Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Genito Guarani Kaiowá
Entrevistado por Tiago Nhandewa
Entrevista concedida pelo Zoom (Curitiba, Aral Moreira), 16/03/2023
Entrevista n.º: ARMIND_HV036
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 – Então, boa tarde, parente. Já começando aqui com a primeira pergunta. Gostaria que o senhor se apresentasse, falasse o nome karai kwéry, Guarani e falasse de onde o parente está falando no dia de hoje, da comunidade que pertence.
R – Mba'éichapa ________________ Kaiowá. Em português, eu sou o Genito Gomes, moro no município de Aral Moreira e o meu tekohá é Tekohá Guaiviry Yvy Pyte Y Jere. Também sou cacique do nosso tekohá e, até agora, estamos vivendo, já vai para doze anos, que nós estamos permanecendo em uma retomada, que nós entramos em 2011, no dia 01 [de novembro], amanhecemos dia 02 e dia 18, o meu pai foi assassinado, o Cacique Nisío Gomes, no tekohá. E de lá até hoje, nós permanecemos com a luta Guarani Kaiowá. Nós permanecemos ali naquele tekohá.
P/1 – Gostaria que o parente pudesse falar um pouco de como foi o seu nascimento, se os seus pais contaram como foi esse dia, sempre os pais contam né, para os filhos, como foi aquele dia no nascimento. Então, se o parente tem essa informação de como foi, se a mãe ou o pai do senhor contou, gostaria que o senhor também falasse, e o ano que você nasceu.
R – Então, eu nasci em 1982, dia 11 de maio. Eu nasci nesse território, no território Guarani Kaiowá. Eu sempre falo assim, quando alguém fala: "Onde você nasceu?”. “Eu nasci em tal município”. Mas comigo, com os meus conhecimentos assim, como Kaiowá, eu, como indígena, nós já nascemos pelo nosso território já.
P/1 – O parente falou do pai do senhor, que foi assassinado, Nísio Gomes. Gostaria que o senhor contasse, quem foi o pai do senhor? Contasse um...
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Entrevista de Genito Guarani Kaiowá
Entrevistado por Tiago Nhandewa
Entrevista concedida pelo Zoom (Curitiba, Aral Moreira), 16/03/2023
Entrevista n.º: ARMIND_HV036
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 – Então, boa tarde, parente. Já começando aqui com a primeira pergunta. Gostaria que o senhor se apresentasse, falasse o nome karai kwéry, Guarani e falasse de onde o parente está falando no dia de hoje, da comunidade que pertence.
R – Mba'éichapa ________________ Kaiowá. Em português, eu sou o Genito Gomes, moro no município de Aral Moreira e o meu tekohá é Tekohá Guaiviry Yvy Pyte Y Jere. Também sou cacique do nosso tekohá e, até agora, estamos vivendo, já vai para doze anos, que nós estamos permanecendo em uma retomada, que nós entramos em 2011, no dia 01 [de novembro], amanhecemos dia 02 e dia 18, o meu pai foi assassinado, o Cacique Nisío Gomes, no tekohá. E de lá até hoje, nós permanecemos com a luta Guarani Kaiowá. Nós permanecemos ali naquele tekohá.
P/1 – Gostaria que o parente pudesse falar um pouco de como foi o seu nascimento, se os seus pais contaram como foi esse dia, sempre os pais contam né, para os filhos, como foi aquele dia no nascimento. Então, se o parente tem essa informação de como foi, se a mãe ou o pai do senhor contou, gostaria que o senhor também falasse, e o ano que você nasceu.
R – Então, eu nasci em 1982, dia 11 de maio. Eu nasci nesse território, no território Guarani Kaiowá. Eu sempre falo assim, quando alguém fala: "Onde você nasceu?”. “Eu nasci em tal município”. Mas comigo, com os meus conhecimentos assim, como Kaiowá, eu, como indígena, nós já nascemos pelo nosso território já.
P/1 – O parente falou do pai do senhor, que foi assassinado, Nísio Gomes. Gostaria que o senhor contasse, quem foi o pai do senhor? Contasse um pouco sobre a história dele.
R – Meu pai era o cacique Nísio Gomes, pelos karaí, e pelos avás, pelos indígenas, ele se chamava Paí kiririju. E ele nasceu nesse território, território Guarani Kaiowá, que é um território dos povos originários. E ele nasceu nesse tekohá Yvy Pyte Y Jere, chamado Guaiviry. Nasceu nesse tekohá, cresceu nesse tekohá e, também, lutou muito, muitos anos para recuperar de novo o nosso território, porque os karaí roubaram todo o nosso território. Então, ele nasceu nesse território e a minha avó, mãe do meu pai, contava para ele como é que era, de onde era o nosso território, onde era o nosso território, como que viviam nesse tekohá. E o meu avô contou tudo para ele também, essa história, de onde era o nosso território, como é o nosso território e, também, contaram, junto com ele também, o nosso mbo’e, o nosso gwahu, o nosso kotyhu, para ele viver também com esse gwahu, com esse mbo’e, com esse gwahu, para eles poder viverem também junto com o território. Então isso que o meu avô contou para ele, ele me repassou também. Depois disso, que o meu avô contou tudo para ele, de como é que era o nosso território, de onde que é que o nosso território permanecia, para o tekohá Guaiviry. Então repassou tudo, para ele, essa história do nosso território. Aí ele me repassou tudo também, essa história, onde que viviam os parentes, os outros parentes. Onde que vivem. Onde que teve o nosso ogusu, onde teve o nosso gwahu, kotyhu, tomar kaminju junto, para fazer uma festa, uma grande reza, o grande mitã nhemogaraí, para dar o nome para as crianças. Então, tudo isso, eles me repassaram, tudo o que esse território pertencia para os povos Guarani Kaiowá. Isso que eles me repassaram, a gente teve uma aula com eles também, porque para nós, povos indígenas… se o nosso bisavô, o nosso tataravô, passar para nós, isso aí é uma aula. Então, eu considero muito para mim isso, porque isso aí, para mim, é ouro, para mim é valioso. Não tem nada mais valioso que esse conhecimento que o nhanderu e nhandesy e, também, o nosso jaryi e os nossos ancestrais repassaram, dessa história de como a gente tem que viver nessa terra, junto com reza. A água, y, né. Então, isso que eu posso contar um pouco, resumindo, no caso, a história do meu pai.
P/1 – E agora eu gostaria que o parente pudesse contar também sobre a sua mãe. Quem foi ela? Se pudesse contar um pouco da história dela, dessa parte da família.
R – Meu ha'i se chamava kunhã mborendy pela parte indígena e pelo karaí, pelo mbairy, nós falamos mbairy (não-indígena), ela se chamava Odúlia Mendes. Também, na mesma situação, ela nasceu nesse território, cresceu nesse território, aprendeu a aula dos Guarani Kaiowás. Quando falo “aula” dos Guaraní Kaiowás, eu falo assim, o conhecimento do nosso mbo’e, e do nosso arandu, da nossa filosofia Kaiowá, que tem mbo’e, gwahu, kotyhu. Das mesmas coisas também, a minha mãe, Odúlia, aprendeu muito dessa reza kotyhu. Ela era também uma grande rezadora, desde que ela nasceu, ela era pela reza, cresceu pela reza e foi embora de novo para outro tetã, também. Nós falamos outra tetã, porque ela já faleceu. Então, essa sabedoria tradicional, do povo Kaiowá, ela soube bem. Então ela cresceu pelo nosso tekohá Guaiviry, nasceu nesse território e, também, contou muito essa história, de como era quando ela vivia com a mãe dela, com o pai dela. Também uma grande rezadora, também a minha avó, mãe dela. E o pai dela também sabia muito o gwahu, para poder defender o nosso território, como é que foi o começo da água, o começo da terra, o começo da árvore, como é que se construiu essa nossa terra que a gente está pisando nela agora. Todo mundo fala, “Terra, terra”. Mas nós temos, nós, como os avás, nós como os indígenas, nós temos que saber usar esse nosso território, junto com a água, terra, árvores e, também, a nossa natureza. Então é isso que a minha mãe contava. Ela contava essa história e ela me repassava, eu também agora, repassei de novo para você também, o caso da minha mãe.
P/1 – Ainda sobre sua família, sobre os seus pais. Algum deles contou como eles se conheceram? Como eles se casaram? Como se deu esse casamento deles?
R – Quando a minha mãe nasceu nesse território, pelo nosso tekohá Guaiviry, ela cresceu lá. Ela falou que se casou com onze anos, porque, com onze ou doze anos, pela nossa cultura, depois que tem a menstruação, para nós Kaiowás, indígenas, já está pronta para se casar. Então ela que me repassou assim, que ela se casou, aos doze anos, com outro homem. Com esse outro homem, chamado, o marido dela se chamava Ambrósio Flores. Ela ficou com ele alguns tantos anos e teve seis filhos e filhas. E depois ficou um tempão com ele, largou e encontrou o meu pai. O meu pai estava com dezesseis anos, se casou com ela e a minha mãe já tinha, nesse caso, acho que já tinha 26 anos, 26 ou 25 anos. Aí o meu pai, novo, se casou, com dezesseis anos. Mesmo ela já tendo esses seis filhos também, mas ele se casou com ela. Então foi assim que ela me contou, o caso da história dela. Até que ela largou esse marido dela. Aí depois conseguiu ficar com o meu pai. Ficou uns tantos anos também, ela cansou, ficou conosco até eu ter 22 anos, meu pai ficou com a minha mãe. Aí depois separaram também. Depois ele faleceu também. Então assim que eu fiquei sabendo dessa história, do casamento da minha mãe e do meu pai.
P/1 – Aí, muito bem! Parente falou que, a mãe do senhor, no primeiro casamento teve seis filhos e, depois, com o pai do senhor, teve quantos filhos? Quantos irmãos o senhor tem, no total? Dos primeiros filhos da sua mãe e agora com o seu pai? Quem são eles? Pode contar a história dos seus irmãos?
R – Esses primeiros filhos da minha mãe, chamam-se Crecencia Flores, Silvano Flores, Odimar Flores, Cláudio Flores, Cleomar Flores e Adilson Flores. Esses são os meus irmãos do outro pai. Então nós, do cacique Nísio Gomes, do meu pai, nós temos quatro também, a primeira foi a minha irmã Rosilene Gomes, segundo eu, Genito Gomes, terceira, a Analice Gomes, quarto, o Tufidio Gomes. Então, no total, nós estávamos em dez irmãos. Então, esses são meus irmãos e irmãs.
P/1 – Muito bem! O parente falou que ouviu e aprendeu kotyhu, gwahu, sobre a filosofia Kaiowá, quando vocês ou você era pequeno, você costumava ouvir muitas histórias dos mais velhos? Que conhecimentos Kaiowás foram passados para o senhor da cultura nhanderekó?
R – Então, tem umas coisas que falavam assim, meu pai nasceu na reza. Minha mãe também nasceu na reza, o pai deles, os avós deles, os tataravós deles, todo mundo nasceu na reza. Então, eu também nasci na reza. Eu nasci na reza, eu cresci na reza e eu nasci na luta já, também. E contaram para mim toda essa história, que eu participei desde o nascimento, desde que eu nasci, eu participei. Essa é nossa cultura, esse é nosso nhanderekó, que eu participei, até agora eu participo desse nhanderekó. Então, com quarenta anos, se for assim, pelo karaí, a gente tem que fazer faculdade para terminar em quatro anos, cinco anos, mas para nós, Guaranis, pelo indígena, a gente fica sabendo pelos nossos mais velhos, pelos nossos rezadores do nosso Nhanderu, da nossa Nhandesy, nós ficamos sabendo. Até o que puder, já fala, o nosso rezador, o nosso jaryi, e o nosso nhamõi, já falam: “De hoje em diante, você vai levar essa reza, porque essa reza, esse gwahu, porque você já ficou sabendo e você é bom para levar. Então você encaminha essa nossa cultura e leva para frente essa nossa cultura, para não acabar a nossa cultura e nossa reza. Para manter essa nossa língua viva. Essa nossa língua nunca vai morrer, toda vez, de geração em geração, vai se repetir a nossa língua viva”. Ninguém comprou essa nossa reza, ninguém comprou, pagou, assim, para saber dessa reza, dessa kotyhu, gwahu, ninguém vendeu. Quem que mandou repassar esse nosso conhecimento? Foi é o grande nosso pai, é a grande nossa mãe, o grande nosso jaryi, nosso Nhanerãmoi'i, repassando de geração em geração. E, também, quando você, o nosso Kaiowá aqui, é assim mesmo, quando a gente dorme também, se você já está com experiência sobre reza, sobre o nosso gwahu, kotyhu, o nosso Nhanderu já repassa palavras para você mesmo. Então, isso que eu até agora, qualquer lugar que eu for, eu também vou repassando de novo, para o meu filho, para a minha filha, para o povo da comunidade, para toda a família, eu vou repassando isso de novo, para não acabar nossa cultura e para não acabar a nossa língua. E, também, cada vez mais, para valorizar a nossa cultura, nossa língua e, também, a nossa raça, porque aonde nós formos, levamos a nossa língua, aonde nós formos, levamos junto também com o nosso corpo. Então, essa reza, para nós, não tem fronteiras, para a reza que eu falo: “Não tem fronteira, para reza, não tem barreira”. Isso que está levando a nossa vida, agora, nesse momento, pelo nosso território.
P/1 – Me veio aqui, o parente falou muito sobre a reza, qual a importância da reza nas lutas pelos territórios? Qual a importância dos txamoi, das kunhã karaí, qual a importância da reza quando se está lutando pelo território?
R – É bom contar. Agradecemos muito também essas perguntas, porque, para mim, é muito importante que repassem isso, para repassar e ficar registrado. Porque agora falei que a nossa língua não vai morrer, não vai, vai ficar registrada. Então, nas primeiras rezas, para nós, povos indígenas, que, primeiramente, os grande nossos pais, grande nossas mães, Nhandejáry e Nhanerãmoi'i, a primeira palavra repassada para nós, eu acho que alguém sabe, ou alguém não sabe, mas, primeiramente, é Y, é água, segunda palavra, repassaram junto também com Y, Yvy, terra. Na terceira, passaram para nós a mesma coisa, é ar, Yvytu, na quarta, árvore, Yvyra. Então, daí por diante, que a reza começa assim: “yvy nhepyru ramõ guaré. yvy nhepyru ramõ guaré”. Então, esse começo da terra que Nhanderu, deu essa reza para o ser humano, para ficar assim, que o Nhanderu ficava nesse território, aqui em cima da terra. Quem tem esse conhecimento? Eles e o Nhanderu, quem sabe, o Nhanderu fez para repassar ou pra contar como que está aqui em cima da terra para ele. Então, para isso que esse conhecimento, mandando pelo nosso Nhanderu, pelo nosso Nhanerãmoi'i, pelos nossos antepassados, repassaram essas falas, esse mbo’e. Aí depois vem, com isso tudo, veio o nosso nhemondeha. O nosso nhemondé, são como se fossem nossas camisas. Nós aqui em cima da terra, vestimos a camisa. Então, mandaram também a segunda reza, mandaram assim, amondé, amondé, nhemondéhaju, mas não é roupa que a gente veste não. Tem uma hora assim, que você vê o tempo colorido, nuvens coloridas, algumas pessoas falam de outra forma, mas pelo conhecimento Guarani Kaiowá, se tiver nuvens coloridas ou se aparecer, na nuvem, dependendo do colorido, aí você está chegando nesse patamar, nesse tetã. Dependendo do que você ver na nuvem colorida, então, dependendo do que você enxerga, do que você vê nessa nuvem colorida, aí você já está chegando no terreiro do Nhanderu, assim, pelo Nhanderu ogá, você chega lá então, onde está o Nhanderu. Quase ninguém chega lá, porque para chegar lá, você passa por muitos processos. Passa na primeira tetã, segunda tetã, terceira tetã, quarta tetã, quinta tetã, sexta, sétima tetã, nona tetã, décima tetã, 11 tetã, 12 tetã, 14 tetã, para nós Guaranis Kaiowás são 14 tetã. Então eles que mandam e eles que olham por nós aqui em cima da terra, que é para nós vivermos agora aqui, nesse momento, em cima da terra. Então, as pessoas que não conhecem, que não tem esse conhecimento, para algumas pessoas, parecem que não estão vivendo, assim, como nada. Mas o Nhanderu e Nhandesy, eles sempre nos controlam, olham pela nossa vida. É diferente do que todo mundo fala, daquela fala do europeu. O Nhandejáry, todo mundo, alguns, cinquenta por cento. Esse rekó dos karaí (risos). Ela fala que o Nhandejáry que fez o mundo, né. Mas esse Nhandejáry, que eles falam, ele veio aqui em cima da terra mesmo. Mas não é aqui do território dos Kaiowás. Então para comparecer, esse, ao lado dos karaís, ele vem mentir para o karaí, faz de conta que ele ficou sabendo muito, aí o outro faz de conta que matou ele e foi embora de novo, ao vivo, tudo bem, mas ele foi, até parou na primeira tetã, de lá, ele não veio mais e nem volta mais, porque ele não tem reza para passar na segunda tetã, na terceira tetã, na quarta tetã, ele não tem reza para passar. Mas ele foi até lá, parou na primeira tetã. Isso que os karaís falam para todo mundo, do Nhandejáry. Então ao lado, pelo nosso conhecimento dos avás, pelo nosso avá rekó, é diferente. É isso que eu posso repassar, estou repassando resumidamente sobre o nhanderekó.
(28:30) P/1 – A'eweté. Parente, então, todos esses conhecimentos que o senhor acabou de nos falar agora, é um conhecimento tradicional Guarani, que se dá na ogá pysy, na casa de reza Kaiowá, na escola tradicional, onde se aprende a cultura Kaiowá. E agora falando um pouco de escola do karaí, o parente estudou? Como foi o parente na escola? Como se deu a vida do senhor na escola? Até qual ano o senhor estudou?
R – Depois que eu aprendi tudo isso do Nhanderekó, dos nossos rekó, dos avá, eu não estudei muito, quando era mais novo. Eu pratiquei muito essas nossas rezas, esse Nhanderekó. Então fiquei um pouco atrasado, mas também não tanto, era melhor eu saber bem o conhecimento do Nhanderekó, né. Então, eu terminei o terceiro ano do Ensino Médio e agora estou fazendo faculdade na Universidade Grande Dourados. Eu fiz o Teko Arandu [curso de Licenciatura Indígena intercultural], que nós ganhamos dessa Universidade da Grande Dourados, nós conseguimos ganhar o Teko Arandu para os povos indígenas. E, também, tem a nossa educação Ára Verá, que o pessoal aprende, para poder dar aula do pré ao quinto ano. E o Teko Arandu, que já é para sexto ao ensino médio. Então, depois que eu aprendi todas essas coisas, eu estudei também pelo meio dos karaí. Por que eu entrei no meio dos karaís? Para poder saber o conhecimento dos karaís, nem que seja para eu não conhecer tudo também, dos conhecimentos dos karaís, mas pelo menos para conhecer um pouco. A minha avó me disse assim, meu tio, minha tia, minha mãe, o meu pai, sempre falavam: “O nosso Nhanderekó, os karaís não vão saber, até o último nosso rekó dos avá, não vão reconhecer muito. E, também, nós avás, nós indígenas não vamos conhecer como é que é a vida dos karaís”. É diferente, mas dá para conhecer um pouco a vida dos karaís. Então, assim, eu aprendi, eu entrei na escola dos karaís, para poder saber o conhecimento dos karaís, para poder levar junto também, junto com o Nhanderekó. Foi isso que eu aprendi na escola dos karaís.
P/1 – O parente estudou em escola na aldeia, no tekoá ou na cidade? E também uma outra pergunta, já emendando nessa, hoje já tem escola indígena, né? Qual é a diferença da escola de quando o parente era mais jovem e estudou e para essa escola que tem hoje, diferenciada?
R – Assim, a que eu estudei pela primeira vez, foi na missão Kaiowá. Foi numa década que eu entrei na missão Kaiowá, depois mudei para o posto, porque se fala posto, o posto indígena. No posto, eu estudei da terceira série até quinto ano. Aí depois passei para uma escola dos karaí. Estudei lá até quinta, quinta série. Em um ano. Depois, do sexto ao nono, eu terminei dentro da retomada, dentro do indígena, dentro do tekohá indígena. E, também, até agora, os karaís repassam experiências para os nossos indígenas, eles repassam só os conhecimentos deles mais um pouco, suas histórias. Assim, para eles, não reconhecem muitos o nosso lado, escondem mesmo. Nem do começo, que hoje também, pelo que eu vi, eu sei que tem, todas as escolas têm direitos, da questão indígena, tem escola indígena diferenciada, ou como é que o indígena tem que dar aula. Mas, mesmo assim, em alguns municípios, algumas escolas, as mesmas coisas, ignoram a nossa aula indígena. Então, ele repassa mais a parte dele. Agora que eles estão estudando, mandando estudar todos, pelo que eu conheci, eles escondem os nossos direitos, eles escondem, eles contaram mais o lado deles, assim, que levamos assim, pelo male, male, mas não contou bem como é a nossa história. Eles falaram assim: “Cabral descobriu o Brasil. Muito bom, muito legal!”. Então, isso é o que passaram para os nossos alunos. Na cidade, sobre quem levantou a cidade. “Ah, porque a cidade, levantou isso”. Mas ele não contou como que ele roubou o nosso território, como ele levantou cidades pelo nosso território. Então isso que eu vejo, essa diferença da escola do karaí ao lado do povo indígena. Ao lado dos povos indígenas, se nós povos indígenas estudarmos, estudamos e conhecemos o lado da nossa cultura e conhecer também o lado dos karaís e nós de novo, repassando para as nossas crianças, como é que o lado dos karaís, como é que são as aulas dos povos indígenas. Porque os karaís não vão contar exatamente como estão os povos indígenas. E nós professores, nós, caciques assim, os rezadores, contamos melhor do que os karaís. Então, pelo que eu vejo, assim, dos karaís, eles mandam ensinar e, também, eles não mandam ensinar bem em português. Ele manda assim só para, male mal, assim, nunca repassa tudo em português para nós também. E, também, a mesma coisa que eu falei, os karaís não vão saber a nossa reza. E, além disso também, nós povos indígenas não vamos saber também o português deles. Porque o europeu também não deu tudo, até agora para quem tá aqui no Brasil. Para todo lugar, o europeu nunca passa tudo da língua para cá. Até agora, ele tem ainda uma língua dele para lá. Tem umas coisas da nossa língua, dos Kaiowás, a língua dos povos indígenas que alguém sabe, mas algumas palavras ali, nunca vão conhecer também. Porque cada vez que eu falo assim, que o Nhanderu manda descer as palavras para o indígena, desce, manda, manda os conhecimentos. Nem o professor, nem o cientista, nem quem faz o doutorado, nem quem faz o mestrado, essa pessoa não passa essas palavras para as pessoas, quem passa, quem manda aquela nossa voz, nossas falas, esse som das nossas falas? Ninguém deu, nem médico… ninguém deu! Quem que deu? Aqueles que nos mandaram para viver aqui em cima da terra, aquele lá que deu esse som da voz para nós para que falássemos. Então, isso, os karaís também não conhecem. Então isso eu posso falar também, uma parte resumidamente sobre isso.
P/1 – A'eweté. Parente, agora falando sobre trabalho. O parente hoje é liderança, é acadêmico, faz faculdade, mas como foi o primeiro trabalho que o senhor teve? Chegou a trabalhar somente dentro do tekohá, ou foi para a cidade também, trabalhar? Como foi a vida do senhor, como está sendo nessa área do trabalho?
R – Área de Nhamba’apo, né. Trabalho. Eu cresci, desde os sete anos, eu e todos os meus colegas, que eu vejo até agora, desde que eu vejo, alguns trabalham na própria roça, deles. Porque há uma década, duas décadas atrás, tinha ainda solução para trabalhar na roça. Aí depois, você vê assim, que pessoas que nasceram em 2000, agora já é com quantos anos em 2000? 23 anos e ele já casou, com certeza, tem filho, tem três, quatro filhos crescendo. Aí então, naquele tempo, nós trabalhávamos na roça, eu trabalhava com o meu pai, meu pai ensinava para mim sobre a roça, como era para plantar, na hora certa, na época, assim, pela lua também. Porque nós, povos indígenas, que plantamos, dependendo da lua, nós plantamos dependendo da chuva também. Então, eu trabalhei com o meu pai até, assim, aos onze anos. Aí depois de onze anos, eu já trabalhei pelas casas dos karaís. Trabalhei, assim, tirei leite, roçando. Aí depois dos quatorze anos, eu com uns quinze anos, eu fui cortar cana junto com a turma, junto com os Guaranis Kaiowás, todos, que o dono da usina veio contratando, ele levava só as pessoas, nem tinha registro, nem a carteira assinada. Ele só vinha, via quem que ia, já pegava e já ia. Então eu trabalhei na usina de cana com quatorze anos, quatorze anos e meio. Eu trabalhei pelo meu adversário, eu falo assim, porque eu trabalhei pelo próprio, pelo nosso contrário. Porque o fazendeiro escravizou o nosso povo, o meu, mandaram trabalhar como escravos. E até agora também, as mesmas coisas assim, o meu povo Guarani Kaiowá que trabalha na usina até agora, foram passar as mesmas coisas trabalhando escravizado. Podiam trabalhar o tekohá deles, podiam trabalhar no território deles e eles saíram e foram trabalhar no adversário deles. Então nesses casos, os fazendeiros e os empresários usaram o nosso corpo como ferramentas dos carros, como ferramentas das motos, como ferramentas, até o teu corpo assim, aguentar o que ele mandar trabalhar. Aí depois que o seu corpo não tem mais condições para trabalhar, aí eles te afastam e trazem outro. Eu digo, ferreamente mesmo, o que eles fazem do nosso povo, porque a ferramenta até uns três ou quatro anos ela aguenta, assim, é tipo parafuso, ele estava e depois quebra, aí coloca outro e já joga. Então, é tipo isso o que ele faz com o nosso povo. Na maçã, na cana, em todo lugar de trabalho, fazem isso. Então eu trabalhei no canavial aos quatorze, vim até os 28 anos. Depois dos 28 anos, eu fiquei no território. Depois que o meu pai faleceu, morto pelo fazendeiro, e até agora não foi encontrado o corpo. Vai fazer agora doze anos que o corpo do meu pai não foi encontrado. Então depois que o meu pai morreu, nós conseguimos de novo esse território, essa retomada e eu consegui trabalhar agora dentro do meu território. Aí que eu percebi também que essa faculdade e as mesmas coisas também que o meu pai, a minha mãe, os meus tataravós, os meus bisavós repassaram aos seus, “Você não pode trabalhar para o karaí, porque eles são nossos adversários, ele que roubou toda a nossa terra e ele que de novo manda você trabalhar dentro do nosso território. Ele escravizou você! Então um dia você vai, vai ter esse conhecimento e depois que você souber desse conhecimento já vai mais para lá um pouco”. Então foi isso que aconteceu comigo mesmo, porque depois que eu trabalhei muito pelo karaí, agora eu comecei a trabalhar só pelo meu território. E se a gente tem uma oportunidade pelo nosso território, se tivéssemos, esse Brasil todo é dos povos indígenas mesmo, são os karaís que vem roubar, roubar o nosso território. Porque falaram que registraram no cartório, assinaram no cartório. Eu concordaria com karaí, se alguns povos indígenas assinassem para darem a eles esse território, aí eu concordaria que esse território já vai permanecer para o karaí, né. Mas até agora, desde 1500, com esses 523 anos de massacre até agora, continuam escravizando o nosso patrício, o nosso povo, que até agora ele continua escravizando pelo trabalho. Então, é isso que eu fiz de trabalho.
P/1 – Muito bem! E toda essa trajetória de aprendizado do Nhanderekó, trabalho, a relação com a família, contou sobre o casamento dos pais, e o parente, chegou a constituir família, se casou, tem filhos? Como está isso?
R – Assim, sabe. O meu próprio filho, agora já tem dezesseis anos, o meu filho mais velho, chama-se Olaíson Gomes e ele agora está fazendo o segundo ano do Ensino Médio e, também pela nossa cultura, ele já se casou, tem dezesseis anos e a esposa dele tem, também, dezesseis. E a minha filha está com treze anos, fazendo o primeiro ano do Ensino Médio. E continuando repassando essa história toda que continua a cada dia, a cada amanhecer, a cada hora do almoço, a cada hora da janta, no domingo, a gente mostra e falamos da realidade na roça, como é que tem que fazer, para fazer a plantação pela nossa roça. Repassamos para eles como é a reza, antes de plantar tem que rezar, depois que sair a plantação, tem que rezar de novo, para comer tem que rezar de novo. Então todo esse processo a gente também repassa de novo, agora nesse momento para nossa família. E nós temos também ainda, o nosso nhandejaryi, nosso nhanderamõi do nosso tekohá e nós chamamos pela nossa casa de reza, pela escola, para passar essa história para os nossos alunos, para nossa família e, também, para todas as comunidades. Todas também repassam essa história.
P/1 – Falando dessa luta, de repassar conhecimento, de dar continuidade do que o senhor aprendeu para os seus filhos, com certeza, eles vão dar continuidade na luta pelo território e eu gostaria que, o parente, agora falando sobre território, que o parente já falou da origem, da luta do pai do senhor que foi assassinado e tudo mais e que até hoje não descobriram o corpo. Como está a situação hoje, do território aí de onde o parente mora? Está demarcado? Precisa demarcar? Quais são as principais lutas no dia de hoje aí no território?
R – Então, agora, nesse momento, nós já vamos permanecer de novo, doze anos. Os karaí, lá atrás, quando não tinha ninguém, quando não tinha nem essa rodovia, os parentes todos, que moravam lá no tekohá, todo mundo vivia bem. Depois que nos expulsaram do nosso território, alguém que não quer sair da casa dele, eles matam, jogam no rio, queimam. Então, assim, foi impulsionado pelo nosso território. Aí com isso, em 2004, nós tentamos de novo, voltar, porque nós vivíamos na beira da rodovia e onde nos conhecemos em 2004, em julho, dia 04 de julho nós fomos lá. Fomos e permanecemos quatro dias, aí fomos despejados com a Funai, com o fazendeiro, falaram para aguardar, aí despejaram. Aí em 2006, mesma coisa, nós fomos de novo e voltamos de novo para o nosso tekohá, nós ficamos dois dias lá e no outro dia veio o despejo, em 2006, em setembro, dia 15 a 16. Aí nós aguardamos de novo, depois de 2006. Em 2007 a 2008, veio o antropólogo, fazer todo esse relatório, aí em 2009 concluiu, fizeram tudo e levaram de novo para os karaís. Aí, nós, povos indígenas, do nosso tekohá, voltamos dia 11. Dia 11 de novembro, nós voltamos de novo para o nosso tekohá. E de lá, até agora, nós já permanecemos por doze anos, dentro do tekohá de novo, o antropólogo já concluiu tudo e agora falta publicar. Não foi publicado antes, porque o Governo mudou e, também, o Governo está contra os povos indígenas, o Bolsonaro. Jair Bolsonaro está contra os povos indígenas, querendo matar todo o nosso povo. Então não foi publicado, isso não foi publicado, porque ele está contra os povos indígenas e ele vive dentro do território, aqui no Brasil. Então, por isso, eles não mandaram publicar o nosso tekohá Guaiviry, já está pronto, já está na mão, na mesa da presidente da Funai, para fazer essa publicação pelo nosso tekohá. E, também, o nosso povo também, aqui pelo nosso Guarani Kaiowá, tem vários territórios que também não foi publicado e ainda também, nós continuamos nessa briga com todos esses fazendeiros, que eles continuam e a gente briga. Na verdade, não somos nós povos indígenas que estamos brigando com eles, eles que estão brigando com a gente. Porque esse território é do povo indígena, é dos povos originários. Então essa terra, esse território, a gente não vendeu para os karaís, eles que vieram roubar o nosso território. Então agora nesse momento, continuam ainda com essa briga, com esses pistoleiros que mataram o nosso povo. E, também, não é de agora, já vai fazer 523 anos desse massacre com esses latifundiários, com esses das empresas, continuam fazendo. Agora mesmo, nesse momento, os nossos parentes já ocuparam de novo o que é deles. Então, nesse momento, nós Guaranis Kaiowás, ocupamos de novo uma parte lá na região de Dourados, também tem uma parte que já está ocupado de novo o território deles, porque é dele. Então, pelo nosso povo Guarani Kaiowá agora nesse momento, agora nesse 2023, continuamos lutando pelo nosso território, porque nós somos os povos originários desse território, desse Rio Yvy Oká Guasu, como nós falamos. Antes de chamar o Brasil de Brasil, chamávamos de Rio Yvy Oká Guasu, aí depois esse bando de karaí colocaram o nome do yvyráju de Pau Brasil, e essa yvyráju se chama yvy oká guasu, então colocou pelo nome da madeira para chamar o Brasil todo. Então esse nosso tekohá são o Rio Yvy Oká Guasu todo. Então, nesse momento, agora pelo nosso tekohá Guaiviry, falta a publicação e falta tudo. Pelos conhecimentos dos karaís, falta a publicação, a homologação, identificação, falta tudo ainda, mas nós, como povos indígenas, já estamos dentro, já estamos no nosso território. A gente não veio... Não cortamos o rio, a gente não caiu de paraquedas, a gente já nasceu pelo território, cresceu pelo nosso território, morremos pelo nosso território, crescemos pelo nosso território e continuamos também lutando pelo nosso território e continuamos lutando pelo nosso território. Então é assim que está agora no nosso território no momento, a gente vive pelo nosso tekohá Guaiviry.
P/1 – O parente falou que agora, a homologação está na mesa da presidência da Funai, agora mudou o Governo, né, parente? Entraram também representantes indígenas em diferentes espaços do Governo, criou um ministério e eu gostaria que o parente pudesse falar qual é a sua visão agora com essa mudança de Governo e com os parentes também, inclusive tem um Guarani Kaiowá no Ministério dos Povos Indígenas, o Eliel Benites, então o parente consegue ver que está tendo uma mudança para melhor? Como o parente vê essas mudanças de Governo e com os parentes hoje também nesses espaços?
R – Então nesse momento agora, que mudaram de novo o Governo, falaram que vão demarcar, falaram que vão publicar, igual anos atrás, né. Mas uma parte desses grandes políticos, um pouco, não dá para confiar muito, porque esse Brasil, agora, nesse momento, está com muito Nhe'e johasa. O nhe'e johasa está dentro do político e, também, criaram para nós, o Ministério dos Povos Indígenas. E pelo que vejo com esse ministério, vamos torcer que uma parte vai melhorar, porque lá dentro dos ministérios, quem vai comandar lá é um indígena e, também, uma parte lá, entra também o político, por que que eu falo que lá também está o político? Quem é o presidente? É o político! (risos). Quem é o político da lei? Todo esse político da lei, ONU, Genebra, sei lá outra lei! Então, dessa lei, são políticos! Mas mesmo as coisas sendo assim, uma parte que eu vejo que vai melhorar e uma parte eu vejo que não vai melhorar, porque lá vai rolar muito a fala do político e não vão considerar muito a fala do nosso povo indígena. Mas uma parte vai considerar um pouco, não é tanta porcentagem, mas pelo menos a gente tem um braço. Um braço direito ou um braço esquerdo em Brasília. Até esses quatro anos, com essa mudança desse Governo, com certeza, ele vai acelerar um pouco, nesses quatro anos. Em 2026, esses quatro anos passam rápido e a gente, os povos indígenas, não sabemos se eles vão demarcar ou não, se eles vão publicar ou não. Porque agora mesmo, para nomear no caso da Funai, caso da SESAI, caso do Polo, já vem com três meses agora. E agora já sobrou de novo, três anos e sete meses, mas será que nesses quatro anos, será que vai ser possível fazer tudo? E também com esse bando de políticos, bando de políticos ruralistas, será que eles vão deixar? Não vão deixar barato também! Com certeza, eles vão cutucar o nosso povo, vão cutucar também a nossa ministra, vão cutucar quem trabalha lá e vai rolar também o pira-pira dentro, lá. Então uma parte, pelo meu conhecimento, boa parte, a gente tem o nosso ministério. Mas vamos torcer, encaminhando bem esse nosso ministério, tomara que eles cobrem os nossos direitos, porque lá dentro, tem os nossos parentes, tem o doutor, doutorado, pelo estudo do karaí também, que já tem toda essa habilidade, com certeza, ele vai melhorar um pouco para o lado do nosso povo indígena. Tomara que, eu penso assim que, pelo menos, uma porcentagem vai ajudar o nosso povo. Então, com esse nosso povo Guarani Kaiowá também, estava lá agora, nesse momento, o Eliel Benites, que é o nosso grande professor, nosso grande guerreiro. Ele também nasceu na luta, cresceu na luta, na luta também ele foi brigar pelo nosso ministério. Então, eu digo também, que ele vai permanecer lá com certeza, com o nosso povo que está dentro do ministério, de quem ele está dependendo lá também. Será que o nosso povo, que está lá no ministério, será que ele depende deles? Não é? Ele dependendo do Governo, dependendo dos parlamentares, se o Governo não mandar recursos para eles, como ele vai alimentar a internet do karaí? Aluguel de lá também, se o prédio não é dele também? Como vai alimentar? Então, é isso que eu falo sobre isso da política e, também, do nosso Ministério dos Povos Indígenas.
P/1 – O parente tem participado dos movimentos indígenas da Aty Guasu, da TL nesses anos ou no ano passado? Esse ano vai ter a TL, né? Como tem sido o seu trabalho no movimento?
R – Então, eu como um avá também, nós temos essa política do nosso Aty Guasu, nossa grande assembleia Aty Guasu, que eu faço parte também. Dentro desse nosso Aty Guasu, eu faço também conselhos e, também, vários outros nossos parceiros que também fazem conselhos. Então, eu falei do Aty Guasu, já vai para 42 anos que foi fundado, essa nossa organização dos Guaranis Kaiowás. E, também, nós participamos muito também da TL e fomos também lá pelo nosso Congresso, lá em Brasília, lá no Distrito. Nós fomos e nós visitamos todos os ministérios lá. E continuamos assim, pelo movimento, a gente encaminhando essa nossa Aty Guasu, junto com a mulherada, junto com os jovens, junto com os professores, com redator, com redatora, continuamos levando esse nosso movimento e, também, com esse nosso Aty Guasu, a nossa grande assembleia, é um político também, um político indígena, político indígena que eu falei, se nós estamos em organização, a gente, uma parte, a gente precisa dos políticos, porque sem políticos, dependendo, a gente não vai conseguir os recursos para poder viajar, arrumar o ônibus, o pedágio lá para onde se hospedar. Então, tudo isso, a gente depende do político. Essa nossa grande assembleia, esse nosso conselho do Aty Guasu, é o executivo do Aty Guasu, também é um político indígena, um político avá. Então esse conselho tem que também dialogar, com os nossos apoiadores, com o governador, com o presidente, também falar com o ministro, então, tudo isso, é essa nossa organização, é essa nossa grande assembleia, fizemos tudo isso com essa luta e continuamos levando e encaminhando essa luta, junto com o povo Guarani Kaiowá. A gente continua levando essa nossa luta ainda.
P/1 – Entrando em um outro tema agora, a questão ambiental. Nós falamos da importância do território, mas também no território tem suas florestas, tem os rios, os animais, qual a importância dessa questão ambiental, das florestas, dos rios para os Guaranis Kaiowás hoje?
R – Então, pelo nosso nhanderekó, yvytu, ka'agwy o que os karaí chamam de ambiental. Para nós, povo Guarani Kaiowá, precisamos mais, porque, primeiramente ka'agwy e yvyra, são os nossos grandes pais. Voltando de novo, a terra também é natureza, porque sem a terra, não vai viver a árvore. Então essa terra que agora a gente está pisando nela também, é o nosso grande pai. Floresta, madeira também é o nosso grande pai. A água já faz parte das nossas mães. Por que a água pertence às nossas mães? Primeiramente, os nossos grandes pais, nossas grandes mães! Primeiramente, fizeram a água! Segundo eles, fazem a terra, como eu falei do começo da nossa história, falei assim “Segundo vem o ar, yvytu, depois vem a árvore, frutas, animais. Então isso junto, funciona junto, água, terra, ar, árvore, frutas e animais, só vivem juntos. E por que que para nós interessa, para nós povos indígenas? Essa terra alimenta a nossa vida, alimenta a nossa saúde, dá também a saúde, dá remédio para nós. Água também é remédio, limpa o nosso corpo, limpa o que puder, porque água é a nossa mãe, por isso a nossa água é muito delicada, é muito delicada assim, porque as pessoas não entendem para judiar da água, porque eles estavam judiando da água, então eles estavam judiando da própria mãe deles! Se as pessoas derrubarem árvores, envenenarem a água, envenenarem a terra, envenenarem os animais, eles estão envenenando o próprio pai deles. Então, pelo nosso povo indígena, é importante, é a nossa árvore, o nosso rio, porque os animais a gente não come, porque isso aí já vem junto, nasceu junto já, já nasceram juntos esses animais, vários tipos de animais, vários tipos de espécies de animais, já nasceram junto também com o ser humano, para poder alimentar, para não comer carne, carne de animal não é envenenada, porque carne do animal não é vacinada, então ele vive também da natureza, da água, vive também em cima da terra. E nós também vivemos pela árvore, pela fruta, pela, então essas quatro coisas que alimentam a nossa vida, por isso essa água, terra, ar, árvore, frutas e nós, seres humanos, na natureza. É por isso que para nós é muito importante isso aí, nesse caso.
P/1 – Muito bem, parente. Agora mudando essa luta que é pelo território, luta pela vida, por toda a natureza que são os nossos pais, nossas mães. E agora uma pergunta sobre Coronavírus, Covid-19, como que foi durante a pandemia, nós tivemos a pandemia, como vocês lidaram com essa pandemia aí da Covid-19? Vocês tiveram perdas? Pessoas faleceram? Quais os impactos que vocês tiveram? E se também tiveram ajuda? Como que foi isso?
R – Então, dessa parte, mba'asy guasu, grande doença que aconteceu. Por que que essa mba'asy tuvixá essa doença grande aconteceu, por que aconteceu? Porque nossa grande mãe, nosso grande pai que castigaram o ser humano. Por que eles castigaram o ser humano? O nosso grande pai e a nossa grande mãe, jogaram essa doença lá no fundão, algumas coisas que eles jogaram. Aí falaram que o chinês, o coreano que produziu, mas na verdade, foi o grande nosso pai e a grande nossa mãe, que cuidam da nossa vida, eles que mandaram jogar para lá a doença que eles produziram. E por que aconteceu? Porque tem muitas pessoas que não acreditam mais na nossa reza, não acreditam mais em nosso mbo’e, nosso gwahu. Então, por isso, o grande nosso pai e a grande nossa mãe castigaram o ser humano. E, também, essa aí vem e colocaram, mandaram essa doença que era só para o karaí, mas na verdade, uma parte dos nossos parentes, dos nossos povos indígenas que eles consideram muito os karaís, vão muito atrás dos karaís. Na saúde mesmo, os karaís puxam muito para o povo indígena, “Não, tem que fazer isso, tem que fazer isso”. Então uma parte também, eles pegaram também esse Coronavírus, pegaram também essa doença. Mas, na verdade, essa doença veio para o karaí e mais para alguém do nosso povo que não sabe rezar, alguém que não quis mais saber da nossa reza, da nossa cultura, não que mais usar o nosso colar, esse nosso ha'yi pyru. Então por isso, alguns dos nossos parentes pegaram isso. E, também, pelo nosso povo Guarani Kaiowá aqui dentro do Mato Grosso do Sul, aconteceu também as mesmas coisas, que algum dos nossos parentes vivem na cidade, não sabe mais gwahu, não sabe mais kotyhu, não se medicam mais pelos remédios tradicionais, então por isso que eles também pegaram esse Coronavírus, que os karaís colocaram nome bonito nesse Coronavírus, mas para nós povos indígenas é um mba'asy tuvitxá. E o nhandejaryi, nosso nhanderamõi, que pegaram isso, quem repassou isso para ele? Será que a pessoa que é já foi doutor, já foi médico? Mas na verdade não, na verdade, quem repassou para ele, foi o grande nosso pai, repassaram para eles, contaram e repassaram para eles, como é que aconteceu isso e como vai ser a saída. Então, pelo nosso povo, quando a gente ficou sabendo que já estava infectando todos assim, nós ficamos sabendo e só rezando. A gente, de manhã e à tarde, nós fazemos medicamentos pela reza, tomamos remédios tradicionais, lavamos a nossa cabeça, lavamos nosso mba'erendy, que nós falamos, o nosso olho, nosso mba'erendy e nós tomamos remédios para cuidado, para o nosso fígado, para o nosso corpo, para não pegar isso, essa doença e se essa doença ficar em você, fica como água em você, derrama água no teu pelo e caí tudo, não para doença. Então isso que a gente deu o nosso máximo, nos defendemos até agora. Graças ao nome do Nhanderu, nós estamos vivos e mais firmes ainda pelo nosso tekohá.
P/1 – Muito bem! Nós estamos chegando já na pergunta final, e depois de o senhor contar toda essa trajetória de lutas, dando continuidade às lutas do teu falecido pai, e hoje, eu gostaria de perguntar quais são as coisas mais importantes para o senhor hoje? E também qual o legado, o exemplo que o senhor quer deixar e o sonho, quais são os sonhos que o senhor tem para o futuro hoje em dia?
R – Então, que foi ___________________________________, tudo foi negado. Agora para o nosso povo que negaram, primeiramente, o nosso território, foi negado e não quiseram mais entregar. Se a gente entrou pelo nosso território, ele fala a palavra contrária, “Nós, povos indígenas, que somos invasores”. Mas, na verdade, eles que são invasores, os karaís, os homens brancos que são invasores. E eu falo também, que todos esses homens brancos não têm território aqui no Brasil, não tem! Então isso aí é que foi agora negado, primeiramente, o nosso território que foi negado. E outro ponto é que, “nós, povos indígenas, queremos a água deles, a terra deles, ambiental deles e nós também somos animais deles”, por que eu falo isso? Por que? Porque é por nós povos indígenas, que eles ganham. Se algum karaí está dentro do, exemplo, vamos supor, dentro do DSEI, os karaís não querem dar as vagas para os indígenas, porque eles se alimentam lá, pelo nome dos povos indígenas. E, também, dos políticos, todos os lugares dos políticos, nós povos indígenas que somos kokué deles, roça deles e, também, nós somos animais deles, porque eles já foram responsáveis por matar o nosso povo, por atropelamento, pelo hospital, então isso, são poucas pessoas que conhecem, sabem disso. Então assim, agora, nesse momento, o que eles fizeram pelo nosso povo, por que então que querem o nosso rio, por quê? Porque eles ficam lá, ganham muito esse pirá-piré e, também, compram de novo, com esse dinheiro, ele contrata de novo, os pistoleiros, contrata de novo algum médico para dar injeção para matar o povo indígena dentro da saúde. Então, não somos negados, não tem mais como considerar originário ou não, mas nós existimos desde que essa terra, esse território teve aqui, os grandes nossos pais fizeram essa água, terra, ar, árvore, frutas, animais, desde que é isso aí, nós vivemos aqui pelo nosso território. A gente não comprou o nosso território, a gente não vendeu o nosso território e junto vem a nossa língua, a nossa língua a gente não compra, a nossa língua a gente não vende. E de onde que vem essa nossa língua? E de onde veio o nosso pensamento? E como que também, levar a nossa vida em frente, tem que se cuidar da nossa vida. Eu mesmo, eu, particularmente, eu gosto muito do meu corpo, porque esse meu corpo é apenas só carne, esse meu osso é apenas só osso, eu não quero nem me machucar. Então tem que ter agora, as pessoas que conhecem, têm que saber ter amor uns aos outros, tem que saber de johayhu, tem que colocar tekó jojá. Todo mundo para amar uns aos outros, não ter brigas. E com esse nosso território, também, os karaís têm que reconhecer a nossa realidade, tem que reconhecer o nosso território, assim por diante, para nós levarmos a nossa vida para a geração em diante e daqui uns tantos anos. E vamos continuar levando, mantendo viva a nossa língua, a nossa cultura, a nossa para plantação, para sair bem a nossa plantação, assim para nós continuarmos levando a vida toda, assim, para levar futuramente.
P/1 – Muito bem, parente. Agora, eu fiz muitas perguntas, fiz várias perguntas, mas talvez não tenha perguntado alguma coisa que seria importante ter perguntado, mas se o parente quiser fazer alguma, acrescentar alguma coisa, o parente pode acrescentar, se eu não perguntei alguma coisa que seria importante também, o parente pode acrescentar agora.
R – Então eu ia também, colocar mais uma parte sobre o porquê é importante as nossas rezas, as nossas gwahu de novo, isso é importante porque, terra, água, terra, animais e árvores, todas as coisas que nascem da árvore, que nascem da terra, as rezas alimentam isso. Porque o karaí não sabe dessa reza, como que tem que rezar para água, para a terra e, também, para o nosso filho, também como que tem que rezar. Nós estamos sabendo, então os karaís não ficam sabendo, então por isso que essa nossa reza é muito importante para a nossa vida, para o nosso povo indígena. E quem também vai repassar para nós, pelo nosso pensamento, para o nosso corpo viver bem, para não ficar doente. A cada amanhecer, tem que fazer uma grande reza e grande nosso johasa e, também, outras coisas que duas horas do dia, entrou duas horas do dia, já começam a comandar a nossa grande mãe, até duas horas da noite, entrou duas horas da noite, já quem comanda é o grande nosso pai. De duas horas da noite, até duas horas da tarde, nós estamos nas mãos de grande nosso pai. Por que de duas horas da manhã e até duas horas da tarde? Por que é nosso grande nosso pai? Porque todo mundo levanta e todo mundo trabalha, todo mundo vai para lá e para cá, vai pra roça, vai trabalhar, vai em algum lugar fazer... todo mundo se levanta de dia, então por isso é de duas horas da noite até duas horas da tarde que nós estamos nas mãos do grande nosso pai. E depois dessas duas horas da tarde, até duas horas da manhã, por que é da grande nossa mãe? Porque nós todos dormimos. Então se as nossas mães falarem para nós, “Oh, meu filho. Você hoje vai ficar, você não vai em lugar nenhum”. Você pode ficar guardando, aí nós seres humanos, já temos que dormir, porque vai chegar a hora que vamos levantar para o nosso grande nosso pai. Então isso que eu ia acrescentar mais um pouco.
P/1 - A'eweté. Bom, agora é só a última perguntinha que é, o que o senhor achou de contar a sua história hoje para o Museu da Pessoa?
R – Eu tenho, por mim, assim que, primeiramente, agradecer você, que é do Museu da Pessoa, que deu essa oportunidade, com certeza grande nosso pai e grande nossa mãe, falaram para vocês me convidarem. Não é que vocês, na sua parte, não iam convidar. É que entrou isso na mente do seu grupo, mexeu para você e mexeu também no meu para poder passar isso aí, registrar isso aí. Então para mim, eu acho muito bom, porque não sou eu que não quis contar assim para você, mas foi o grande nosso pai e grande nossa mãe fizeram alianças para nós fazermos jepopyhy, para contar a minha história, a história do nosso povo para contar para vocês. Então eu agradeço muito! E o que vocês fizeram, as perguntas, vai ficar tudo no meu coração, no meu pensamento, isso eu não vou esquecer mais, de jeito nenhum. E, com certeza, vocês também, todo mundo que ouvir, ver essa minha fala, minha imagem, com certeza não vai esquecer mais e, com certeza, vai colocar também no pensamento dele e, também, no coração deles. Aguyjeveté.
P/1 – Aguyjeveté. Então, a'eweté. Quero agradecer a tua disponibilidade, com certeza foi Nhanderueté, que proporcionou esse dia pra gente conversar e registrar a história, sua história de vida, enquanto uma liderança, enquanto um guerreiro que está dando continuidade aí a luta do teu grandioso pai, e que ele esteja lá com Nhanderueté dando força para nós aqui no Y, Yvy, né. Yvy rupá, yvy roká guasu, como o parente disse. Então parente, a'eweté, vou chamar agora aí o Alisson para fechar então, aí a nossa sala, para dar um tchau.
R – E outra coisa, queria acrescentar mais, porque vai ficar registrado, porque nós falamos aguyjeveté, essa fala, essa língua que nós falamos a'eweté djiwy é porque quando nós chegamos no último tetã, no último tetã, que nós chegamos lá pela reza, cantando e chegando lá. Aí, para voltar, nós falamos para eles, aguyjeveté. Aí essas cantam quando falam “aguyjeroupi ty, aguyjeroupi ty, arakae...” (3x). Aí você já fala, já deixou tudo para o Nhanderu e Nhandesy, aí você pede essa aguyjeveté, aí você já volta. Então por isso que todo mundo usa aguyjeveté. Então era isso que eu queria acrescentar mais.
[Fim da Entrevista]
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