Museu Clube da Esquina
Entrevista de Paulo Vilara
Entrevistado por Léo Dias
Belo Horizonte, 20/04/2005
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº MCE_CB041
Transcrito por Jacqueline Cabral
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Paulo Vilara, boa tarde. Eu queria começar pedindo para você falar seu nome, data e local de nascimento.
R - Paulo Vilara. [Nasci em] Caxambu, no Sul de Minas Gerais, [em] nove de junho de 1949.
P/1 - Como era a turma do Levy da qual você participava com o Márcio e com o pessoal?
R - Eu conheci esse pessoal todo em 1963. O Bituca, o Márcio Borges, os Borges todos, o Marilton; os meninos todos: Toninho Horta, Beto Guedes, Fernando Brant, todo mundo em 1963, 1964 e 1965. Conheci todo mundo mais ou menos nessa época.
Naquela época, o Centro de Belo Horizonte era como se fosse um centro cultural sem sede, assim como o Clube da Esquina também não tem sede. O Centro Cultural de Belo Horizonte, na década de 60, era o centro da cidade todinho, tudo acontecia no centro da cidade: muitos cinemas, muitos bares. Tinha o Maleta, tinha o CEC [Centro de Estudos Cinematográficos], que funcionava no prédio da Imprensa Oficial na [esquina da Avenida] Augusto de Lima com [a Rua] Rio de Janeiro e tinha sessão todo sábado. Era uma efervescência absoluta o centro da cidade, os tempos eram outros, pois não existia essa violência, não existia tanta miséria. O mundo era outro, então o centro absorvia ou centralizava de verdade toda uma efervescência cultural, e por ali circulava todo mundo, todas as áreas artísticas.
P/1 - E você morava ali perto?
R – Não, eu morava na Lagoinha, tanto que eu tenho o apelido de Lagoa um pouco por isso - Lagoa, Lagoinha. Eu morava de verdade na Cachoeirinha, mas um dia, numa reunião num clube, na hora em que eu entrei o cara falou: "Chegou o representante da Lagoinha!" Aí pronto, aí ficou Paulinho Lagoa ou Paulinho Lagoinha como apelido. Eu frequentava a turma do Levy justamente por causa...
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Entrevista de Paulo Vilara
Entrevistado por Léo Dias
Belo Horizonte, 20/04/2005
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº MCE_CB041
Transcrito por Jacqueline Cabral
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Paulo Vilara, boa tarde. Eu queria começar pedindo para você falar seu nome, data e local de nascimento.
R - Paulo Vilara. [Nasci em] Caxambu, no Sul de Minas Gerais, [em] nove de junho de 1949.
P/1 - Como era a turma do Levy da qual você participava com o Márcio e com o pessoal?
R - Eu conheci esse pessoal todo em 1963. O Bituca, o Márcio Borges, os Borges todos, o Marilton; os meninos todos: Toninho Horta, Beto Guedes, Fernando Brant, todo mundo em 1963, 1964 e 1965. Conheci todo mundo mais ou menos nessa época.
Naquela época, o Centro de Belo Horizonte era como se fosse um centro cultural sem sede, assim como o Clube da Esquina também não tem sede. O Centro Cultural de Belo Horizonte, na década de 60, era o centro da cidade todinho, tudo acontecia no centro da cidade: muitos cinemas, muitos bares. Tinha o Maleta, tinha o CEC [Centro de Estudos Cinematográficos], que funcionava no prédio da Imprensa Oficial na [esquina da Avenida] Augusto de Lima com [a Rua] Rio de Janeiro e tinha sessão todo sábado. Era uma efervescência absoluta o centro da cidade, os tempos eram outros, pois não existia essa violência, não existia tanta miséria. O mundo era outro, então o centro absorvia ou centralizava de verdade toda uma efervescência cultural, e por ali circulava todo mundo, todas as áreas artísticas.
P/1 - E você morava ali perto?
R – Não, eu morava na Lagoinha, tanto que eu tenho o apelido de Lagoa um pouco por isso - Lagoa, Lagoinha. Eu morava de verdade na Cachoeirinha, mas um dia, numa reunião num clube, na hora em que eu entrei o cara falou: "Chegou o representante da Lagoinha!" Aí pronto, aí ficou Paulinho Lagoa ou Paulinho Lagoinha como apelido. Eu frequentava a turma do Levy justamente por causa disso, tinha esse Clube do Lavourinha que era do Banco da Lavoura e tinha o Lavourinha que era para pessoal, meninos e adolescentes que frequentavam. Tinha jogos, ping-pong, sinuquinha, xadrez, e a gente se reunia lá. Alguns desses colegas do clube eram do Levy, que era uma outra turma. Eu comecei nessa turma, depois passei pra turma dos músicos.
P/1 - E quando o pessoal começou a trabalhar com a música mesmo, se dedicar mais para música, você ficou nessa turma ou você foi pra outra turma?
R - Em matéria de música eu sempre fui bom pra ouvir, eu nunca tive esse dom musical de tocar um instrumento ou de cantar. A minha turma começou a ser do cinema muito cedo, eu era cineclubista. Em 1966, o Marcinho Borges fez um curta metragem, Joãozinho e Maria; eu acabei sendo o Joãozinho e por aí foi. Logo depois eu participei da diretoria do CEC, em 1968. Depois, na década de 70, eu comecei a escrever sobre cinema; comecei a fazer [cinema] em 1980 e por aí foi indo.
P/1 - Fala um pouquinho sobre o Joãozinho e Maria, filme do Márcio.
R - Espera-se que o Marcinho ou alguém encontre uma cópia do filme, porque ele acabou se perdendo lá no MAM [Museu de Arte Moderna], parece que pegou fogo junto lá com o MAM.
Foi um filme espetacular. O Marcinho era muito talentoso, ele tinha um talento grande pro cinema, só que a música o puxou. A música vai mais forte, mas ele era muito talentoso.
P/1 - Você fazia o papel principal no filme?
R - É, era Joãozinho e Maria e eu era o Joãozinho. Ainda bem que eu não fui a Maria. (risos) A Maria era uma menininha lá. Mas o filme é o seguinte… Bom, ele contou a história toda no livro, Os Sonhos Não Envelhecem.
Era um preto e branco em 16 milímetros, numa camerazinha Paiar Bolex de corda com aqueles rolinhos de 2,5 minutos. Foi uma produção superbacana e ele foi muito inventivo, porque era tudo feito com dinheiro do bolso dele, do pai dele. O pai dele tinha comprado a câmera pra ele, o seu Salomão. Tudo um negócio pobre mesmo, cinema udigrudi mesmo, não tinha recurso nenhum de equipamento e de nada. Tinha um plano onde as pessoas… Como eu tinha assassinado a menina o pessoal, uma turba vinha correndo atrás de mim no Parque Municipal; nessa turba estava inclusive o Bituca. Eu era o ator principal e ele era um reles figurante (risos), depois inverteu tudo; hoje eu sou um reles figurante e ele, o ator principal.
Mas tinha esse plano em que eu passava correndo e vinha a turba atrás de mim, me caçando. A gente passava por uma roda gigante que tinha lá no Parque Municipal, tinha um parque de diversões instalado lá e o Marcinho colocou o câmera, que era o Tiago Veloso, num daqueles bancos da roda gigante. Na hora que a gente começou a passar ele mandou acionar a roda gigante de tal forma que ela virou uma grua; na hora que a gente passou, a roda gigante foi subindo e fez um movimento de grua, foi até lá em cima, uma grua espetacular. Isso foi invenção.
Ele ganhou prêmio de Melhor Inventiva Formal, inventaram esse prêmio pra poder premiar o filme dele de alguma forma, porque era um filme espetacular. Na época, foi superelogiado pelos caras que já eram cineastas estabelecidos no Brasil e os críticos de cinema: Maurício Gomes Leite, os atores Antônio Pitanga, Norma Bengell, todo mundo encheu a bola do filme. Eu também, quase ganhei o prêmio de melhor ator também; acabou escapando, mas estive quase lá.
P/1 - E o Clube da Esquina? Como foi ver os amigos envolvidos com esse trabalho?
R - Na época do primeiro disco eu morava no Rio Grande do Sul, aí eu não acompanhei nada de perto. Acho que foi até o Fernando que me escreveu; a gente [se] correspondia normalmente, o Bituca também. Morei três anos lá em Porto Alegre, foi justamente nessa época que eu estava lá.
O Fernando me escreveu pedindo uma foto e eu não sabia que ia sair aquela capa, mas eles já tinham essa ideia de montar aquela capa com fotos dos amigos, a questão do Clube da Esquina mesmo. Eu mandei uma foto, só que uma foto que ninguém reconhece porque eu sempre fui muito tímido. Falei: "Ah, não estou afim de aparecer" e mandei uma foto de menino, eu tinha quatro anos. Então ninguém sabe que sou eu, só eu e minha mãe que sabemos. (risos)
P/1 - Está no mosaico do Clube?
R - É, está lá na capa.
P/1 - Vou dar uma olhada depois. E quando você ouviu o disco, o quê você achou?
R – Mas eu participei de outros momentos, inclusive o livro Os Sonhos Não Envelhecem. É um esforço de memória espetacular, acho que tem mais de 2000 nomes lembrados e efetivamente citados lá no livro dele. Evidentemente que ele cometeu algumas falhas de memória, é claro, e uma delas foi em relação à composição do Clube da Esquina 2, quem é que estava lá no dia, lá no Sentinela - nos Cristais ou no Sentinela, não sei, lá em Diamantina. Eu estava lá quando ele, o Bituca e o Lô começaram a compor, eu estava lá no dia, mas o Marcinho colocou outras pessoas no livro dele, me limou dessa história. (risos). Mas esse depoimento aqui é pra isso também, não é?
P/1 - É claro, para deixar registrado.
R - Eu falei isso com ele, ele sabe disso. Tem outras pessoas que reclamaram também. Tinham pessoas que estavam lá também que ele não falou, mas isso é normal, natural. Ele ter lembrado aquele tanto de nomes já é muito, aquelas histórias todas que ele conta no livro é um esforço espetacular.
P/1 - E você enxerga o Clube da Esquina como um movimento?
R – Não, o Clube da Esquina não foi um movimento. Foi uma coisa que aconteceu espontaneamente, já vinha acontecendo desde o início da década de 60. O Bituca e o Wagner [Tiso], por exemplo, já estavam compondo, já tinham feito um disco, O Barulho do Trem, o Sambacana gravou uns discos, então o negócio veio vindo e estourou a partir do segundo FIC [Festival Internacional da Canção], [em] que a Travessia tirou segundo lugar, mas na verdade foi o grande vencedor. Tirou segundo, mas foi o grande vencedor, porque hoje em dia ninguém lembra mais que foi a Margarida do Sá e Guarabyra que ganhou o festival. A música que ficou foi a Travessia. E além disso, o Bituca classificou outras duas, que foi Morro Velho e Maria, Minha Fé, então o grande vencedor do festival foi ele. A partir disso estourou, gravou o primeiro disco, depois foi gravar o segundo nos Estados Unidos, o Courage e a partir daí todo mundo já sabe. (risos)
P/1 - E o seu livro sobre os quatro poetas? Fale um pouquinho pra gente do livro.
R - É um livro de entrevistas, um livro de jornalista entrevistando os quatro compositores brasileiros que são o Márcio Borges, Fernando Brant, Murilo Antunes e Chico Amaral. A presença do Chico é uma maneira de falar que essa coisa do Clube da Esquina continua, porque ele inclusive recentemente compôs com o Milton, compôs com o Beto, com o Lô. Ele se aproximou do Clube da Esquina com o tempo; começou com o Skank, com o Afonsinho e chegou ao Clube da Esquina, nas pessoas.
É um livro de entrevistas, mas não é só de entrevistas. Tem uma discografia que já está com mais de trezentos discos listados, um trabalho de pesquisa que eu estou fazendo desde 1998, um trabalho grande. Mas eu estou só atualizando, eu vou atualizando enquanto não edita; parece que há uma grande possibilidade de ser editado esse ano. Mas é isso, são grandes entrevistas, grandes no sentido de extensas; no computador são mais ou menos cinquenta páginas pra cada um. A gente aborda vários assuntos num painel bem extenso - e poderia dizer intenso também - de cada um deles.
P/1 - Eu queria que você contasse pra gente um episódio marcante na sua trajetória que tenha relação com o Clube da Esquina, que você lembre.
R - Acho que um eu até já falei, ter estado ao lado do Bituca e do Lô na hora que eles estavam compondo o Clube da Esquina 2. É um privilégio, é negócio lindo, porque eram mais ou menos seis horas da tarde, os sapos já coaxando e eles mandando brasa; os dois no violão, cada um num violão e fazendo vocalize. Nossa, foi um negócio maravilhoso, inesquecível.
P/1 - E até onde é lenda a história que a luz acabou? Você presenciou isso também?
R - Não, aí já é o Clube da Esquina 1, com o negócio das velas; eu estou falando do Clube da Esquina 2. A música não tinha letra, ficou sem letra muito tempo, só depois que o Marcinho veio colocar. Essa que foi composta lá nos Cristais. O Clube da Esquina 1 foi composto na varanda da casa dos Borges. Mais você queria que eu contasse um outro?
P/1 - Se você quiser.
R - Tem um outro que é muito particular, ninguém nem sabe dele.
P/1 - Melhor!
R - Nem o Bituca sabe disso, eles vão ficar sabendo agora. A nossa sociedade é e sempre foi preconceituosa, racista, e o Bituca, naquela época da década de 60, antes da Travessia… Eu o conheci em 1963, então por ali em 1964, 1965… Esse fato aconteceu em 1965, me lembro perfeitamente.
Quer dizer, não aconteceu fato nenhum, foi só uma sensação que eu guardei pra mim e vou revelar agora. Naquela época, numa sociedade preconceituosa, racista, que além de racista com relação à cor de pele é preconceituosa socialmente - se a pessoa é pobre ela é discriminada evidentemente na sociedade, a gente sabe disso. Bom, o Bituca naquela época ele não era nada. Não sou eu que estou falando, eu nunca achei isso, estou falando em termos sociais, de preconceito social da grande maioria, esse discurso chamado da maioria silenciosa que se dizia antigamente, é um discurso reacionário, careta. O Bituca era um escriturário, trabalhava no escritório e de noite cantava, era um crooner da noite. Morava num beliche de uma pensão no edifício Levy, quer dizer, um cara absolutamente anônimo. Mas a sensação que eu tive nesse dia foi o seguinte: estávamos eu e ele andando na Rua Tupis - a Rua Tupis naquela época, da década de 60, tinha o Cine Tupis, que depois virou Jacques e hoje é o Shopping Cidade. Aquele quarteirão entre Rua São Paulo e Rua Rio de Janeiro era um quarteirão de uma efervescência impressionante. Tinha o cinema, passava inclusive o Jules e Jim, que eles viram lá no Cine Tupis, que deu início à parceria deles - compuseram três músicas depois que viram três sessões seguidas do Jules e Jim - e do outro lado era cheio de bares, um quarteirão superbacana. A gente ia muito lá, inclusive o Bituca me apresentou o Fernando Brant num desses bares, tipo fim de tarde nessa época, em 1965.
Bom, a gente estava andando, indo provavelmente pra algum bar daqueles e [ele] do meu lado assim, magrinho, porque ele era magrinho, cabelinho cortadinho curtinho. (pausa) Eu me lembro que eu tive a sensação, embora o status social dele fosse nada, não era ninguém, mas a sensação que eu tive era que eu estava ao lado de um príncipe etíope naquele momento ali, eu… (pausa).
P/1 - Você quer uma água?
R - É porque o cara é muito carismático, sempre foi, entende? É isso que eu queria dizer. A força dele já vem do berço, o cara é realmente um cara forte. Essa coisa não significava nada, porque a força dele que acabou sendo comprovada e aí todo mundo o reconheceu. Mas a gente, que era amigo dele, a gente já sabia; a gente já sentia isso na pele, no olhar.
P/1 - Legal, legal mesmo. Paulinho, e o que você está achando aí dessa iniciativa do Museu Clube da Esquina?
R - Acho bacana porque está sendo um museu vivo. A proposta dele é um museu moderno, dentro das novas concepções de museu, então acho muito bacana. Não só a questão da antropologia que está envolvida, da valorização da história desse grupo, mas também os shows que estão sendo feitos, chamados de Museu Vivo. É muito bacana porque vai passando essa história para as novas gerações; tem sido feitos predominantemente para estudantes, escolas tanto de ensino médio quanto universitários, então acho superbacana.
P/1 - E pra você como agente atuante desse movimento, como é pra você está fazendo parte dessa história?
R - Pra mim é um prazer estar aqui nesse momento e ter participado da fundação. A gente continua junto, o Clube da Esquina continua junto. Aquela capa, se ela fosse feita hoje teria que ser muito maior, teria que ter muito mais retratos; acho que este é que é o espírito. O Bituca fala muito isso, a base de tudo foi a amizade. Então eu acho que é isso, e a amizade continua.
P/1 - Eu queria te agradecer em nome da associação, obrigado. Valeu mesmo.
R - Obrigado a vocês.
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