Em 1992 meu marido queria que nós mudássemos do Rio de Janeiro para a Holanda. Ele tinha seus motivos eu podia entender, mas não deixou de ser uma notícia bombástica para mim. Ele é filho de um holandês com uma brasileira e iria perder seu passaporte holandês se não passasse pelo menos 2 anos fora do Brasil. Eu pensei comigo mesma, sem problemas, passamos os 2 anos lá e voltamos para casa. Neste momento eu era uma oftalmologista jovem, trabalhando em 2 lugares diferentes e mãe de dois meninos, um de 9 anos e outro de 6 anos.
Nesta época com filhos pequenos a vida não costuma ser muito fácil.
Ele trabalhava como produtor de cinema e tinha mais mobilidade com seu trabalho do
que eu. Para ele aquele movimento era mais fácil de imaginar. Para mim era mais ou menos como nos mudarmos para Marte, com todas as consequências que vêm junto.
Eu precisava pelo menos de um tempo para digerir aquilo tudo. Ele também entendia isto e traçamos um plano de ação onde ele viria na frente, para arrumar um lugar para ficarmos e eu iria depois. Pensando assim, para trás parece tudo aceitável, mas no momento destas decisões foi tudo muito impactante para mim. Eu ainda oferecia muita resistência para o plano, por mais que eu quisesse aceitar.
O primeiro impacto emocional forte foi quando meu marido me informou que viria já trazendo meu filho mais velho, que eu poderia ficar com o pequeno, mas o mais velho viria com ele. Foi difícil para mim ver meu filhote embarcar na frente como um soldado no front de batalha. Na verdade emocionalmente eu vivenciava tudo como muito impactante, e ainda não sabia que muitos outros impactos viriam pela frente. Eu via todo este plano de mudança como um grande complot e eu estava sendo arrastada na correnteza sem ter muita opção pois adorava minha família, nada para mim era mais importante que eles.
Meu marido veio antes e ficou hospedado na casa de minha cunhada, com meu filho mais velho. Eu tinha que fazer o...
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Em 1992 meu marido queria que nós mudássemos do Rio de Janeiro para a Holanda. Ele tinha seus motivos eu podia entender, mas não deixou de ser uma notícia bombástica para mim. Ele é filho de um holandês com uma brasileira e iria perder seu passaporte holandês se não passasse pelo menos 2 anos fora do Brasil. Eu pensei comigo mesma, sem problemas, passamos os 2 anos lá e voltamos para casa. Neste momento eu era uma oftalmologista jovem, trabalhando em 2 lugares diferentes e mãe de dois meninos, um de 9 anos e outro de 6 anos.
Nesta época com filhos pequenos a vida não costuma ser muito fácil.
Ele trabalhava como produtor de cinema e tinha mais mobilidade com seu trabalho do
que eu. Para ele aquele movimento era mais fácil de imaginar. Para mim era mais ou menos como nos mudarmos para Marte, com todas as consequências que vêm junto.
Eu precisava pelo menos de um tempo para digerir aquilo tudo. Ele também entendia isto e traçamos um plano de ação onde ele viria na frente, para arrumar um lugar para ficarmos e eu iria depois. Pensando assim, para trás parece tudo aceitável, mas no momento destas decisões foi tudo muito impactante para mim. Eu ainda oferecia muita resistência para o plano, por mais que eu quisesse aceitar.
O primeiro impacto emocional forte foi quando meu marido me informou que viria já trazendo meu filho mais velho, que eu poderia ficar com o pequeno, mas o mais velho viria com ele. Foi difícil para mim ver meu filhote embarcar na frente como um soldado no front de batalha. Na verdade emocionalmente eu vivenciava tudo como muito impactante, e ainda não sabia que muitos outros impactos viriam pela frente. Eu via todo este plano de mudança como um grande complot e eu estava sendo arrastada na correnteza sem ter muita opção pois adorava minha família, nada para mim era mais importante que eles.
Meu marido veio antes e ficou hospedado na casa de minha cunhada, com meu filho mais velho. Eu tinha que fazer o bota fora no Brasil. Não foi muito complicado.
Estávamos no Brasil naquela época indo de crise econômica em crise econômica, havíamos vivido a hiperinflação, e eu não esqueço uma conversa com o funcionário do departamento pessoal do SESI, onde eu trabalhava, que me disse: você está pedindo demissão quando todos estão procurando tanto por um emprego…
Ele não sabia que eu me lembraria para sempre da sua frase.
Uma vez todos na Holanda, alugamos nossa primeira casa, em Hilversum, próximo da casa da minha cunhada, ainda estávamos procurando nos entender no lugar e meu marido procurava por trabalho. Eu estava gostando de passar um período como mãe tempo integral, ainda não tinha tido uma oportunidade destas. Havia o stress do aprendizado da língua e as crianças nos ajudavam a enfrentar aquilo com tranquilidade, eles estavam na escola e todos os dias nos ensinavam palavras novas ou tomavam a frente na comunicação do dia a dia, como ir comprar sorvete na sorveteria e sair com o sabor desejado.
Andamos de um lado para o outro na Holanda, tentando saber como nos estabeleceríamos. Meu marido ainda com trabalhos temporários e eu sem nenhuma perspectiva de trabalho, pelo menos na minha área em um curto prazo. Toda a maneira de viver em pequenas cidades era diferente para mim que tinha vindo do Rio de Janeiro, uma cidade enorme.
Num passeio a Rotterdam onde fui procurar um oftalmologista conhecido de um amigo de meu pai, eu vi um ponto de ônibus cheio, uma cidade maior, ali era um lugar onde eu me reconhecia mais facilmente do que numa pequena vila.
Decidimos que iríamos para Rotterdam e eu consegui o meu primeiro estágio no consultório deste médico. Fizemos nossa mudança para Rotterdam, a primeira, porque nos primeiros 2 anos fizemos 4 mudanças até ficarmos em um apartamento definitivo. Começamos neste período a ter os primeiros sérios revezes, recebemos uma carta que dizia que eu teria que sair da Holanda em duas semanas, meus filhos e meu marido eram holandeses, com seus passaportes em dia, mas eu não era holandesa, e portanto não tinha o direito de permanecer na Holanda. Aquilo para mim foi surrealista, como eu poderia ir embora em duas semanas? Não se desfaz um projeto deste tamanho em duas semanas, eu não conseguia entender também se sendo a mãe daquela família holandesa eu estaria sendo expulsa sozinha, não me fazia sentido. Corremos para um advogado e graças a Deus soubemos que poderíamos proceder sem eu ter que ser deportada imediatamente. No fim nunca fui deportada, consegui o passaporte holandês por outra via porque já era casada há anos com um holandês. Mas neste processo tive uma audiência com um juiz e tive dificuldade de me explicar porque eu queria tanto ficar na Holanda, na verdade eu não queria ficar.
O próximo capítulo eu preciso resumir porque foi longo. Após dois anos no banco da escola aprendendo a língua, fui atrás da minha carreira de médica oftalmologista, eu tinha recebido do Ministério da Saúde a avaliação do meu diploma e teria que passar dois anos em um serviço de oftalmologia em um hospital universitário, sem vencimentos. Fui solicitar isto e só recebi portas fechadas, porque eles tinham por aqui na formação de profissionais um numero fixo e havia na época oftalmologistas holandeses desempregados, portanto as portas estavam bem fechadinhas
para médicos estrangeiros. Eu poderia processar alguns deles por discriminação.
Aquilo foi um outro baque para mim. Voltei ao ministério da Saúde e expliquei que os professores de oftalmologia não estavam facilitando a minha vida. Me deram um caminho alternativo que foi fazer um estágio em medicina geral e me registrar como médica geral, eu poderia então trabalhar até na minha especialidade desde que junto a outros colegas.
Existem também os pontos positivos, pois neste meio tempo recebi o contato de uma pessoa que tinha um escritório de orientação a profissionais de saúde imigrantes e ela me foi um grande apoio. Comecei a procurar um estágio com um médico de família, escrevi 50 cartas de solicitação, recebi 2 respostas negativas escritas e um telefonema me aceitando para uma entrevista. Logo depois da entrevista comecei o estágio.
Recebido finalmente o título de médico básico comecei a trabalhar numa clínica oftalmológica, o que foi muito bom, fiquei tranquila alguns anos, enquanto meus filhos ainda eram pequenos. Mas
ainda tinha que ir atrás da minha especialidade. Eu não estava disposta a me acomodar, e ainda bem, havia também, eventualmente, forças propulsoras. Num determinado momento, a Europa começou a funcionar realmente como Europa e os títulos conseguidos num outro país começaram a ser aceitos nos outros países europeus. Consegui o estágio na especialidade que eu precisava para ter o título da especialidade em Gent, na Bélgica, um lugar lindo onde conheci muita gente bacana. Inesquecível.
A partir daí foi para mim um período muito bom, meus filhos grandes, um trabalho perto de casa, finalmente uma vida tranquila, e por fim uma aposentadoria. Sempre mantendo muito contato com meus amigos brasileiros, nunca consegui fazer muitos amigos holandeses, de alguma forma somos muito diferentes.
Hoje em dia moro na Holanda com prazer e tenho também uma casa na praia em Portugal, vou ao Brasil frequentemente porque quero ver minha mãe, senão não sei nem se iria.
Portugal virou o meu Brasil, lá está cheio de brasileiros simpáticos e amigáveis.
Autora: Evelise Souza Aragão, nascida em 1957, viveu no Rio de Janeiro de 1960 a 1993. Formada oftalmologista no Rio de Janeiro, em 1987, mudou-se para Holanda em 1993. Vive atualmente entre Rotterdam, Holanda e Olhão, Portugal.
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