze agora você sozinho”, aí, eu: “(balbucio)” “O quê?” “(balbucio)”, aí ele botou num canto de parede, aí, disse: “Pegue catecismo, você”, eu era louco para jogar bola, o recreio para mim era fundamental, e inclusive eu roubava hóstia com os meus amigos e tomava o vinho do padre, hóstia sem ser benta e tomava o vinho (risos). Ele me entregou o catecismo, em cinco minutos eu disse a ele: “Vou para o recreio”, entreguei, aí disse: “Mas como?”, aí: “(balbucio)”, rezei tudo, até hoje eu sei decorado, decoreba, as três seguidas assim, aí, ele com ar de riso, quando eu ia saindo assim, me virei ele estava rindo ali, ficou sério, eu saí correndo para ainda pegar o jogo, que para mim era fundamental. (risos) E fazia castigo, acho que eu fiz Jornalismo por eu ser muito traquinas eu ia muitas vezes à tarde, eu tenho, achei uma caderneta minha a pouco tempo do primário, fazer 200 cópias naquela época, então, acho que por isso eu gosto de escrever até hoje, eu cheguei a exercer jornalismo como fotógrafo e como texto mesmo, mas começou, a única coisa que eu sei ser é artista mesmo, então, eu deixei tudo.
P/1 – Paulo me fala uma coisa, dentro do seu estudo, dentro das escolas pelas quais você passou e mesmo pela universidade, teve algum professor que te marcou?
R – Não.
P/1 – Você me falou que você gostava muito de ler, qual foi o livro que mais te marcou nessa primeira fase sua de vida, de adolescente e tal?
R – A literatura russa, o Dostoievski, por exemplo, “Crime e castigo”. São vários livros, é difícil você apontar um, a poesia, por exemplo, eu gosto muito, eu sou de uma terra dos grandes poetas, Manuel Bandeira, Joaquim Cardoso, o próprio Ascenso Ferreira. Sempre li muita poesia também na minha vida, então é difícil você dizer, o próprio João, João Cabral, que eu cheguei a fazer um livro com os poetas pernambucanos na voz deles, um livro e um CD. Então, editei livros, já editei cerca de 18 livros, coordenado e idealizado por mim. Então, quer dizer, exatamente por conhecer bem a literatura, não para viver vomitando, o conhecimento para mim é uma coisa interior, é como uma forma de vida, um aprendizado de vida, e não para você está vociferando e tal. Eu sempre li e sempre gostei de cinema, de tudo, para mim, assim, uma formação interior, é claro, num debate assim, cheguei a conhecer João Cabral e trouxe ele aqui.
P/1 – Me fala uma coisa, você falou que nessa época, na época de adolescência, tal, você falou que inclusive, mesmo durante o processo da revolução, dentro do golpe em 64, como é que se deu isso aqui, você deu a entender, você foi perseguido? Alguma coisa assim, como é que se deu aqui?
R – Fui, eu cheguei a fazer vestibular de Medicina, eu cheguei a cursar, acho que influência, meu irmão mais velho e minha irmã são médicos, cheguei até o segundo ano e abandonei e cheguei a fazer parte do diretório. Então, eu fazia parte da turma que pichava, por eu ser artista, eu por exemplo, no quarto exército, embaixo da guarita em fiz pichação, eu ia passando e com o spray muito rápido, eu tirava e shhh, da bolsa e botava e saía andando normalmente. Então, quer dizer, eu me arrisquei muito, eu ia incendiar, eu sabia fazer molotov, que meu pai me ensinou, um dos carros que ficava nas passeatas ali no São Luiz, no São Luiz, eu e Tobias, um poeta amigo meu, que morreu de câncer até, e a gente estava com aquelas bolsas de estudante de plástico com um molotov dentro e esperando, a gente tinha marcado com um pessoal para fazer uma confusão para eles, porque ficava sempre uns caminhões compridos que transportavam soldados de um lado e de outro, para fazer uma confusão para eles saírem e a gente sacudir embaixo do carro, e terminou o pessoal fazendo a confusão e eles não saíram. A gente estava sentado na beira do rio, o Tobias ficou apavorado, eu digo: “Vá soltando devagar a bolsa e vá, não se apavore, vá soltando”, porque o cacete começou a cantar, aí escorregou a bolsa para dentro do rio e a gente entrou na briga, foi a minha primeira prisão, foi na passeata dos cem mil, eu tinha 18 anos.
P/1 – Nessa época o seu pai já havia falecido?
R – Já, já havia falecido.
P/1 – E a sua mãe, como é que ela reagiu a essa primeira prisão?
R – Era tanto estudante que o DOPS, ali na rua, não cabia, quando foi de noite eles soltaram a gente, de tanto estudante que foi preso, a gente estava amontoado, que de noite a gente foi solto. Ela sempre me deu apoio, nunca me reprimiu, por ela ter se envolvido com a política, ter sido apoiada, Gregório Bezerra ia buscar mamãe lá em casa num jipe velho nas campanhas. Então, eu sempre tive apoio.
P/1 – Me conta um pouquinho dessa época, do processo, a Revolução de 64, você se engajou em algum movimento?
R – Não, eu nunca participarei nem participei de facção religiosa, que hoje é um leilão, quanto vale Deus, cada religião faz o leilão de Deus, eu fiz até uma obra sobre isso, que era uma obra dos anos 80, que eu transformei num objeto agora chamado “Leilão de Deus”, tenho o meu time, mas também não faço parte de nenhuma facção, nem grupo político. Porque eu sempre tive ética e se você se liga a alguma coisa oficialmente, eu fui convidado já pelo PT no começo, e nunca quis me filiar a nada, porque eu digo o que eu quero na hora que eu quero, sem faltar com a ética e você sabe que os rumos são muitos, porque uma parte não, uma parte, a minha função e de outras pessoas era de desestabilizar e não assumir. Eu nunca quis ser político, eu sempre fui artista. Agora eu sou contra qualquer tipo de censura em qualquer lugar do mundo, onde houver censura eu estou contra ela e estou lutando junto.
P/1 – Conta um pouquinho como é que se deu então, você se formou na universidade e aí conta um pouquinho como é que foi se dando a evolução sua artística.
R – Eu sempre fiz minha produção, exatamente, eu sempre trabalhei, meu pai morreu muito cedo, a gente teve que começar a trabalhar muito cedo até por sobrevivência. E quando eu fui preso em 68, saiu até um livro agora que relata isso, eu acabei de chegar da Livraria Cultura para ir comprar, chamado “Documento da ditadura”, que foi um ex-preso e um advogado daqui, de preso político que escreveu, tem um capítulo sobre a minha prisão. E eu fui demitido, eu trabalhava na Joaquim Nabuco, que naquela época se chamava Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, hoje Fundação Joaquim Nabuco, e eu fui demitido muito jovem, com 18 anos, considerado comunista, tal, naquela época. Aí, depois eu fiz um concurso para INAMPS, que hoje é Ministério da Saúde, passei, era auxiliar operacional de serviços diversos, servente, e eu cheguei a vender livro e fazer alguns artesanatos, tal, como eu tinha as minhas habilidades, que depois andei atrás, nunca consegui recomprar um artesanato desse. Não me deixaram, eles me conheciam como artista. Eu comecei trabalhando no hospital no setor de pessoal, aí, terminei meu curso, aí, abriu um concurso logo em seguida, por minha sorte, de técnico de comunicação, porque no serviço público técnico de comunicação engloba tudo, aí, tirei primeiro lugar no concurso e depois assumi, me aposentei como coordenador geral de Recursos Humanos aqui do INAMPS em Pernambuco. Fui chamado para Brasília, porque eu fiz o concurso também, tirei primeiro lugar do nacional na época, mas não me interessa morar em Brasília por vários motivos, eu amo muito aqui, minha cidade tem muito a ver com a minha obra.
P/1 – E você então foi trabalhando nesse local e paralelamente foi tocando a sua obra?
R – Sempre, eu nunca deixei me aprisionar, porque o que as pessoas faziam em cinco dias eu fazia em dois, então, eu tinha a minha liberdade e, por sorte, a minha chefe sacava isso, e quando era necessário eu trabalhava sábado, eu fazia folha de pagamento, quando eu chegava fim de mês, antes era necessário muito trabalho e eu trabalhava, eu ficava até tarde da noite, então, eu sempre tinha as minhas folgas. E os próprios laboratoristas, eu comecei meus trabalhos, esse trabalho com o cérebro, eu fiz amizade com o Gilson Edmar, ele foi até vice-reitor recente, que é um grande neurologista e ele tinha voltado de Paris, me emprestou livro e me cedia o consultório dele, uma vez por semana para eu fazer minhas pesquisas. Então eu trabalhei com raio X, com eletrocardiograma, que eu chamo “Sentimentos, um poema feito com o coração”. Então eu nunca deixei me aprisionar e fui sempre trabalhando, principalmente com tecnologia, sou um dos pioneiros aqui no Brasil em questão de arte tecnologia, e nunca deixei de cumprir o meu papel com funcionário, agora, eu fazia tudo muito rápido.
P/2 – Qual é que o senhor considera que é a sua primeira obra?
R – É difícil, porque eu sempre desenhei, eu achei um caderno meu, agora eu estou mudando de ateliê com uns desenhos, eu sempre desenhei muito, todas elas são importantes, eu termino a obra ela morreu, não me interessa mais. Agora, eu sempre analiso, eu tenho aqui recortes de jornais desde os anos 60, por ordem cronológica, eu sou muito organizado, eu sou aparentemente desorganizado. Na minha criação eu trabalho com várias mídias simultâneas, tem um filme meu que aparece um para-choque de caminhão dos anos 70 dizendo: “Nem me acompanhe que eu não sou novela”, que é muito difícil. Para escrever um livro, o de Cristina Freire, o primeiro que saiu, está saindo um outro agora de Adolfo Montejo, saiu um de Cristina Teles, e ela teve uma dificuldade, as pessoas têm porque eu trabalho... mas isso tudo é muito bem compartimentado na minha cabeça, então, é difícil eu dizer assim. A minha formação é de desenhista, que é a base de tudo, você para fazer um instalação, você para fazer um filme, você para fazer tudo você tem que desenhar. Então, é uma formação, eu desenhei muito, eu muito novo, eu com 20 anos ganhei o grande prêmio de desenho aqui de Pernambuco, já tinha ganho com 17 o terceiro, eu acho, e em 71 entrei no Salão de Verão, com 22 anos, entrei no Jovem Arte Contemporânea de São Paulo também com 21 anos, no Salão Nacional eu entrei com 21, 22 anos. Então, minha formação sempre foi muito, desenhei muito, pesquisei muito, tudo que você faz você tem que fazer bem feito, e pesquisar muito, eu acho que, eu sempre me informei muito, li muito para saber tudo que se tinha feito para não utilizar um caminho já percorrido. Eu acho que o que falta muito nos artistas jovens é a pesquisa, eles têm ansiedade de mercado, eu nunca me preocupei, é consequência, o tempo é que faz, feito Darwin, a seleção natural, a questão de o reconhecimento. Espaço na mídia, com o surgimento do curador, querem ser donos dos artistas, eu não condeno curadoria, mas no meu trabalho eu trabalho em parceria com o curador. É um trabalho em conjunto.
P/1 – Paulo, conta um pouquinho, você está dizendo muito dessa questão da pesquisa, como é que se deu? Como inicialmente se deu a sua pesquisa no campo conceitual da arte?
R – Para mim foi uma consequência lógica, porque eu acho que o um sapateiro faz um sapato todo dia, eu acho que é inerente do ser humano, uma camarada que faz um telefone todo dia, uma mesa, um sofá, você vai dominando a técnica e vêm outras coisas natural na sua cabeça para você procurar. Então, quando chegou no ponto do desenho eu extrapolo, eu começo a extrapolo a questão do plano e da perspectiva, então eu começo a pensar em outras coisas. Eu comecei com cinema muito novo, porque o que é o filme de artista? É uma ideia que você tem que colocar em movimento, não é cinema, Hélio Oiticica que define isso para mim muito bem que chama quase cinema, o que a gente faz não é cinema, não pode ser classificado e é por isso que os cineastas detestam, com raras exceções, eu acho ótimo, claro, eles não sabem o que é.
P/1 – Me diz uma coisa, como é que você entrou em contato com o movimento internacional de arte postal?
R – Eu chamo arte correio, porque postal é um dos elementos que faz parte das coisas reguladas pelos Correios, arte postal foi uma coisa de Pierre Restany, que organizou uma exposição que até teve aqui no Brasil, que eram só postais. Mas os Correios oferecia uma série de coisas que você podia explorar, veicular, geniais, não só postal. Então, em 71 eu participei do salão de Curitiba com uma obra conceitual com telex, que é um dos primeiros trabalhos a nível internacional, telex como proposta conceitual. Eu recebi uma corrente no início dos anos 70 enviada por Robert Rehfeldt, do Fluxus da Alemanha, que participava alguns artistas, e na arte correio a gente era, eu vou explicar porque, a gente era a internet antes da internet, para gente a internet foi uma consequência normal, por quê? Porque a gente trabalhou com tudo que os Correios tinham, o envelope, o selo de artista, que hoje tem colecionadores, principalmente no Canadá, atrás do selo de artista, o próprio envelope como obra, o conteúdo, o postal, o aerograma, o telegrama, que era mais veloz, aí, entra o telex, aí, vem o fax em seguida, que já era transmissão em tempo real. O primeiro trabalho de fax arte no Brasil foi eu, aqui no Recife e Roberto Sandoval em São Paulo, em 1980, o que me fascinou, está saindo um livro agora esse ano com os meus textos teóricos sobre mídias contemporâneas e um deles, que eu pesquisei muito, é exatamente a arte correio e as mídias e o fax é outro, porque era transmissão em tempo real, e eu interferia no fax, não era só, porque uma outra coisa que eu acho, não é você só usar o equipamento, a maioria das exposições que eu vejo de arte tecnologia para mim, não só no Brasil como fora, não passa de um showroom, então não precisava de artista. Aliás, o artista eu acho que é uma coisa que não devia existir, porque a arte está presente em todo lugar, é uma utopia, mas eu acho que vai ter uma época que as pessoas vão aprender a ver e o artista é desnecessário, eu não vejo sentido. Então, você tem que dissecar um equipamento quando vai trabalhar com ele, como um estudante de Medicina disseca um cadáver, para você fazer o quê? Você botar uma alma dele e desvirtuar a função que ele foi criado, trabalhar em conjunto, usar como meio de comunicação tudo bem, mas não é só isso. Ele ser experimentado usando o acaso, a ousadia, e tirando proveito desses acasos e dessas ousadias, que é muito comum de quem trabalha com arte tecnologia o acaso, as grandes descobertas existiram por causa dos acasos, dos esquecimentos, claro, os acasos dentro de uma pesquisa que você faz. Então, o fax me impressionou por isso, por ser em tempo real, que é isso, então, e o importante na arte correio, existia uma consciência de rede, eu recebi há uns três anos um livro de cortesia, eu ajudei eles, Museu Delacroix de Paris, eles fizeram uma pesquisa onde tem envelopes trabalhados por artistas de cerca de 1700 até 1900, uma pesquisa genial, mas não é arte correio, por quê? Porque não se trabalhava em rede, quer dizer, desenhar envelope, desenhar um postal e mandar todos os artistas sempre fizeram, como os poetas escreveram em postais, no próprio envelope, agora, o genial da arte correio é que existia uma corrente e os Correios era o único meio de comunicação incontrolável, hoje é um sistema digital, mas naquela época era manual. E eu fiz uma pesquisa que eu apresentei na Bienal de 81, em São Paulo, que o grande núcleo foi a arte correio, eu fiz uma pesquisa em Recife, que você pode projetar para qualquer lugar do mundo, do fluxo de correspondência que entrava e saía, para você controlar era preciso mais da metade da população, então, quer dizer, e não tem nacionalidade arte correio, é um movimento que para mim mais importante, pela importância só existiu o surrealismo, o dadaísmo, e assim mesmo eram coisas localizadas, e o futurismo, depois foram movimentos menores, poucos. Eu não digo assim, eu não falo arte conceitual, eu falo como um movimento, porque arte conceitual foram artistas que começaram a trabalhar com arte conceitual, não houve um movimento em si, e arte correio estoura no mundo todo, não existe nacionalidade, existe, claro, as pessoas que se engajaram no movimento desde o começo e tiveram a participação importante de não quebrar essa corrente. A gente era ligado aos comitês de anistia internacional que funcionavam na época, porque na América Latina, eu fui preso aqui, Daniel Santiago, o Clemente Padín, Jorge Caraballo no Uruguai, e Jesus Galdamez em El Salvador, então, houve uma perseguição, Vigo, mataram o filho dele na Argentina, Horácio Zabala exilou-se, voltou recente, León Ferrari exilou-se aqui no Brasil. Então, você teve e foi importantíssimo na resistência na América Latina esse movimento, o subterrâneo estoura no mundo todo simultaneamente e todo mundo se dá as mãos, então você discutia tudo, arte é vida e vida é arte, quer dizer, você discutia qualquer coisa. Eu fui visitar Rehfeldt na Alemanha Oriental na época e quando eu cheguei no estúdio dele ele me disse assim: “Antes de mais nada, Bruscky, é engraçado, a gente se corresponde há quase dez anos, temos um pensamento mais ou menos parecido, temos um trabalho também, graficamente principalmente, e você foi preso no seu país por ser considerado comunista e eu fui preso no meu país por ser considerado democrata. Como fica essa questão?” Até hoje eu não me esqueci dessa discussão, naquela época você só podia chegar e sair no mesmo dia, eu me atrasei, ia perdendo o trem, tive um problema com a polícia, porque a gente começou a tomar vinho com outros amigos dele, outros artistas, eu perdi a hora, não estava preocupado e voltei, e passei muito tempo pensando o que é a questão de territorialidade, nacionalidade, o que é que os governos fazem com as pessoas, quer dizer, e o movimento de arte correio rompe com tudo isso, acaba com a questão nacionalidade. Existe problema, existe uma discussão de nível internacional, a gente já discutia isso naquela época. Então, existiam discussões sistemáticas, mas a grande obra era a informação, o que hoje os museus, os colecionadores estão atrás é a comprovação dessa troca de informação, mas a obra em si não era palpável, era essa troca de informação e essa resistência no mundo todo.
P/2 – Como é que funcionava essa rede, como que iam sendo estabelecidos os contatos?
R – Existiam as correntes, como corrente de dinheiro, que você mandava um trabalho para o primeiro da lista, tirava dez cópias, botava nas cópias o seu nome embaixo e mandava e isso cada um ia mandando e existia uma espécie de ética, que você recebia um trabalho mesmo sem conhecer, claro, a pessoa, você respondia com outro, claro que você não trocava correspondência com todo mundo, que era uma rede muito grande. Recentemente eu achei uns cadernos de anotações onde eu botava a pessoa que eu mandei, a data e o que tinha, para não repetir e quando eu trocava correspondência um resumosinho com três palavras, às vezes uma palavra, onde tinha terminado a conversa para não ter que reler tudo. Os catálogos vinham com endereço, seu nome e endereço, eu sempre tive caixa postal, porque eu me mudei várias vezes, então, uma forma de eu não quebrar era caixa postal, geralmente os artistas usavam a caixa postal, porque você se mudava não alterava, você quebrar os contatos nem ter que mandar informação. E eu não tinha, assim, condições, inclusive eu comprava selo usado e botava, como se fosse carimbado eu tinha acesso no guichê filatélico e botava ele na ponta e como se tivesse sido carimbado, porque eu não tinha condições financeiras para atender. Na Suécia, teve um grupo aqui da Suécia que filmou o meu arquivo, teve um artista que falsificava os selos e botava e veiculava, eu tenho no meu acervo, eles vieram aqui documentar, que tão atrás do trabalho desse artista, então ele falsificava o selo, fazia igualzinho, botava e veiculava. E os Correios brasileiro eram muito eficiente, que era só correio, era um dos mais eficientes do mundo na época, era um prazo mais ou menos de uma semana para qualquer lugar do mundo, eu olhava a data do que eu mandava a correspondência e data que eu recebia, eu fiz uma exposição, eu fui preso em 76, a minha terceira prisão, foi por causa de uma exposição de arte correio. Eu não sabia que o SNI era em cima, no quarto andar dos Correios, então, quando eles viram a exposição, eles desceram junto com a Polícia Federal, o diretor tinha autorizado, eu tinha feito um carimbo, já tinha saído na COF, que era a revista dos Correios, tudo, aí disseram: “Vai ter que tirar uma série de obras”, a exposição praticamente já aberta, cheia de gente, aí eu digo: “No dia que eu tiver autocensura ou censura eu me mato, eu não tiro nada”, “Então você está preso”, eu digo: “Então eu estou, mas não retiro nada”. Eu nunca submeti, na época você tinha que submeter seu trabalho ao serviço de censura e diversões públicas da polícia federal, eu nunca o fiz, a arte nunca foi feita para ser submetida a nada, nem um tipo de censura, não tenho nada a ver com os artistas que se submeteram, agora eu, e arquei com as consequências, nunca tive medo de morrer, um dia eu vou ter que morrer. A tendência é todo mundo morrer, então eu nunca tive medo. E arte correio para mim foi uma coisa importantíssima na minha formação porque eu de Recife, eu sabia o que o mundo pensava e vice-versa através da arte correio, eu só não, quer dizer, todo mundo que participava da rede para as discussões, quando o artista era preso os comitês de anistia que na época funcionava, a gente mandava uma avalanche de correspondência para aquele país, para o Ministério da Justiça, se assim aqui podemos chamar, para presidente. Então, era mais difícil matar um artista que estava preso, correio, porque eles sabiam que o mundo todo estava pressionando ali, e os comitês de anistia na década de 70 tiveram uma importância muito grande e eles apoiavam a gente quando um artista era preso, então Guillermo Deisler é um cara importante, que agora que tão levantando a vida dele no Chile, saiu muito cedo, estão levantando, para fazer uma grande exposição dele, que ele foi exilado, eu tive contato com ele a vida toda. Então, quer dizer, para mim foi, eu acho que, para mim não, eu acho que dentro da história da arte foi fundamental, foi não, ainda é porque até hoje usa a internet, que eu chamo email arte, porque em inglês é mail art, daí eu chamo é-meio arte, então eu faço esse trocadilho desde o ano 2000 e você não pode mandar determinadas coisas pela internet, então, o correio ainda continua funcionando para mim e para vários artistas.
P/1 – Me fala uma coisa, na verdade com quantas pessoas você se correspondeu? Você tem ideia?
R – Meu arquivo é um dos maiores do mundo e está preservado, não tenho ideia.
P/2 – Para onde foi a carta mais longe que o senhor mandou? O lugar mais inusitado?
R – Tinha Liechtenstein, Nova Caledônia, quer dizer, tinha vários países que eu nunca tinha ouvido falar, e recebi. A Rússia entra depois um pouco, havia uma certa censura, a Tchecoslováquia já não, dos países a Hungria entra logo cedo, tem bons artistas, a Polônia, que na verdade Guillermo Deisler era polonês, ele depois vai para Alemanha Oriental, vai para Bulgária e depois Alemanha Oriental. Então, os países chamados socialistas, na época o que chamavam cortina de ferro, um termo pesado, pejorativo, sempre participaram, por isso que eles são muito bons, eu fiz uma análise no meu arquivo, na gravura, porque os meios de reprodução era proibido você ter acesso como xerografia e outros, eles são bons na gravura, fotografia, outro meio de reprodução que você pode ter em casa um laboratório, um ateliê de gravura, sem que ninguém saiba. É feito aqui nos anos 70 você ter um mimeógrafo, era mais perigoso do que ter uma metralhadora, você tinha que registrar o mimeógrafo na polícia e a gente sempre teve e nunca registrou, que a gente rodava, não só trabalhos como panfletos mesmo, anônimos.
P/1 – Eu ia te perguntar isso, que tipo de material era utilizado por esses artistas?
R – Tudo, do lixo a qualquer material, colagem, texto, não existia premiação, julgamento para exposições, quer dizer, não existia uma estética, como não existia censura, existia censura por parte dos governos, mas não existia nenhum tipo de negação de qualquer trabalho, eu acho que cada um se expressa da forma que quer, eu tenho o meu caminho.
P/1 – Qual é o material que você principalmente usava?
R – Eu utilizei as coisas do próprio correio, eu fiz uma performance com uma carta de dois metros por um e percorri o centro da cidade até chegar nos Correios, naquela época os Correios fechava às seis, desorganizou, eu cheguei perto de seis horas, foi um alvoroço, foi preciso chamar a polícia, porque eu li a UPU, que é a União Postal Universal e não limitava, a partir dessa ação eles botaram tamanho mínimo e máximo. Então, eu fiz uma confusão dizendo que eles me provassem, porque não podia postar, ampliei o selo, colei, e era uma exposição que ia ter em 75, chamada: “A última exposição de arte por correspondência”. Na Argentina usava muito o termo arte por correspondência, no espanhol de uma forma geral. Eu tinha sido convidado para uma exposição por Vigo e Zabala na Galeria Arte Nueva de Buenos Aires e eu já fiz essa performance, é claro, no fim eu mandei pelo colis postaux, que era encomenda que eu sabia, e um amigo meu documentou tudo em slide na época e o envelope seguiu, ficou exposto na galeria, pendurado com nylon, a carta, eu fiz uma carta gigantesca, ia saindo do envelope e essa série do evento, desde a rua, sendo projetado sobre a carta e o envelope, o meu trabalho foi esse. Quer dizer, você tinha várias alternativas na arte correio, documentação de performance, exposição de livro de artista, filme, vídeo. Você tinha, assim, tudo era veiculado, não existia, era preciso, claro, muita coisa seguia daqui, porque eu fiz amizade com o pessoal dos Correios, com as meninas da filatélica, eu mandava mais pela filatélica, que era uma forma de burlar, porque o pessoal do filatélica trabalha mais cultura, era um pessoal mais culto, então, era mais fácil de eu burlar, a própria censura estética dos Correios, interna.
P/1 – Me fala uma coisa, como é que se deu essa exposição que você falou que você colocou e que na verdade os militares chegaram e queriam que você tirasse, você teve alguma exposição que foi fechada por eles?
R – Teve, em 71 eu fiz uma exposição na Empetur, que o exército fechou.
P/1 – Por quê?
R – Porque eu fiz o enterro deles, tinham vários trabalhos criticando o próprio regime, a censura, e no dia seguinte eu fiz um caixão pequeno e convidei os amigos, fizemos o enterro da censura, eu nunca tive medo. Aí, em 74 eu fui preso, exatamente por fazer trabalho de rua, intervenções, porque se você faz um trabalho na rua as pessoas, o happening é diferente da performance, no happening é um trabalho na rua, coletivo, que o artista, vamos dizer, ele dá o tiro inicial, ele não sabe a trajetória da bala e nem se ela vai chegar a algum alvo, o público é que tem uma participação fundamental, você lança a ideia inicial. Isso provocava qualquer uma reação, pensamento nas pessoas e para nenhum governo é interessante que as pessoas pensem, quanto mais pessoas sem pensar, quanto mais pessoas que não tão preocupadas com nada. Até hoje a gente tem a consequência aqui no Brasil, você vê muito som alto, muito coisa é alienação, que é isso, é você ausentar a sua cabeça, eu fico olhando, quer dizer, eles fizeram uma lavagem cerebral muito grande, até hoje aqui no Brasil você vê, aaaa, é umas coisas, e isso é o quê? Uma alienação em consequência de uma série de coisas, que você não quer pensar, você quer ocupar sua cabeça com alguma coisa, a sua mente. E eles fizeram e não podia se reunir duas, três pessoas na esquina. Aí, quando eu saí da prisão eles disseram, botaram dois caras no meu calcanhar e disseram assim: “Você vai parar com isso, porque a gente tem gente especializada no exterior, nos Estados Unidos, em acidente, eu posso lhe matar acidentalmente na hora que eu quiser. Eu vou lhe soltar, mas você está aqui na minha mão a sua vida e sua própria família, porque tem gente especializada”. Aí, eles passaram, depois de seis meses eu fiz uma exposição chamada: “Nadaísmo”, uma exposição denúncia a Galeria vazia e fiz um manifesto e li e disse: “Os dois canalhas estão aqui dentro”, eles estavam: “E diga lá aos outros canalhas que eu vou continuar fazendo minhas coisas” e disse: “Se eu for acidentado”, aí contei a história: “Estou sendo assassinado, não é acidentado”, meus amigos queriam sair nessa noite comigo: “Não adianta, é um exército, cara, que eu estou enfrentando, não é dez pessoas, não adianta vocês saírem comigo que eles, tanto faz matar um como dez, como vinte”. Então, foi uma noite para mim que eu fiz um teste, assim, eu digo: “Se eu amanhecer é mais difícil me matarem”. Depois e saí, mudei até um pouco o roteiro dos bares para não encontrar meus amigos, para evitar que morressem comigo alguém, e amanheceu e eu estava vivo (risos), então, quer dizer, foi isso, esse período.
P/1 – Me conta um pouquinho como é que se deu a sua ida para Nova Iorque através da bolsa do Guggenheim.
R – Eu fiz um projeto chamado: “Os multimeios na reeducação da percepção sensorial”, voltada mais para um público infantil, porque era uma bolsa, eu li o regulamento, estava mais interessado em coisas que acrescentassem alguma coisa ao pensamento, e era uma espécie de deseducação, e para meu espanto, geralmente as pessoas aplicam, até hoje fui o artista mais jovem que ganhou, eu ganhei com 31 anos, quando eu cheguei lá eles me disseram. E para mim foi genial, eu comprei todos os equipamentos, era uma bolsa muito boa, eles davam uma carta de apresentação, que de lá eu fui para Europa, que eu nunca apresentei em lugar nenhum, a não ser uma vez num trem, na Alemanha, que eles pegaram meu passaporte cheio de carimbos de vários países, o cara veio encher o saco, foi que eu esfreguei na cara dele a carta, por eu estar de camiseta, tênis, e só. Então, foi um período que eu passei, eu dormia pensando e acordava para pensar, então, eu tinha uma produção muito grande nessa época, a Xerox em Nova Iorque me deu uma semana para eu fazer meus filmes e outras pesquisas, que eu inventei um processo com filme, que eu chamo xerofilmes, que eu criei, então, eles me deram uma semana de pesquisa. Então eu trabalhei muito. Tive contato pessoalmente com os integrantes, alguns deles, do grupo Fluxus, como Ken Friedman, que é um dos pioneiros da arte conceitual, que eu mantenho contato até hoje, ele estava na Austrália, atualmente ele está na China. Então a gente continua, tive com Dick Higgins, tive Alice Knowles, que é a mulher de Dick Higgins, e alguns outros. E com o grupo Gutai, que é anterior, eu tive com Saburo Murakami, que é um grupo importante dos anos 50, e Shozo Shimamoto eu tive dos anos 70 até março desse ano, quando ele morreu, ele morre no mesmo dia de Walter Zanini, grande crítico de arte, um dos mais sérios da história do Brasil, que ele que abre uma via de duas mãos para os artistas brasileiros em relação ao exterior.
P/1 – Me fala uma coisa, Paulo, eu queria que você falasse um pouquinho dos processos de alguns dos seus trabalhos, que você acha que marcaram épocas na sua vida artística e tal.
R – Uma coisa complementa a outra, eu estou fazendo um livro de artista e me vem. A fotografia é outra coisa básica, eu falei no desenho, mas a fotografia também é básica em qualquer coisa, e eu sempre trabalhei, por meu pai ter sido fotógrafo, na minha casa a gente tinha uma Polaroid, tipo Polaroid russa, e antes da máquina digital eu levava a máquina analógica, principalmente, quando ia fazer um trabalho mais de land art, uma coisa mais distante, eu levava a Polaroid e a analógica, fotografa na Polaroid e olhava e já sabia mais ou menos o que eu estava fazendo na analógica. Então, eu tenho vários trabalhos com Polaroid e sempre usei ela como uma visão antecipada do que eu ia fazer, e aproveitava também, trabalhei com fogo por trás, uma série de coisas da própria foto, então eu acho que outra coisa básica é a fotografia. Então, eu não tenho, assim, uma linha de trabalho, eu trabalho com várias mídias agora integradas uns aos outros. A instalação, por exemplo, a instalação é uma coisa difícil, eu acho, vai ter uma grande mostra minha retrospectiva no Museu do Bronx agora em Nova Iorque, vai de setembro desse ano a março de 2014, e o performance de lá, um grupo que tem que patrocina performance, uma organização, mandaram me pedir, que eles tinha interesse que eu fizesse uma performance, aí, eu digo: “Aonde? A distância das pessoas? O espaço?” Porque eu não tenho feito instalação, eu não tenho, assim, uma coisa pronta, eu tenho que analisar o espaço, o entorno, a distância das pessoas, eu tenho que fazer uma coisa específica para aquele lugar. Numa retrospectiva você pode mostrar alguma coisa, mas eu não faço nada, eu não repito obra. Então, eu tenho tanta coisa anotada ali, que se eu viver 500 anos ainda fica coisa para ser feita. Santos Dumont tem uma frase, eu li e pesquisei uns caras curioso, que eu acho, e ele é um dos caras que eu achei curioso e pesquisei ele, ele tem uma frase que eu uso num projeto meu, ele diz assim: “Tudo o que um homem pensar outros puderam realizar”, e foi um cara genial. Agora eu pesquiso muito, eu disseco muito os equipamentos e para ver até um aliado ao outro, eu sempre misturei muito uma técnica com a tecnologia com outra e, por exemplo, slide com a xerografia, eu inventei um equipamento em Nova Iorque que acoplei à máquina. Eu mesmo criei lá uma geringonça que eu acoplei na máquina movido a raiado. O conhecimento de fotografia é importante porque começou líquido, a xerografia começou líquido, todos os processos desse meio de reprodução começaram líquidos e termina seco, feito o fax hoje em dia é seco, então, quer dizer, que todas as invenções, o papel de impressão, você tinha que preservar ele porque ele levando muita luz. Eu trabalhei com heliografia utilizando a luz normal e a luz do sol, aí obtive cor que ela não dava. Então, você tem que experimentar, muitas vezes não dá em nada, mas a experiência, a pesquisa é isso.
P/1 – Paulo, me fala uma coisa, você nos comentou que quando você termina uma obra ela morre, e como é que de alguma forma, eu queria saber se, por exemplo, a arte dos Correios ou qualquer outro movimento que você fez diante do processo criativo, ele deixou algum filho, ele teve alguma influência no processo ou nessa nova forma, nessa nova linguagem artística sua?
R – A arte correio foi fundamental na minha formação dos anos 70, embora eu desde muito cedo eu aprendi a me deseducar, o que não foi fácil esteticamente, e a questão da utilidade da ideia ou do que é feio, o que é belo, que veio do cristianismo, o que é o pecado, o que é o mal, o que ó bem, o que é o mal, então eu me desvinculei, me deseduquei, claro que não foi fácil, mas desde muito cedo eu procurei me deseducar para questão estética e para questão da utilidade da ideia. Não me preocupo se o que eu faço é bom ou ruim, se vai servir, se não vai servir, estou pouco me lixando para tudo isso. Então é uma coisa que eu sempre, eu sempre trabalho despreocupado, é por isso que a obra termina. É claro que eu estou sempre olhando, às vezes me vem uma ideia de uma continuação, eu gosto muito de coisas achadas, que vem de Duchamp. Eu estou fazendo uma exposição em São Paulo para o ano, deve ser no Sesc, chamada: “Artistas achados e apropriados”. Então eu vou pela rua, eu ando sempre muito atento, eu nunca faço o mesmo percurso, e eu acho que a gente está perdendo os sentidos, eu não, eu sempre aguço mais os meus, e eu acho as coisas que eu tinha ali, eu achei um Joseph Beuys numa construção, que eu podia botar o nome dele, como eu vou botar na exposição, ao lado vai ter a obra e um texto, então são coisas que eu tenho feito.
P/1 – Paulo, você esteve em Nova Iorque, você foi com 31 anos, você falou que você foi muito novo para lá?
R – É.
P/1 – E depois você foi para Europa, essa tua viagem durou quanto tempo?
R – Dois anos, eu, por exemplo, eu crio em qualquer lugar, eu achei que em Nova Iorque acontece muita coisa, mas eu achei grande parte do povo provinciano, eu achei, aquela coisa do bombeiro, eu analiso muito as coisas assim, toda a vitrine um carrinho de incêndio, a polícia. E eu achei o povo muito conservador, provinciano, o povo em si, a grande parte, eu não digo os lugares que eu frequentava de arte, mas o povo em si é muito conservador, eu achei, de uma forma geral.
P/1 – Como é que você se correspondia, como é que você entrava em contato com os seus parentes, com seus amigos quando você estava em Nova Iorque, quando você viajou pela Europa?
R – Muito pouco, muito pouco, muito pouco, porque eu fui para trabalhar. Eu trabalhei muito, então, e eu disse à minha mulher, meu filho tinha um ano, era uma bolsa muito grande, eu disse: “Quero voltar com o dinheiro do táxi do aeroporto para casa” e minha bolsa ainda foi maior porque eu disse, que eles aumentaram, que eu ia com um filho de um ano, então eu não ia, eles aumentaram. Então, eu vivi Nova Iorque, pesquisei, comprei muita coisa, frequentei todos os lugares, como vivi a Europa e cheguei no aeroporto com o dinheiro do táxi.
P/1 – E a sua esposa?
R – Mandei várias caixas de livro, e ela concordou porque vivenciou também.
P/1 – Ela estava junto? A sua esposa e seu filho foram com você?
R – Foi, eu tinha um filho com um ano e minha pesquisa era exatamente sobre a questão dos multimeios na reeducação da percepção, eu não ia deixar um filho com um ano nem minha mulher.
P/1 – Paulo me fala uma coisa, você participou de várias bienais, internacional em São Paulo, quais foram as mais marcantes para você?
R – A do meu ateliê, a que eles levaram todo o apartamento, refizeram o apartamento dentro da Bienal, que minha obra praticamente não aparecia, porque o meu ateliê é a obra de outros artistas que eu gosto, eu vejo normalmente mais obras de outros artistas do que as minhas, aqui não porque eu tive mais espaço. Mais o importante o ateliê eu concordei, foi proposta do curador, não foi proposta minha, eu não o conhecia. Eu nunca fiz proposta de participar, eu nunca procurei um crítico nem um museu até hoje na minha vida, nem uma galeria, nem ninguém, eu faço arte porque eu necessito para não endoidecer, eu não faço arte para ter qualquer tipo de retorno. Então, para mim foi importante porque mostrou o processo, o que era, quer dizer, o que é o processo como o artista trabalha, como funciona um ateliê de um artista, como é seu processo de criação, isso foi importante. Inclusive a Bienal não cumpriu, que eu me chateei, que era no corredor aonde a gente discutiu muito, os arquitetos abriu uma das paredes do apartamento e eu exigi que fosse um corredor estreito, como o ateliê, meu apartamento é pequeno, e ali teria um terminal de computador para pesquisar. Eu no ateliê vago aqui discuti duas vezes por semana, eu duas vezes por semana. Então, eu propus que duas vezes por semana o pessoal lá na Bienal, nesse terminal, eu aqui, a gente por Skype discutisse o que foi o vazio para mim, que foi uma experiência, o que me interessou além do processo, principalmente, era o vazio porque até a prancheta com as últimas obras que eu estava desenhando ali, elaborando, foram. Então, quer dizer, eu fiquei com o vazio, essa experiência do vazio para mim foi muito importante, e isso não foi cumprido. O que me chateou, porque eu queria discutir com eles lá em São Paulo ou quem tivesse de qualquer lugar lá, o que é a questão do vazio no artista, porque geralmente só são feitos, mostrado o ateliê dos artistas mortos, eu acho que foi o primeiro artista que foi exibido vivo, assim, de mostrar o ateliê completo. E isso não foi cumprido, isso me chateou.
P/1 – O que foi esse vazio para você? Fala um pouco desse vazio para você na época.
R – Foi uma experiência muito importante de reflexão, de pensar no próprio processo de criação, no meu comportamento de criação, entrar num ateliê, o meu comportamento de vida, que para mim não faz diferença. Assim, o meu dia a dia, que eu passo mais tempo no ateliê do que em casa, do que qualquer lugar, a minha vida toda. Então, quer dizer, o que foi, me levou a refletir mais sobre esse tempo que eu passo. Assim, e não deixei de ir não, aos poucos os amigos foram levando almofadas, a gente montou um bar de novo (risos), eu gosto muito de beber, e começamos a discussão e daqui a pouco já tinha uma minibiblioteca, que eu fui comprando livro e levando e continuei trabalhando, improvisei uma mesa.
P/1 – Essa foi a 26ª Bienal ou foi a 16ª?
R – Acho que 26ª, eu já tinha participado antes em 89 de eletrografia, como participei de algumas no exterior também.
P/1 – Essa primeira que você participou, internacional de São Paulo, foi com que obra que você foi para lá?
R – Teve uma experiência no início dos anos 70 de Wlademir Dias Pino, que abriu o espaço dele para vários artistas, ele foi convidado em 74, eu acho, e ele abriu o espaço dele, convidou vários artistas para ocupar o espaço, eu participei, mas aí não é uma participação oficial. Aí, em 89 eu participei com o fax e xerografia, com fax arte e xerografia, fiz fax performance, aí, participei dessa com o ateliê, participei de uma outra em seguida que eu não me lembro, uns quatro anos depois, 2010, sei lá. E lá fora eu já participei da Polônia agora a pouco, o ano passado, participei na Itália, uma de livro de artista, já participei de uma em Liechtenstein de fax, que foi a primeira bienal de fax arte internacional. E para mim é a mesma coisa, eu não, estou agora nessa bienal das bienais, nenhuma exposição modifica, nem nenhum prêmio modifica o meu modo de pensar nem de fazer nada. Minha obra está sendo vendida agora, eu nunca sonhei com isso. Uma coisa que eu não pensei alcançar em vida, porque eu sei que é muito difícil, mas está sendo assimilada agora.
P/1 – Me fala uma coisa Paulo, eu queria que você falasse um pouquinho mais sobre o movimento Fluxus e do Gutai, eu queria que você falasse um pouco mais a respeito desses movimentos e com quem que você se correspondia nesse movimento?
R – São dois grupos, o Gutai é de 56, praticamente, quando eles fazem o primeiro evento e o Shozo Shimamoto, que morreu agora em março, ele me mandou, apesar da diferença de idade da gente, ele morreu com 90 anos, eu estou com 64, e a gente trocou, eu tenho cerca de 200, mais de 200 correspondências, a obra dele, e ele me mandou uns recortes de jornais da época, toda a documentação do Gutai, da criação do Gutai e a gente trocou sempre. Eu fiz uma exposição internacional de arte em outdoor aqui, foi a primeira em São Paulo, depois fez em 81, e ele me pediu o projeto e fez lá em Osaka, e eu mantive a correspondência com ele, porque ele é diferente do restante do grupo, ele por ter participado, o Saburo Murakami participou da arte outdoor, me mandou três projetos para eu escolher um, os desenhos, eu escolhi, ele participou com um projeto, mandou um com água, uma com fogo e outro que eu não me lembro, eu escolhi o com água, e a gente manteve pouco contato. O Shozo já era mais aberto do grupo, então ele fundou lá a união dos artistas e continuou trabalhando com os jovens artistas, então, ele é um cara que editava um boletim informativo genial, grande assim, todo dobrado, que você mandava, dobrava ele e mandava pelo correio, não tinha envelope, tinha um espaço para você endereçar. Então, quer dizer, eu conheci, que só mais ou menos recente é que descobriram o Gutai. Eu já conhecia o grupo há muito tempo, quer dizer, quando começaram as primeiras exposições, é uma coisa recente na Europa, tem poucos livros publicados sobre o Gutai até hoje, se você olhar na internet você achar pouquíssima coisa. E o Fluxus eu tive contato por causa da arte correio, e quando eu fui morar em Nova Iorque e na Europa eu tive contato com vários deles do grupo. O Gutai era localizado, era em Osaka, eles fizeram excursões, e o Fluxus também era localizado, inclusive havia uma discussão entre Maciunas e, principalmente, Ken Friedman, Maciunas não queria que nas excursões, queria que fosse um grupo fechado, ele era muito ego. Queria que fosse aquele grupo, o Fluxus e acabou, aqueles participantes, uma coisa elitistas. E Ken Friedman e alguns outros membros do grupo não, disse: “Vamos incorporar porque Fluxus é um estado de espírito, não é um grupo, é um artista, é um estado de espírito no artista”, denominou-se Fluxus por causa desse estado de espírito que chamou-se, que é Maciunas que dá o nome e funda uma revista que eu consegui pela internet comprar recente, que a capa é dele.
P/1 – O que era o movimento Fluxus? Explica para um leigo, por exemplo.
R – O Fluxus, ele quebra exatamente, é o primeiro grupo internacional, que eles começam a fazer a experiência de arte correio, é o primeiro grupo, porque o que é que você tinha no dadaísmo? Você tinha o grupo de Nova Iorque, o grupo da Alemanha, mas o Fluxus era esparramado, não tinha aqueles grupos localizados, Nova Iorque, Fluxus em Germany. O Cobra, que é outro grupo importante, mas era naquele eixo ali, Dinamarca, Bélgica. Então eram coisas localizadas, o Fluxus é mais disperso, as pessoas não obrigatoriamente moravam em Nova Iorque, embora a grande concentração fosse Nova Iorque, mas a pessoas moravam no Japão. Tinha na Suécia, tinha na própria Dinamarca. Tinha alguns dos integrantes, por exemplo... É porque se você analisar na história da arte esse, os primeiros grandes movimentos, futurismo, dadaísmo, surrealismo, são artistas que vão migrando. E o Fluxus tem japoneses que participaram do grupo Fluxus, não exatamente do Gutai, como Yoko e outros japoneses, eu acho que ainda tem um do Gutai que participou do Fluxus no começo. Aí, então, ficava essa discussão e foi um grupo, o Gutai é importante por quê? Porque eles trabalharam com arte tecnologia, com lâmpadas fluorescentes a performance, acho que é Saburo Murakami, eu não me lembro, eles trabalharam com land art, com fire art, sky art. Coisas pioneiras que ninguém falava praticamente, e eles trabalhava em grupo, como grupo de pesquisa, com a coisa do importante, que eu tenho essa documentação, mesmo antes de sair em livro, eu tenho recortes de jornais de época que eles mandaram. E o Fluxus também extrapola essa questão, quer dizer, a arte é tudo, são pessoas que mostraram que a arte é uma forma de ver e não de fazer, é por isso que é uma utopia, mas eu acho que os artistas devem acabar, que eles têm que ensinar as pessoas a ver.
P/1 – Então, assim, se eu posso fazer essa afirmação, quando você trabalha com instalação, que você mistura vários tipos de obra, no fundo é uma forma de sensibilizar para essa questão da arte espalhada? De como ela está no dia a dia das pessoas? Você acha que é uma forma de maior compreensão? De melhor compreensão?
R – Sim, eu acho que facilita mais, não foi feito com o propósito, a performance, por exemplo, faz isso antes da instalação, porque na performance você tem que ter domínio de palco, você tem que entender de literatura, você tem que entender um pouco de música, que você vai trabalhar, então, a performance é que junta, quebra os segmentos distantes. A instalação entra com um elemento novo que é a arquitetura, questão espacial, que a performance não explora, algumas exploram, a performance para mim se demora muito é teatro, deixa de ser performance, a não ser alguns casos, onde a resistência, a proposta, a resistência do corpo, feito Hermann Nitsch, que ele termina se matando, se autoflagelando, Marina Abramovic, que usa o recurso do corpo até a exaustão, aí sim não é teatro, mas tem artista que fica repetindo como se o público fosse idiota. É como filme de artista muito longo, porra, vai fazer cinema de verdade, não vá fazer cinema de artista, porque não precisa ter começo, nem meio, nem fim, é uma coisa que é uma ideia em movimento, sem nenhuma estrutura da filmografia convencional, como também a performance não precisa ter uma estrutura do teatro mais convencional, é claro que você tem que ter um pouco de conhecimento, porque se não você não domina o espaço e é difícil você fazer uma performance se você não conhecer o espaço e não dominar. É claro que há alguma coisa de improvisação, não está fechado, mas você tem que estudar muito essa questão do espaço, principalmente, o espaço, a coisa mais difícil é você encerrar uma performance, para mim, eu acho, eu fico observando é o fechamento. Quando você faz assim, chega, basta, acabou.
P/1 – Você olhando para esses artistas que usam ou a performance ou a instalação quem foi referência nesse mundo artístico?
R – Eu escrevi nesse livro, são textos meus sobre a história da performance, porque dentro da história, dentro da performance você tem a performance ritualística, você tem a performance que pega por esse lado ritualístico, religioso, você tem a mais conceitual, então você tem uma gama, a sociológica. Eu discuti aqui no Recife com Boris Nieslony, um alemão que é o maior estudioso na performance, a gente fez um debate chamado: “Entre arquivos”, ele fez um estudo da performance, ele me deu o cartaz, que você não consegue baixar na internet, então ele fez um estudo, ele trabalha com grupos que passa, assim, uma semana fazendo performance. Então, você tem várias ramificações, então você não pode, eu gosto de uma definição, você não pode definir porque existem várias ramificações dentro da performance, por exemplo, como dentro do filme de artista, o livro de artista, o pessoal confundo com livro de arte, é outra coisa. Agora, Frederico Morais para mim é quem resume muito bem: “O corpo é o motor da obra na performance”, acho que ele fecha muito bem essa questão do corpo como representação, é a mesma coisa de você ir fazer uma palestra e ficar lendo, podia ser um gravador, podia ser. Pela internet, eu acho que você fazer anotações tudo bem, porque eu acho que, e deixa isso pros políticos.
P/1 – Paulo me fala uma coisa, voltando um pouquinho, por que você resolveu, por que você escolheu, na verdade, acervar, ou seja, essas correspondências, por que você resolveu criar um acervo dessas correspondências todas?
R – Preservar a minha vida, a minha história, eu tive proposta de compra milionárias, mas isso é a minha vida. Teve um museu dos Estados Unidos que me ofereceu uma cifra milionária, eu não posso vender a minha vida. Aí, seria o retrato do Dorian Gray (risos). Seria eu trocar minha vida por dinheiro. Eu nunca precisei de vender a minha obra até hoje, eduquei os meus filhos, não vai ser a partir de hoje, que venda outro, ótimo, para poder usufruir mais, viajar mais que eu gosto, fazer minhas farras mais gostosas. Mas eduquei meus filhos, sempre vivi até hoje, eu nunca precisei muito para viver. Então, não me interessa me desfazer disso.
P/1 – Paulo, qual foi a obra que você criou que foi mais difícil e por quê?
R – Uma delas foi essa instalação que eu chamo: “Fontes” e mesmo lá na USP foi difícil achar um cara que fizesse esse sistema. Criasse, porque é um projeto, foi exposto agora numa retrospectiva minha, acho que há dois anos na Pampulha, foi gigantesca assim, e as caixas aparecendo, os fios, eu não estou preocupado, a minha obra é suja, eu não sou, feito a de Barrio, eu também acho um artista, Cildo é um artista sujo, Valtesse é um cara clean. Então, eu não estou preocupado nem com a aparência da obra e nem com a coisa, aparece os fios assim, e a dificuldade é que é o seguinte, são fontes do mundo todo, eu queria que cada caixa, cada segundo modificasse, então a vida toda, se ela ficar funcionando, você nunca vai ouvir igual. Então, isso foi uma das obras mais difícil. Colorir as nuvens eu nunca consegui, é do início dos anos 70, a aurora boreal artificial colorida, os Estados Unidos já fez, quer dizer, hoje você vê, eles documentam a aurora e tal, é outra coisa porque é caríssimo, era com anilina, a nuvem é um picolé, você com anilina vegetal de laboratório, é caríssimo. A gente chegou a fazer uma pesquisa, para realizar, uma instituição quis patrocinar, mas é inviável porque, em Campinas ainda tem, em Fortaleza tinha um avião que bombardeia para provocar a chuva, então, esse avião você levar anilina e bombardear a nuvem com anilina vegetal em pó, então, ela toma aquela coloração e chove colorido (risos), eu fiz escultura baseado nisso com cor e sabor, havia, então as pessoas saboreiam a escultura. Então, são trabalhos que nunca, é muito difícil serem, eu tenho vários projetos, o Tomie Ohtake fez uma exposição minha o ano passado só de projetos censurados e quase impossíveis de serem realizados, então, quer dizer, que exige, embora que hoje você tenha uma ideia é mais fácil você executar pela evolução, que eu acho que na medicina ainda está muito tardia, eu não admito hoje existir diabético, uma série de doenças que eu acho que os laboratórios é que manipulam essa não cura, porque o número e número de desemprego, a radiologia deixou de existir praticamente, porque ia trazer um problema social no mundo tremendo. Então, essas questões da tecnologia e da questão social e da questão humana são coisas que eu sempre pesquisei, coisas que me impressionam muito, as pessoas morrem, porque se não vai criar um estado social, por que é que existem as guerras? Porque se não vai dar um problema seríssimo social, então, isso tudo sempre. Então, esse projeto das fontes é um deles e outros e outros que eu tenho. E fora esse, quer dizer, assim, nunca tive, e tudo para mim, assim, eu não crio dificuldade para executar uma obra, eu não sou um cara chato, de rigor assim, claro, é como eu pensei, mas eu não sou um milímetro aqui, um milímetro ali, se funciona não tem problema nenhum.
P/1 – Paulo, você falou que é casado, você conheceu sua esposa como? E quantos anos você tinha?
R – Eu conheci, houve um concurso no IBGE, no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, eu trabalhava no Inamps, e houve esse concurso que eles pagavam muito bem, era uma pesquisa, era consumo alimentar orçamento familiar, que nunca foi publicado, foi em 74, com os militares, e eu fui também, me interessou, porque eu fui trabalhar na zona canavieira, então, você não podia interferir e você via tudo o que eles não comiam e o que não ganhavam, porque o dinheiro ficava nos barracões e eles não tinham o que comer. E o relatório eu botei para lascar. É claro, eu não fiquei, mas inclusive eu já tinha o meu emprego, então, eu conheci ela lá nessa pesquisa, ela foi coordenadora também, sendo em área diferente, eu coordenei, ela foi para um outro interior, eu fiquei aqui no Cabo, na Cidade do Cabo, na zona canavieira do Cabo, na zona rural, e a gente se conheceu lá, e quando se encontrava aqui na cidade a gente ia para um barzinho tomar um negócio.
P/1 – Como é que é o nome dela?
R – Socorro.
P/1 – E qual é a formação dela?
R – Ela é socióloga.
P/1 – Vocês casaram logo? Ou não namoraram muito tempo?
R – Tu sabe que eu não me lembro (risos), eu acho que, eu não me lembro (risos), quanto tempo, não sei.
P/1 – Não tem problema. Quantos filhos vocês tiveram?
R – Três.
P/1 – Qual é o nome deles?
R – Igor é o mais velho, Yuri e Raíza, com ‘z’ e acento no i, eu botei os nomes em homenagem ao meu pai.
P/1 – Todos russos?
R – É.
P/1 – Qual é atividade deles, algum é artista ou não?
R – O mais velho é médico neurologista, Yuri é jornalista e escreve sobre música também, é um pesquisador de música, e Raíza é designer, que me ajuda muito também, Yuri me ajuda nos livros que eu publico e Raíza é quem catalogou todo, que eu não sabia que tinha produzido tanto, está catalogando minha obra, ela tem as imagens tudo, quando me pedem para livro, para qualquer coisa, eu dou o contato dela porque ela sabe mais de mim do que eu (risos).
P/1 – Eles têm quantos anos hoje? Se você não lembrar não tem problema.
R – Trinta e um, eu acho que o mais velho, 27 e 26, que a gente perdeu um casal, duas meninas gêmeas, nesse intervalo entre o mais velho e o Yuri.
P/1 – Você perdeu um casal de gêmeos?
R – Uma morreu e na época a ultrassonografia não era perfeita, não acusou e tal, e fizemos exame para ver se era problema, foi um acaso, acontece.
P/1 – Eles moram com vocês hoje ou não?
R – Não, Igor o mais velho casou, tenho dois netinhos lindos, Yuri mora com a gente e Raíza está morando em São Paulo, casou, está morando em São Paulo a cerca de um ano, um ano e pouco eu acho.
P/1 – Me fala uma coisa, a gente voltando um pouco, dessa tua relação com a questão dos Correios e tal, você lembra da primeira carta que você enviou ou recebeu?
R – Não, eu sempre escrevi muito, eu sempre gostei de escrever muito, e não sei por que eu sempre mantive muito contato, eu colecionei selo. Então, quer dizer, quando você é filatelista você já mantém uma correspondência normal e eu sempre mantive, com namoradas e inclusive eu me lembro muito quando eu fui preso em 74, eu namorei com uma mineira lá no festival de Ouro Preto, e ela tinha feito parte de um grupo de guerrilha, e quando eu estava sendo interrogado preso, eles tinham invadido a minha casa, eu não sabia disso: “Você conheceu fulana?” eles tinham morto ela, “Conheci” pois está morta: “E por que ela teve aqui?”, porque viram as cartas: “E você foi lá?”, eu digo: “Porque a gente se amava”, você quer coisa mais bonita do que isso. Eu nunca tive medo de dizer nada. Então, eu troquei muita correspondência com ela e com outras namoradas, com amigos, com ela foi uma das pessoas que eu troquei mais, que a gente teve uma paixão para lascar.
P/1 – Vocês ficaram quanto tempo se correspondendo?
R – Ah, não sei.
P/1 – Não tem problema.
R – As coisas bem vividas nunca me lembro muito o tempo (risos).
P/1 – Tem alguma correspondência que você tenha recebido e que o conteúdo te marcou muito?
R – Não, eu sou uma pessoa tranquila comigo mesmo, quando me relaciono com as pessoas eu já sei, quer dizer, então, nada me pega de surpresa.
P/1 – Você falou que foi preso três vezes, você ficou muito tempo preso?
R – Não, pouco tempo.
P/1 – Nesse período você se correspondia com alguém?
R – Eu era incomunicável, eu não podia, naquela época era o AI-5 você podia manter a pessoa incomunicável. Teve uma das vezes que eu fiquei numa sela que não tinha iluminação nenhuma. Quando eu ia tomar banho era um cano, às vezes ele ligava em algum fio, para ligar esse cano, dava um choque que às vezes você ia bater lá no chão. Então, você não tinha contato. Foi como eu escrevi o artigo sobre arte correio foi nessa prisão, que eu fiquei. Era interrogatório o dia quase todo, você descia exausto, eu invertia, muitas vezes apanhava, quem disser que foi preso e não apanhou é mentiroso. Não tinha direito a nada, então, eu escrevi todo o artigo na cabeça, eu me lembrei até, de madrugada pensando, de um conto russo, acho que é Leonid Andreiev coisa assim, eu li muito cedo, chamado os sete enforcados, e é numa prisão russa, seis ficam loucos como o tipo de tortura, menos um que começa a jogar xadrez com ele mesmo, então, ele não deixou que o tipo de tortura subliminar e mesmo as porradas entrasse na cabeça dele. Isso me deu muita força. Então, eu escrevi, tanto é que quando eu fui solto estavam os meus amigos, minha família na minha casa, eu disse: “Agradeço a todo mundo, quero tomar um banho, quero dinheiro, porque quando eu fui preso eu não me lembro se estava com dinheiro, só sei que a minha carteira está sem nada, eu quero dinheiro e quero ir para um bar, não queria conversar que eu estou com um texto na minha cabeça” eu fui para Olinda escrevi todo o texto.
P/1 – Essa foi a sua última prisão?
R – Foi de 76, foi de 68 a dos cem mil, 73 e 76.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho agora, como é que é a sua rotina hoje?
R – Bares, ateliê, muitas vezes aqui eu fico bebendo, porque eu nunca trabalhei bebendo, meu trabalho é razão pura, eu faço anotação em bar, eu tenho meu roteiro de bar desde adolescente que eu faço até hoje, e quando eu termino eu fico olhando a coisa, estou pensando eu me sento ali atrás fico tomando uma bebedinha e pensando no que eu fiz, pensando na vida e meus bares e pronto, minha família, viajo muito, tenho viajado muito teve uma vez que eu fiz três viagens que a minha mulher foi para o aeroporto, mesmo sem poder eu pedi para ter acesso para trocar uma roupa suja, uma bolsa, por roupa limpa de três viagens que eu fiz seguida, assim, de passar aqui só como uma escala.
P/1 – Você falou que tem um roteiro de bares, desde a adolescência, então, assim, você criou alguma obra ligado a esse roteiro de bares?
R – Não, a minha criação não depende de nenhum espaço físico, assim, eu não tenho uma coisa. Já tenho em guardanapo, a revista da UFRJ, que foi entrevista comigo a capa eu fiz no tampão dos bares que eu frequento, e utilizei os próprios guardanapos, molhados, borrados do desenho, com ele depois trabalhado eu juntei tudo. Eu gosto desse processo, é por isso que eu gosto de ser um artista sujo, porque eu mostro o processo, eu mostro. Então, assim, não tenho um roteiro de criação, não tenho, meu roteiro é vir para cá, trabalhar, trabalhar e trabalhar.
P/1 – Eu vou fazer uma pergunta aqui meio óbvia, mas eu queria que você respondesse com as suas palavras, como é que o serviço de cartas, encomenda, sedex, telegramas marcaram a sua trajetória?
R – Assim, pela arte correio, que eu sempre utilizei, e até hoje eu utilizo. O sedex é muito prático, como fotos, outras obras pequenas eu uso sedex, e correspondência eu continuo usando correspondência, objetos eu mando de presente para pessoas amigas, objetozinho eu mando de surpresa de fim de ano, eu faço às vezes uma tiragenzinha só para dar aos amigos e utilizo. O sedex é muito, eu considero até hoje muito eficiente, quando eu tenho muita pressa eu uso sedex 10, essa semana mesmo eu vou usar, que eu tenho um documento que eu preciso fazer chegar em São Paulo, deteve ter chegado na minha casa, eu vou assinar e devolver de imediato, então, é muito prático, os Correios você têm em cada bairro, em cada esquina. Eu uso também cargo de empresa quando é coisa mais volumosa, que existe uma limitação do correio, claro, então eu uso cargo, mas tem que ir no aeroporto se deslocar, e o sedex é muito prático, coisas que está dentro das dimensões eu despacho pelas agências, pelas agências mesmo, não as que são franquias, porque não tem um horário muito rígido, que os correios tem, assim de seguir eu já botei e não tive experiência boa, então, eu coloco nas próprias agências dos correios.
P/2 – Você falou que tinha contato com a parte mais cultural dos correios, por isso que conseguiu até mais...
R – De burlar, vamos dizer, burlar não é fazer nada de mais, porque o pessoal que não entendia dizia que isso? Porque esse envelope assim? Aí, chamava outra pessoa e eu gravava 50 e o pessoal da filatélica era acostumado já, filatelia é um pessoal que lida com a cultura absorvia aquilo, porque os filatelistas usa o rádio amador que veiculava, eu fiz uma exposição do rádio amador, que ele já trabalhava numa espécie de rede, postais com desenhos criados por eles e tudo o QSL. Então, quer dizer, a filatélica até hoje, infelizmente, fechou, mas aos sábados se reuniam, às vezes eu queria um selo específico para determinada obra, ou exposição, hoje eu vou em loja filatélica quando quero alguma coisa específica, por exemplo, na época da ditadura eu ironizei muito tinha um selo comemorativo que eu usava o de Geisel da polícia federal, que eu usava como ironia em várias obras minhas. Então, hoje é mais difícil, quer dizer, hoje não logo em seguida que a filatélica acaba para você utilizar, então, eu sempre trabalhei com o pessoal da filatélica, que era mais culto, não é que o pessoal não fosse culto, mas dificultava era mais rápido, eu só não outros amigos meus trabalhava junto com filatélica, e acho que em vários países o Canadá hoje é o país que está atrás, eles fizeram do correio do Canadá uma grande mostra de selo de artistas, eu recebi e publicaram um livro e eles me disseram na carta os filatelistas tem uma nova filatelia hoje é o selo de artista, porque a gente fazia a folha inteira, além de botar no envelope, fazia as folhas, como folhas de correio mesmo, então, quer dizer, era preciso você ter um conhecimento também de filatelia na arte correio.
P/2 – Eu queria perguntar como se deu essa relação? Foi porque você chegou a prestar serviço para eles? Ou fazer algum desenho para selo? Ou algum postal?
R – Não.
P/2 – Isso foi de frequência?
R – De frequentar por causa da arte correio, depois tive uma namorada lá e que me facilitou mais ainda, abriu mais o caminho ainda, (risos) mas fora isso não, foi sempre a questão, e eu fui colecionador, eu fui filatelista, então, eu já frequentava, isso me ajudou muito até na questão de ironizar com o regularmente arcaico, que depois eles atualizam dos correios e a burocracia também, que era muito grande, até hoje se você levar uma carta trabalhada o pessoal: “mas o que é isso?” eu faço teste até hoje.
P/1 – Você falou que vai ter uma exposição agora em nova Iorque, de setembro a abril, que vai ser aonde?
R – Vai ser no Museu do Bronx, Nova Iorque.
P/1 – E você tem alguma outra exposição acontecendo das suas obras esse ano?
R – Tem, eu estou nessa bienal das bienais, que vai ser em setembro, eu estou nessa da copa na Funarte de Brasília, que inaugura, acho que, no dia da abertura das Copas das Confederações, tem uma de arte e tecnologia no Museu do Vale do Rio Doce, no exterior tem mais umas duas ou três que eu estou participando, tem uma em Londres, que é curadora da Whitechapel, que trabalhou com a Hélio Oiticica que organizou, tem uma no México e tem outra eu não me lembro.
P/1 – Bom, para finalizar eu queria te perguntar como foi contar sua história para a gente?
R – Eu sempre gosto de falar com as pessoas, discutir o que penso, como eu penso o que é arte e vida para mim é uma coisa que eu gosto de falar sobre o que eu faço. Eu achei muito legal a entrevista, em função do que é também e para o que é, que é um trabalho que eu acho genial, preservar memória, porque a gente é um país que o patrimônio, própria Brasília está caindo aos pedaços, quer dizer, onde fica o patrimônio histórico? Quer dizer, ninguém está preocupado com a memória desse país, e eu acho genial você dá um depoimento para um órgão que... A começar pelo nome, quando eu recebi o nome Museu da Pessoa, que genial, entender porque, a maioria dos museus de imagem e do som, que eu chamo de sem imagem e sem som, não fazem entrevista há muito tempo, e eu parabenizo vocês por esse trabalho genial de preservar, enquanto as pessoas estão vivas, porque depois é difícil, aí, tem que falar com Chico Xavier, quando morrer (risos) fazer uma série de artifícios que não serão possíveis. Então, quer dizer, foi genial, eu agradeço vocês esse convite, essa oportunidade de falar sobre minha trajetória.
P/1 – Bom, Paulo eu queria agradecer em nome do Museu da Pessoa e em nome dos Correios o seu depoimento, obrigada.
FINAL DA ENTREVISTA
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