Projeto: Museu Clube da Esquina
Depoimento: José Francisco da Silva (Chico)
Entrevistado por: Claudia Leonor e Tatiana
Local: Belo Horizonte, 17 de abril de 2004
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Entrevista: 004
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
P/1 – Bom, vou pedir para você falar de novo o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – José Francisco da Silva. Os amigos me chamam de Chico. Sou nascido em Belo Horizonte no bairro de Santa Tereza. Nasci e me criei, em 1949. É isso, Minas Gerais.
P/1 – Chico, me fala assim, você prefere ser chamado assim de Chico? Como é que...
R – À vontade.
P/1 – Tá. Sucintamente, como é que se dá a sua carreira profissional.
R – É engraçado essa pergunta, porque: qual o seu primeiro trabalho, né? Eu fui direto no vendedor de laranja. Quando eu tinha 7, 8 anos de idade eu... Naquela época, a gente pedia ao pai para poder ir ao cinema, por exemplo. Eu achava muito pedir o pai para ir ao cinema e ainda pedir o dinheiro. Então, eu tinha um sujeito no mercado, domingo, na feira de domingo, né, do bairro, eu tratei com ele. Arrumou um balaio e uma faquinha e então colhia aquelas laranjas, ia para o campo de futebol do Ferroviário – que era embaixo assim – que ficava lotado de domingo e vendia laranja. Aí ganhava o meu troco. Só pedia para ir ao cinema, já tinha um dinheirinho para poder pagar meu ingresso. E aquilo, eu fui acostumando com o trabalho, então eu trabalhei, depois eu passei a inventar cuidar das casas final de semana. Sexta a tarde, sábado. Eu então cuidava do chão. Limpava o chão, esfregava com palha-de-aço, e aquilo ficou um sucesso no bairro. Então eu era muito requisitado. Então ganhava um dinheiro legal com isso (riso) porque eu ia, eu ia e depois comecei até a ficar exigente, né? Como tinha muita oferta, me chamavam muito, então eu falava: “Olha, eu vou mas eu quero sossego, quero já ver os móveis, as cadeiras já viradas. O chão...
Continuar leituraProjeto: Museu Clube da Esquina
Depoimento: José Francisco da Silva (Chico)
Entrevistado por: Claudia Leonor e Tatiana
Local: Belo Horizonte, 17 de abril de 2004
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Entrevista: 004
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
P/1 – Bom, vou pedir para você falar de novo o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – José Francisco da Silva. Os amigos me chamam de Chico. Sou nascido em Belo Horizonte no bairro de Santa Tereza. Nasci e me criei, em 1949. É isso, Minas Gerais.
P/1 – Chico, me fala assim, você prefere ser chamado assim de Chico? Como é que...
R – À vontade.
P/1 – Tá. Sucintamente, como é que se dá a sua carreira profissional.
R – É engraçado essa pergunta, porque: qual o seu primeiro trabalho, né? Eu fui direto no vendedor de laranja. Quando eu tinha 7, 8 anos de idade eu... Naquela época, a gente pedia ao pai para poder ir ao cinema, por exemplo. Eu achava muito pedir o pai para ir ao cinema e ainda pedir o dinheiro. Então, eu tinha um sujeito no mercado, domingo, na feira de domingo, né, do bairro, eu tratei com ele. Arrumou um balaio e uma faquinha e então colhia aquelas laranjas, ia para o campo de futebol do Ferroviário – que era embaixo assim – que ficava lotado de domingo e vendia laranja. Aí ganhava o meu troco. Só pedia para ir ao cinema, já tinha um dinheirinho para poder pagar meu ingresso. E aquilo, eu fui acostumando com o trabalho, então eu trabalhei, depois eu passei a inventar cuidar das casas final de semana. Sexta a tarde, sábado. Eu então cuidava do chão. Limpava o chão, esfregava com palha-de-aço, e aquilo ficou um sucesso no bairro. Então eu era muito requisitado. Então ganhava um dinheiro legal com isso (riso) porque eu ia, eu ia e depois comecei até a ficar exigente, né? Como tinha muita oferta, me chamavam muito, então eu falava: “Olha, eu vou mas eu quero sossego, quero já ver os móveis, as cadeiras já viradas. O chão já para mim poder trabalhar e tal.” (riso)
P/1 – (riso)
R – E assim eu fui, nos anos de 1960, eu fui para um colégio lá dos Meninos da ______, ali na Pampulha. E a igrejinha São Francisco era uma coisa na época, tinha acabado, recém aberta ao público. Porque ela ficou muito fechada para culto. E eu fui ser sacristão daquela igrejinha. E para mim era o máximo, né, com 11 anos, 10, 11 anos, 12 anos. E ela era uma atração, você recebia gente do país inteiro e muita gente. Chegava os, né? E ali eles deixavam muita oferta para a igreja mas também para o sacristão. Então eu também ganhava um dinheiro que era a partir desse, porque eu não me lembro. Porque um menino de 10, 11 anos conviver com aquela obra de arte: com (Ceschiatti?), com Burle Marx, com Portinari, né, Niemeyer era o que estava acontecendo naquele momento ali. Quer dizer, claro que eu não tinha essa noção, mas eu sabia que era uma coisa importante. Então eu mostrava, inventava lá um roteiro para os turistas para explicar a igreja. E ali foi uma coisa que eu me lembro assim muito gostosa de fazer. E eu também anotava os batizados ali da comunidade. Os casamentos, marcava os dias, horário. Mas o que eu mais gostava era o domingo, quando eu ia no badalo do sino chamar para a missa de domingo. Adorava. Fazia aquilo, chamar para a missa de domingo. (riso) Então quer dizer, não é uma profissão mas é uma atividade que fazia com muito...
P/1 – O que é que você fazia com o dinheiro? Era ir a cinema?
R – Ah, com o dinheiro aí já de sacristão era o colégio interno. Eu ia uma vez por semana em casa. Uma vez ao mês em casa. Último domingo do mês. Então eu levava presentinhos. Comprava uma revista que minha mãe gostava, e guardava um pouquinho. Quando eu voltava no domingo a tarde para o colégio trazia algumas, alguns mimos para os colegas, para os amigos. Comprava umas coisinhas e deixava um dinheirinho em casa. Era isso que eu fazia com o dinheiro. E depois já fora do colégio quando eu fui já fazer o final do ginásio, o Científico, aí descobri uma outra coisa muito legal. Era cobrador, que também dava dinheiro. Então, cobrador era o quê? Era uma organização que tinha, era o início ali desse serviço seguro saúde. Era o iniciozinho, 1967, 1968. Então começou, chamava Sabermédica. Então você cobrava as mensalidades dos sócios daquele serviço, como se fosse um seguro saúde. Mais ou menos assim. A pessoa tem direito a... Isso eu fiquei por anos. Porque não só eu, como levei vários amigos de Santa Tereza, mais ou menos a mesma idade, para fazer a mesma coisa. E a gente por exemplo, é claro, filho de família pobre. Nossas famílias são famílias pobres. Classe média baixa, o poder aquisitivo pequeno. Então isso fazia muita diferença. Porque a gente fazia até um certo sucesso, porque as coisas que tinham assim de importância em Belo Horizonte, a gente já podia frequentar. Naquela adolescência podia ir o tal do Dom Quichope(?), que era na Savassi. Aquela coisa, porque a gente ia no máximo no cinema, né? No Cine Odeon, na Floresta, Cine Pathé, na coisa. Mas já ir para a noite assim, mas a gente já podia fazer porque eles tinham um retorno legal desse... E assim eu fui sempre com trabalhos assim, até que faço a universidade e quando saio da universidade que realmente eu tenho o meu primeiro emprego de carteira assinada, que foi ser professor. Professor da Universidade Católica, professor da própria Universidade Federal. Pesquisador pelo CNPQ. O Célio Garcia, meu orientador, um grande psicanalista, uma figura muito importante na área das ciências aqui em Minas Gerais e no mundo. Ele era nosso orientador. E essas pesquisas então, profissionalmente mesmo, carteira e tal, então foi aí já no final da universidade. Mas de tal forma que eu sempre me virei. No tempo da universidade eu também me virava. Ganhava um troquinho, meu dinheirinho com as próprias atividades ali mesmo, dentro da universidade. Eu sempre sobrevivi dessa forma. Família, a família não teria condições de bancar, de bancar completamente. Então era a forma que eu tinha de ir galgando. E depois da universidade eu fiz uma opção. Porque a gente já estava muito orientado para a questão do social desde lá dos anos de 1960. O Clube da Esquina tem muito a ver com essa coisa toda. Porque era um movimento musical mas com uma forte inserção, tinha um pulsar com aqueles anos, anos difíceis também de outro lado, ano da ditadura. Então aquele movimento vem ali e influencia a gente também, nas escolhas. Então tem essa consciência. Eu sou, o que eu fui escolhendo, tem tudo a ver com essa geração.
P/1 – Profissionalmente que área que você atuou? Atua?
R – Eu fiz Psicologia, né?
P/1 – Tá.
R – Fiz Psicologia, mas voltei para a Psicologia Social, foi onde eu... A minha inserção na Psicologia Social. Deixei a universidade e fui para Montes Claros, norte de Minas, para fazer... coordenar parte de um projeto que se chamava: Extensão de Cobertura de Serviço de Saúde. Que era uma região paupérrima que não tinha nada de serviço de saúde. Para lá eu fui em 1976, deixei a universidade. Aí comecei a trabalhar com Saúde Pública, que eu já tinha feito estágio na Secretaria de Saúde no tempo de estudante, e no Ineru, na área de Saúde Pública. Em 1979, 1980, vim fazer o meu pós na área de Saúde Pública e tornei-me um profissional da Saúde Pública, né?
P/1 – Vamos lá para o Clube da Esquina. Como é que foi assim os primeiros contatos? Foi amizade, foi como fã, como ouvinte? O que é que, como é que começou?
R – Amizade, amizade e, as duas coisas elas andam juntas, né? Era amizade mas eu já era muito fã também de tudo o que rolava. Então amizade na rua mesmo, com o Marcinho e com o Lô.
P/1 – Lá em Santa Tereza?
R – Santa Tereza, é.
P/1 – Então descreve um pouquinho assim, como é que era Santa Tereza nessa época? E como é que você lembra essas suas lembranças mais antigas? Dessa vizinhança, o bairro?
R – Olha, a gente encontrava nas festas, encontrava andando pelo bairro, nas horas que você tinha de vontade mesmo, encontrando na esquina para conversar. Tinha a esquina de Paraisópolis com Divinópolis, mas de vez em quando a gente migrava dali também para outra esquina de baixo. Que era Paraisópolis com Dores do Indaiá. E o Marcinho sempre muito ligado em tudo, e os Beatles ali acontecendo. Marcinho sabia cantar as coisas dos Beatles. Eu lembro Bungalow Bill, era uma música que o Marcinho cantava assim meses.
P/1 – (risos)
R – Toda noite ele vinha: (canta) “Eh, bungalow bill”. (risos) E a gente fazia muita coisa junto, que era andar mesmo. Andar pelo bairro, de uma casa para outra, e dentro da praça encontrava muito. A gente encontrava muito. E a gente ia aprendendo tudo rapidamente. Eu me lembro que 1968, 1969, para a gente claro, que o Bituca tinha feito muita coisa, muitos shows e tal. Mas na ______ da gente talvez aquele era o primeiro show do Milton Nascimento. Era um show no Teatro Opinião no Rio de Janeiro. Então nós nos organizamos, o pessoal do bairro assim. Aqueles amigos ali: João Índio, Gerval, Ié. E tinha acabado de sair aquela música Equatorial. Tinha acabado de ficar pronta ali. Então a gente sabia cantar ela inteira, né? E nós compramos assim mais ou menos a metade, ninguém tinha dinheiro para alugar um ônibus, mas nós compramos a metade mais ou menos das passagens daquele horário do ônibus para ir ao Rio de Janeiro, assistir lá o show do Bituca no Teatro Opinião. E a gente foi cantando, daqui de Belo Horizonte até o Rio de Janeiro, sem parar. Não sei como aquele ônibus, aqueles passageiros suportaram. Não teve um xingo, não teve um nada. E a gente foi até lá, chegamos de manhã no Rio de Janeiro cantando. Equatorial que nós cantamos muito, né, mas todas aquelas músicas. Então era uma convivência muito próxima. Sempre tinha um receber na casa do outro. Ia muito, um ia para a casa do outro. O Lô ia muito na minha casa, a gente ia muito para a casa do João Índio. A gente ia muito na casa do Lô e do Marcinho. E o caminhar na rua, que eu acho que era a coisa mais que eu tenho essa imagem. Me lembro assim, e agora mesmo a gente falando aqui, eu estou me lembrando a gente passeando na praça, eu e o Gerval a gente conversando. Passeando mais atrás o Marcinho e a Gláucia, e o Lô mais a frente. Um fim de tarde, aquela luz no final de tarde batendo assim. Uma lembrança assim gostosa que tem. Mas era sempre muito na rua. Claro que a gente ia no boteco também, mas era rua mesmo, andar. Andar pelo bairro.
P/1 – Caminhar.
R – E caminhar, ir à casa um do outro e... Depois o Marcinho, 1970, 1971 aí o Marcinho vai para o Rio de Janeiro, morar no Rio de Janeiro. Aí a casa do Marcinho virou o consulado mineiro no Rio, porque a gente ia para lá demais. A gente ia para a casa do Marcinho, morava o Marcinho, a Duca, era já casado com a Duca. Lembro até hoje o primeiro ano, o primeiro aniversário do Zé Roberto, a festa lá. Estava eu e tantos outros de Santa Tereza na casa do Marcinho, estava o Caetano, o Gil, claro o Milton. Aquela festa, primeiro ano de vida do Zé Roberto. Mas era uma frequência muito grande. Nós passamos a migrar mesmo para o Rio. Essa turma de amigos, a gente ia para a casa do Marcinho e era acolhido como se fosse a coisa mais natural do mundo, ficar assim quinze dias na casa do outro (riso) ou até mais. E voltava, daqui a quinze dias voltava outra vez. E partilhava tudo. Era muito, depois dos anos 1970, 1969, 1970 o Rio foi muito incluído também na coisa pelo Marcinho e o Bituca também. Mas o Marcinho era uma casa muito grande em Santa Teresa. Também morava o Reide com a Gina. O Lô também morava nessa casa. Então a gente ia muito. Eu por exemplo ia muito com muita frequência. E era muito gostoso porque ali a gente partilhava. Ali a gente já estava na universidade, já estava, né? E todas aquelas coisas Leung, Cooper, Baságuia. Era o movimento também da antipsiquiatria, da contracultura. E o Marcinho sempre inteirado de tudo. O Marcinho é um sujeito de um conhecimento da ciência e das artes, né? Então o Marcinho para mim era o meu grande interlocutor. Porque a gente conversava muito sobre essas coisas. Sobre o movimento que estava acontecendo no mundo. Em 1968, maio de 1968 na França. A gente era absolutamente inteirado com isso. A gente sabia, tinha bibliografia, lia, e discutia, muito. E é interessante, a gente fica olhando porque é parte da minha vida isso. Isso daí é uma emoção. Hoje, especialmente antes de vir para cá, em casa, aquela coisa me arrumando, preparando, eu comecei a ter aquelas sensações que você tem quando vai fazer uma coisa que é muito importante. Que é, sei lá, tipo assim quando você vai fazer o que está fazendo aqui. Dar uma entrevista, fazer uma conferência importante, que vai ter pessoas importantes. Então você tem uma tensão natural. Dá uma dor de barriga, uma coisa assim. Eu tive isso tudo. (risos)
P/1, P/2 – (risos)
R – Antes de vir para cá, porque fiquei pensando muito. Porque é importante para a minha vida. Eu sei que é um movimento que foi importante para a música do mundo. Um movimento importante para a cultura brasileira, para a cultura brasileira. Para a cultura mineira nem se fala porque é o grande ícone. Mas também para as pessoas individualmente. Para mim é essa importância, foi parte da minha vida.
P/1 – Como você caracterizaria essa, a música do Clube da Esquina, você consegue – você né, Chico – como você caracteriza a música Clube da Esquina como um movimento? O que é que você acha que tem de específico?
R – Olha, porque ela marcou a partir daí. A gente reconhece por exemplo, uma assinatura. Vem um som, eu não sou músico. Porque você pergunta: “Mas como é que você estava nisso?” É amizade mesmo. Vem um som: “Ah, lá. Está a marca ali.” A gente identifica um som. Daí esse movimento, que a gente chama de movimento. Acho que não sou só eu que falo, todo mundo fala isso. Também desembocou na política, que muita gente esquece disso.
P/1 – Fala um pouquinho disso para a gente.
R – Ah, falo com muito gosto. Aí eu já estava morando em Montes Claros então o contato era o pessoal que ia lá. O Lô, ia muito para Montes Claros. O Ié ia muito para Montes Claros. Eu já frequentava, menos o Rio. Falava com o Milton muito por telefone ou escrita. Escrever uma coisa ou outra. E o Marcinho também mas telefone. Mas acompanhando, então o Brasil estava na efervescência. E Minas Gerais tinha dado um salto imenso em 1982. Porque ali já teve uma participação vigorosa, né, dos músicos mineiro na campanha da virada do Tancredo. Que então, esse movimento que fala assim: cultural-político ele desembocou nas Diretas Já. E o Milton como, quer dizer, ah, vulto, né? Do movimento dessa música que, essa projeção, ele foi puxador das Diretas Já. Ele foi uma pessoa muito importante. Muito importante. Lembro assim, viemos numa caravana de Montes Claros, boa. Grande, né, para a coisa. (riso) Em 1984 em um comício que teve ali na praça da estação. E por essa relação eu também, eu entrava facilmente. Eu já estava lá junto do povo. Aí me lembro assim entrando, estava o Milton sentado lá entre as autoridades, não é? Entre as autoridades do país. As maiores autoridades: Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Teotônio Vilela, Paulo Brossard. Bom, são tantos nomes. E eu tive essa sensação que o Milton Nascimento, não só ele, muita gente, mas ele era o puxador daquilo, né? Tanto, tanto que eu me lembro assim, feito hoje, era 300 mil pessoas na rua, 400 mil. Era um negócio gigantesco. Era uma coisa de balançar mesmo. Aí quando entra o Milton fazendo a ovação do povo, e ele prepara, e ele é que chama, que traz o Tancredo para a fala, né?
P/1 – Hum, hum.
R – Então isso é uma marca que é de alguém que tem, que exerce a liderança. Que exerce essa importância. Porque não é um músico que está ali fazendo um show e coisa em uma coisa política.
P/1 – Alienado.
R – Não, era uma participação, uma decisão da vida do país, que era mudar, virar, sair do estado totalitário para o estado democrático, para o estado de direito. Esse movimento desembocou nisso também. E acho, e tenho certeza que isso será registrado. Penso que os historiadores, as pessoas que estão interessadas na história do Brasil, na história recente que é muito pouco falada, muito pouco dita. Daí é muito importante. Eu acho o que vocês estão fazendo, eu acho que é um presente para o Brasil, que o Brasil merece e precisa. É de pouco registro o Brasil. Até estatística nossa é um hábito que só agora começa. Não é muito de registrar as coisas. E penso que os historiadores, sociólogos devem isso ao Clube da Esquina. Essa dimensão político-cultural que teve que foi gigantesca. E isso trouxe uma mudança no Brasil.
P/1 – Bacana. É bom que você está dando uma outra, um outro lado. Agora, tem um marco que é o disco, né? Clube da Esquina.
R – Ah, puxa vida, né?
P/1 – Você estava na audição do disco lá na casa em Santa Teresa? Ou você lembra da primeira vez que você ouviu o disco?
R – Ah, lembro, foi logo ali. Foi logo naqueles dias. Mas eu não me lembro se eu estava. Eu escutei lá na casa, mas a primeira audição não. Eu me lembro do Clube da Esquina Nº2, eu estava no estúdio.
P/1 – Ah, é?
R É, no Clube da Esquina Nº 2 eu estava no estúdio. O Lô encontrou assim na rua em Santa Teresa e falou assim: “Você vai comigo para...” Eu falei: “O que é isso Lô. Eu estou fazendo não sei o quê, estou fazendo fisioterapia.” “Não, você dá uns dias nessa sua fisioterapia e vamos para lá.” E me levou para o Rio e eu fiquei dias, dias, em um estúdio lá da... acho que era Odeon. A Emi, né? No Botafogo ali, eu penso, que eu acho que era. Dias ali dentro. Aí a gente batia palma e ficava ali ouvindo tudo, participando de todas. O Milton de um lado e o Lô. Foi uma temporada. Lembro muito do Milagre dos Peixes ao vivo em São Paulo, eu estava lá. Lembro de um outro também gravado ao vivo. Aí foi o Milton que me chamou. E foi. Mas o Clube da Esquina o mesmo contato foi assim na rua como eu disse. Foi ali. Quer dizer, eu já conhecia quase todas as músicas que iam entrar no disco. Ou que entraram no disco.
P/1 – Qual assim você se identifica, ou tem uma paixão especial? Tem uma história interessante?
R – Das músicas?
P/1 – É.
R – Ah, é Clube da Esquina, né? Noite chegou outra vez. Essa bate fundo, né? E depois vem Amigo é coisa para se guardar que é também de matar. Todas do Lô, todas. Porque aquele “Disco do Tênis” do Lô era uma coisa sagrada para nós. A gente andava com aquele disco debaixo do braço. (risos)
P/1 – (risos)
R – Para todos lugares que a gente ia a gente carregava aquele disco. O “Disco do Tênis”, ficou chamado. E o Clube da Esquina, né? Eu me lembro, o disco Clube da Esquina acho que é lançado em 1972.
P/1 – Hum, hum.
R – Eu estava na universidade. Olha, eram sessões e sessões de ouvir o Clube da Esquina. A gente carregava o disco e a gente ia para a casas um do outro. A gente juntava aquela quantidade de gente, e a gente ouvia uma, duas, três, na mesma noite. Na mesma noite. Três. Não entrava outra coisa. Era eletrola naquela época. Aquele vinil, coisa, era um... E saía. No dia seguinte era a mesma coisa, a gente ouvia. E na universidade aquilo caiu como uma coisa absolutamente nova mesmo. Ele foi recebido assim. E ela entrou sutilmente. Entrou sutilmente e tomou assim conta dos ouvidos, das sessões, das reuniões. Muito legal lembrar disso. Eu fico emocionado até hoje.
P/1 – Bom, né? (risos)
R – Muito legal.
P/1 – Tati, você tem alguma pergunta?
P/2 – Não, eu estou aqui emocionada. Igual ele. (risos)
P/1 – (risos) Ô, Chico, se você for assim definir, uma coisa que eu tenho muita curiosidade: que é que era essa esquina que vocês se reuniam assim? O que é que vocês conversavam, vocês ficavam sentados no chão? O que é que...
R – Ficava sentado no chão, de vez em quando a gente migrava para a esquina de baixo. Cantava.
P/1 – A noite inteira?
R – Cantava muito. Fazia muita piada. Gozava muito um do outro. E também papeava sobre as coisas que estavam acontecendo, como eu disse, da música de Beatles, das coisas também do Brasil, o que é que estava acontecendo ali. Nascendo, Elis Regina, né? Foi tudo uma explosão. Também o Caetano, o Gil que ainda não tinha a coisa...
P/2 – Eu tenho uma pergunta. Os amigos opinavam também na escolha das músicas dos discos, desse primeiro especificamente, que foi um disco mais coletivo?
R – É impressionante, era tudo muito falado. Era tudo muito falado, muito, era engraçado isso. E de repente um dia, quer dizer, isso nunca ocorreu, mas o Lô falou assim: “Eu quero que você faça uma letra.” “Mas eu não... nunca saiu isso, por quê, né?” Aquela coisa. Mas era uma coisa muito assim. Isso pintava. Agora, claro, o Milton, o Márcio, o Lô eram profissionais. Era outra coisa. Tinha toda essa vivência, mas tinha também essa outra coisa que aí a gente era fã. E era esse lado, essa relação também, mesmo na amizade ela também ocorria natural. Me lembro esse show mesmo que eu me referi que nós fomos lá, 1968, 1969, no Teatro Opinião do Milton, no intervalo a gente se encontrava para tomar Coca-cola. Ali e tal, e conversava um pouco e voltava para o show. E ao final do show acende uma luz, assim definida, aquela luz acompanha e levanta. Então o Milton, a Elizeth Cardoso que estava... Eu arrepio até hoje. Era a grande diva, a grande cantora brasileira ali assistindo o Milton Nascimento. Ele oferece à ela um buquê, eu acho que era “Milton Nascimento e o Som Imaginário” que chamava aquele show.
P/2 – Exato.
R – Ele oferece uma corbelha de flores para a Elizeth Cardoso. Nós ficamos tão emocionados assim, que tinha ido de Belo Horizonte para lá para assistir, porque ela era muito chique. Era assim, era chique demais a Elizeth estar ali e o Milton fazer aquele gesto de oferecer uma corbelha de flores assim, muito legal. Eu acho que eu até fugi do que você me perguntou. Porque...
P/1 – Não, mas é fantástico. Deixa, assim para a gente terminar, né? Quando vocês estavam ali meninos, adolescentes, tudo. Você imaginava que essa amizade e o que gerou essa amizade, em termos até de movimento musical, ia ser tão duradouro, tão longínquo? Ia sair dessas montanhas? Vocês imaginavam?
R – Olha, não imaginava, acho que enquanto projeto não. Mas quando ela foi acontecendo, foi como se fosse a coisa mais natural. Nenhuma surpresa, porque era uma coisa fina, de qualidade boa e original. Então era natural que o mundo se apropriasse dela. Você entende?
P/1 – Hum, hum.
R – Uma coisa quase que natural assim. Eu por exemplo, eu acho que não pensava assim: “Isso vai...” Talvez estivesse latente, né? Mas ela foi acontecendo de uma forma tão natural. Então o sucesso nos Estados Unidos, o sucesso na Europa, o conhecimento que é hoje. Não só o conhecimento como a referência. É uma referência do som. Porque é feito como referência mesmo no mundo. Eu vejo, primeiro com alegria. A gente fica muito orgulhoso. De ser uma coisa dos nossos amigos mineiros que produziram, que fizeram com esse reconhecimento todo. Mas eu não sei se tinha esse planejamento, sabe? Eu acho que foi ganhando pela... porque tinha qualidade, tinha novidade como tem hoje. Ainda tem hoje. Não tinha não. Não é passado não, é presente. Hoje ainda é marca e a gente identifica isso. E é muito bom o mundo inteiro ter essa, também ser... Que são tantos parceiros, que a gente sabe que o Clube da Esquina hoje, esse movimento tem participação de gente que está nos Estados Unidos que a gente nem conhece. Tem participação de gente que está na Europa, de grandes músicos do mundo todo que fazem parte hoje desse Clube da Esquina e que é uma coisa natural, muito bonita, muito.
P/1 – Infelizmente o nosso tempo é curto demais. Que é que você acha Chico, do Clube da Esquina estar virando um museu agora? E você estar contribuindo com a sua história, com a sua vivência?
R – É como diz assim, meu pai tinha uma frase bonitinha, fazia: “Eu não mereço mas agradeço.” Porque acho, é uma coisa muito grande. E a gente estava ali como amigo. Não tenho essa importância pública que os que fazem e fizeram isso tem no modo particular para mim. Enquanto movimento, enquanto história da música, história da cultura e da política cultural eu acho fundamental. Foi uma grande idéia, eu acho que de gênio. Porque isso é muito simples, em outros lugares. Eu assim, morro de inveja quando vou para outros países e você vê em um canto assim tem uma plaquinha de bronze, com o nome de uma pessoa, com data. Eu acho, mas que coisa importante. E fico assim com um pouco de inveja. Eu acabo de falar que a minha inveja já não preciso de ter. Porque isso que está sendo feito, esse registro, enquanto a coisa ainda está acontecendo é um resgate não só dessa memória, mas para o Brasil enquanto importância tornar isso algo que não seja estranha, que não seja excepcional e que seja natural. Registrar a própria história das suas mais variadas formas de interpretação. Isso eu acho da maior importância, da maior importância. E quero parabenizar assim mesmo como amigo, como fã e como mineiro, como cidadão. Como cidadão que qualquer forma tem participação nessa história e quer ver que isso seja registrado para a posteridade. Então eu acho muito importante. Parabéns para vocês que estão fazendo esse trabalho.
P/2 – Obrigada.
P/1 – A gente agradece a sua colaboração. E com certeza a gente vai ter muita coisa para fazer ainda.
R – Obrigado. Eu que me sinto privilegiado e honrado em estar participando.
(Fim da entrevista)
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