Projeto: Mulheres na Construção Civil
Entrevista de Maria do Amparo Xavier
Entrevistada por Bruna Oliveira e Genivaldo Cavalcanti
Entrevista concedida via Zoom (São Paulo/Salvador), 12/05/2023
Entrevista n.º: MNCC_HV005
Realizada por Museu da Pessoa
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 – Dona Maria, para começar, eu queria que a senhora dissesse seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R – Meu nome é Maria do Amparo Xavier Santos, eu nasci em 08 de novembro de 1955, no município de Camassandi, cidade de Jaguaripe, na Bahia.
P1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – Pedro Alcantara Xavier e Maria José Mendes.
P/1 – E o que eles faziam?
R – Bom, nós morávamos na roça. Então, minha mãe trabalhava na roça e meu pai era descendente de africanos, era descendente não, era um africano, e eles tinham uma fazenda e lá eles produziam café, fazia negócio de café, essas coisas. Eram africanos, mas eram africanos de condições classe média alta. Então, eles sobreviveram, mas a minha mãe não foi casada com ele, foi só um acontecimento, e aí eu nasci. Então, da minha mãe, eu sei tudo, do meu pai, eu sei muito pouco.
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Segundo a minha mãe contava, ela era muito novinha, tinha treze para quatorze anos, e o meu pai passava na porta de minha mãe, meu pai era muito negro, tinha os olhos bem negros, o lábio bem africano mesmo e a minha mãe era branquinha, novinha. Toda vez que ele passava, dizia à minha mãe assim: “Você vai ser minha.” Aí minha mãe diz que dizia assim: “Se eu gostasse de urubu, eu andava com um de baixo do braço.” Aí, hoje não se faz isso, mas, naquela época, nos anos 1960, por aí, era tudo diferente, principalmente, para quem morava na roça e não se tinha o conhecimento que se tem hoje. E minha mãe conta que no dia que disse essa palavra para ele, ela dormiu e quando acordou, acordou na cama dele, lá no sítio que ele morava, lá na...
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Entrevista de Maria do Amparo Xavier
Entrevistada por Bruna Oliveira e Genivaldo Cavalcanti
Entrevista concedida via Zoom (São Paulo/Salvador), 12/05/2023
Entrevista n.º: MNCC_HV005
Realizada por Museu da Pessoa
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 – Dona Maria, para começar, eu queria que a senhora dissesse seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R – Meu nome é Maria do Amparo Xavier Santos, eu nasci em 08 de novembro de 1955, no município de Camassandi, cidade de Jaguaripe, na Bahia.
P1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – Pedro Alcantara Xavier e Maria José Mendes.
P/1 – E o que eles faziam?
R – Bom, nós morávamos na roça. Então, minha mãe trabalhava na roça e meu pai era descendente de africanos, era descendente não, era um africano, e eles tinham uma fazenda e lá eles produziam café, fazia negócio de café, essas coisas. Eram africanos, mas eram africanos de condições classe média alta. Então, eles sobreviveram, mas a minha mãe não foi casada com ele, foi só um acontecimento, e aí eu nasci. Então, da minha mãe, eu sei tudo, do meu pai, eu sei muito pouco.
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Segundo a minha mãe contava, ela era muito novinha, tinha treze para quatorze anos, e o meu pai passava na porta de minha mãe, meu pai era muito negro, tinha os olhos bem negros, o lábio bem africano mesmo e a minha mãe era branquinha, novinha. Toda vez que ele passava, dizia à minha mãe assim: “Você vai ser minha.” Aí minha mãe diz que dizia assim: “Se eu gostasse de urubu, eu andava com um de baixo do braço.” Aí, hoje não se faz isso, mas, naquela época, nos anos 1960, por aí, era tudo diferente, principalmente, para quem morava na roça e não se tinha o conhecimento que se tem hoje. E minha mãe conta que no dia que disse essa palavra para ele, ela dormiu e quando acordou, acordou na cama dele, lá no sítio que ele morava, lá na cama dele. Aí quando ela acordou, entrou em desespero, saiu correndo, mas aí já tinha acontecido, né? Já tinha acontecido, ela era virgem, ele tirou a virgindade dela e, com isso, ela ficou grávida de mim. Quando os meus avós ficaram sabendo, naquela época, o cidadão tinha que sumir, se não, morria. Aí disse que minha família, meus avós começaram a andar atrás dele e ele fugiu pelo mundo, a família dele começou a ir para um lado e para o outro e meus avós atrás, mas depois aquietou tudo, ficou tudo quieto, eles voltaram para a África, e eu fiquei lá na barriga de minha mãe, depois eu nasci e a luta continuou. E aí, meu pai voltou anos depois, voltou para me procurar, para querer que eu ficasse com ele, aí foi aquela coisa, aí foram para ________, para justiça, minha mainha não deixou, meus avós não deixaram, eu não tinha mais raiva nenhuma dele, já tinham passado uns sete, oito anos, que mainha falou, eu já estava com oito anos, foi quando eu conheci meu pai de verdade, conheci, convivi com ele um tempo, porque ele ficou perto. E depois, nessa vinda dele da África, para Bahia, lá para o interior, ele ficou doente e eu ainda tive que cuidar dele, e ele terminou falecendo, foi essa, a história. Eu vim assim, cheguei aqui no mundo assim.
P/1 – Você sabe de qual lugar ele era, lá da África?
R – Ele era de Luanda.
P/1 – E a família da sua mãe, de onde era, você sabe?
R – A família da minha mãe é de um povoado não, ali que se chama Gamboa do Morro, na Bahia, aqui no estado da Bahia também, Gamboa do Morro. Minha família é de Nilo Peçanha, todos esses interiores aí, minha mãe nasceu em Nilo Peçanha.
P/1 – E como você descreveria tanto a sua mãe, quanto o seu pai?
R – Olha, a minha mãe eu descrevo como uma mulher, uma rainha, uma lutadora, uma mulher cheia de garra, uma mulher sem medo de trabalho, que trabalhava na roça, tirava piaçaba, pescava, tudo que era de roça, fazia carvão para sobreviver e, na época, nós vivíamos na fazenda dos outros e trabalhávamos em troca de alimentos, em troca de carne, de feijão, não tinha moeda, a gente não recebia moeda, na época. Então, a gente fazia isso, a minha mãe fazia, trabalhava, tirava piaçaba, eu, aos sete anos, comecei a catar piaçaba para ajudar a minha mãe, para vender, para vender não, para entregar piaçaba para os fazendeiros, para eles mandarem uma notinha para que a gente fosse naqueles armazéns, trocar por outro alimento. Então, eu descrevo a minha mãe como uma mulher de muita luta, uma mulher de muita força de vontade, com muita ética, com um caráter inabalável, uma pessoa amorosa, uma mãe maravilhosa, tranquila, educada, mesmo sendo da roça, ensinou para gente os melhores princípios, educação com respeito, então eu descrevo minha mãe como uma rainha.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Eu tenho, eu sou a mais velha de quatro irmãos, são dois homens e duas mulheres.
P/1 – E como era sua relação com eles na infância, como você os descreveria?
R – É, eu já com uns seis, sete anos de idade, comecei a trabalhar. Na sequência, minha mãe teve um segundo relacionamento, porque ela era muito jovem quando eu nasci, e aí ela teve esses outros três meninos, que são meus irmãos por parte de mãe, eles são por parte de mãe. Então, nesse segundo relacionamento que mainha teve, ela teve mais três filhos e eu, sendo a mais velha, fui quem a ajudou, para criar essas três crianças, porque, infelizmente, no segundo relacionamento dela, a pessoa não gostava de trabalhar, só gostava de pegar passarinho e assistir, e jogar bola, e aí eu, como a primeira, tinha que estar junto com a minha mãe, para trabalhar, para pescar, para fazer tudo, para ajudar a criar os irmãos. E aí eu não tive infância, eu não sei o que é infância, não conheci, não vivi nada disso.
P/1 – E você contou um pouquinho que você é, sobre seus avós, eu queria saber se você chegou a conhecê-los, tanto os por parte de mãe, como os por parte de pai?
R – Por parte de mãe, eu conheci meus avós, convivi, minha avó morreu com 99 anos e eu convivi, ela ficou muito perto da gente, porque, no interior, as casas eram todas pertinho uma da outra, aquelas casinhas de palha, todas perto uma da outra, e eu convivi com a minha avó. Meu avô também, só que ele morreu muito cedo. Agora, os pais do meu pai, eu conheci a minha avó, porque meu avô também já havia morrido, o pai dele morreu cedo, se chamava Pedro também, por coincidência, tinha o nome do meu pai, e ele morreu cedo. Então, eu conheci a minha avó, mãe do meu pai e conheci as minhas tias, que eram africanas.
P/1 – E quando você pensa na sua infância, tem algum cheiro, alguma comida, alguma data comemorativa que lembra essa época?
R – A data comemorativa que eu lembro, dessa época, foram apenas as de uma escolinha pequenininha que eu estudava na roça, e que sempre quando chegava, no governo de Getúlio Vargas, e nos outros que antecederam, sempre em 07 de setembro, tinha aquele desfile das escolinhas, e eu participava. Eu já estava naquela escolinha ali, mas eu participava desse desfile, porque a professora gostava muito de mim, e aí a disputa que tinha que fazer, ela fazia para mim, para eu poder sair no desfile, porque a gente não tinha condições, aí ela fazia e eu saía. Então, essa data me marcou muito, essas datas comemorativas me marcaram. Em termos de alimentos, eu me lembro muito mais é de caranguejo, de siri, de peixe, de camarão, porque a gente só vivia disso aí, de caça, tatu, paca, porque a gente saia para pescar, para caçar, e aí, nossa alimentação era essa. Então, em termos de alimentos, foram esses que, às vezes, quando eu vou na feira, que eu vejo os caranguejos assim, eu sinto até saudade: "Caranguejo, eu já arranquei você, já fui no mangue pegar você para comer”. Então é uma lembrança que não sai da memória.
P/1 – Maria, você sabe porque você chama Maria? Como foi escolhido o seu nome? E como foi o dia do seu nascimento?
R – Olha só, nos anos 1950, por aí, as pessoas botavam os nomes nos filhos através de um almanaque, tinha um livro, as crianças nasciam e ia lá, se hoje fosse o dia daquele santo, botava o nome do santo, então foi o que aconteceu comigo, eu nasci 08 de novembro e, segundo o almanaque, a história católica do almanaque, o meu nome seria Maria do Amparo, porque eu nasci no dia de Nossa Senhora do Amparo, segundo a Igreja Católica, então, meu nome passou a ser Maria do Amparo. O nome das pessoas era de acordo com o dia que nasceu, qual santo era daquele dia, então eu acho que milhões e milhões de pessoas, daquela década, tem nome ligado aos santos, aos discípulos, aos santos, sei lá o quê, eu sei que era assim, então meu nome é Maria do Amparo por causa disso, dizem que 08 de novembro é dia de Nossa Senhora do Amparo. Inclusive, em uma cidade próxima nossa, que se chama Valença, é comemorado o dia de Nossa Senhora do Amparo.
P/1 – E você contou um pouco da infância, que você começou a trabalhar, eu queria saber onde que você morava, qual era a cidade na época?
R – Eu morava no povoado, que é onde eu nasci, no povoado de Camassandi, então eu morava numa rua chamada, rua não, era uma falange, em que todo mundo tinha sua casa de palha, uma de um lado, outra do outro e nós morávamos nessa rua, chamava Rua da Linha. E aí eu nasci nessa casa, uma casa de palha, nesse povoado Camassandi, nessa rua, Rua da Linha, na décima casa, a décima casa de palha que tinha nessa rua, era a nossa.
P/1 – E você lembra da casa onde você passou a infância, como era?
R – Era uma casinha com dois quartos, tinha uma cozinha pequena, era de varal, era uma casa de varal, em que, de quinze em quinze dias, nós trocávamos as palhas, porque elas secavam, aí tinha que trocar. Então, tinha uma sala, dois quartos e uma cozinha pequena, não tinha banheiro porque, naquela época, não sabia nem o que era, por ser da roça, a gente não sabia nada e, mesmo assim, acho que naquela época não existia fossa, se existisse era nas grandes cidades, porque por aquele lado lá não existia, então as nossas necessidades fisiológicas eram feitas no mato mesmo, a gente ia para o mato. Então, a minha casa era assim, não tinha nada, tinha uma cama, uma cama de palha, mainha fazia aquelas camas de palha, cortava palha, botava, forrava, botava uma esteira por cima, e aquilo que eram as nossas camas. Aí, tinha a cama grande de mãe e a nossa, que no outro dia amanhecia toda quebrada, criança anda quebrada mesmo, mas a gente tinha maior carinho, e a minha era de palha, mas eu tinha muito cuidado de botar bastante folha, para ela ficar bem macia, para poder… Então, a nossa casa era assim, quando estavam secando as folhas, quem passava na rua via a gente lá dentro dormindo, seja lá o que fosse, era de quinze em quinze dias, a gente tinha aquele trabalho de todo mundo, a comunidade, o pessoal da rua, que morava perto, era assim, todo mundo ajudava todo mundo, de quinze em quinze dias, a cortar as palhas para poder trocar, porque se não a gente ficava na rua, porque morar em casa de palha era como se morasse na rua, fora casa dos índios que são muito bem feitas, né? Então, na minha época, as casas eram assim, nossas casas eram assim, a gente ‘varava’ toda e enchia de palha, era uma casa aconchegante para época.
P/1 – E você estava contando que você começou a trabalhar cedo, mas eu queria saber se antes de começar a trabalhar, se você brincava na rua, como era? E quais eram suas brincadeiras favoritas?
R – Olha, brincar, eu tive pouca oportunidade de brincar, porque quando eu tinha cinco anos, antes dos cinco anos, minha mãe ia para a roça, aí me levava, me botava na cintura e me levava, aí eu ficava lá na roça com a minha mãe, sentada lá no mato, ela pegava umas ________, botava um pano, e eu ficava lá sentada o dia todo, até a hora dela voltar, ia fazer carvão, eu me lembro porque eu era pequena, era quatro, cinco anos, mas eu lembro. Então, eu ia com ela, aí quando chegava meio dia, não tinha o que comer, a gente comia aquela farinhazinha seca, tomava um pouco de água, até a hora de vir embora, aí eu não tenho muita coisa da minha infância, eu não tenho, porque eu fui muito pobre, muito pobre, e com sete anos, seis, sete anos, eu já estava no mato com a minha mãe cortando lenha, fazendo carvão, pescando para poder ajudar no alimento em casa, lavando roupa das mulheres dos fazendeiros, que ‘ganhava neném’, eu ia lavar as fraldas, carregava água na cabeça, naquelas panelinhas para casa das esposas dos fazendeiros para encher os fogões, que chamava os fogões, os vasos de água, tudo em troca de comida, de uma roupa velha, alguma coisa assim. Então, foi uma vida muito difícil, muito difícil, hoje, quando eu vejo as crianças com infância, brincando, nos parques, eu digo: “Meu Deus, eu poderia um dia ter conhecido..” Quer dizer, dentro da minha realidade, eu até brincava, minha mãe fazia muita boneca de pano, fazia aquelas bonequinhas de pano, e aí eu tinha uma boneca que chamava Linda, aí eu brincava muito com essa boneca, aí quando mainha estava em casa, que mainha não ia para roça, eu brincava com essa boneca, chamava ela de _________, então em todo lugar que eu ia, eu ia com ela, foi o único brinquedo que eu tive, e a minha brincadeira era só com ela mesmo.
P/1 – Maria, e nessa época que você trabalhava ajudando a sua mãe, você ia para escola ou não?
R – Quando eu fui para escola eu já estava com oito anos, porque, naquela época, não era obrigatório a criança ir para escola com dois, três, quatro anos, só ia a partir dos sete anos, era no governo mesmo, tinha que esperar os sete anos. Eu ainda fui mais tarde, com oito, fui para aprender a tabuada, carta de ABC, que era muito difícil, e aí eu primeiro fiz a carta de ABC, aí depois que foi mudando para cartilha e tudo, e eu estudava na escolinha municipal, em uma escola municipal muito pequenininha que tinha lá. E essa fase foi uma das melhores fases da minha vida como criança, porque eu, na intenção de aprender, tive uma professora muito boa, com o nome Caçula, ela morava na praça, descendo, morava no porto, um lugar que chama Porto lá em Camassandi e essa professora, Caçula, me via todos os dias na hora da aula, tinha o Hino Nacional, que ela ensinava, e tinha a oração, depois da oração, ela sempre me chamava e dizia: “Menina você tem uma luz muito grande, você ainda é muito criança para trabalhar desse jeito, para ser a responsável por toda a alimentação de tanta gente, você não pode…” Era tanto que na hora da merenda, naquele tempo, o governo dava aquele mingau de aveia, de trigo, né? E aí eu tomava um copo e ela dizia à menina “ Dá mais um copo para ela levar para a mãe dela, quando chegar da roça.” Então é assim, eu não ficava muito com as coleguinhas, porque eu via as coleguinhas todas de farda e eu não tinha farda, eu usava aqueles vestidinhos mesmo de _________ tinha um tecido com o nome _________, então a minha mãe fazia aqueles vestidinhos, aquelas coisas, até que, com o tempo, a professora conseguiu a farda para mim, aí eu passei a ter farda, mas eu tinha vergonha das outras meninas, porque nessa escola, nesse município, não tinha escola particular para as outras pessoas, para os filhos dos fazendeiros, essas coisas, as pessoas, eles contratavam pessoas para irem para casa deles ensinar os filhos, para não botar na escolinha em que os pobres trabalhavam, para não misturar os filhos com a gente, né? Então, era todo mundo pobre naquela escola, mas mesmo assim, eu me sentia muito diferente de todo mundo pela pobreza nossa, que era muito extrema.
P/1 – E como foi, quando você foi crescendo, o que foi acontecendo na sua vida?
R – Bom, quando eu fiz dez anos, eu já comecei… Com dez anos, eu já sabia escrever meu nome, eu já sabia fazer ditado, eu já sabia fazer o cabeçalho de tudo, então eu já sabia escrever, coisas que muitas crianças não sabiam, eu já sabia, porque eu me interessava muito, então quando eu comecei a estudar, eu comecei a tentar ler tudo o que via, queria tentar conhecer a letra, eu não conhecia a letra, mas eu fazia e, naquela época, nós estudávamos, a gente aprendia soletrando, hoje em dia, as crianças quase não soletram, mas eu aprendi soletrando, então eu fui aprendendo, aprendendo e me tornei uma excelente aluna, porque eu estudava, eu me preocupava com aquilo, eu ia pescar, eu levava o caderno, um caderninho que o governo me dava, e levava a tabuada e a carta de ABC. Quando eu terminava de pescar, eu sabia que quando eu viesse para casa, eu não ia poder estudar, porque eu tinha que tratar do peixe ou do camarão que eu pagasse para fazer comida, para quando minha mãe chegasse da roça, porque eu, pequena, já com oito, nove, dez anos, era quem cozinhava, o fogão era de lenha bem alto assim, eu tinha que subir no… Tinha um sebo né, chamava sebo, um sebo de madeira, eu subia para poder acender o fogo de lenha para fazer a comida. Então, o que acontece, eu que fazia tudo aquilo, mas eu só pensava em estudar, era só ter um tempinho que eu estudava, quando eu não sabia, eu chegava na escola, eu dizia à professora, mainha também não sabia muito, mainha não sabia, então eu ficava pedindo à professora que me ensinasse. Quando as crianças todas iam embora, eu pedia a ela, eu dizia: “Professora, dona Caçula, eu não sei fazer." Ela teve toda paciência do mundo comigo, então eu acho que, da rua que eu morava, a família mais pobre era a minha, todo mundo era pobre, todo mundo muito pobre, mas nós tínhamos uma dificuldade muito grande de sobrevivência, mas mesmo assim, eu estudei. Com dez anos, eu já sabia ler, já sabia ler meu nome, já sabia escrever o nome de mainha, sabe? Já sabia escrever o nome da rua, que era Rua da Linha, então eu fui aprendendo as coisas por partes, e aí foi a sequência, né, foi a sequência. Então, eu tinha muito medo de gente, quando eu via uma pessoa estranha eu corria, porque a gente não conhecia _________, então eu considero hoje que eu não tive infância, eu não sei o que foi ser criança, eu não sei, eu falo hoje isso e me traz um emocional muito abalado, porque eu acho que criança é ser criança, e eu não fui criança, não fui. Então eu, com dez anos, como eu estou falando, eu já sabia escrever, já sabia ler, e aí eu um dia eu falei para mainha: “Mainha, eu não quero ficar indo para roça.” Mas, não tinha outra alternativa, eu disse à ela: “Mainha, eu não quero ficar indo para a roça, a partir de agora, eu quero pescar, secar os peixes, enfiar tudo num palito e vender para as pessoas.” Aí ela: “Não, minha filha, você tem que ir para a roça comigo, para me ajudar a ‘catar’ o carvão, não sei o quê, tudo.” Aí eu fiquei indo, só que a situação continuou desse jeito, muito difícil, e eu fui tentando, realmente, aprender. Eu me alfabetizei com onze anos, eu já estava 100% alfabetizada. Na época, nós tínhamos um projeto do governo que se chamava, eu esqueci o nome, era “Alfabetização…” Era um projeto do governo em que as pessoas alfabetizavam os outros, quem sabia ler, escrever, alfabetizava outras pessoas, e eu tenho até esse diploma, até hoje. E aí, quando me alfabetizei, falei para minha professora: “Professora, eu quero ensinar os idosos, quero ensinar as pessoas que não sabem ler, a ler e escrever.” E eu passei, aos onze anos de idade, a fazer isso sozinha, eu ia para a casa das pessoas, botava no candieiro, e começava, pegava na mão da pessoa para a pessoa começar a escrever. As pessoas adultas, e eu, criança, mas eu tinha essa vontade de ajudar as pessoas a aprender a ler, porque era muito importante, era muito importante. Eu tinha uma vizinha, que tinha um rádio, e nesse rádio passava uma novela, Francisco Cuoco, sei lá, como era hoje, e eu ouvia as pessoas falarem, eu entendia que as pessoas falavam muito bem, falavam tão bem que eu não sabia explicar porque as pessoas falavam tão certo, e a gente falava muito errado, então me chamou muita atenção, o fato das pessoas falarem assim, tão explicado. Porque as pessoas falavam diferente da gente, hoje, eu já não estou com essa fala porque eu aprendi, nós estamos no século XXI mas, na minha época, era totalmente matera, totalmente fora da realidade do mundo, ali era como se a gente não vivesse no mundo, a gente vivia em um mundo à parte, em um mundo à parte, né? Então, hoje, nós ainda temos essa situação, em lugares bem escondidos, bem difíceis, tem pessoas que ainda vivem isso. E aí, com onze anos, eu comecei a fazer isso aí, a ajudar, e eu comecei a entender, mas era assim né, era uma coisa que já estava mesmo intrínseca em mim, eu tinha que passar, era um caminhar, era um caminhar meu que dizia: “Algum dia você vai ser, vai ter que ajudar outras pessoas.” E eu ajudava muito a minha mãe, meus irmãos, cuidei dos meus irmãos todos, meus irmãos eram todos magrelos, todos branquelos, com um barrigão, eu também, não comia nada saudável, comida saudável, bem melhor do que hoje que é tudo cheio de química, mas não tinha uma alimentação que alimentasse, a gente enchia a barriga, porque comia muita farinha, mas não alimentava. Aquele barrigão cheio de verme, não sei o quê, mainha ficava dando remédio de mastruz com leite de vaca, a gente ia lá num pasto bem longe buscar a garrafinha de leite, então era muito difícil, muito difícil, muito.
P/1 – E como foi passando, quando chegou a juventude, quando chegou lá para os seus quatorze anos, mudou alguma coisa?
R – É, assim, dos meus onze [anos] até os treze, nós continuamos nessa luta, só que como eu já havia me alfabetizado, já estava ajudando as outras pessoas, eu comecei a conhecer, a entender que existia uma moeda, que existia dinheiro, e eu não sabia o que era, porque a gente vivia muito no mato, e a gente só sabia o que era a troca, de comida, de não sei o quê. Então, um dia, chegou um pessoal da cidade grande, aqui de Salvador, e aí foram visitar esse interior e uma da família, que era de uma família tradicional da cidade de Nazaré das Farinhas, que eu também não conhecia, quando me viu, falou para mainha — naquele tempo, costumavam pegar as crianças e levar para casa deles, as mães davam: “Você não quer me dar essa menina, para ficar lá em casa, para tomar conta dos meus filhos, não?” Aí mainha disse “Não, não, porque ela me ajuda aqui, tudo.” Aí ela falou “Não, mas aí eu vou ajudar ela, vou ajudar a senhora também.” Aí aquilo já me deu um estalo, eu digo: “É, mãe, se ela está dizendo que vai me dar roupa, vai me dar sapato.. “Porque eu não tinha né, tinha umas sandálias de borracha que mainha fazia. “[...] disse que vai dar roupa, vai dar sapato, vai dar condições de trazer comida para a senhora, aí a senhora não vai mais para a roça.” Aí ela falou: “Não, não vou dar a minha filha não.” Aí eu chorei, entrei em desespero, porque eu queria ir, aí essa criatura me levou, com muito custo, mainha me deixou ir. Moça, quando eu cheguei em Nazaré, para entrar na casa dessa moça, quando eu cheguei nessa cidade, Nazaré das Farinhas, eu já fiquei assombrada, porque eu morava em casa de palha, nunca tinha saído da roça, quando eu cheguei lá, eu vi um monte de casa feita, que, naquela época, não era nem bloco, era de tijolos, um monte de casa fechada, toda fechada, bonita, pintada, aí eu fiquei e ela: “Você está olhando o quê, menina?” Eu digo: “Eu queria saber como que faz essas casas, e é casa?” Aí ela falou: “Minha filha, isso aqui é uma cidade.” Sabe como é, uma pretinha, todo mundo era loiro, gente rica que eu acho que era, e eu ali, naquele meio, fazendo pergunta, não tinha nem sentido, não tinha nem lógica. Aí ela falou: “‘Bora’ menina, ‘bora’ que eu vou levar você para casa.” Cheguei na casa dela, ela tinha dois filhos, Eric e Mônica, os meninos todos brancos, bonitos, eu, pretinha, porque eu já era pretinha, com o sol, piorei mais ainda, eu tomava muito sol, meu Deus do céu. Aí eu fiquei lá, um dia, quando eu cheguei, comecei a ter medo, porque eu vi alguma coisa falando, era uma televisão, hoje eu sei que era uma televisão preta e branca, mas eu achava que aquele pessoal estava falando comigo, que ia sair dali de dentro para me pegar, eu entrei em desespero: “Quero ir embora, quero ir embora, eu quero ir para roça, eu quero ir para roça.” Ela disse que depois me levava, eu fiquei com medo, eu fiquei uns cinco dias sem comer, não dormia, só chorando, e com medo, encostada num canto lá, com medo de todo mundo, com medo de tudo e quando ela acendeu um fogo lá, que era fogão, eu me apavorei, eu pensei que ela ia tacar fogo na casa, eu nunca tinha visto aquilo. “Não tem como deixar essa menina aqui não, essa menina é um bicho do mato, eu vou levar ela, para entregar à mãe dela.” Só que ela me levou de volta, uns 3, 4, 5 dias depois, ela me levou: “Trouxe de volta, porque ela tem medo de todo mundo, tem medo de tudo.” Aí minha mãe “Foi bom trazer minha filha.” Fiquei lá, quando eu fiz quatorze anos, naquilo eu estava com uns treze anos, quando eu fiz quatorze anos, um dia eu estava sentada na porta dando comida aos porcos, que a gente tinha uns quatro porcos, umas quatro galinhas que criamos, aí eu vim da casa de farinha, mainha tinha feito farinha e eu fui ajudá-la a torrar, quando eu vim de lá, cheguei na porta, olhei para casa, eu a vi toda furada, as palhas todas secas, aí eu disse “ Eu não vou deixar mainha, eu não vou mais morar nessa casa com a minha mãe, eu vou procurar onde é que faz aquela casa que eu vi lá.” E, saindo lá, tinha um Variant, esse Variant era o que saía numa estrada e vinha para Nazaré, passava por Salvador, esses lugares, então, em Nazaré, se pegava um trem, ou vinha de carro, por fora, sei lá como era, para chegar em Salvador, e eu nunca tinha ouvido falar em Salvador, nunca tinha ouvido. Aí, sabe o que eu fiz? Eu estava com quatorze anos, peguei a certidão, botei dentro de um _________, que lá a gente não tinha sacola, botei dentro de um _________, botei os dois vestidos de saia rodada, botei, eu digo, eu tinha um cabelão, meu cabelo era muito liso, grande, eu digo: “Eu vou para aquele lugar, eu vou procurar onde que levanta aquela casa, eu vou botar minha mãe numa casa fechada.” E vim para o Variant, aí estava lá sentada, no sol quente, passou um caminhão cheio de banana, um carro grande, eu: “Meu Deus, que carro, aquele carro.” Aí o homem veio, parou: “Menina, fazendo o que aí?” Aí eu digo: “Eu quero ir para uma cidade grande.” Aí ele: “Não, você não pode não”. Eu digo: “Eu posso, o senhor pode me levar.” Ele falou: “Menina, eu não posso fazer isso não.” Eu digo: “Ô moço, me leva, minha mãe está passando fome, a gente mora lá para dentro, numa cidade…” Comecei a implorar, aí ele olhou para mim e falou assim: “Seja o que Deus quiser, agora, você sabe que quando chegar lá, você vai me ajudar a descarregar o caminhão” Mas imagine, eu acostumada a cortar pau, cortar tudo, fazer carvão, ia ter medo de descarregar um caminhão de banana? Não ia ter. Aí eu fui, fui descarregar esse caminhão. Menina, quando eu cheguei aqui em Salvador, que eu vi tantas luzes, tanto prédio, hoje eu já posso falar desse jeito porque eu já conheço, que eu vi tanta coisa, eu não sabia se eu olhava para cima, se caía do caminhão, que eu estava lá em cima descarregando, aí ele: “Menina, o que é que você tem, você está sentindo alguma coisa?” Eu digo: “É porque…” Aí eu fiquei sem palavras, comecei a chorar, só que eu chorava de alegria, porque, naquele momento, eu senti que estava em algum lugar que ia mudar a minha vida. Eu o ajudei a descarregar esse caminhão de banana, era de noite, chegou, aqui, em Salvador, tem um lugar que chama São Joaquim, a Feira de São Joaquim, então esse caminhão descarregou lá, aí depois ele falou assim: “Você vai para onde?” Eu digo: “Para onde o senhor me levar.” Aí ele disse: “Meu Deus, como é que eu vou conseguir levar você para minha casa? Eu tenho meus filhos, sou casado” Eu digo: “Mas, o senhor pode me levar, até o senhor me deixar em um lugar que levanta uma casa.” Aí ele disse: “Vamos.” Ele me levou, chegou lá, ele me apresentou a esposa dele, os dois meninos, a garota, ela me botou para tomar um banho, aí veio outro pânico de novo, quando eu chegava ali bati de novo com uma televisão preta e branca, com esse pessoal falando, aí foi mais um desespero. Eu tinha medo do pessoal que falava na televisão, eu tinha medo, eu achava que eles iam sair dali para querer pegar, a pessoa, para querer me pegar. Aí a moça foi me acalmando, já foi diferente, ela foi conversar comigo, já foi me mostrando, ele tirou a televisão de cima lá da onde estava, botou a televisão lá, rodou, me mostrou tudo, teve o cuidado de me mostrar e eu fui me adaptando. Dois dias depois, eu disse a ele: “Agora o senhor vai me levar no lugar que faz uma casa fechada.” E ele me falou: “Minha filha, você está falando de Construção, criança não trabalha em Construção.” Eu já estava com quatorze anos, vim tão predestinada a trabalhar para ajudar a minha mãe, que eu nem senti saudade de mainha, eu queria era fazer alguma coisa e tinha aqui, em Salvador, tinha não, tem aqui em Salvador, a [Avenida] Paralela, e lá na Paralela estava construindo o _________, um órgão federal, que eu acho que é federal, é federal, e ele me levou, só para eu ver. Quando eu cheguei lá, que eu vi todo mundo trabalhando, a primeira coisa que eu vi foi um homem pegando um tijolo, botando aquela massa e o tijolo e levantando, aí eu entendi que aquilo ali fechava, eu digo: “Ele está botando ali e fechando.” Aí eu digo: “Olha seu Beloval, o senhor vai ter que me ajudar a ficar aqui.” E ele: “Menina, você não vai ficar aqui não, e nem vou procurar um emprego desse para você porque, além de você ser criança, aqui não se trabalha…” Eu fiquei brava, fiquei lá, ele disse que tinha que voltar e eu lá, na portaria. Aí tinha um guarda, um vigilante, e eu falei assim com ele: “O moço, com quem eu falo para me ajudar a fazer aquilo ali?” Ele falou: “Aqui? Ah, minha filha, aqui você não pode fazer isso não, menina, você é criança.” Aí eu digo: “Mas o senhor não disse com quem eu devo falar, para me ajudar a entrar aí.” Aí ele disse: “Olha, quando o engenheiro passar aqui, eu vou dar um sinal para você, você fala com ele” Aí eu não pensei duas vezes, fiquei lá em pé, esperando, quando o engenheiro passou, ele fez um sinal para mim, eu sai correndo, seguirei na perna do engenheiro, assim, na calça, eu era miúda, era miudinha, aí cheguei lá e falei: “Ô moço, é o senhor que bota a gente aqui? Ele disse: “É.” Eu digo: “O senhor tem como deixar eu ficar aqui, fazendo aquele trabalho que aquele rapaz está fazendo ali?” Ele falou: “Não, não.” Ah, minha filha, chorei: “Moço, pelo amor de Deus, deixa eu ficar.” E contei toda história da minha família, da minha mãe, do sofrimento, de tudo, que eu não queria ficar na roça mais e esse homem olhou assim para mim, é tudo luz divina, aí ele olhou assim para mim e falou: “Você mora aqui aonde? “ Eu digo: “Eu não moro em lugar nenhum, tô na casa desse rapaz com a esposa dele.” "Então, menina, como é que você vai trabalhar?” Ai eu disse: “Não, ele vai me levar e vai me trazer todo dia.” Nem deixei o homem dizer nada, o seu Beloval. “Vamos fazer o seguinte, você vai, eu posso até deixar você aqui, agora você vai só varrer a obra, tá? Você vai varrer e, quando chegar alguém de fora, você tem que se esconder, se esconder porque criança aqui não trabalha.” Aí chamou o rapaz: “ Mas o senhor sabe, que o senhor tem que trazer ela todo dia, porque ela é criança, ela não conhece nada.” Aí ele botou a mão na cabeça: “Meu deus, mas eu não posso vir com ela, peguei essa menina numa pista, com um caminhão de banana, essa menina veio comigo, eu trouxe para minha casa porque ela ia ficar doida, agora como é que eu vou fazer?” Ele falou: “Eu não sei, eu vou ajudar ela, porque ela está falando da necessidade que vive com a mãe, e eu não posso deixar de ajudar. Olha você pode me prejudicar viu, menina?” Ele dizia. “Não, não vou prejudicar o senhor não, vale a pena.” Aí o seu Beloval falou assim: “Vamos fazer o seguinte, eu vou lhe trazer todo dia aqui, menina, mas só venho lhe pedir às seis horas da noite, você não sai daqui não para lugar nenhum.” Nisso mesmo eu fiquei, fiquei lá o primeiro dia, veio um negócio de alumínio com comida, que era quentinha, com feijão, só água com feijão, parecia água pura com um pedaço de de carne, aí eu olhei assim e digo “ Que comida boa, que comida que eu nunca..” Eu só comia caranguejo, siri, aquilo lá era um manjar. Eu comi, almocei, aí comecei a varrer a obra, não poderia ter um prego na obra, aí eu comecei a varrer essa obra, só que lá tinha um pedreiro, que ele faleceu e o nome dele era Florisval, um dia, eu falei assim pra ele, já tinha uma semana lá varrendo, um dia todo mundo saiu para almoçar e ele estava lá levantando, aí eu peguei e falei, ele me chamava de ‘menina Maria’: “Seu Florisvaldo, o senhor pode me ensinar como é que monta isso aí?” Ele disse: “Menina, você não tem condições não, isso aqui é trabalho pesado, menina.” Eu falei: “Mas me ensine.” Ele disse: “Olha, eu vou te ensinar, mas vou te ensinar escondido, porque se o engenheiro ver, vai me botar para fora, e eu tenho família.” Eu digo: “Não, quando eu ver o engenheiro vindo, eu largo e saio correndo”, aí ele: “Tá certo." Ele começou a me ensinar, você acredita que eu levei apenas dois meses de obra, comecei a fazer, ele me ensinando, com seis meses, eu já levantava uma parede, eu já batia um prumo, eu já sabia como é que levantava uma parede daquela, nos seis meses em que eu trabalhava na obra. Aí minha filha, só que o primeiro dinheiro que eu recebi, o homem veio de lá e falou assim: “Ó, esse envelope aqui é seu, viu? Você tem direito, porque você está trabalhando.” Aí eu: “Isso é o quê?” Ele falou: “É o seu dinheiro, que você tem direito por mês.” Eu digo: “Não, eu não quero dinheiro não, eu quero feijão, eu quero arroz, eu quero farinha para levar para minha mãe.” Ele disse : “Não, aqui não dá nada disso não, aqui você tem que receber…” Eu não me lembro nem que moeda era. Aí eu disse: “Então, o senhor guarda aí, quando o seu Beloval vir, o senhor entrega a ele.” Aí ele: “Meu Deus do céu, guardo”. Quando seu Beloval veio me buscar, ele: “Seu Beloval, isso aqui é dela, mas ela não quer receber de jeito nenhum.” Eu não quis receber porque eu achava que eles queriam me comprar, como gente, como mercadoria, aí seu Beloval: “Ô minha filha, não é isso não, aqui é diferente, você está em uma capital, você está em Salvador, minha filha, é diferente, esse dinheiro aqui, você leva para sua mãe, para sua mãe comprar alimento, a sua mãe…” Aí eu disse: “E lá minha mãe vai comprar com o quê? Esse negócio aí que ninguém sabe nem o que é?” Aí ele disse: “Pode deixar, quando for domingo, eu lhe levo lá.” Isso era numa sexta-feira, quando foi domingo, ele me botou no carro com a esposa dele, e foi lá ver minha mãe, chegou lá entregou o dinheiro para minha mãe, minha mãe passou tão mal que desmaiou, quase morreu, foi, quase morreu, passou tão mal quando ela soube que eu estava trabalhando, quando ele abriu o envelope e tinha dinheiro, ela não sabia nem contar, não sabia nem o que era. Aí eu disse “Ah mãe, mas eu vou voltar.” Ela: “Não filha, não volte mais não.” “Eu tenho que voltar, porque eu preciso ajudar a senhora, e pescando, arrancando caranguejo, pescando ________, fazendo tudo isso, não tem como eu ajudar a senhora.” Aí eu disse: “Seu Beloval, o senhor vai me levar de volta, né?” Ele: “Meu Deus..” Aí ela já tinha me dado roupas, ela me deu a roupa da menina dela, tudo, eu não fiquei mais com aqueles dois vestidos feio que eu tinha, lá na obra, eu vestia um macacão que o homem me deu, comprou o macacão que era pequenina, teve que cortar tudo para eu vestir. Aí eu voltei, e quando eu voltei, disse: “ Eu vou trabalhar para trazer minha mãe e meus irmãos, eu vou.” Passaram seis meses, eu já levantava uma parede, fui aprendendo, aprendendo, aprendendo, com um ano, eu já levantava, já era pedreira, com um ano eu era pedreira, e eu já recebia como pedreira, sabe o que eu fiz? Eu na casa dele, com dona Conceição, e ele não tirava um centavo do meu dinheiro, do jeito que recebia meu dinheiro, ele levava, e na casa dela, ela não deixava eu comprar um pão, eu tinha tudo. Essa é uma família que eu amo até hoje, ele já faleceu, sinto muito a perda dele, mas ela ainda está viva. Aí eu fiquei trabalhando, com um ano, que tirei a minha carteira e assinaram como pedreira, eu passei a ganhar melhor, aí eu disse a ele: “Ô Seu Beloval, agora eu preciso alugar um lugar, para botar a minha mãe, eu quero trazer a minha mãe.” Aí ele disse “Feito”. Aí alugou uma casa, que não dava para um apartamento, quarto, sala, cozinha e banheiro. Agora tinha a minha mãe, os meus três irmãos e eu, todo mundo dormia em cima de uma cama, ele me deu uma cama usada, me deu um colchão novo, colchão ele me deu, a esposa dele me deu novo, mas a cama me deu uma usada. Aí falou com um bocado de gente, um deu um fogão de duas bocas, outro, eu sei que, nesse quarto e sala, a gente foi morar, todo mundo dormia em cima da cama, eu dormia embaixo da cama, o pescoço do lado de fora, porque não dava para dormir, não tinha onde dormir, o banheiro era mais de uns sessenta, quase cem metros de distância do quarto para o banheiro, nessa avenida que a gente morava, mas eu sei que isso foi o ínicio. Então, eu comecei a trabalhar nessa obra, fiquei três anos nela, quando terminou essa obra, eu já sabia, além de pedreira, eu sabia assentar perfeitamente um piso, eu já estava com dezessete anos, sabia assentar perfeitamente um piso, agora continuei tendo o mesmo jeito, continuei toda, até hoje eu sou um pouquinho assim, sou muito… Então, continuei trabalhando, com dezessete anos, eu já era armadora, aprendi na obra, a ser pedreira e armadora, foram as minhas duas primeiras profissões, e aí quando terminou essa obra, quando estava para terminar a obra, eu disse: “Meu Deus, e agora?” Eu estava com dezessete anos, eu digo: “Eu faço o quê, agora?” Eu levei três anos nessa obra e era uma empresa grande aqui em Salvador. Aí o engenheiro falou assim: “Olha, a obra, em quinze dias, vai ser entregue, porque já está tudo pronto, você vai receber tudo direitinho, mas nós estamos providenciando outra obra para você ir, você é uma excelente pedreira, uma pedreira de acabamento maravilhoso.”, eu digo: “É, engenheiro, porque eu preciso voltar para o interior, para construir uma casa para minha mãe.” Aí eu já não pensava mais em ficar lá na roça, queria já construir em Nazaré das Farinhas, porque não era meu povoado, não tinha como eu construir, aí ele me botou em outra obra, foi uma obra de uns prédios que estavam construindo no bairro aqui em Salvador, que se chama Imbuí. Estavam construindo muitos prédios e, como eu já estava bem acostumada, já estava, aí comecei, todo mundo na obra me tratava muito bem, e não tinha mulher na obra, na obra só tinha homem, só tinha eu no campo de mulher, na copa, tinha uma moça que fazia o café, que servia lá os engenheiros mas, no campo, como mulher, só tinha eu e eu era muito bem respeitada, eu nunca sofri um assédio, uma importunação sexual, em nenhuma das obras que eu passei, em nenhuma, eles eram muito ignorantes, do jeito que tratavam os homens, me tratavam. Quando tinha que levar um carro de mão de concreto ou de massa, porque naquele tempo não tinha uns carros de concreto que tem hoje, que a obra liga, vem concreto pronto com a bomba e a gente já faz, naquele tempo, era tudo com a betoneira ou com a mão, tinha obra que não tinha nem betoneira, aí botava aquele grupo de trabalhador para poder virar massa, virar concreto, botar no carro de mão, para levar para o lugar que ia bater o concreto ou a massa, então eu ia com aquele carro de mão, com massa, pesado, que eu não aguentava, eu ia parando, parando, aí, no meio do caminho, sempre os meninos diziam assim: “‘Pera’ aí, menina, que eu vou levar, eu vou levar o meu e vou voltar para buscar os seu, você não vai aguentar não.” E eu pra eles: “Eu vou.” Mas eu não conseguia, eu sei que os meninos vinham correndo e levavam, vinha pegava o meu e levava, e dizia: “Agora volte sozinha de carro vazio, porque se o encarregado ver que alguém lhe ajudou, vai criar problema.” Porque eles não tinham pena, eles me tratavam como tratavam os homens, agora não me desrespeitaram, e eu era uma menina muito, assim, eu tinha muito medo, nunca tinha tido namorado, nunca nada disso, então eu era muito, muito… Aí resultado, mas Deus foi tão bom, minha filha, que me guardou de tudo isso, porque se fosse na época de hoje não sei não, tinha sido estuprada, tinha sido… Não tinha jeito, porque eu, lá dentro, trabalhando, com aqueles homens todos, trabalhando de pedreira, no andaime que o pedreiro subia, eu subia, era, no andaime que o pedreiro subia, eu subia, o que o pedreiro fazia, eu fazia. Aí depois eu comecei a ir para a armação, comecei me aproximando com o pessoal da bancada de armação, fui me aproximando, e também como eu já era pedreira, eu precisava, aí eu não conhecia, não sabia ler projeto, não conhecia as linhas de projeto, esse pedreiro me ensinou: “Agora, dona Maria, toda vez que o encarregado trouxer uma planta, você tem que olhar, para saber onde é que passa a parede, onde é que passam as calhas, não sei o quê lá.” Eu que não sabia, eu era alfabetizada, mas não tinha esse conhecimento, aí ele deu para me ensinar, começou a me ensinar, foi assim que eu comecei a ler projeto, ele começou a me ensinar, me ensinar, e eu já sabia, quando eu passei a ser pedreira, o encarregado trazia… Agora como foi que eu passei a ser pedreira? Ele me ensinou, eu aprendi, ele me ensinou a não falar com ninguém, ele se tornou encarregado de pedreiro, esse pedreiro, um dia. Aí um dia, teve um teste para vários pedreiros e, naquela época, o pedreiro que passava no teste, era o pedreiro que conhece da Odebrecht, da Rede Junior, essas empresas grandes, né? Principalmente, da Odebrecht, então tiveram uns dez ou quinze homens que foram fazer teste, aí ele falou para o engenheiro assim: “Olha…” O nome do engenheiro era Martins, naquele tempo, chamava engenheiro de doutor. Hoje em dia, não se chama mais engenheiro de doutor, já sabe que não tem, né… Aí ele disse: “Doutor Martins, a menina Maria quer fazer um teste.” Ele falou: “Como que ela vai fazer o teste, se ela só varre, o que que ela sabe para fazer o teste?” Ele disse: “Olha, acho que o senhor deveria experimentar, deveria mandar ela fazer.” Mentira, eu já sabia tudo que ele tinha me ensinando, aí o engenheiro ali: “Você sabe, menina Maria, vai ter um teste amanhã de manhã, você já sabe pegar em uma colher?” Eu digo: “Eu já vi o povo pegando, mas quem sabe eu também não pego.” Porque eu não poderia dizer que o menino largava o trabalho dele para me ensinar, aí fiz o teste, fiz o teste de acabamento, de assentamento de piso, eram dez metros para cada pessoa que fosse fazer o teste, tinha dez metros quadrados, eu fiz primeiro do que todo mundo, eu passei em primeiro lugar no teste de assentamento de piso. Aí o engenheiro olhou para mim e disse: “Menina Maria, você aprendeu a botar isso aonde, que eu não vi? Você chegou aqui há três anos atrás…”. “Eu aprendi, eu aprendi.” Mas, aquilo me deixou tão feliz que eu disse: “Meu Deus, esse senhor Francisco precisa ser a peça principal desse ensinamento, foi ele quem me ensinou.” Um dia o engenheiro passou, eu estava com a equipe de servente, eu já tinha uma equipe de servente, aí ele já me botou para ser, naquele tempo, se chamava de cachimbo, aí ele me colocou na obra já para ser cachimbo de pedreira, de pedreiro, tomar conta dos pedreiros. Aí eu disse: “Doutor Francisco, eu tenho uma coisa para te dizer, mas o senhor não pode mandar ele embora, se o senhor mandar ele embora, eu vou embora, mesmo eu precisando desse emprego, eu agradeço a Deus, agradeço muito ao senhor, que deixou eu entrar para varrer essa obra, mas eu agradeço muito a ele.” Aí ele disse: “Você está falando de quem?” Aí eu falei: “Não, porque ele que me ensinou, no horário do almoço, todo mundo ia almoçar, ele não ia para me ensinar a levantar parede, para me ensinar a rebocar, me ensinar a trincar, me ensinou a botar piso, hoje se tivesse que sair eu nem tinha como o senhor viu no teste de assentamento porque ele me ensinou”. Ele só faltou cair, ele era bem branco, ele ficou vermelho, ele falou: “ Menina Maria, foi mesmo?" Eu disse: “Foi.” Aí ele disse:” Então, eu nem vou demitir então, eu vou dar um aumento para ele, porque o que ele fez menina, com você, ele te deu a vara para pescar, ele não te deu o peixe, ele te deu a vara para pescar e você, menina, com toda inteligência, você aprendeu, o que você aprendeu aqui em três anos, eu tenho funcionário que tem dez e ainda é servente até hoje.” Aí eu disse a ele: “Mas sabe por que, doutor isso? Porque a minha mãe precisa de mim, para eu ajudar ela e ajudar a criar meus irmãos, então eu tenho essa sede de aprender.” Sabe que eu também vou estudar, eu também não vou ficar só pensando na obra sem estudar, aí logo dei sequência. Aí terminou essa obra, eu fui para outra obra, que era pela empresa OS, aí fui para essa obra, quando, minha filha, eu cheguei lá, eu já não fui mais como pedreira não, eu fui como encarregada, fui contratada como encarregada, porque o engenheiro de cá, que eu trabalhei primeiro, ele mandou, ele falou para o engenheiro lá: “Bote Maria como encarregada.” E não tinha, em obra nenhuma, mulher no campo, nem como pedreira, nem como encarregada, eu fui a primeira mulher a quebrar esse paradigma de que a mulher não pode, não podia trabalhar em Construção Civil. E daí eu fui para essa obra, aluguei uma casa maior, passei para o vizinho de __________ , fui cuidando de meus irmãos, meus irmãos foram para escola, e eu fui cuidando, ajudando minha mãe, minha mãe não ficou na roça, trouxe minha mãe, eu tirei minha mãe daquele sofrimento, daquela luta, daquele trabalho escravo e eu sentia um prazer muito grande, quando eu chegava do trabalho e minha mãe dizia assim: “Minha filha, fiz feijão, fiz macarrão, fiz não sei o quê.” Coisa que a gente não ouvia falar, então eu passei a dar uma vida digna para a minha mãe, para os meus irmãos, meus irmãos estudaram, e eu comecei a me sentir gente, comecei a me sentir um ser humano de verdade, sabe? Mesmo dentro de uma obra, com tanto homem, mas com meu respeito, a minha dignidade e o amor de Deus, o plano de Deus na minha vida me manteve íntegra e intacta, intacta, trabalhando a minha essência. E o dia que o engenheiro dessa nova obra que eu fui, falou assim, eu já tinha um ano lá, ele falou assim: “Maria..” Eu já estava com dezenove anos, ele falou: “Maria, eu queria proporcionar para você um curso de leitura de projeto avançado.” Na época, isso foi em 1979, eu trabalhava, eu saia do trabalho, eu pegava no trabalho sete horas da manhã, eu pegava seis horas, porque tinha que chegar às seis, para poder tomar café e ir para o campo, aí ele disse que ia me proporcionar esse curso, ele falou “ Não pela empresa, eu vou fazer isso, porque você tem uma força de vontade muito grande, menina, você é muito querida aqui por todo o pessoal da obra.” E aí eu fui fazer esse curso na escola técnica, aprendi o curso de leitura de projeto, aprendi a ler projeto de qualquer planta, tudo quanto era planta, eu lia projeto, era tudo, eu aprendi tudo, foram seis meses de curso, eu aprendi. E aí eu passei a aprender armação, ferragem, depois eu fiz, aprendi ser eletricista predial, de alta tensão não podia, eu fiz eletricista predial e, com isso, meu salário foi subindo, eu fui mudando, cada profissão que eu aprendia, eu fui encarregada, depois eu fiz curso de solda, sou soldadora argonista e sou funileira I e II. Quando terminou essa obra do Imbuí, eu fui para o Pólo Petroquímico de Camaçari, aí eu fui para lá, a Odebrecht estava construindo a Braskem, que hoje é Braskem, na época era _________, isso já foi em 1992, aí eu fui para a Braskem no Pólo, fui “vírgula”, estava assim, terminou o prédio aqui, eu fiquei sabendo que ia ter uma obra lá no Pólo, peguei um carro e fui para Camaçari no Pólo Petroquímico, essa fábrica fica de frente para a Copeng, aí cheguei lá uma área enorme, não sei quantos hectares, eu fui: “Meu Deus.” Estava ainda na terraplanagem, aí eu cheguei na portaria e o pólo é muito rígido para você ter acesso, falei com um vigilante, eu digo: “Moço, essa obra está começando agora?” Ele disse “ É, tem quinze dias que começaram as máquinas, chegando aí para fazer a planagem, a terraplenagem, e vai ser uma fábrica grande.” Eu digo: “É, então eu vou tentar entrar por aqui.” Ele disse: “Não, você é mulher, menina, você não entra aqui não, aqui mulher não faz nada não.” Eu digo: “Eu já sou de obra, eu já sou pedreira, já sou armadora, já fui encarregada de três produções.” Aí ele disse: “Você? Você trabalha em obra?” Eu digo: “Trabalho, trabalho, e tem mais, eu sou encarregada de obra de levante, de abertura de caminho, e sou encarregada de levante…” Quando a gente faz a casa, faz uma abertura do caminho, para poder a gente levantar as colunas, tem que compactar direitinho e tal, para poder fazer as colunas, aí eu disse: “E esse trabalho vai ter aqui, porque está na terraplanagem ainda, eu vou ter condições de fazer.” Ele disse: "Se você quiser ficar aí na portaria, você fica, quando o pessoal sair pro almoço…”, porque eles almoçavam em outra fábrica, no ________, que hoje é Petrobrás. Aí eu fiquei, ele disse, quando o homem veio lá. “Aquele menino baixinho que vem lá, é o gerente, é o mestre da obra, ele não é nem daqui, ele é de outro estado”, eu digo: “Está.” Quando ele passou, eu digo: “Ô moço, por favor, posso ter uma palavra com o senhor?” Ele disse: “É porque eu vou almoçar…” Eu digo “Ô moço, antes de o senhor ir, porque eu estou aqui desde às cinco da manhã, estou com fome, eu vim de carona, estou com fome, não posso ficar o dia todo sem comer nada aqui, pelo menos, para eu poder ir para casa, pegar o ônibus para Camaçari, para ir para casa.” Ele disse: “Não, aguarde aí quando eu vier eu lhe atendo.” Quando ele veio, veio com uma quentinha, menina, tinha tanta coisa boa nessa quentinha, tanta comida boa nessa quentinha, quando eu olhei, eu digo: “Meu Deus, vou levar para casa.” Olha que eu não estava mais com aquela necessidade que eu tinha, quando eu vim do interior, mas eu também sempre fui assim com a minha família, tudo que eu como, todo mundo come um pedacinho. Aí eu digo: "Está certo.” Aí quando ele veio, entregou a quentinha e falou: “Coma, depois que você comer você venha..” Falou com o vigilante: “Deixa essa mulher entrar, porque eu vou conversar com ela, quero saber o que ela quer.” Aí eu comi, fiquei lá um pouquinho, aí o vigilante já me tratou melhor porque viu o mestre, aí me deu um cafézinho também e tal, depois o menino veio na portaria e falou: “O mestre quer, disse que é para mandar a moça, que quer falar..” Daí eu fui, minha carteira na mão, com tudo direitinho, minhas coisas de projeto, de tudo, meus diplomas, todos debaixo do braço, aí fui, cheguei lá, ele falou: “Mas aqui não tem como botar você em copa, porque nem copa ainda, não tem, nós estamos fazendo refeição na outra fábrica como você viu.” Eu disse: “Mas eu não vim para ir para copa, eu não sou menina de copa, eu sou menina de trabalhar em campo.” “Minha filha, Odebrecht não trabalha com mulher no campo.” Eu digo: “Se não trabalha, vou ser a primeira." E ele: “Por que você acha que vai ser a primeira?” “Porque está aqui, eu já sou pedreira, sou armadora, sou funileira 1 e 2, tudo que vai ter aqui nesta obra”. Aí ele olhou para mim e falou: “Você trabalha aonde?” Eu disse: “Olha aqui na minha carteira, trabalhei três anos, trabalhei anos anos nessa empresa aqui, trabalhei três anos nessa daqui, e agora estou querendo essa oportunidade aqui.” Quem entrava na Odebrecht naquele tempo, meu Deus do céu, era coisa do outro mundo, e aqui, na Bahia, é assim, passou pela Odebrecht, tem oportunidade em qualquer lugar, aí ele olhou para mim, olhou, disse: “Você mora aonde? “ Eu digo: “Eu moro em Salvador.” Aí eu já morava numa casa grande, eu já morava em um bairro, que não era periferia, eu morava no centro, perto desse seu Beloval, que era outra segunda casa para mim, um local bem perto do Centro Histórico de Salvador, muito tranquilo, muito bom, aí eu disse: “Tenho prazer de te dar o endereço.” Aí ele disse: ”Fiquei aguardando um pouquinho." Porque lá, nessa obra, só tinha um escritório dos engenheiros, porque estava ainda em terraplanagem, aí ele disse: “Aguarda aí”. Eu fiquei aguardando, ele foi para o outro lado, não sei para onde foi, foi para obra, duas horas depois, ele voltou, aí eu disse “ Ô moço, o problema é que eu tenho que ir mais cedo, porque se não eu não consigo pegar carro para ir para casa em Camaçari.” Ele disse: “Não tem problema, vai no carro, no ônibus daqui da Odebrecht para casa.” Eu digo: “Já estou na obra.” Isso era eu pensando, com meu subconsciente, já fortalecendo, aí ele, quando ele veio, o engenheiro dele me chamou, aí o engenheiro olhou para ele, olhou para o chefe do RH, olhou para mim, aí falou assim: “O que você acha, ________?” O nome do mestre era _______, ele era de Cachoeira de Itapemirim, aí ele falou assim: “Por mim, você testa ela na obra.” Aí o chefe do RH perguntou se eu estava com os documentos, já entreguei logo, acredita que eu saí de lá empregada, com farda, com bota, com tudo? No outro dia, de manhã, o carro já foi me pegar na porta, porque o carro pegava a gente na porta deixava lá na obra, trazia… Então, no outro dia, eu cheguei em casa numa alegria, minha mãe, a gente, aí quando chegou em casa eu digo: “Mainha, eu entrei na maior empresa do mundo, eu entrei na maior empresa do mundo, a gente agora vai ter uma vida melhor, vou trabalhar mais.” Eu passei a ter um orgulho de estar trabalhando na obra, eu já gostava, daí eu me apaixonei mais ainda, porque passei a ter um salário mais digno, passei a ganhar bem, tinha 30% de soldo, hora extra, tinha vezes que minha mãe ia, usava meu sálario, usava as horas extras e os 30%, mas a gente foi mudando de vida, Deus foi operando, e eu trabalhando. Para você ter uma ideia, quando terminou a obra, durou seis anos, se eu for lá hoje, eu sei onde passa cada tubo, cada fio, eu trabalhei. E foi lá que eu fui classificada como Mestre de Obras, por isso eu sou a primeira mulher Mestre de Obras do estado da Bahia, não tinha mulher dentro da obra, não existia, não tinham mulheres dentro das obras, somente para fazer cafezinho, até os banheiros, quem lavava, eram os homens, porque só tinha na copa, para você ver o quanto a Construção Civil é totalmente predomindada pela sexo masculino, mas eu não dexei isso ficar acontecendo, de jeito nenhum, mas te garanto que era o setor que mais emprega, emprega pessoas em condições, de toda a raça, de toda a cor, com cultura, sem cultura, com diploma, sem diploma, quem mais emprega é a Construção Civil, e é por isso… E aí eu continuei, lá na Odebrecht, no pólo, fiquei seis anos, quando terminou a obra, eu fiquei como Encarregada Geral, quando terminou, foi Mestre de Obras, quando terminou, que entregaram a fábrica, no cronograma da fábrica, não tinha a minha função de Mestre de Obras, de Encarregada Geral Civil, aí sabe o que aconteceu? A Odebrecht contratou uma empresa, com o nome Organização Guararapés, uma empresa que prestava serviço ao pólo só em cargos altos, só em profissionais de cargos altos, e eu fui contratada por essa empresa, o escritório dela era aqui em Salvador, mas ela prestava serviço ao pólo, e eu fui contratada por essa empresa para ser a Encarregada Geral de Manutenção Civil dessa fábrica, continuei na Construção Civil, então, ou seja, eu passei quatorze anos nessa empresa, com mais seis que eu fiquei na construção da fábrica, vinte anos, vinte anos. E com isso e Deus, eu fui cuidando melhor da minha mãe, minha família tinha plano de saúde, minha mãe, a gente passou a ter uma vida diferente, vivia com dignidade, a gente não fuma, não bebe, nada dessas coisas, e todo mundo ali vivendo, porque a gente veio da roça, a gente vem com outros costumes, outros hábitos, outra maneira de ser, restrito a muita coisa, então isso é maravilhoso, é muito bom para educação, é bom para convivência, para o respeito para o outro, é muito diferente. Mas, aí, como nem tudo é mar de rosas, eu já com todas essas condições, com tudo na carteira, tudo certinho, eu já Mestre de Obras, no pólo, eu sai do pólo, porque eu já tinha muito tempo lá. No pólo, se você demorar muito tempo lá, eu saí de lá doente, por conta das contaminações, que tem no pólo, as fábricas soltam todo dia, dão descarga em muito produto, muita coisa e é ruim para saúde, aí eu saí, aí pedi para descansar. Das obras, eu não tinha como sair, porque é minha paixão, foi ela que trouxe a sobrevivência para minha família, através da minha luta, aí pronto, fiquei, só que quando chegou em 2006, e olha que desde os catorze anos, até 2006, eu estava com cinquenta e quantos anos? Eu acho que eu estava com 52 anos, nunca eu tinha sofrido um assédio moral, nunca tinha sofrido, uma importunação sexual, que hoje é importunação, era assédio sexual, nunca sofri discriminação, preconceito, nada, mesmo só tendo eu, dentro da obra, como mulher. Aí quando chegou em 2006, eu falei: “Bom, agora eu vou para obra para lutar para que outras mulheres entrem na obra, porque, aí já estava uma revolução, bastante evoluído e a justiça e tal, reconhecimento das instituições que representam as classes trabalhadoras, então eu já passei a ter conhecimento de tudo isso, lá dentro, eu fui da CIPA várias vezes, então eu já estava, né? Aí resultado, já tinha conhecimento de tudo e, em 2006, eu resolvi trabalhar em Salvador, que eu trabalhei em duas grandes obras que foram Campo Grande, a obra do Campo Grande, que é a Praça 2 de julho, fui Encarregada Geral, e do Dique do Tororó, que é um lugar também maravilhoso, é muito visto pelos turistas e tal, dentro aqui da cidade de Salvador, são obras importantíssimas e eu fui Mestre de obras nessas duas obras. Aí quando, aqui na cidade de Salvador, nós já estávamos esperando muito tempo pelo metrô de Salvador, quando o projeto chegou, em 2002, eu ainda estava lá no pólo e quando eu saí, eu digo: “Agora eu vou trabalhar na obra na cidade de Salvador para sair um pouco da contaminação do pólo.” Aí fui procurar emprego nessa empresa que veio para aqui, ganhou a licitação que veio para fazer, na verdade, já estava fazendo, ela começou em 2002, e eu resolvi procurar em 2006, foi quando eu saí do pólo, aí eu cheguei lá: “Mulher não trabalha no campo não.” Olha, em 2006, “mulher não trabalha no campo não, aqui mulher trabalha no escritório, trabalha na seleção, mas no campo não trabalha.” “Mas por que não trabalha? Se eu trabalhei aqui, trabalhei ali, trabalhei ali, trabalhei acolá, já fui Mestre de obras na obra.” “Mas aqui na Camargo Corrêa não trabalha.” Eu digo: “É mesmo?” “ Não.” Aí aquilo me deixou indignada, não é possível uma coisa dessas, aí eu comecei a lutar, todo dia, eu ia na porta da obra, todo dia eu ia na porta da obra, aí quando eu vi que eles estavam mesmo realmente decididos a cortar mulheres, eu procurei uma pessoa que poderia dizer :“Não, ‘pera’ aí.” Aí eu fui, tal pessoa ligou; “Olha seu fulano de tal, dona Maria do Amparo, primeira Mestre de obras do estado da Bahia, ela passou por tal empresa e tal, a última é tal, e ela precisa fazer obra em Salvador, dentro da obra em Salvador ela já fez a obra tal, tal, tal.” Aí ele mandou que eu fosse no outro dia, ela ligou para mim: “Amanhã você pode ir, o chefe lá está te aguardando.” Eu digo: “Está.” Me muni de documento, tudo direitinho, menina, quando eu cheguei lá, ele disse: “Olha, eu posso até colocar você aqui na obra, mas é como carpinteira.” Trabalho não tira a dignidade de ninguém, eu já fui carpinteira, pedreira, armadeira, já fui tudo, graças a Deus com muita dignidade, com muita honra, com muito respeito, e muito agradecida, foi o que me trouxe sobrevivência para mim e para a minha família, agora, se eu já estou e sou Mestre de obras, primeira Mestre de obras do estado da Bahia, não tem porque eu entrar ali como carpinteira. Ele falou: “É pegar ou largar.” Eu digo: “Não, não é assim não, não, de jeito nenhum, eu quero entrar como Encarregada de obra, como Mestre de obras.” Menina, foi uma luta para esse homem me colocar, esse gerente procurou, um gerente do RH, esse homem procurou tanto coisa, tanto impedimento, tanto isso, tanto aquilo, eu digo: “Eu não vou entrar – .“ E ele: “Vai entrar como carpinteira, você já sabe o que carpinteira faz. Anda com todas as coisas na cintura, martelo e tudo e um pau nas costas, carregando o pau nas costas.” “Que história é essa que você está falando? Que linguajar é esse que o senhor está dizendo?” “É, você sabe, que carpinteiro anda carregando madeira nas costas.” Eu digo: "Ah está, madeira, eu já trabalhei de carpinteira, eu sei como é.” Aí ele: “Então, quer?” Eu digo: “Não, carpinteira, eu não quero não, quero entrar aqui como Encarregada Geral.” Tem empresa que coloca Mestre de obras, outras, botam Encarregada Geral, mas é a mesma coisa. Aí ele me colocou, mas antes dele dizer que era para eu levar a documentação, ele disse para mim: “Vem cá, só tem uma coisa, você não vai receber o mesmo salário dos homens.” Eu digo: “O quê? Por que não? Eu sempre recebi.” Ele falou: “Mas aqui não, aqui não vai.” Eu digo: “Está bom, eu vou receber quando mesmo?” “50% a menos.” Eu digo: “Ué.” Ele disse: “É.” Eu digo: “Não, não vou aceitar não, não vou o senhor está me desqualificando…” Eu já estava bem interagida, eu digo: “Não, o senhor está me desqualificando, não vou aceitar não, o que o senhor está fazendo comigo é um assédio moral, o senhor está me desqualificando, é assédio moral, e o senhor está me discriminando, profisisonal não tem sexo, ele tem capacidade, a mulher pode trabalhar aonde ela quiser, é só ela ter capacidade, é só ela ter aprendizado, é só ela saber trabalhar, e esse emprego aqui não é diferente dos outros, o senhor não está como gerente? Eu poderia estar no seu lugar, não é pelo fato de eu ser mulher, que eu não poderia estar no lugar do senhor, agora daí o senhor desqualificar a minha função e dizer que eu não posso receber meu salário na altura, olha aqui, meu salário, quanto é.” Aí eu mostrei a carteira para ele. “Infelizmente, é o que a gente pode oferecer aqui.” Eu digo: “Está bom, está certo, eu aceito.” Eu não ia perder a oportunidade de entrar, né? Aí eu aceitei, chegou no outro dia, eu voltei para fazer o exame médico e falei: “O senhor pensou direitinho?” “Em que? “ “Do meu salário.” Ele falou: “É, tudo bem, a senhora vai ficar com o salário da senhora.” Eu digo: “Muito bem, muito obrigada.” Achando que ia ser isso, aí eu fiz os exames médicos, uma semana depois o treinamento, tal, passei por treinamento da segurança, aí fui, me locaram na obra da Lapa, aqui nós temos a estação da Lapa, e o metrô começou na estação da Lapa, a primeira linha, estação da Lapa Campo da Pólvora que é onde eu estou aqui agora, estou aqui no Campo da Pólvora, e aí é o túnel, é o único lugar que passa túnel é da Lapa para o Campo da Pólvora e estava sendo feito a abertura do túnel, porque era muita pedra, muita coisa, então estava tendo detonações e tal, me botaram na Lapa. Menina, me deram quarenta funcionários, para eu trabalhar dentro desse túnel, tinham homens que tinham medo de entrar, porque tinham fobia, eu não tinha porque eu já estava acostumada a trabalhar no pólo, trabalhar dentro de alguns túneis, dentro das construções, que eu fazia solda, não sei o quê, então eu não tinha medo de altura, de nada disso, não tinha medo, era um homem, uma mulher vestida de homem, uma mulher que faz trabalho de homem. Aí resultado, eu fui para a Lapa, fui para a Lapa, coordenando esse povo todo, ficava túnel, o túnel tinham tanta água, menina, era, tinha muito minador, era pedra, cada vez que detonava, subia um minador, então eu tinha uma equipe de carpinteiro dentro desse túnel, que eu ia, para a gente fazer a escada e tal, para encher de concreto, essas coisas todas, então eu fiquei trabalhando lá. Sabe, negócio de uns cinco meses, seis meses, um dia, eu estava lá no final, lá no túnel, a Camargo Corrêa trouxe um gerente geral para fiscalizar as obras, esse cidadão era bem branco, dos olhos bem verdes, aí eu nunca tinha visto, porque eu ________, só enxergava o gerente, quando esse abençoado foi lá para o canteiro, visitar o canteiro da Lapa, da detonação, eu estava lá coordenando o trabalho com os meninos, ele perguntou ao meu engenheiro direto: “Quem é aquele homem que está lá embaixo, baixinho lá, como é que é o… “ Eu sou baixinha, né? “... Aquele baixinho que está lá embaixo dentro do cano?” Aí o engenheiro falou: “Não, não é um homem, ali é uma mulher, aquela mulher é a primeira Mestre de obras do estado da Bahia, é a mulher que quebrou paradigmas de trabalhar na Construção Civil, mulher conhecida por todo mundo, as grandes empresas conhecem o trabalho dela.” Ai diz que ele disse: “Diga a ela que nós vamos ter uma reunião duas horas da tarde, para ela ir ao escritório que vamos ter uma reunião.” Agora imagina você, eu já tinha passado por todo esse percurso todo, passado por toda dificuldade, dentro da Construção Civil, nunca tinha passado por isso, se eu tivesse passado, não chegava nem na metade da minha luta, da minha história, do meu aprendizado, e eu já tinha ido para lá exatamente para lutar em favor das mulheres, para que as mulheres pudessem ocupar o espaço também da Construção Civíl, aí eu cheguei e falei pro engenheiro: “O que ele quer comigo? Não me conhece, não sei nem quem é ele.” “É melhor a senhora ir, sabe como é, o gerente geral, é nacional e internacional, tem 30 anos de casa“ “Eu vou né, mandou me chamar, apesar de eu não ter visto nem de frente.” Não tinha como ter simpatizado comigo, porque não tinha me visto, aí eu fui, quando chegou lá, isso foi em 2006, novembro de 2006, ele estava sentado como eu estou aqui, e eu não cheguei nem a me sentar, porque ele não deixou nem eu sentar, quando eu entrei, eu falei: “Boa tarde." Ele: “Boa tarde”. Eu digo: “Não, não, porque o engenheiro disse que tem uma reunião entre eu e o senhor, pensei que tivessem outras pessoas.” Que o correto era ter engenheiro de segurança, outras pessoas, só estava ele, aí ele foi direto, ele foi assim perverso, ele planejou, ai ele falou assim: “Olhe, nenhuma das obras que eu supervisiono como Gerente geral na Camargo Corrêa, nenhuma das obras trabalha mulher no campo, e você não vai ser a primeira, você é negra, você é feia, você é pobre, você não é um engenheiro como eu, quem disse a você que eu permito que mulher trabalhe no campo, muito menos coordenando equipe, sendo liderança?”. Menina, quando esse homem falou isso, parecia que o chão abriu e eu ia entrar e sair lá na obra para esquecer o que eu ouvi, mas aquilo me trouxe uma dor tão grande, tão grande, tão grande, eu parei, ele falando, e aí ele dizia “Você não é nada, você não é ninguém, você…” Aí amassava um papelzinho assim na mão e jogava na lata do lixo, e eu olhando para ele, quando ele acabou de falar eu disse: “O senhor sabe que o senhor acabou de cometer vários crimes.” Aí ele disse: "Prove.” Eu, em uma sala sozinha com ele, não sabia o que era, não tinha levado nada, eu ia provar como? Só nos meus sentimentos e no meu psicológico o que eu vi, o choque que eu tomei de imediato, porque aquilo me trouxe um desespero tão grande, como uma pessoa que ocupa um cargo daquele, que representa uma empresa nacional e multinacional se comporta de uma forma daquela? Aí eu disse: “Pois não, Excelência." “E saia para eu não lhe botar para fora.” Eu disse: “Pois não, Excelência, eu já estou saindo.” Aí ele, aí eu saí, no fundo do escritório, eu havia construído uma quadra de esporte, tinha um pé de árvore, de aroeira, aí eu encostei nesse pé de aroeira, chorei, chorei, chorei, chorei, aí eu digo: “Meu Deus, eu li em tua palavra que nenhum justo e sua descendência mendigará o pão, eu lutei, eu trabalhei tanto para chegar até aqui, meu Pai, para chegar uma hora dessa eu ouvir uma coisa dessa, não é possível, eu passei por tantos lugares, trabalhei com tanta gente, sem conhecimento, sem cultura, ignorante, de todas as raças, de todas as cores, nunca passei por isso, e agora eu estou passando, me dá uma direção.” Aí Deus me deu a direção, eu já tinha feito umas duas entrevistas com o Ministério do Trabalho aqui na Bahia, aqui em Salvador, que ficava na Avenida Sete, aí o que eu fiz, eu nunca tinha vindo no sindicato da minha classe, eu era sindicalizada, mas nunca tinha vindo no sindicato que representa a minha base, aí eu vim, vim, coincidiu que eu encontrei o presidente do sindicato, aí eu fui, expliquei a ele a situação, de imediato, ele mobilizou a diretoria, pediu uma reunião, e aí desde aí, eu saindo desse sindicato, eu fui direto para o Ministério do Trabalho, porque lá tinha um órgão, eu acho que ainda tem, não sei, que chama NAP, que trabalha com essas questões, aí eu fui, de bota, de capacete, do jeito que eu estava. Aí eu cheguei lá, quando a superintendente me viu falou: “Oi minha filha, está fazendo o que aqui toda manifestada assim?” Eu digo, aí sentei com ela, comecei a contar, mas eu não me continha, porque aquilo me doía, me doía, me doía, aí quando ele falou isso, automaticamente, eu tive um estado de depressão, na hora, porque aquilo foi dolorido, dolorido. Eu sei que naquele dia mesmo, isso aconteceu, quando foi duas horas da tarde, cinco e meia da tarde, teve a reunião no Ministério do Trabalho, aí foi todo mundo, foi ele, foi a gerência, foi o pessoal do sindicato, foi o presidente da instituição que representava minha base, foi os diretores, foi todo mundo, todo mundo sentado na mesona enorme, todo mundo sentou, só que o que aconteceu é que pelo fato de ter somente dona Maria lá como trabalhadora da Construção Civil no campo, como a liderança do campo, ele achou que ia ficar por nada: “Não, eu faço isso, dá no mesmo.” Aí eu fui, eles convocaram no mesmo dia, aí teve essa reunião, quando chegou lá a Superintendente perguntou a ele, o nome dele era Sebastião Evilares. “Sr. Sebastião Evilares, nós recebemos uma denuncia do senhor, de dona Maria do Amparo, que trabalha na construtora, na obra da Camargo…” Explicou tudo. “... E que não a conhecia, eu acredito que o senhor não conheça ela, ela também não conhecia o senhor, mas o senhor a convidou para uma reunião hoje, e agiu dessa forma, assim, assim, assim com ela, foi a reclamação que ela veio fazer do senhor, isso é verdade?” Ele: “Sim, excelência.” “O senhor aqui pode confirmar, por favor, as palavras que o senhor proferiu com a dona Maria do Amparo.” Você acredita que ele falou: “Olha, eu, realmente, foi um momento…” Ele ficou sem palavras, ficou sem palavras e gaguejou, gaguejou, foi um momento em que ele, infelizmente, proferiu essas palavras, mas ele não teve a intenção de me prejudicar, não teve a intenção de me ofender. “... Eu peço que ela me desculpe, que ela me perdoe, isso não vai mais acontecer.” E outra, ele tinha dito a mim lá: “A partir de hoje, você não volta mais a sua frente de serviço, não vai liderar nada, você vai ficar aqui no escritório, lavando o banheiro dos peões, olhando para o céu e contando estrelas.” Imagine? Depois de passar uma luta tão grande no final, isso nós já estávamos, isso foi novembro de 2006, aí ele confirmou que teria feito isso, que me pediu desculpa, que eu retornasse e tal. Aí vai, os diretores na época do sindicato se manifestaram, o presidente se manifestou, que não aceitava uma coisa dessa, que ele tinha cometido um crime, a coisa foi… O sindicato que representa a minha base ele é um sindicato que realmente trabalha, que luta, a favor do trabalhador, ele trabalha, ele luta pelo direito do trabalhador, tem aquele sindicato que simplesmente é por ser, ele não, o da nossa base não. Aí foi que ela perguntou: “Dona Maria, a senhora desculpa o senhor Sebastião Evilares? A senhora perdoa?” Eu disse: “Excelência, eu perdoo, por que se amanhã eu pecar, quem vai me perdoar? Nós somos passíveis de pecado, mas eu não desculpo.” Aí ele ficou vermelho, ele ficou vermelho quando eu disse isso, eu disse: “Eu não desculpo, porque ele cometeu vários crimes com relação a minha pessoa e não é pelo fato de eu ser mulher, que eu não possa trabalhar em um ambiente tipicamente masculino, não é a primeira empresa, eu não estou lá como a primeira empresa, está aqui todas as minhas assinaturas como Construção Civil, todas as empresas que eu passei, empresas de grande porte, como Odebrecht, Andrade, OAS…” Que eram as grandes empresas nossas, do nosso estado, do nosso país, empresas multinacionais. “... Então, eu estou hoje aqui na Camargo Corrêa porque eu já vim de lá, se eu não estivesse, eu jamais teria a competência de estar aqui, e ele proferiu essas palavras comigo, que eu era negra, que eu era pobre, que eu era preta, que eu era feia, tudo isso que ele fez comigo, eu não aceito.” Aí ela perguntou: “A senhora quer encaminhar ao Ministério Público a denúncia?" Eu disse: "Quero, quero encaminhar.” Eu não tinha uma outra saída, porque eu tinha que fazer valer, porque antes de ser Mestre de obras, antes de ser uma mulher na Construção Civil, eu sou uma pessoa, eu sou um ser humano, e preciso, e todas nós precisamos ser respeitadas, e a profissão, ela não diz que você não pode ser valorizada, que você não pode ser respeitada, ao contrário, todas as profissões são dignas, porque você vai viver com dignidade, e nesse momento eu me senti um lixo, me senti assim, uma coisa assim, como se eu nunca tivesse existido. Eu digo: “Meu Deus, eu não acredito que eu vim da roça, lutei por tudo, para ser, para hoje eu viver isso.” Pronto, mas daí eu já estava bem atenta, bem conhecida, já conhecia tudo, aí foi para o Ministério Público, quando o Ministério Público fez a sindicância descobriu tudo, ele arrumou todos os fatos, e viu que tudo realmente aconteceu, aí foi lá e condenou a empresa, a empresa foi condenada pelo Ministério Público do estado da Bahia. E aí a primeira coisa que a empresa fez, foi demitir ele, porque a empresa, ele que representava a empresa, ele que discutia pela empresa, eu não ia entrar com processo físico, eu tinha que entrar com processo pessoa física, não, tinha que entrar como pessoa jurídica, então a empresa foi condenada, teve que assinar trato, um Termo de Ajuste de Conduta, e ele foi demitido mas, mesmo assim, eu não me senti bem, porque eu fiquei doente, eu tive depressão, fiquei em uma situação que eu não podia trabalhar, toda vez que eu chegava em um canteiro de obra que ele estava, eu achava que ele ia praticar alguma coisa comigo, porque uma a pessoa age dessa forma, tem esse comportamento, ela pode qualquer coisa, planejar um ato desse com um trabalhador, com uma trabalhadora, ou um trabalhador, é um ato criminoso, uma pessoa dessa está disposta a qualquer coisa. Aí todo dia que eu ia para o restaurante, eu almoçava no restaurante administrativo, quando eu chegava lá que ele estava na mesa comendo, cortando as coisas com o garfo e a faca, eu achava que ele ia levantar dali e ia me atacar, ou seja, eu fiquei doente psicologicamente, tive depressão. Mas, eu não aceitava, eu nunca tinha colocado um atestado na minha vida, um atestado médico, acredite, todas as empresas que eu passei eu nunca tinha colocado um atestado, porque eu tinha, eu sempre tive aquele cuidado, um comprometimento da minha responsabilidade com o trabalho, porque foi dali que eu consegui trazer a minha família, consegui sustentar minha família, e aí quando a empresa foi condenada , foi condenada a fazer um trabalho durante um ano com os encarregados, com todo mundo, para falar sobre o assédio moral, desciminição, preconceito, racismo, e tal, eles tinham que fazer tudo isso e mandar uma fita gravada para o Ministério Público, para o ministério ver que eles estavam fazendo esse trabalho, desconstruindo, isso aí, mas acontece que mesmo com tudo que a justiça fez, eu fiquei prejudicada. Por que eu fiquei prejudicada? Porque tive depressão, eu tive pânico, tive síndrome do pânico, eu precisei me afastar pela previdência social, e o que acontece? Você se afasta pela previdência social, você ganha 5 mil, 5, 6 mil, você se afasta você vai ganhar 2,3 mil, principalmente, se for acidente de trabalho, se for doença, você fica uma pessoa totalmente, sua vida muda, a empresa mudou minha vida de cabeça para baixo, com essa situação, aí eu passei a fazer tratamento e a justiça, aí quando a empresa assinou o Termo de Conduta no Ministério Público, aí foi para justiça. Foi para Justiça Trabalhista, e lá esse processo ficou correndo, a empresa foi condenada em todas as instâncias, todas as instâncias, foi para Brasília, esse processo foi para Brasília, ficou lá, foi correndo lá, quando eu soube que esse processo estava em Brasília, eu fui em Brasília atrás do ministro, falei para o ministro: "Excelência, o senhor me perdoe, mas dizem que quando o processo vem para cá, demora tanto tempo que a pessoa, às vezes, nem alcança mais.” Mas, aí eu fui, mas a minha situação, eu perdi o meu apartamento, eu pedi meu carro, eu perdi, assim, em termos de bens materiais, eu perdi tudo, só não perdi a minha vida nem minha família, minha mãe tem dois meses que faleceu. Mas eu só não pedi minha família, minha vida, porque Deus me segurou, mas tudo que eu construí durante toda essa minha passagem toda pela Construção Civil, essa empresa, com esse assédio, com essa discriminação, esse preconceito, esse machismo, conseguiu destruir, destruir, eu perdi tudo, passei a ter um salário irisório, pela Previdência, a Previdência dava três meses, cortava. E reconheceu, a Previdência Social reconheceu que foi um acidente de trabalho, uma doença ocupacional, e é uma doença ocupacional, mas mesmo assim, pagavam três meses, aí marcava uma perícia para daqui há três meses, eu não ficava recebendo, depois, dava seis meses, suspendia de novo, pense, no que foi eu levar todo esse tempo da minha vida, tudo que eu construí com tanta luta, mas aí quando eu fiquei com depressão e síndrome do pânico, que eu comecei a me tratar, ir no psicólogo, aí ia no psiquiatra, tomava medicação, me cuidar, me doía, porque eu nunca vivi fora da obra, dos catorze anos até 2006, eu nunca estive fora da obra, foi o que sustentou a minha família, e a minha luta era para que as mulheres ocupassem esse espaço, mas quando eu passei a fazer esse tratamento, eu disse: “Olha, eu vou continuar lutando.” Aí consegui, cada dia eu escrevia um pouquinho, cada dia eu escrevia um pouquinho, consegui fazer o primeiro livro meu, o nome de meu livro, da minha primeira biografia chama “Simplesmente Maria”, se quiser conhecer é só entrar na Editora “Livro.com” e vai lá, em Biografias, que você encontra esse livro, “Simplesmente Maria”. Consegui fazer esse livro, a instituição que representa minha base patrocinou, e muitas outras pessoas, muitas outras empresas patrocinaram esse livro, consegui fazer, já com depressão, fora da obra, por conta da Previdência Social, porque eu fiquei muito… A obra é um espaço de muito acidente, como eu passei a tomar medicação, eu não podia ficar exposta ao acidente, da obra, os acidentes, as máquinas e tudo, mas só que até hoje eu sofro, por que? Porque eu sou apaixonada por obra, o meu sonho era me aposentar e continuar dentro das obras, mas por essa situação, dessa empresa, da Camargo Corrêa, eu não consegui alcançar esse objetivo, já no final, porque já era final, você já está com setenta anos… Eu já estava no final, não era no final da vida, mas no final da sua luta, de você vencer, de você dizer “eu venci”, porque a gente luta e luta para um dia dizer: “Eu venci, eu conquistei o espaço.” Aí, com essa situação, eu lancei o meu livro e comecei a lutar mesmo assim, mesmo fazendo tratamento tudo, a lutar para inserção da mulher no mercado de trabalho da Construção Civil, eu digo: “Eu vou conseguir.” Consegui uma bolsa, fui fazer Direito, eu digo: “Eu vou fazer Direito, porque eu vou lutar pelo direito das trabalhadoras, dos trabalhadores dentro da Construção Civil, das trabalhadoras, eu vou inserir as mulheres.” Não consegui, quer dizer, fiz dois anos, tive que parar porque não tive condições financeiras, passando privações, morando de aluguel, porque eu perdi tudo, morando de aluguel, recebendo 2000, 3000 e pouco da Previdência Social, como era que eu podia, a minha filha desempregada, eu tenho uma filha… Aí nesse período de dezoito anos, que eu esqueci de falar, atrás um pouquinho, eu me casei, só que eu me casei com um rapaz que morava na roça, olha que o rapaz não quis sair da roça, quando eu decidi vir embora, o rapaz não quis sair da roça para vir para a cidade, queria ficar lá pescando, pegando passarinho, eu digo: “Eu já mudei de tempo, já mudei de patamar, eu não vou ficar, se você quiser ficar você fica, sou casada, mas não vou ficar.” Só que aí meu bem, quando eu pensei nisso, eu engravidei, tava grávida da minha filha, vinha com filho e tudo, eu digo: “Não, eu não vou ficar, eu não vou ficar.” Porque se não eu ia dar continuidade a mesma história da minha mãe, que teve um monte de filhos, teve quatro filhos dentro de uma roça, se Deus não me usa, se eu não Deus não me usasse para tirar minha mãe de lá, como é que minha mãe teria? Agora, por exemplo, minha mãe faleceu tem dois meses, faleceu com eu cuidando dela, com toda dignidade, com todo amor, com todo carinho, eu estava: “Eu tenho hoje duas, tive quatro, mas deveria ter uns 10, porque era uma coisa muito diferente”. Trouxe minha filha, continuei cuidando de meus irmãos, de minha mãe, e criei minha filha, minha filha fez faculdade, trabalha hoje, trabalha, mas a minha vida, a minha vida se transformou em um pesadelo quando uma mulher, só pelo fato de ser mulher, ser preta, ser pobre e ser Mestre de obras, destruiu a minha vida, a empresa destruiu, acabou, tentou acabar com todos os meus sonhos, tudo que eu construí, tudo que eu não tive lá no passado, desde criança, eu construí, eu perdi, porque você tem uma vida mudada, você vai trabalhando, vai construindo, construiu, vem um vendaval e acaba tudo, é a mesma coisa de você, as pessoas que constroem as casas, de repente, vem uma chuva, uma tempestade e acaba com tudo e a pessoa fica sem nada, pois eu vivi exatamente isso só que ao contrário, eu vivi isso com palavras, com perversidade, com crimes, porque são crimes, tudo que aconteceu, e eu fiquei em uma situação muito difícil, fiquei vivendo de apoio, de ajuda das pessoas, inclusive da instituição que representa a minha classe trabalhadora. Aí fiz esse livro, lancei o livro e tal, aí ficando conhecida, as pessoas começaram a conhecer a minha vida, começaram a conhecer a minha história que muita gente não conhecia, mas aí eu fiquei pensando: “Gente, o que eu faço da minha vida, dentro do INSS, esperando esse processo?” Porque a empresa faz assim, ela vai recorrendo, recorrendo, recorrendo, essa empresa fez tanta coisa, meu bem, tanta coisa para poder se livrar da acusação desse processo, teve dez advogados, eu tive um, ela tinha dez, mas todas as vezes ela foi condenada, porque foi uma coisa, e os meses, os quatro meses que eu fiquei dentro da obra, esperando o Ministério Público dar a sentença, dizer o que aconteceu, fazer o levantamento, e vai a empresa, se reuniu lá com RH e mandou zerar os meus contracheques, como era que vinha? Vinha assim: “Total de provento: 6000, a receber: 0.” Eu não recebi nada, dali tudo foi provado, não recebia nada, quando eu ia para esse cidadão mesmo, esse Celestino que era o chefão, eu dizia: “Seu Celestino, por favor, meu contracheque veio zerado.” Aí ele dizia: “Você quer o quê? Você quer o quê? “ Eu dizia: “O problema é que eu não devo nada a empresa e a empresa está zerando meu contracheque" Aí ele dizia: “Você está precisando de quanto? 100 reais,200 reais.” . “Você precisa de 100 reais, 10 reais, 200 reais, se precisar faça um memorando e diga para o que é, se é para comprar um pão, comprar um gás, e aí eu vou autorizar.” Não é muita humilhação não? Muita humilhação, muito sofrimento, muito, muito mesmo, mas aí…
P/1 – Maria.
R – Oi!
P/1 – Aqui, eu queria perguntar um negócio, em algum momento, você foi indenizada?
R – Sim, eu vou chegar, realmente, aí quando foi 2011, a empresa havia sido condenada por tudo, em 2011, em 2009, 2008, 2009 por aí, o cidadão da empresa me chamou e me falou assim: “Olha, vamos fazer um acordo, porque aí a gente paga duzentos para você e fica tudo bem, você não vai ter problema nenhum.” Eu conversei com meu advogado, passando, sem ter onde morar, sem ter nada, conversei com meu advogado, ele falou: “Não, você tem direito a uma mansão, vai querer um farrapo.” Eu digo: “Não, mas o problema é que eu preciso sair dessa situação.” Não aceitou, quando foi em 2011, eu recebi apenas quarenta mil reais, em 2011, que só da farmácia eu devia mais de vinte mil, com quantos anos? De 2006 para 2011, cinco anos. Cinco anos comprando medicação sem ter como pagar, mas aí eu continuei na luta, mas aí eu continuei com a carteira assinada, continuei empregada, porque eu estava afastada pela Previdência Social como acidente de trabalho, a empresa continuava botando o FGTS porque ela tinha sido condenada. Então, continua botando o FGTS tal e continuou, e resultado, eu entrei na luta para que as mulheres pudessem ser inseridas no mercado de trabalho dentro da Construção Civil, e Deus foi fiel, me manteve firme, mesmo com toda a dificuldade, e eu consegui, faço hoje um trabalho de inserção das mulheres no mercado de trabalho da Construção Civil, hoje nós temos mulheres na Construção Civil em todas as profissões, eu represento hoje, todas as mulheres da Construção Civil do estado da Bahia, e tenho um projeto que chama-se “Marias na Construção”, que é da prefeitura de Salvador, esse projeto fomentado pela minha história. E esse projeto forma mulheres em todas as profissões pelo cenário da Bahia, e essas mulheres, depois de formadas, elas vão para a Construção Civil, em todas as profissões, então, aqui na Bahia, acabou aquela coisa de que a mulher só trabalha na Construção Civil como azulejista e com a limpeza, não tem, nós temos mulheres em todas as profissões, e a instituição que representa a minha base, ela tem essa luta, e eu colada com ela ali, nessa luta, para que as mulheres sejam inseridas na Construção Civil. E agora, junto com a prefeitura de Salvador, nós temos agora mulheres se formando no que querem, pedreira, carpinteira, armadora, motorista, tudo, eletricista, tudo, tem o SENAI, que é uma instituição de grande valia, de grande respeito nacional e internacional e essas mulheres estão sendo formadas, indo direto paras as obras da Construção Civil. Então, é o que me traz satisfação, o que me traz alegria, o que me recompensa, o que me recompensa com a minha profissão, e o que eu digo as mulheres, não deixem seu sonho morrer, lutem, lutem, eu posso ter perdido tudo, como eu já disse a vocês, mas eu não perdi a fé em Deus, a esperança de que todas as mulheres vão alcançar, fechar, fechar o direito de estar dentro da Construção Civil, a paridade tem que acontecer, a igualdade de gênero, ela tem que existir e tem que ser mantida, porque trabalho é dignidade, é dignidade, então eu hoje, e digo as meninas: “Não deixem acontecer com vocês nada disso, percebeu que está passando um assédio, alguma coisa, começa logo a denunciar, denuncia logo, vai logo na instituição que representa sua base, vai logo, não deixei chegar ao ponto de não ter mais jeito. Então, você tem que ir, tem que denunciar, e tem que estar onde você quiser.” Lugar de mulher é onde ela quiser, por isso que mulher na construção, você precisa ver, na Construção Civil, é a coisa mais linda, mulher é perfeccionista, mulher se joga, ela se doa, ela chega cedo, ela tem compromisso, ela gosta de fazer bem feito, entendeu? Então, é maravilhoso terem mulheres na Construção Civil, ou ela uma médica, uma advogada ou qualquer outra profissão, qualquer outra profissão, não tem diferença nenhuma, ainda mais hoje que nós estamos na Construção Civil, hoje nós praticamente somos a indústria da construção, a Construção Civil é nossa, hoje é a indústria da Construção Civil. Aqui na Bahia nós temos nossa instituição, nós temos _______, temos tudo, _________ tudo, a construção pesada do estado. As mulheres estão inseridas em todas essas obras da construção pesada. Então, para mim, é uma realização muito grande, é de extrema importância, a minha história já foi para tudo quanto é lugar, eu já recebi muitos, muitos diplomas disso, diploma daquilo, reconhecimento disso, reconhecimento daquilo, prêmio de Maria Quitéria, medalha Maria Quitéria é de extrema importância, já recebi muita coisa, sou muito bem reconhecida, graças a Deus, muito bem respeitada, mas a minha história é uma história viva, ela é real, ela é verdadeira, ela é sofrida, e ao mesmo tempo é uma história que eu agradeço a Deus e peço a Deus que todas as outras mulheres tenham também a mesma coragem, a mesma luta, porque nós temos netos, nós temos filhos, e nós estamos em um país que a cada dia, se a gente não lutar pela paridade, pela igualdade de gênero, a gente vai sofrer mais ainda essa situação, lá na frente, os nossos filhos, os nossos netos, e por isso a gente tem que focar, focar e lutar pelos nossos direitos. Nós não aceitamos nenhum direito a menos, e agora eu estou assim, a mulher tem que estar em primeiro lugar, nós somos 52%, então nós não queremos nada dos homens, só queremos apenas o nosso direito, né? Então, eu vim de lá, daquela rocinha pequenininha para isso, não é para isso que eu vim? Então, vamos lá, vamos chegar lá, vamos lutar e vamos conquistar, e eu assim, eu sou muito grata a Deus, cada vez que eu faço um trabalho desse de entrevista, cada vez que eu faço uma palestra, cada vez que eu estou, sou muito convocada, para muitas coisas, então eu agradeço a Deus. Mas, o que tem que levar é força, é coragem, levar autoestima, levar dignidade, a mulher que está trabalhando, ela se livra da violência, ela sai da situação de vulnerabilidade. É dignidade, eu digo que eu posso dizer com propriedade, porque eu saí dessa situação, lá atrás, tirei a minha mãe, tirei a minha família, e com certeza todas nós podemos fazer isso. E a Construção Civil é maravilhosa, mulheres tem que estar na Construção Civil, e continuem com esse debate pelo mundo afora, porque quem constrói somos nós, para que eu possa estar dentro de quatro paredes, alguém construiu isso aqui, então se nós não construímos vamos morar, vamos viver, vamos criar prédios onde? Quem vai construir o prédio? Quem constrói somos nós, então a Construção Civil está em primeiro lugar, Deus primeiramente, a saúde e a Construção Civil, sem isso aí meu amor, já foi, ninguém tem lugar, não tem nada, não tem nada. Olha, eu fiquei muito grata, muito agradecida, eu já recebi uma homenagem em Brasília, de não sei o que lá, que fizeram uma entrevista muito grande também, isso, a minha vontade sabe o que era mesmo? Eu poder sair daqui e ir direto para ONU, olha tem aqui na Bahia, uma levada da frente parlamentar que ela já levou o projeto, estava sendo votado para que esse projeto Marias em Construção, que forma as mulheres para construção civil, passasse a ser lei nacional, pense bem? Isso não vai ficar somente no estado da Bahia, e nem no município de Salvador, ela tem que ser nacional, para que todas tenham esse direito, tenha esse espaço, porque nem todas as pessoas têm oportunidade de ter um bom estudo, de ter ido para uma faculdade, de ter condições, mas quando ela vai trabalhar, ela olha para trás e diz assim: “Não, eu tenho condições, agora eu trabalho, eu pago uma faculdade para mim.” Hoje em dia, a faculdade é barata, né? Não pode ir lá presente, porque está trabalhando, faz à distância, mas hoje todo mundo precisa que… Que as meninas trabalhem, das obras, “Olha, trabalhe, mas não pense, pense que você precisa também de um futuro, Construção Civil é o futuro, você tem que estar trabalhando para construção, e é claro que você vai crescer.” Ela sai de lá, entra na Construção Civil no segundo grau ou até no primário e sai de lá doutora, é uma maravilha, é ótimo. A Construção Civil é uma excelentíssima faculdade, eu recebi engenheiro recém formado para ensinar, porque quando eles chegam eles tem medo até de colocar a broca e ir para obra, principalmente se estiver chovendo, para aquela obra, aquele lamaçal, imagina você sair da faculdade e ir lá para entrar naquela lama, tem até medo, então temos que ter os funcionários, mestre de obra, donas Marias falando: “Venha por aqui, olha, você fez a faculdade, mas eu estou aqui na experiência, estou aqui na mão de obra, então você vai ter que aprender a mão de obra, agora está na hora de você aprender, eu já aprendi, chegou a sua vez.” Então assim, a Construção Civil é muito boa, muito boa, e quando eu vejo uma mulher na Construção Civil, aí meu Deus, eu fico totalmente encantada, eu vejo, eu abraço, a fundo “vá em frente” , e é desse jeito, dessa forma, eu me emociono, eu me sinto feliz, as vezes eu digo “Meu Deus, ainda não terminou, porque o jogo só termina quando o juiz apita.” Então, eu tenho fé em Deus que eu vou reconquistar tudo aquilo que foi tirado de mim depois de tanta luta, eu tenho fé em Deus, e vai ser assim, com você, com você e com outras, eu vou conquistar, talvez eu consiga retomar tudo aquilo que eu perdi, não dentro da obra, mas desse jeito, dessa forma, contando a real vida, a realidade de nós brasileiros, brasileiras, nós mulheres pretas, pobres, e porque não, também, algumas brancas, porque a nossa sociedade ela cobra, nós vivemos em um país patriarcal, em uma cidade patriarcal, e isso traz para gente uma angústia muito grande, o machismo ele é predominante, então nós, todas nós mulheres precisamos sim dizer: “Eu sou uma cidadã, antes de qualquer coisa eu sou uma cidadã, eu sou uma mulher, eu sou um ser humano e preciso ser respeitada.” Respeito, ele é para todos, todos, quando a gente abre a bandeira do Brasil tem lá progresso, ordem, escrito dentro, se você não tiver ordem e respeito o progresso não funciona, não funciona, porque tem sempre alguém disposto a dizer: “Você não, você não vai não.” Ai diz para a pessoa: “Você vai, você não vai não, quem disse que eu quero ela lá? Não…” Porque é assim, parece que nós, mulheres, quando nascemos, já nascemos predestinadas com a palavra não, e mulher é tão bacana, não é? É mãe, é avó, é tia, quem é que não tem uma mulher na sua vida? Qual esse homem que não tem uma mulher na sua vida? Para querer que essa mulher esteja aonde ela quiser, principalmente na Construção Civil, que é linda demais, imagina o marido ver a mulher lá toda de macacão, _________ na mão, chapiscando, levantando parede, botando piso, que maravilha, ela vai dizer: “Menino, que coisa boa, agora eu não pago mais pedreiro em casa, tenho uma mulher em casa que faz tudo.” Então, nós, as mulheres, temos essa oportunidade, temos esse direito, né? Então, eu quero pedir ao país, ao mundo que conheça, e que deixe as mulheres serem inseridas na Construção Civil, eu estou fazendo a minha parte, com o projeto Marias na Construção, lutando no ________, lutando fazendo palestras, indo para tudo quanto é lugar, representando as instituições, mas lutando mesmo, para que as mulheres não percam as oportunidades. Principalmente, aquelas mulheres da periferias, todas as mulheres mas, em especial, as mulheres das periferias, as mulheres em situação de vulnerabilidade, as mulheres sem oportunidades, quando elas entram, por exemplo, aqui na Bahia, em especial aqui em Salvador, os canteiros de obra aqui do metrô, é maravilhosa, a alimentação muito boa, aqui nós temos PL, temos tudo. Os trabalhadores, os salários são iguais, de homens e de mulheres. Tem vantagens, cesta básica, PL, café da manhã, almoço, tudo, então é disso que nós precisamos, de dignidade, não é só trabalhar no escritório, chegou lá sentou, não é só administrativo, não é cafézinho, só cafézinho, não é só rejuntamento, é todas as profissões, é nós temos todas… Em 2014, 2015, eu apresentei mas de 500 mulheres da Construção Civil para a sociedade baiana em todas as profissões aqui em Salvador, no hotel Portobello, em um excelentíssimo evento, tiveram vários autoridades, junto com a instituição que representa a base da Construção Civil pesada no estado da Bahia, muito importante, e eu continuo nesse trabalho, contínuo e a minha luta é muito grande, eu espero que Deus me dê mais uns anos de vida para que eu possa… Minha mãe faleceu há 2 meses, e ela dizia: “Não pare, minha filha”, praticamente morreu em meus braços, bem velinha já 89 anos, bem velinha, então ela dizia: “Não pare, continue”, ela amava o meu trabalho, amava, então nós devemos continuar. Agora, de olho aberto, tomando conhecimento, de como funcionam as leis, como começa um assédio, como termina, de que forma acontece, para não viver o que eu vivi, não viver o que eu vivi, não foi por ingenuidade que eu vivi, foi por questão de maldade, foi uma coisa planejada e eu não esperava, porque quando a gente não espera, você cai na cilada que você se pergunta: “Meu Deus, como aconteceu isso? Eu lutando tanto para ter uma vida melhor, lutando e eu cai numa armadilha dessa.” O assédio é assim, o assédio pega você de armadilha, e aí a gente tem que estar atenta, tem que ter conhecimento, lutando por isso, e dessa forma a gente conseguir superar, e eu estou lutando para superar.
P/1 – Maria, você acabou comentando que é mãe, queria saber o nome da sua filha.
R – O nome da minha filha é Cristiane Xavier Santos, ela tem 42 anos e tem duas filhas, eu sou avó de duas meninas, uma de dezesseis e uma de dez [anos].
P/1 – Eu queria saber como foi essa questão de conciliar o trabalho, a dupla jornada, de trabalhar na obra e ser mãe, como foi esse momento?
R – É assim, o simples fato de trazer a minha mãe para morar comigo, para trabalhar, então minha mãe tomava conta, minha mãe veio jovem, então minha mãe tomava conta dos meninos, dos meus três irmãos, e da minha menina, porque eu não podia ficar em casa tomando conta das meninas, porque eu precisava trabalhar, e a minha mãe não conhecia nada, e não sabia nada, e eu trouxe minha mãe para assumir de fato e, de verdade, __________, eu trabalhando para sustentá-la, então ela tomava conta, e eu trabalhava de domingo a domingo. Eu não tive, como eu te falei, eu não tive infância, eu não tive adolescência, eu não soube o que foi fase adulta, eu nunca participei de nada, até hoje, como eu te falei, o pai de minha filha, ele resolveu querer ficar lá pescando, pegando passarinho, como não foi isso mais que eu queria para a minha vida, eu trouxe minha filha para vir trabalhar, e ele nunca, esqueceu que um dia foi casado, e eu fui criando a minha filha, depois entrei na faculdade, o inglês, tudo de bom que eu pude fazer, porque a minha luta foi para isso. Formei a minha irmã, meu irmão, tudo com a Construção Civil, tudo na Construção Civil. Tirando o episódio da Camargo Corrêa que tirou tudo que eu construí, eu tive uma excelente construção, eu tive um excelente desenvolvimento socioeconômico, e consegui criar minha filha, cheguei ao ponto de ter até uma pessoa trabalhando na minha casa, muito tempo, para cuidar da minha mãe e das coisas dentro de casa, para você ver o quanto foi a evolução, a evolução foi muito boa. Aí eu trabalhava de domingo a domingo, trabalhava de domingo a domingo.
P/1 – Maria, quais são seus maiores sonhos hoje?
R – Olha, começando, meu maior sonho hoje, um deles, Deus me deu a oportunidade de cuidar de minha mãe, e a ver partir, velinha, com dignidade, bem, nos meus braços. Meu outro sonho hoje é que Deus me ajude, nos dê saúde a todos nós, e que eu possa recuperar, apesar de que quando nós morremos não levamos nada, mas enquanto estamos aqui precisamos para sobreviver, recuperar, ter a minha casa própria, porque eu moro de aluguel, em um apartamento de aluguel, porque não é justo, eu trabalhar na Construção Civil a vida inteira, lutar, e hoje morar de aluguel, por conta de uma perversidade. E poder levar para o mundo a esperança, levar para o mundo, o trabalho digno que é uma Construção Civil que dá oportunidades, independente, independente de cultura, de cor, de raça, de religião, dar dignidade de trabalho para homem, e eu quero que em especial para as mulheres, então um dos meus sonhos é esse. Que eu consiga conquistar, ter de volta tudo aquilo ________, para que também quando eu esteja mais velha possa ter dignidade, porque hoje minha filha ainda não tem uma casa própria, porque a minha casa própria, que seria de minha filha, eu perdi por conta da perversidade, da maldade, do assédio, de tudo, mas eu luto para conquistar, e eu tenho certeza que algumas portas vão ser abertas para que eu conquiste, não estou dentro da obra, mas vou conquistar, porque eu sei que Deus me abre portas grandes, e vai dizer "Está aqui olha, para você.” Porque a minha luta foi muito grande, foi muito árdua, foi muito sofrida, e não é para terminar assim, com esse sentimento de que eu lutei para conquistar, um de meus sonhos é esse, conquistar.
P/1 – E qual é o legado que você deixa para o futuro?
R – Olha, o futuro, nós sabemos o hoje, porque o futuro pertence a Deus, mas nós precisamos falar dele, por que precisamos falar dele? Porque, por isso que já falei, temos filhos, temos netos, temos família, e temos outras pessoas que dependem também do nosso exemplo, para ter força, para ter coragem, para dizer: “Ela conseguiu, eu também consigo, eu também consigo.” Eu já tenho muita gente que tem muito orgulho, muitas trabalhadoras, muita gente, em muito lugar, que tem muito orgulho de conhecer, de dizer: “Eu quero fazer o mesmo que a senhora fez, eu quero lutar como a senhora lutou, eu quero conquistar esse espaço como a senhora conquistou.” Eu sou uma pessoa muito querida, graças a Deus, eu sou muito amada, todo mundo me ama, trabalhadores, trabalhadoras. Eu sou muito amada, então qual é o meu legado, o meu legado é que essas pessoas, em especial, as mulheres também vejam que podem conquistar o seu espaço, mesmo que ela venha do nada, mas o legado que eu quero deixar é que outras mulheres conquistem esse espaço, e sejam duas mulheres, treze mulheres, duas mulheres, um milhão de mestres mulheres, um milhão de mulheres mestres de obra para o país, para o mundo, que o mundo conheça essas mulheres, e saiba que nós precisamos e devemos e temos o direito de estar também no lugar de fala, no lugar de direito. Essa semana passada, eu estava em uma reunião parlamentar de um projeto, aí na hora de falar, estava cheio, mas a plateia estava cheia, então uma menina da plateia perguntou assim para mim: ”Dona Maria, como a senhora se sente nesse lugar hoje com esse microfone falando para tanta gente? “ Eu disse: “Ainda não estou me sentindo bem porque você também ainda não está aqui, no dia que você estiver aqui, eu vou me sentir realizada, porque qualquer uma de vocês aí pode estar aqui, é só querer e lutar por isso. Eu nunca imaginei que um dia eu fosse estar aqui, mas você pode, eu possa, todas nós podemos estar.” Então, meu orgulho é esse, que eu veja outra mulher lá, que eu veja outra mulher dizendo: “Eu sou a segunda, terceira, quarta, a quinta, a vigésima mestre de obras do país, do mundo, de Salvador, da Bahia, de São Paulo, do Rio, não importa” E pode ser que tenha, mas ainda essa mulher não teve espaço, oportunidade de chegar, de contar sua história, de estar no lugar de fala, ainda não conseguiu, porque no dia que ela conseguir ela vai, todas que conhecem minha história dizem assim… Eu tenho umas seguidoras, que elas fazem assim para mim: “Dona Maria, quando eu crescer, eu quero ser a senhora.” Diz assim mesmo, eu sou uma pessoa muito querida, graças a Deus, e também sou uma pessoa carismática, alegre, feliz, sabe? Então, apesar de todas essas avalanches, me considero uma pessoa feliz, abençoada, tenho uma filha maravilhosa. Só estou precisando apenas conquistar aquilo que eu já tinha conquistado, e que hoje eu não tenho, porque quando eu for eu quero que a minha filha olhe para cima e diga, meu sonho era esse, minha filha dizer: “Olha, essa casa aqui minha mãe me deu, com o trabalho da construção.” E eu perdi, eu tinha 24 anos, pagando a minha casa e eu perdi por conta dessa situação, de ir para Previdência Social e não poder pagar, e não poder assumir nada mais, então eu quero realizar ainda esse sonho, eu tenho certeza que um dia vai chegar um momento de eu dizer: “Olha, eu quero ir com você de novo contar minha história porque eu consegui, Deus abriu portas. E são vocês que estão abrindo essas portas, são vocês, é o reconhecimento que está fazendo isso, então não estou lá pegando bloco, botando bloco, já fiz, já plantei a semente, agora, com certeza, vocês vão me ajudar a colher o fruto, todas as pessoas que me conhecem, vou para palestra, vou para ali, viajo para aqui, não sei para onde, então isso é um fruto que está se amadurecendo e, com certeza, eu vou colher.
P/1 – A gente chegou na pergunta final.
R – Ah que pena!
P/1 – Eu queria, muito legal a sua história dona Maria, queria te perguntar como foi contá-la, um recorte, não dá para gente abarcar toda sua trajetória em duas horas, seriam necessários todos os anos da sua vida para contar a sua história, mas esse pedacinho, como foi contar?
R – Olha, para mim foi, eu me sinto muito orgulhosa, me sinto muito feliz, me sinto reconhecida, me sinto privilegiada, tudo de bom eu estou me sentindo agora, por quê? Porque foi mais um espaço que foi aberto para mim, alguém vai conhecer um pouquinho da minha história, vai que esse alguém que vá conhecer, através do Museu da Pessoa, ache que ela não pode, e quando ela ouvir ela vai dizer “eu posso”? Então, para mim, de coração, foi maravilhoso, eu estava muito ansiosa para chegar esse momento, muito ansiosa, e agradecer a Deus, e agradecer vocês pela oportunidade que está aí, essa ponte, esse caminho, para chegar até vocês, muito obrigada, obrigada mesmo, de coração, e viva as mulheres, viva a sociedade das mulheres, viva a Construção Civil. Estou muito feliz, e estou emocionada, muito emocionada.
P/1 – Muito obrigada, Maria, a gente ficou muito feliz, nossa que história incrivel, muito obrigada mesmo.
R – Eu agradeço, obrigada, estamos aqui.
[Fim da Entrevista]
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