Ponto de Cultura
Depoimento de Antonio da Conceição
Entrevistado por Maria Raccioppi e Patricia Fonseca
São Paulo, 25/10/2007
Realização: Museu da Pessoa
PC_MA_HV078
Revisado por: Fernanda Regina
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – O meu pai é Antônio Julião Pereira, o nome da minha mãe Vicência Maria da Conceição.
P/1 – E dos seus avós, o senhor lembra?
R – O meu avô é o seguinte, eu só conheci o avô por parte de mãe, por parte de pai eu não consegui alcançar mais, já tinha muitos anos que tinha morrido, eu não alcancei, agora, meu avô chamava Francisco.
P/1 – E a atividade dos seus pais, do seu pai e da sua mãe?
R – Minha mãe era dona de casa e meu pai era ferramenteiro.
P/1 – E a origem da sua família, a sua família toda é da Bahia ou vieram de outros lugares?
R – Toda. A mãe do meu pai era índia legítima, ela foi pega com cerca de oito anos, por aí, por um cachorro, eles caçando e o cachorro acuou, chama acuar, quando o cachorro corre atrás, daí quando o menino encosta o animal, o bicho encosta em qualquer parede, em qualquer árvore ou numa pedra, aí o cachorro fica de longe, ele não ataca. O cachorro de caça não ataca, ele só fica, não deixa aquilo sair, mas também não ataca, ele só fica daqui, só latindo, latindo e isso chama acuar. Pegou essa menina, aí viram o cachorro acuado e ainda bem que eles deram sorte que o pai da menina, os índios naquela época, quase mais de cem anos atrás... A pegaram, levaram, roubaram do mato. A levaram na raça, precisou de dois homens pra segurar a menina com cerca de oito anos, dizem que índio é muito forte, eu não sabia. A levaram e trataram, deu muito trabalho pra ela acostumar, pra comer o sal, porque começou... A mãe do meu pai, ela era índia legítima, a minha avó. Agora, o meu pai não, o meu pai era nascido na Bahia mesmo, ali na cidade, chama-se homem branco, agora, a minha mãe não, a minha mãe era filha de negra da costa, lá chama...
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Depoimento de Antonio da Conceição
Entrevistado por Maria Raccioppi e Patricia Fonseca
São Paulo, 25/10/2007
Realização: Museu da Pessoa
PC_MA_HV078
Revisado por: Fernanda Regina
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – O meu pai é Antônio Julião Pereira, o nome da minha mãe Vicência Maria da Conceição.
P/1 – E dos seus avós, o senhor lembra?
R – O meu avô é o seguinte, eu só conheci o avô por parte de mãe, por parte de pai eu não consegui alcançar mais, já tinha muitos anos que tinha morrido, eu não alcancei, agora, meu avô chamava Francisco.
P/1 – E a atividade dos seus pais, do seu pai e da sua mãe?
R – Minha mãe era dona de casa e meu pai era ferramenteiro.
P/1 – E a origem da sua família, a sua família toda é da Bahia ou vieram de outros lugares?
R – Toda. A mãe do meu pai era índia legítima, ela foi pega com cerca de oito anos, por aí, por um cachorro, eles caçando e o cachorro acuou, chama acuar, quando o cachorro corre atrás, daí quando o menino encosta o animal, o bicho encosta em qualquer parede, em qualquer árvore ou numa pedra, aí o cachorro fica de longe, ele não ataca. O cachorro de caça não ataca, ele só fica, não deixa aquilo sair, mas também não ataca, ele só fica daqui, só latindo, latindo e isso chama acuar. Pegou essa menina, aí viram o cachorro acuado e ainda bem que eles deram sorte que o pai da menina, os índios naquela época, quase mais de cem anos atrás... A pegaram, levaram, roubaram do mato. A levaram na raça, precisou de dois homens pra segurar a menina com cerca de oito anos, dizem que índio é muito forte, eu não sabia. A levaram e trataram, deu muito trabalho pra ela acostumar, pra comer o sal, porque começou... A mãe do meu pai, ela era índia legítima, a minha avó. Agora, o meu pai não, o meu pai era nascido na Bahia mesmo, ali na cidade, chama-se homem branco, agora, a minha mãe não, a minha mãe era filha de negra da costa, lá chama nega da costa, aqui, o público aqui na cidade chama africano, né? Então a minha avó, a mãe da minha mãe era uma negra bem preta, bem feia, do queixo bem comprido, já a minha mãe não, a minha mãe era bonita igual a mim (risos).
P/1 – O senhor tem irmãos, quantos são?
R – Eu tenho uma irmã que chama Jovelina e eu não sei se ainda está viva, porque quando eu saí de lá em 72, eu fui à casa dela e ela estava viva, depois eu saí da cidade em 73 e não tive mais notícia. E meus irmãos, um casal, tinha cerca de cinco a sete anos, por aí, eu não me lembro muito bem quantos anos certinhos ela tinha quando nós nos separamos, porque quando meus pais morreram a história se complica. Minha mãe morreu de parto, ela sabia a data, avisou a hora que ia morrer, avisou antes, uns oito meses. Uns nove meses antes ela já falava pra todas as amigas, porque a nossa criação é uma criação muito educada, tá? Então o povo naquela época, respeitava os pais, seja que idade for, não importa a idade que ele tem, é pai e ele respeita, então eu tenho isso até hoje, tanto que eu tenho cinco filhos e os meus filhos eu não aceito que sejam mal educados, ruins e tal, porque é a educação da gente. Então minha mãe, quando conversava com as amigas avisava para as amigas, juntava com as mulheres, e não me deixava ir quando ela ia, aonde ela ia, ela me levava, porque o meu pai era muito branco, mais branco do que você e o cabelo bem preto e bem liso. Só que a minha mãe o cabelo era assim, igual o meu, porque o pai dela, o meu avô, também era branco, cabelo bonito, ela saiu meio mestiça, o cabelo meio... Chama-se cabelo loiro, não, é ondulado. Assim, aí chama-se Cabo Verde, Cabo Verde lá chama quando o cabelo da pessoa preta é cheio de onda assim. A minha mãe era desse tipo, eu saí a ela, e os meus irmãos todos eram muito brancos, brancos iguais o meu pai, meus irmãos, o único preto de 16, minha mãe falava, que eu não alcancei todos. Minha mãe falava que o único preto era eu, que saí igual ela, pois ela era da minha cor, então diz que é a mesma foto, diz que é tirada a foto minha, da minha mãe, a minha mãe e eu, né? Então minha mãe me levava pra tudo quanto era lugar, quando ia conversar com as pessoas, com as mulheres, a gente não podia ficar escutando, mas eu, curioso, sabe como é que é menino, né? Ela me soltava e eu curioso, estava brincando lá mais os outros e estava escutando, mas eu estava mais no sentido [prestava mais atenção] da minha mãe, no que ela falava, do que o que eu estava fazendo mais os meninos. Aí ela falava pras colegas: “Olha, fulana”, conversava com a Maria que tinha lá, e falava: “Ó, Maria”, chamava Maria também: “Ó, Maria, desse menino eu não vou escapar”, aí: “Mas com quantos meses você tá?”, eu me lembro que ela dizia: “Estou com um mês de grávida”, “Mas como? Você tá louca, Vicência?”, aí ela dizia: “Não, é verdade, eu não vou escapar desse menino”. Aí quando vai passando ela ia contando, quando foi, veja bem, isso é pra chegar ao meu início do meu sofrimento, do meu viver no mundo, o dia dela ganhar nenê, ela já tinha comido as galinhas que criava quase todas. Aí ela disse: “Ó, Antônio”, que era o nome do meu pai: “Ó, Antônio, você vai na casa do vizinho lá, do meu compadre e pede pra ele uma galinha, fala que eu mandei pedir uma galinha pra mim, só que tem uma coisa, vocês vão cuidar da galinha, tratar, cuidar, tratar da galinha que vocês vão comer, eu não vou comer da galinha”. Aí o meu pai: “Ah, Vicência, você deixa de”, “vai logo, vai rápido”, aí o sol estava se pondo, sol quente, tempo do sol quente, era em setembro, eu me lembro que era 29 de setembro de 50 e, parece que 51, por aí, eu estava com nove anos, 51. Nós fomos eu e o meu pai, ela disse: “Vai mais o”, ela me chamava de Toca porque eu era pequenininho, preto e pequenininho, aí chamava de Toco, porque toco na roça é preto porque queima. São umas coisinhas que marcam na vida da gente, então toco é preto porque queima, fica preto, então como eu era preto e baixinho aí minha mãe me chamava de Toca, Toco, Toca, aí disse: “Vai mais o Toca”, aí eu fui. Quando chegou o meu pai pediu a galinha e ele respondeu: “Ó, pega ali, pega no quintal”, cercaram e pegaram aquela galinha, foi uma festa pra pegar aquela galinha, ela deu um trabalho pra pegar, minha filha, conseguimos e trouxemos. Quando chegou lá em casa ela falou: “Ó, Antônio, você trata a galinha”, nessas alturas já ia escurecendo, quando nós saímos ela disse: “Vai rápido senão quando você chegar aqui e não me encontra mais”, meu pai saiu, porque o meu pai fazia tudo o que a minha mãe mandava. É o seguinte, lá no interior quando a mulher é mulher de raça mesmo, o marido respeita, não é como as mulheres que tem aqui em São Paulo, não, é verdade, lá a minha mãe falava, o homem respeitava. O meu pai foi rápido, quando chegou lá, trouxemos a galinha, já estava mais ou menos uns... Já escurecendo, meu tratou aquela galinha, aí quando foi, escureceu, ela disse: “Ó, Antônio, daqui a pouco eu vou ganhar o nenê”, ela, aí: “Daqui a pouco vou ganhar nenê, você põe os meninos todos na sala”. Aí a gente que não obedece pra você ver, a gente obedecia, uma ordem dos nossos pais era tudo, era uma lei, dá mais ou menos umas oito horas, ela entrou no quarto e disse: “Antônio, se arruma que eu vou ganhar nenê agora”, ela saiu, entrou no quarto, quando entrou no quarto ela ganhou o nenê. Meu pai falou pra ela: “Olha, Vicência, agora eu vou esquentar a água pra lavar você”, aí ela disse: “Não, não precisa esquentar água pra mim, eu não vou esperar”, aí meu pai disse: “Ah, Vicência, deixa de confusão, deixa de bestagem”. Meu pai foi pro fogão, o fogão a lenha, aí fazenda lá, fazendão, que o pessoal lá é muito... Muita propriedade, muito cacau, terra do cacau, né? Aí ela foi, o meu pai foi e esquentou, quando estava esquentando a água ela disse: “Louvado seja o nosso Senhor Jesus Cristo” e não eram crente, nem conhecia, nem sabia o que era crente, nem nada, meu pai disse: “Vicência, não é hora de louvar ainda”, aí ela disse: “Pra mim já é”. Quando ela disse isso, aí ela deu um grito: “Ai”, e gritou: “Ai”, aquele grito muito alto, do pulmão dela, e foi baixando a voz, aí foi baixando a voz, meu pai correu, quando chegou lá disse: “Vicência morreu”, aí logo quem, eu, eu e a minha irmã.
P/1 – O senhor estava presente lá no quarto?
R – Eu estava no quarto [na sala], mas no quarto escuta tudo, que a parede é assim, escuta, né? A gente já entrou em desespero, eu e a minha irmã, os outros não foram tanto, mas tinha uma irmã por nome, ó o nome da menina, Valdeci Aureliana Plácida, o nome da minha irmã, eu e minha irmã, acabou tudo, estragou. Bom, então eu sei que nessa aí, quando morre uma pessoa lá no interior ,não é como aqui, lá fica três dias dentro de casa, porque não tem IML, então eu sei que foi triste pra mim. Minha irmã, essa que mencionei, morreu de tristeza.
P/1 – O senhor tinha quantos anos?
R – Eu já estava com nove anos e uns dias, eu nasci dia 13 de junho, minha mãe morreu em setembro, então eu estava com nove anos e uns dias. Ficou o meu pai, fiquei com o meu pai, pediram a gente, aí ele disse: “Não, eu não vou dar os meus filhos, eu não dou nenhum”, eu sei que eu fui criado por... Fiquei um ano e seis meses certinho que a minha mãe morreu, aí o meu pai morreu. Fiquei com o meu avô, o pai da minha mãe, aí a minha avó muito ruim, eu mijava na cama, isso me marcou muito, mas todo dia, minha avó era muito ruim, a negona, mãe da minha mãe, a minha avó era muito ruim porque todo dia me dava uma surra. Todo dia eu apanhava, eu tentava, aí eu dormia num lugar assim, tipo uma beliche, quando eu acordava estava a roupa, estava todinho molhado, eu tentava, enxugar, mas que jeito? Aí, minha filha, uma surra, aquela velha era ruim, a mãe da minha mãe, nossa, aí aquilo me marcava muito, eu ficava muito...
P/1 – Os seus irmãos foram junto também morar com a sua avó?
R – Não, assim que o meu pai morreu, aí chegava gente pra pedir, nós ficamos em quatro só, porque dois já tinha morrido antes, depois que os meus pais morreram também, nós ficamos só em quatro. Os menores a turma levava, meu tio pediu, minha avó deu e eu, como era maior, ninguém queria, os filhos quando são grandes lá, de nove, dez anos em diante, eles dizem que não conseguem, pra educar dá trabalho, então eles não querem, eu fiquei com o meu avô mais a minha avó.
P/1 – Era lá na mesma cidade?
R – Não, que cidade, filha, a roça, são uns oito... Lá chama... Uma légua é seis quilômetros, são oito léguas pra chegar à cidade, que são oito vezes seis, 48, dá 48 quilômetros por dentro do mato, só vai gente a pé e a burro, não anda nem bicicleta porque não tem jeito, é caminho dentro do mato pra chegar à fazenda lá, na roça. Eu nasci na roça, eu andei, você quer saber? Nós andávamos lá, quando teve uma seca, que nós andamos, eu tenho isso marcado hoje até hoje, tanto que quando eu vejo, eu não aguento ver uma pessoa com fome, eu quero dividir o que eu tenho com ele, com ela, seja quem for, porque eu sei, eu passei fome, a gente andava na roça, roças e mais roças de cacau. Lá tem roças de cacau que você anda o dia todo dentro da roça de cacau, só fazenda de cacau, a gente andava, que tem bananeira, entende, e a gente andava atrás de achar banana verde pra comer, porque não tinha nada. Se você plantasse mandioca não dava, o que você plantava... Mandioca você tem que roçar e ficar no descoberto pra plantar e a gente planta, o sol mata porque seca, a terra vira pó, não dá nada. Como o cacau é árvore debaixo da sombra, cacau não dá descoberto, tem que ter sombra a árvore, então tem roça de banana, tem plantio de banana, a gente andava atrás de achar cacho de banana verde pra cozinhar com casca pra depois comer, aquilo lá aperta, é ruim o gosto, mas a gente tinha que comer aquilo.
P/1 – Isso o senhor viveu lá na casa dos seus avós?
R – É, aí nós...
P/1 – O senhor já tinha quantos anos nessa época?
R – Nessas alturas aí eu já estava com nove mais um ano e meio, dez, nove e pouco, já estava com quase com 11. Aí o meu avô, minha avó... O meu avô morreu, mataram o meu avô de feitiço, porque o camarada queria casar com a filha dele, como o cara não tinha procedimento, porque lá quem não tem um bom procedimento não casa com a filha de ninguém, pois os pais não querem, ou o cara tem honra, caráter, é trabalhador e é de boa família, pra poder casar com uma, exemplo, essa menina é tua filha, aí chega ele, quer casar ou eu quero casar, você vai pesquisar o meu procedimento. Se eu sou preguiçoso, não gosto de trabalhar, já é avisada ela: “Você não vai casar com esse cara, com esses dois caras, com esse cara não, e namorar com ele de jeito nenhum”, então é assim.
P/1 – Então mataram o seu avô.
R – É, o meu avô não queria que o cara casasse, aí ele jurou de matar o meu avô, aí mandou a Mãe Menininha, que já morreu tem mais de 20 anos, fazer um feitiço pra matar o meu avô. Meu avô comeu, aí colocaram na comida, ele foi num lugar visitar e aí eu sei que puseram, esse cara trouxe uma comida pro meu avô e meu avô comeu aquilo ali. Estava contaminado e aí caiu doente, meu avô levou um ano certinho pra morrer, sofrendo. Ele era muito bom pra mim, enquanto ele estava vivo eu tinha paz, quando ele morreu, minha filha, começou o meu sofrimento, todo dia eu tomava uma surra, todo dia. Aí graças a Deus minha avó saiu, que tinha o meu primo, que tem uma fazenda muito grande, porque os meus pais falavam pra ele: “Venâncio”, ele era menor de idade: “Quando você tomar posse do seu terreno, da sua fazenda, se eu morrer você toma conta do meu filho, não deixa o Antônio com ninguém” e meu primo honrou isso. Quando o meu avô morreu, aí ficou um ano mais, o meu primo já tinha 17 anos, aí com 18 completou a maioridade, tomou conta da fazenda e eu fiquei com o meu primo. A minha avó, nossa, começava a judiar, graças a Deus que ela saiu, foi para casa da mãe dela e lá ela ficou e eu fiquei mais meu primo. Aí o meu primo pegou uma menina da minha idade, eu nasci seis horas da manhã, ela nasceu meio dia em ponto, aí sabe como é que é, a mulher cresce, desenvolvem, os homens lá na roça ficam raquíticos e eu sei que aquela menina desenvolveu e meu primo pegou aquela menina e casou, casou não, roubou, chama roubar, tirou de casa, pegou e levou. E aquela menina, como era um mulherão e eu pequeno, continuava raquítico, ela começou a me bater muito, me judiar, querer me judiar, aí eu corria. Cinco horas da manhã eu tinha que estar no campo, na manga mesmo, alto, capim alto com quatro, três metros de altura, eu tinha que estar ali dentro procurando burros, os animais lá, que o meu primo tinha, 40 e poucos burros, então era eu quem vaquejava tudo, colocava na porta pra estourar, né? Eu fugi, eu tive que fugir, sem contar que antes, quando meu avô morreu, meu tio, irmão da minha mãe, por nome Daniel, queria que eu fosse morar com o curador e eu não queria, eu não gostava de curador, tive que ir, ai fui morar com aquele curador.
P/1 – Você morou também com o curador, quanto tempo?
R – Eu morei cerca de uns seis meses a pulso, eu fugi da casa do curador porque eu não queria, ele era ruim pra danar, me batia, judiava, queria que eu fizesse tudo pra ele e ele, nossa, a mulher dele é um amor de gente, mas ele era ruim feito um troço, eu fugi, meu tio me pegou, menina, me deu uma surra, me deu uma surra.
P/1 – Aí o senhor ficou morando com o seu tio?
R – Na raça, fiquei morando com o meu tio na raça, e agora? Eu estava com o tio, meu tio era tão ruim, o irmão da minha mãe, ele era tão ruim, por nome Daniel, que ele não falava com os filhos duas vezes, com ninguém, só rosnava, aí se ele mandava o filho fazer uma coisa se escutou, escutou, se não escutou na outra vez era porrada, pancada. Eu tinha um medo, a minha vida foi completamente cheia de problema, cheia de problema.
P/1 – Aí o senhor decidiu fugir?
R – Eu fugi, fui pra casa de outra pessoa, um vizinho longe assim, cerca de uma meia hora de pé por dentro do mato, mas quando eu fugi eu dei uma bobeira, sei lá, fui muito lerdo e meu tio olhou dentro de casa, não me viu, um pouquinho que ele facilitou eu sumi. Ele foi atrás de mim com a espingarda e um cipó verdadeiro, que vocês não conhecem, ele é mais grosso do que esse fio, é assim, mais ou menos dessa grossura aí, ó, e com um nó. Ele foi com aquele cipó atrás de mim e uma espingarda, aí atira, não atira, atira, não atira, ele conseguiu me pegar e eu corri e, nossa, foi um sufoco na minha vida, aquilo marca, tudo, eu não me esqueço de certas coisas, só que eu não sou aquele cara triste, você já viu que eu não sou triste, né?
P/1 – Graças a Deus.
R – É, eu não tenho ódio de ninguém, não guardo mágoa de ninguém. Eu sei que ele me trouxe, quando chegou em casa ele me pegou mesmo, eu passei 15 dias na água de sal, com água, todo dia eu tomava um banho de água de sal porque cortou as costas todinha daquele cipó, aí eu fiquei... Então meu primo chegou, o dono da fazenda, meu tio morava com ele ali na fazenda, numa casa ali, meu primo me pôs dentro da casa junto com ele, aí passei melhor. Mas quando ele saía, a mulher dele, que era da minha idade, no mesmo dia que eu nasci, eu não conformava que ela quisesse me bater, eu fugi, eu saía, confundia, eu falei pra ela, disse... Eu tinha uma irmã já mãe, que essa irmã também é outra história, que ela foi muito mal educada com a minha mãe, e a minha mãe tinha uma palavra, quando ela dizia isso é isso e acabou, não tinha dois tempos. Ela começou a namorar um rapaz e o rapaz, que nem eu falei pra você antes, que mulher, as filhas não namoravam quem não tinha caráter, ela gostou de um cara lá que o cara era preguiçoso, aí ela [a mãe] disse para o cara não namora-la e ela não namora-lo, mas ela continuou. Minha mãe chamou a atenção dela de novo, aí ela namorou, então a minha mãe chegou e disse: “Olha, se você continuar namorando esse rapaz você vai sumir da minha frente, eu não quero te ver nunca mais”, aí a minha irmã namorou o cara e sumiu mesmo, eu sei que quando ela soube que a minha mãe tinha morrido, já fazia um ano, ela soube pela boca de alguém. Eu me lembrei dessa irmã, eu morava junto com o meu primo, aí eu falei pra mulher do meu primo... Meu primo saiu, foi pra cidade, que levava dois dias quando ia pra cidade, levava 20, 30 burros carregado de cacau. Ela foi pra cidade, ele foi pra cidade e não voltou com um dia, demorou um dia, dois dias, não voltou, porque demora mesmo lá, carregar os animais, vender o cacau, fazer compra, trazer pra fazenda, pra despensa, então demora, aí eu disse: “Vou fugir”. A minha vida era fugir, filha, eu só sofria, a minha vida era fugir, eu não queria, eu não pensava duas vezes.
P/1 – Naquela época você não estudava, não tinha escola, nada?
R – Estudar de que jeito, filha? Eu só sabia apanhar, não tinha escola dentro da roça, não tinha escola naquela época, nada, nada, só tinha inchada e facão pra eu trabalhar, é só inchada e facão.
P/1 – O senhor não brincava com os amigos?
R – Que jeito, filha? Brincar com quem? Depois que os meus pais morreram, minha brincadeira era facão, roça e facão, eu saía cinco horas e ia pra roça roçar, abria a roça pra plantar cacau, pra plantar cravo, pra plantar café, pra fazer isso, cinco horas da manhã eu estava na roça. A cobra me mordeu na testa, você quer saber, uma cobra me mordeu na testa, aí eu vim pra casa, quando cheguei em casa aí eu tive que dar uma de... Porque é o seguinte, a gente lá era curado de cobra, lá a gente se cura de cobra, sabe? É fácil curar da cobra, aí a cobra te morde, você não tem nada, parece uma brincadeira, mas é verdade, lá na roça é o seguinte, você mata uma cobra, você pega uma cobra, tem cobra nos interiores dos matos, então uma cobra venenosa, você pega e mata, aí você mete no rabo da cobra assim, três dedos, quatro dedos aqui, você mede aqui e corta. Você pega a cobra, corta na cabeça, leva pra casa e torra, torra aquela cabeça e mói, faz um pó e bebe com água morna, você está ingerindo o veneno da cobra dentro de você, então se alguma cobra te morde, você não tem nada. Cobra venenosa, eu era curado de cobra, então ela me mordeu, só me deu uma dorzinha de cabeça, me mordeu na testa e eu fiquei em casa dando uma que estava doente pra não ir sofrer tanto.
P/1 – Que cobra que foi?
R – Era surucucu uricana ou pinta de ouro, é uma cobra verdinha, ela é bem, ela é desse tamanhinho aqui, mas é super venenosa, ela morde as pessoas e ela mata em menos de 24 horas, a pessoa morre botando sangue, inchado, sabe? Ela me mordeu na testa, aí eu passei a mão, eu senti, porque ela é uma cobra que não fica no chão, ela é igual caninana, ela só [fica] nas árvores, nos galhos, ela “arrodia” em cima do galho aqui e põe a cabeça em cima, conforme vai passando algum bicho ou alguma pessoa ela fica em volta. Aí ela me mordeu na testa, eu passei a mão, vi arder, aquela fervurinha que é o veneno correndo, aquela fervurazinha, vi ferver, aí eu peguei, saí, nem olhei o que era, pus a mão, saiu um pouquinho de sangue, quando cheguei em casa falei, aí disseram: “Ah, foi cobra”, aí olharam, viram a picada na...
P/1 – Mas o senhor já tinha tomado o remédio lá?
R – Não, a gente toma direto lá, se você acha uma cobra, a primeira coisa que faz é isso, por causa do veneno, porque ela mata, tem cobra venenosa, tem cobra que, que nem surucucu uricana, caiçaca, rabo de fogo, ela é, a caiçaca é desse tamanhinho assim, tem cerca de 20 centímetros, mais fina, muito mais fina do que... Ela é da grossura, mais fina do que esse fio aí, só que tem uma coisa, ela mata em menos de 12 horas, mordeu, o veneno é imediato, vai pro coração rápido.
P/1 – E depois disso tudo o senhor ficou ainda lá na roça, depois que o seu primo foi lá na cidade?
R – Não, meu primo foi pra cidade, então, desculpa, eu não terminei. Meu primo foi pra cidade e eu não, eu estava em casa mais a mulher dele, ela pôs um osso na minha frente, foi comer uma carne, a gente foi comer e ela pôs um osso na minha boca, queria que eu comesse aquele osso, fechou a minha boca assim, saiu sangue. Nossa! Eu corri atrás dela e aqui, ali, aí pronto, “quando o meu primo chegar ele vai me matar, aí se ele chegar hoje bem, se ele não chegar amanhã cedo eu sumo daqui”. Foi quando eu fugi, de manhã eu falei pra ela... De noite eu falei: “Amanhã de manhã quando você acordar que eu não tiver aqui, se der oito horas, por aí, o sol sair e eu não ter chegado, espera que eu estou no campo procurando no pasto, na manga, procurando os burros”, mentira, aí: “Ah, tudo bem”. Antes do sol nascer, cinco [da manhã], estava escuro, eu tinha medo de onça porque lá tem muita onça, muito bicho feroz no mato, mas eu pegava um facão, não queria nem saber, eu saí, tudo escuro e eu fugi.
P/1 – O senhor foi parar aonde?
R – Fui atrás da minha irmã, sem nem saber por onde ela morava, nem saber por onde ela andava, porque a minha mãe falou pra ela, eu contei, né, do namorado que ela fugiu, ela saiu. Aí eu fui atrás, em busca da minha irmã, sem saber se estava viva, se nada, e saí. Então quando eu via trupe, porque você dentro do mato você escuta os animais, a zuada dos pés dos animais no mato andando, quando eu escutava eu entrava no mato, eu caía no mato pra ninguém me ver, conforme o pessoal passava eu saía no caminho e viajava. Às vezes eu confundia o caminho, se eu estava voltando ou indo, aí eu olhava o rastro de quem passou agora, o rastro tá pra lá, eu ia pra lá, era pra onde eu ia, até conseguir, eu sei que eu saí antes do sol nascer, era muito escuro, estava escuro ainda, eu acredito que umas cinco e pouco, eu não sei da hora, mas era. Aí quando eu cheguei eu me lembro, nunca esqueço, quando eu cheguei na... Passei um rio muito grande, nossa, eu tinha medo.
P/1 – O senhor não sabia onde ela morava, o senhor foi andando?
R – Não, eu não sabia, eu fui andando no mundo, sem saber, por dentro do mato, aí na frente eu encontrei, quando eu... Faltava mais ou menos meio dia, aí eu encontrei um monte de gente que vinha. Me escondi, porque eu pensava que era o meu primo, que se eu encontro o meu primo, naquela distância, aí eu ia apanhar muito, e quando eu chegasse lá também ia apanhar de novo, porque a mulher dele ia falar que eu estava correndo atrás dela e ela ia falar o que eu fiz, o que ela fez comigo e não ia dizer porque que eu tinha corrido atrás dela. Eu sei que os pobres aqui sofrem mais, você sabe que pobre é quem sofre mais, então eles acreditavam mais no mais velho e eu entrava, aí eu sofria mais ainda, eu já estava cansado de tanto sofrer, aí eu...
P/1 – O senhor chegou a encontrar a sua irmã?
R – É, eu vou chegar aí, rápido eu chego, não estou tomando tempo, não, né?
P/1– Não.
R – Aí então eu encontrei aquele pessoal que passou por mim, quando ele passou por mim, eu vi que não era meu primo, aí eu disse: “Ah, vou perguntar”, sai rápido de dentro do mato e perguntei: “Meu senhor, meu senhor”, porque lá tinha o costume, os meninos tinham que respeitar os mais velhos, aí eu: “Benção”, aí: “Deus abençoe”, aí ele disse: “Pra onde você vai, meu filho?”. Eu estava indo e ele vinha, eu falei: “Não, eu estou indo pra lá”, aí: “E aquela zuada?”, aquela zuada de uma cachoeira muito grande assim, ele disse: “É um rio que tem uma cachoeira, aí você vai passar aquela cachoeira”, aí eu disse: “E o senhor conhece Jovelina Maria da Conceição, tal, aí que mora com o tal”, eu sabia o nome, não esquecia, eu tinha uma memória que, nossa, até hoje graças a Deus eu ainda tenho. Aí veja bem, ele disse: “Eu sei, eu conheço, eu vim de lá agora”, aí eu disse: “Ah”, quando ele disse assim, menina, ele disse: “O que ela é sua?”, eu respondi: “É minha irmã”, “É sua irmã?”. Eu disse: “É”, “Mas o que você vai fazer agora, meu filho, por esse caminho sozinho?”, eu disse: “Eu vou para casa, eu vou atrás da minha irmã”. Aí ele disse: “Olha, você faz o seguinte, você vai aqui, vai direto, não entra em ligar nenhum, chega à frente, tem o rio, você vai andando, essa zuada vai aumentando, que é a cachoeira”, eu tinha um medo de cachoeira, a gente passa cada coisa que você não faz nem ideia do que o ser humano passa na vida, certas pessoas, e eu tinha um medo e aquela água, minha filha, quanto mais eu chegava, mais a zuada da água me fazia tremer, cachoeira entende, nas pedras. Ai, eu disse: “Eu vou ter que passar ali sozinho e aquele rio vai me levar” e aí, olha, cada coisa que marca, fica na mente da gente, que não consegue, nem que você queira, tirar da mente. Aí eu sei que eu passei, cheguei na frente, encontrei uma pessoa, perguntei, e ele disse: “Ó, você vai aqui, tem um rio, você vai ver uma água suja, aí eles tão ralando mandioca, eles tão na casa de farinha, tem uma entradinha assim, tem uns pés de cacau, debaixo daqueles pés de cacau você entra, a casa de farinha tá na frente”. Eu cheguei lá na casa de farinha, minha irmã estava na casa de farinha fazendo farinha e tal, já estava com 15 dias fazendo farinha pra vender. Eu cheguei lá, choraram muito, eu me lembro como coisa que fosse hoje, cheguei faltando dez minutos pras duas da tarde, não esqueci esse horário, olharam no colégio, dez pras duas da tarde. A minha irmã já me deu comida, me deu sardinha, eu me lembro que ela me deu sardinha, são coisas que vão marcando, aí me deu sardinha, eu comi e fiquei na casa de farinha mais ela. Mas minha irmã dava uns espírito, eu não sabia, minha irmã frequentava candomblé, eu detesto candomblé, aí minha irmã dava uns espírito e aqueles espíritos corriam atrás de mim pra me pegar, eu corria. Tinha um pé de coquilho, que vocês não sabem o que é, é uma árvore que dá uns frutos gostosos, a casca, você raspa ele, a canela da árvore, você raspa, sai um pó, aquele pó você põe no carvão, no fogo, aí ele sobe uma fumaça, exatamente é um incenso, o perfume exato, chama, coquilho e ele dá um fruto gostoso, umas castanhas, a gente come ela verde. E aquele pé de coquilho é meio crespo, nossa, eu era um macaco pra subir, minha filha, em zero segundo eu estava lá em cima, aí minha irmã corria atrás de mim com aqueles caboclos, aqueles espíritos pra me pegar e eu subia naquele pé de coquilho, lá em cima eu ficava até, ele dá umas galhas assim, certinha, ele cresce pra cima e aqui ele dá umas galha assim ao redor, não é que dá galha, tudo ao redor assim, em cacho, aí eu subia, chegava lá, deitava, ficava lá em cima sossegado.
P/1 – Quanto tempo o senhor ficou com a sua irmã?
R – Ah, fiquei um ano e meio mais minha irmã e aí o ano tá passando, eu estou crescendo, comecei crescer, aí eu disse: “Eu vou começar, vou trabalhar pra mim”, aí comecei fugir, fugi da casa da minha irmã e fui atrás de serviço, aí eu chegava...
P/1 – Com quantos anos?
R – Ah, aí eu já estava mais ou menos cerca de quê? Uns 12, 13 anos, por aí, já estava com uns 13 anos, que eu passei, eu fiquei com nove anos, minha mãe, um ano e meio, minha mãe morreu, vai somando aí que eu sou meio...
P/1 – Com nove anos?
R – Minha mãe morreu, com um ano e meio meu pai morreu, com mais seis meses que o meu pai morreu, meu avô morreu, eu lembro bem, aí eu fiquei mais cerca de uns seis meses mais meu primo, aí fugi, dá pra somar aí? Eu fiquei mais minha irmã mais um ano e meio, eu me lembro bem que foi um ano e meio, aí meu cunhado morreu, o marido dela, aí morreu, que ela deixou esse cara que ela namorou e pegou um outro, um cara bom, trabalhador, tal, e esse cara morreu. Aí eu fiquei, aí ela pegou um outro cara e eu sumi, eu saí atrás de trabalho, até que eu cheguei na cidade, consegui, mas cheguei na cidade depois de um ano, um ano e meio com a minha irmã, depois andei mais um ano pelo mundo, ali dentro dos mato, pedindo morada, morada não, trabalho. Aí os caras me davam morada, quando eles começavam a querer me explorar eu saía, ia pra outro lugar: “Benção”, aí perguntava pra mulher, ela perguntava a minha vida, eu contava, aí ela dizia: “Ah, meu filho, espera aí”, que eu pedia serviço: “A senhora não tem uma roça de mandioca pra eu trabalhar, pra eu comer, aí, pra eu viver?”. Aí ela dizia e começava a perguntar meu estado, eu contava, aí ela dizia: “Espera aí, quando o meu marido chegar, ele vai chegar tal hora, ele vem almoçar, aí eu falo pra ele”, aí chegava, ela falava, o marido dizia: “Deixa ele aí mais a gente”, aí: “Você vai pra roça mais eu, você gosta de roça?”, “Gosto”, eu tinha que gostar, não tinha outra coisa, só sabia trabalhar na roça, aí: “Eu gosto”, aí eu ia trabalhar na roça. Eu fui pra roça mais ele, quando eles começavam a explorar de mim...
P/1 – Aí o senhor saía fora?
R – Fugia, deixava só a roupa, só saia com a roupa do corpo e não levava nada de ninguém, eu vim com a aquela roupa, se ele me deu duas, três roupas eu deixava, pegava o meu facãozinho e a minha roupa do corpo e saía só com ela, eu não levava nada de ninguém, certo? Nunca gostei de nada dos outros, eu aprendi não gostar de nada dos outros, detesto o que é dos outros.
P/1 – Aí o senhor foi pra cidade.
R – Aí eu fui pra cidade, quando eu cheguei à cidade, perguntei na cidade, saí numa cidade por nome de Ituberá, aí pode ver que minha identidade tá escrito Ituberá, Bahia, é uma cidade a 22 quilômetros de Camamu, eu saí, consegui sair naquela cidade lá. Perguntei pra alguém se tinha serviço por ali, se podia arrumar serviço pra eu comer, meu negócio era comer, porque eu não tinha... Eu não pedia, não sei pedir nada pra ninguém, aí eu pedia trabalho pra eu ganhar pra eu comer. Aí disseram: “Tem uma serraria que tem um homem que ele, o dono da serraria dá trabalho pra menino”, eu era tão grande que esses carrinhos de mão que a turma carrega no concreto aí, carrinho de mão, se eu o pegava, o pé arrastava no chão, eu não carregava aquele carrinho, quando eu cheguei à cidade, era velho, mas pequeno, então o pé arrastava no chão, de tão grande que eu era, você faz ideia. Uma hora que vocês pegam um carrinho desse, uma “carrinholinha” dessa de uma roda só, que a turma tá fazendo concreto, você o pega e arrasta o pé, deixa o pé encostar bem no chão pra ver qual altura que você vai ficar, era o tamanho que eu era quando eu cheguei na cidade. Eu não servia pra trabalhar naquele carrinho, carregar pó, então ele me deu outro serviço, carregar madeira, arrumar, repor, e eu fiquei ali, eu fui criado, ali eu fiquei com ele, quando eu estava com um ano ele me levou pra casa dele. Nossa, aí começou a melhorar minha barra, eu já estava trabalhando ali, eu ganhava e ele disse: “Ó, você dorme aqui, faz um sótão, um girau”, aí eu fiz um girau [cama feita de cipós] na serraria e ali eu dormia e trabalhava.
P/1 – O que é girau?
R – Isso, girau é o seguinte, você pega madeira, seja qualquer madeira, seja roliça ou resto da serraria, ripões, que chama sarrafo e põe lá em cima, faz igual a isso aqui, tá? Só que faz uma partezinha assim, só onde você dormir, lá em cima, e aí você pega uma escada, sobe e dorme.
P/1 – Um mezanino, né?
R – Isso, como que é?
P/1 – Mezanino.
R – É, sei lá, lá a gente chama de girau. A língua baiana, a língua do nordeste. Eu dormia ali, com um ano eu caí doente, tive uma febre, e como eu era muito bom, muito legal, muito amigo, muito educado e trabalhador, o dono na serraria, rico... Eu não conhecia a casa dele, morava na cidade, rico, a família, eu tenho orgulho de dizer pra vocês que as coisas começaram a melhorar um pouco. Tenho orgulho de dizer que morei na casa da família mais bonita daquela cidade, e estava sendo criado com eles, mas diz que o futuro do pobre é o azar. Filha, o futuro do pobre é azar, pobre não acerta. Quando eu estava morando na serraria com um ano, eu caí doente, com uma febre, aí ele me pegou, jogou dentro do fusquinha e ele gostava de um Volks, aí pegou, me jogou dentro do carro e me levou pra casa dele. Quando chegou a casa dele, eu entrei lá, aquela mansão, duas empregadas e as meninas que saiam lá, cada moça, duas moçonas bonita, daqui a pouco vêm mais outra linda, as meninas, olha, feita por mão, parece que foi feita na mão, caprichada. Aí me puseram num quarto lá, um quarto desse tamanho assim, me puseram num quarto lá, pra mim só, uma “camona”, eu nunca tinha dormido numa cama daquela, aí eu disse: “Não é possível, isso aqui não é pra mim”, eu cá comigo, é verdade porque pobre... Aí eu sei que eu fiquei naquela cama lá, e ele disse: “Você vai ficar aqui”, com uma febre, aí eu nunca tinha... Eu não sabia nem o que era aveia, hoje eu compro dez quilos de aveia pra minha casa, porque eu sou naturalista, eu não como nada químico, aí daqui a pouco veio mingau de aveia e veio não sei o que. Eu sei que eu fui tratado, com oito dias, mais ou menos, eu já estava são [curado], o patrão chegou e disse: “Não, você não vai mais pra lá pra serraria, não, você vai morar aqui”, aí não é possível, eu disse: “Não é possível”.
P/1 – O senhor ficou morando lá com eles?
R – É, aí: “Você vai morar aqui”, e: “Ó, você vai de manhã, quando eu sair pra serraria você fica”, ele saía às cinco horas da manhã na serraria, voltava, ia lá, olhava, voltava, depois vinha, tomava café, saía, ia embora, e ele disse: “Ó, você vai pra serraria, eu vou de manhã, você fica”. Lá o tirar sarro, chama pilheriar, aqui chama tirar sarro, a turma gostava muito de pilheriar com a gente, gostava muito de brincar, chamava a gente, dizia que, chama “compra tempero” quando é um menino pobre que mora em casa de rico, chama-se “compra tempero”. São coisas que a gente não esquece, ele disse: “Fica aqui, aí você fica aí, vai comprar tempero pra empregada, o que ela pedir você compra e quando eu terminar, umas dez horas, por aí, eu venho e você vai mais eu pra serraria, você trabalha lá”, eu digo: “Tudo bem”, aí ficava. Ah, eu tinha mordomia, o dono da casa, um milionário, rico, bonzão, mas o cara era bom, ele era gente fina, por nome de Rufo Barbosa de Abreu, aí muito bom ele, ele chegou cheio de filho, parece que uns seis filhos, cada um mais granfino do que o outro, mas, todos bons. Sempre tem um capeta no meio da família, sempre tem um, né, e tinha o Hélio, um altão, o negócio dele era só namorar, não queria estudar, só namorar e gastar o que o pai tinha. Aí o Rufo pegou e falou pra mim, disse: “Antônio” e pra casa, disse: “Olha, quando eu chegar da serraria mais o Antônio, eu vou tomar banho, quando eu sair ele vai tomar banho, enquanto ele não tomar banho, ele não faz nada, primeiro eu chego, eu vou tomar banho, quando eu sair quem entra é ele”, tá bom. E era assim, então quando nós chegávamos da serraria, ele saía, eu saía junto, aí quando nós chegávamos da serraria ele ia tomar banho, aí quando ele saía, eu estava esperando já com a minha toalha, minha coisas já de filho de papai, aí eu ia tomar banho, ia tomar banho, quando eu saía aí...
P/1 – Quanto tempo o senhor morou com ele?
R – É, aí eu morei com eles, foi desde, eu cheguei, eu me lembro, Roberto Carlos começou a fazer sucesso em 64, 65, em 65 eu fui pra lá e morei quase cinco anos. Quando em um dia eu chego da serraria, o Hélio pega dois pares de sapatos e deixa lá pra eu engraxar, aí o Rufo, o pai dele, estava tomando banho, aí ele disse: “Aqui, é pra você engraxar agora”, o Hélio disse: “É pra você engraxar agora”. Aí eu falei: “Ah, Hélio, me deixa sair do banheiro, quando eu sair do banho, o Seu Rufo foi tomar banho, quando ele terminar de tomar banho, eu vou tomar banho, quando eu sair eu engraxo”, “Não, você tem que engraxar agora senão eu vou lhe dar porrada”. Ele tinha um irmão que chamava Zezito, um homem muito bom pra mim, muito bom, que é filho do Rufo, e esse Zezito era tão rico também, morava todos na casa do pai, ele era tão rico que o carro dele, ele só usava carro zero quilômetro, o carro dele saía da Volkswagen direto, num caminhão direto pra mão dele, zero quilômetro, ele usava só seis meses, passava pra trás, aquele carro estava velho, pegava e pedia outro, você entendeu, novo. Aí Zezito foi chegando e viu ele falar assim:: “Não, você tá pensando o quê? Antônio não vai limpar o seu sapato, não”, quando falou assim começou uma briga dentro de casa os dois irmãos, briga mesmo, pancada e entra e luta. Aí Rufo sai de cueca daquele banheiro e começa o sufoco, agora vai vendo aonde o pau vai quebrar, em cima do trouxa. Nunca acertei na minha vida, por que agora vou acertar? Aí termina aquela briga dentro de casa, aí a mãe, sabe como são as mães, você mãe, sempre os filhos quem tem razão, o coitado lá que se dane, aí a velha, que é a Dona Maria, chama Maria também, disse: “É, eu não quero mais esse menino aqui, não”, nessas alturas já estava maiorzinho. Aí: “Eu não quero esse menino aqui, não”, já era mais ou menos umas oito horas da noite já, isso aí já: “E agora eu vou pra onde?”, começa aquele chororô dentro de casa, aí: “Não, ele vai embora daqui agora, eu não quero saber dele, aqui não vai ficar mais, não, por causa dele que meus filhos se mataram e tal”, veja que eu não tenho culpa nenhuma. Aí começa agora a sentar Rufo e o Zezito ao meu favor, contra a mãe e algumas irmãs, sim, e quando eu estou lá na casa, antes, eu me esqueci, quando eu estou morando na casa desse rico aí ele mandou que a sobrinha que ele criava, uma menina muito linda, por nome Lúcia, uma gatona, linda, sem defeito, que ela me ensinasse a leitura, aí compraram uma cartilha por nome Cartilha Ensino Rápido da Leitura. Quando for a hora de parar vocês mandam aí, tá? Ela foi me ensinar, então quando eu já estava assim, mais ou menos uns três meses estudando aquela cartilha, então a Lúcia em vez de, porque a Lúcia, lá todo mundo tem ordem, então elas não saiam na rua assim à toa nem nada, então quando eles saíam um pouquinho... Em vez da Lúcia me ensinar a Lúcia ia me beijar, ia me namorar, era (risos).
P/1 – O senhor namorou com a Lúcia?
R – Com medo porque, com medo, né, mas a Lúcia em vez de me ensinar, enquanto eles estavam ali ela estava: “A, bê-á-bá, bê-é-bé, bê-i-bi”, naquela cartilha, eu soletrando, aí tudo bem, quando eles saíam, viravam as costas, a Lúcia em vez de me ensinar, me agarrava, me beijava. Eu não aprendi mais nada, eu não aprendia nada, a Lúcia caiu doente, teve um problema na garganta, foi pra Salvador, que são 300 quilômetros pra Salvador. Aí veio a irmã dela, Isabel Cristina, se a Lúcia era bonita a Isabel dobrava a beleza da menina, aí disse: “A Lúcia estava ensinando o Antônio”, quem disse pra você que eu estava aprendendo nada?
P/1 – O senhor não tinha aprendido nada ainda?
R – Que jeito? Aprender de que jeito? (risos) Se a coisa mais gostosa, nunca tinha tido aquilo, poxa, as mulheres me agarravam, me beijavam, a menina bonitona, a mulher mais linda da cidade. Eu ia aprender o quê? E aí veio a Isabel, a Isabel veio, aí o patrão disse: “Ó”, patrão e pai adotivo, que todo mundo nessas alturas já me chamava de filho de Rufo, filho da Dona Maria e tal, aí quando, a Isabel ia me ensinar, parece que a Lúcia ensinou pra ela que tinha que fazer assim. Quando o velho saía a Isabel me agarrava e tal, me beijava, e era beijo e tal, não dava mais pra fazer nada, eu não aprendi foi nada. Quando aconteceu isso eu achava que já estava bonitão, aí acontece isso, que o Hélio manda eu, acontece essa briga, aí me mandaram embora de dentro de casa, não quiseram mais eu ali.
P/1 – Pra onde o senhor foi?
R – Hum, adivinha pra onde eu fui? Da onde eu vim? Da serraria, né, eu fui lá para o pó de serra de novo, para o pó de serra, voltei pra miséria novamente, fiquei lá na serraria.
P/1 – O senhor ficou trabalhando mais?
R – Fiquei, agora já fiquei direto trabalhando na serraria, trabalhava e morava lá, de manhã o Rufo chegou lá e disse: “Não, você vai lá pra serraria”, aí pegou, jogou dentro do carro, me levou lá, aí eu fiquei lá, disse: “Dorme aí, não tem problema, você não morava aqui? Mora aí, não tem problema, você vai ficar mais eu”. Aí eu fiquei com vergonha, de ver eles, fiquei com vergonha de ver a família, nossa, aquelas meninas choravam, a Isabel Cristina chorava feito uma louca porque tinha me perdido, tinha me deixado e não ia me ver, agora não tem mais chance dela me beijar, de namorar ela, dela me namorar, porque era ela que me namorava, porque eu tinha medo ainda. Fui morar na serraria de novo, quando eu estava com nove meses dessa data, já me lembro bem, que foi em 69, no fim de 69, aí eu fui pra trabalhar numa fazenda por nome de Firestone, onde fabrica pneu Firestone, firma de pneu, Firestone que chama, tá escrito Firestone. Aí eu fui trabalhar na Firestone, numa fazenda que não trabalha qualquer um, só quem tem muita coragem, senão ganha meio dia, que só trabalha até meio dia a Firestone, a Firestone não trabalha o dia todo, só até meio dia, só que pega às cinco, trabalhei três anos, aí pedi a conta. Fui trabalhar na cidade, na mesma cidade, na casa de um japonês e eu fui tomar conta da loja do japonês.
P/1 – Nesse ínterim o senhor não estudou?
R – Não, aí não sei mais nada de estudo, nada, eu entrei na igreja Assembleia, os irmãos me ensinavam: “Ó, Jesus, tal”, abri a bíblia, fui decorando, eu digo: “Eu vou aprender a leitura”, porque eu já tinha tido três meses de, três, quatro meses, de aula com a menina, mas era na cartilha e já sabia soletrar, bê-á-bá, bê-é-bé, gê, gé. Jesus e tal, fui aprendendo a soletrar, comprei uma cartilha depois disso, trabalhava com o japonês, tomava conta da loja dele, ficava ali mais ele, tal, era eu que comandava tudo, que eu era muito inteligente, muito educado, então ele entregava pra eu tomar.
P/1 – Era uma loja, o que vendia lá na loja?
R – Roupa, confecções.
P/1 – Então, Seu Antônio, o senhor foi trabalhar na loja de confecção do japonês, o senhor ficou lá trabalhando.
R – A loja do japonês, Massaru Kisaki, irmão, um japonês muito bom. Aí eu comecei trabalhar com ele, comecei de freguês, depois ele me chamou pra ficar com ele, saí da Firestone, ele disse: “Ó, fica trabalhando mais eu e morando lá em casa”, mas só que eu não tinha morada, eu não tinha, nessas alturas eu não tenho onde dormir, onde morar, não, eu não tenho nada onde morar, não, era um miserável mesmo.
P/1 – O senhor ficava aonde, dormia aonde?
R – Aí eu fiquei morando na casa dele, que casona grande, né, aí disse: “Você fica lá, só que de manhã pra abrir a loja, você leva a Raquel”, que é a mulher dele, eu levava de bicicleta, aquela bicicleta bonita, com farol e bagageiro. Ela montava no bagageiro, eu levava, a cidadezinha era plana assim, tudo plano, aí eu levava ela pra loja, abria a loja, ela arrumava as coisas, ajudava a arrumar, enquanto as empregadas, balconistas chegavam e eu ficava ali ajudando, tal e batendo papo. Daí a pouco ele chegava, ele começava, era eu que comandava na loja, era eu que fazia tudo, eu que dominava, que dava preço, que ordenava e tal, eu era tipo um gerente, mais do que um gerente, porque eu mandava no patrão, no dono. Quando chegavam os fregueses ele jogava tudo, porque ele era um cara que não tinha coragem pra dizer pras pessoas não, tomava prejuízo por causa disso, já eu não, já eu era uma pessoa que ou é, ou não é, quer, quer, não quer, não quer, então era assim, o preço é esse e tal, e então ele jogava em cima de mim. Qualquer coisa, o freguês dizia: “Cadê o dono?”, respondia: “O dono tá aí, ó”, aí ele falava: “Minha senhora” e tal, dizia: “Não, quanto foi que ele fez pra você, como é que ele fez?”, “Ah, ele fez assim”, “Então, isso é com ele”.
P/1 – Quanto tempo o senhor ficou trabalhando com ele?
R – Ah, eu fiquei cerca de uns seis meses, aí eu falei pra ele: “Massaro, eu vou embora pra São Paulo” porque São Paulo lá fora, tem uma fama, vocês não sabem a fama que tem São Paulo lá fora, é descomunal de grande.
P/1 – E a sua família, você nunca mais ficou sabendo de ninguém?
R – Não, eu vim embora pra São Paulo, eles choraram e tal, eu cheguei aqui... Eu saí de lá dez pras duas da tarde de sábado, dia 8 de setembro de 1973, dez pras duas da tarde, um sábado, e cheguei aqui dia 11, nove horas, em Santo André, peguei uma carona com um amigo que veio pra cá e tal, viaja direto pra lá e pra cá.
P/1 – Você conhecia alguém aqui em São Paulo?
R – Que? Ninguém, minha filha, destino, loucura, loucura, naquela época que tinha muito serviço.
P/1 – As pessoas vinham pra São Paulo pra trabalhar, né?
R – Isso, eu vim pra trabalhar porque tinha pessoas em São Paulo que iam pra lá passear, mas eu não tinha contato, quando chegava lá dizia: “São Paulo precisa de vocês, São Paulo tem trabalho, São Paulo é assim, tal, tal” e aí eu disse: “Vou pra São Paulo” e eu vim. Mas como lá eu era crente, naquela época e aí já tinha entrado na igreja pra aprender a leitura, pra ensinar, porque os crentes leem muito, aí eles me ensinavam, quando cheguei aqui, eu fui pra igreja Assembleia, aí quando eu fiquei aí oito dias, cheguei quatro horas da tarde. Cheguei em Santo André nove horas e descarregou o caminhou lá na fábrica da Firestone e quando...Quatro horas nós viemos pra Vila Maria, aí eu digo: “Eu vou pra Vila Maria”, Vila Maria tem uma igreja e tal.
P/1 – O senhor já sabia que tinha essa igreja na Vila Maria?
R – Sabia por que tinha pessoas, crente que ia lá e falava, aí cheguei à igreja, perguntei, disse: “Ah, tá”, aí tem um lugarzinho, aí me deram o lugar de guardar ferramenta pra eu dormir, eu dormi ali. Aí com oito dias o pastor viu, soube que eu estava ali, aí disse: “Não, aqui não pode ficar ninguém, não, aqui só pode ficar uma irmã, que é a zeladora daqui, ela só pode ficar aí porque tem uma casinha pra ela, aqui não pode ficar mais ninguém”, aí eu fui dormir na rua. Eu peguei minha mala e fui dormir no toldo do lado de fora, lá na rua, quando é de manhã, eu já estava trabalhando já, com três dias eu arrumei serviço.
P/1 – O senhor foi trabalhar aonde?
R – Trabalhei na transportadora, já cheguei, no outro dia, cheguei que nem hoje, eu cheguei dia 11, eu cheguei dia 11 e dia 12 eu tirei identidade, dia 14 já comecei a trabalhar, de setembro, tá? Dia 14 já comecei a trabalhar e o pastor falou que não podia mais dormir ali, eu saí, fui dormir na rua, dormi na rua, no outro dia o menino arrumou uma pensão pra mim, só a cama. Aí eu comprei uma vitrolinha desse tamanho assim, que é menor, quando põe o LP, sabe aqueles LP grande? Quando colocava o LP em cima, o LP cobria a vitrola inteira, aquela vitrolinha não falava nada, a mulher dona da pensão deu queixa de mim, me levou na delegacia porque eu estava atrapalhando o silêncio, era uma caixinha de fósforo, menina. Aí eu tomei uma tapona do delegado lá, aquilo foi uma desfeita muito grande, eu disse: “Vou sair, vou procurar uma pensão”, saí, fui procurar um outro lugar pra dormir, encontrei a pensão da Dona Alice, uma senhora, já tinha 35, 40 anos, fui morar lá, mas uma mulher muito boa. Fui trabalhar numa firma, em outra firma, saí daquela, pedi a conta dali, fui trabalhar em outra, aí estava trabalhando na pensão, morando lá, cai doente, aí saí cinco horas da manhã, aliás, menos, antes de cinco, ninguém estava na rua, eu saí, fui pro hospital e lá me internaram, estado grave.
P/1 – O que o senhor teve?
R – Ninguém sabia, aí vai vendo, estado grave, isso aí foi em 75, ninguém sabia onde eu estava, fiquei cinco dias internado, me puseram no isolamento e aí aquela dona da pensão começou rodar e rodou durante cinco dias me procurando por IML, hospital, delegacia e nada encontrava. Conseguiram me encontrar, me levaram lá pra perto de São Caetano do Sul, eu morava na Vila Maria, é longe pra danar, e ela conseguiu me encontrar, naquela época não tinha internet, não tinha esses negócios, não era fácil, só tinha telefone e ônibus, carro e ela conseguiu me achar. Quando ela me achou disseram, ela dava a data que eu sumi de dentro da pensão e sumi do trabalho também, ela falou pra recepcionista: “Ele é meu filho”, aí ela uma loirona, eu preto, disseram: “Não, mas a senhora não é a mãe dele”, aí disse: “Sou a mãe dele sim”, disse, que ela achou a ficha, já mostrou, né, aí disse: “Como mãe dele, a senhora é loira”, disse: “Não, mas ele é meu filho, ele é meu filho e eu quero ver ele” e quer ver, não quer, e quer ver, não quer. A Dona Alice armou o barraco dela lá, chamou o gerente do hospital e o gerente desceu, ela disse: “Não, eu quero ver o meu filho, que ele tá aí, diz que ele tá aí, eu quero ver ele, que tá com cinco dias que ele sumiu”, aí disse: “Tudo bem, a senhora entra, mas não pode ver ele”, aliás: “Não pode entrar, só pode ver de longe”, disse: “Não, tudo bem”. Aí ela entrou, subiu, quinto andar, chegou lá, olhou pelo vidro, eu só dormia, só dormia.
P/1 – O que o senhor tinha?
R – Meningite. Eu só dormia, aí ela disse: “Não, tudo bem, agora tá bom”, aí foi, voltou, disse: “Quando ele sair, quando ele der alta”, “Não, ele, não tem perigo, não, ele agora tá bom, só dorme porque ele tá sedativo”, aí tudo bem. Eu sei que, pra encurtar essa história, eu saí da pensão, ela me colocou num quarto sozinho lá, deixou quatro camas e deixou só eu, zelou de mim demais, eu saí da pensão. Quando eu saí da pensão, porque eu mudei de trabalho, de firma, a firma mudou, então eu tinha que mudar, fui morar em São Miguel Paulista, aí arrumei a ex, a minha ex, aí fui morar com ela.
P/1 – Como o senhor conheceu a sua mulher?
R – A Maria?
P/1 – É.
R – É o seguinte, a casa que eu morava, eu fui alugar, saí da Vila Maria e fui pra São Miguel Paulista, 40 e pouco quilômetros, em São Paulo, então fui morar em São Miguel Paulista, só que o dono da casa lá era um cearense e ele foi casado, o pai dessa minha ex com esse dono da casa casaram no mesmo dia no Ceará, veja a coincidência, né? Então aí quando eu estou lá, a Maria, chama Maria também a minha ex, a mãe dos meus meninos, muito minha amiga, melhor amiga que eu tenho, a minha ex, a mãe dos meus meninos, a Maria, foi lá passear na casa desse dono da casa. Aí eu vi aquela baixinha, e disse: “Vou ganhar essa baixinha aí, eu tenho que ganhar essa baixinha”, aí comecei a conversar com ela e tal e eu também trabalhava e tal.
P/1 – O senhor trabalhava aonde nessa época?
R – Eu trabalhava numa firma na 25 de Março, tem um prédio 897 da 25 de Março, de frente com a Rua Comendador Affonso Kherlakian, que é a Rua da Pajé, de frente a Rua Comendador Affonso Kherlakian,tem um prédio, 897, eu trabalhei naquele prédio três anos e pouco, eram confecções também.
P/1 – O que o senhor fazia?
R – Eu era... Eu trabalhava de auxiliar de expedição e consertava elevador, eu fazia muita coisa, eu comprava pra loja ali, entregava a mercadoria e ajudava a embalar, também consertava, fazia tudo lá naquele prédio, eu, toda vida fui muito corajoso, fazia de tudo de trabalho. Aí eu sei que eu, ó, eu fui vendedor quando eu saí dali, fui vendedor de automóvel, fui vendedor de agulha, vendedor de carnê do Silvio Santos. Olha, eu fiz cada coisa, você não faz nem ideia do que eu já trabalhei.
P/1 – E aí o senhor conheceu a Maria.
R – Ah, é, você quer saber da Maria, vou falar então.
P/1 – Como é que foi essa história aí? Conta pra gente.
R – A Maria é o seguinte, a Maria foi lá em São Miguel, eu conheci a Maria e ela morava em Osasco com o irmão solteiro, eram todos solteiros, eu fui morar... Ela foi lá em São Miguel passear, aí eu disse: “Ah, vou ganhar essa menina”. Então eu era... Nessas alturas eu já tinha uma vida legal, que eu trabalhava, era empregado, eu tinha o meu aparelho de som, microfone, como o menino operador tá aí com o microfone no ouvido, eu tinha um microfone e tal, tinha um fone de ouvido, tinha um microfone, então eu fazia entrevista com a turma dentro de casa, aquela brincadeira, né. Então a Maria foi lá e olhou, como eu era solteiro e ela teve, conforme a educação deles também, uma educação rigorosa, não entra na casa de um solteiro sozinha, ela ficou com vergonha de entrar, mas o meu quarto era um quarto popular, que todo mundo entrava, todo mundo conversava, todo mundo brincava. Aí começamos a conversar e ela gostou de mim, eu gostei dela, aí começamos namorar assim, mas eu não queria porque eu nunca quis na minha vida, meninas, eu nunca me interessei em casar, nunca, casar nunca foi a minha vida, casar não. Aí ela, nós começamos a namorar, mas eu namorando com a Maria sem interesse de casar e acontece que nós tivemos intimidade, aí saiu grávida de um menino, que hoje é pastor, nosso, o meu filho, tem 24 anos.
P/1 – Quantos filhos vocês tiveram?
R – Nós temos cinco, temos o Anderson, o Wilson, o Anderson é pastor aqui em Capão Redondo, mora em Capão Redondo, casou agora, tem um ano que ele casou, os outros não querem casar porque querem fazer o futuro deles também. Tem o Wilson, mora nos Estados Unidos, em Dallas, tem o Welinson, o Wiliam, tá trabalhando em Santo André, carpinteiro, é marceneiro, sabe trabalhar com móveis, sabe fazer móveis, guarda-roupa, essas coisas, o Wiliam, tem o Welinson, que mora em Nova Zelândia agora, pra lá do Japão, agora ela tá dormindo, a essa hora ele tá dormindo, lá é noite agora, então lá são duas e meia da madrugada. Tem o Welinson e tem a Welineide, que é a menina, tenho quatro homens e uma mulher, Welineide mora conosco também, mas ela trabalha aqui na Barra Funda de telefonista, telemarketing, então eu tenho cinco. Aí veio um, veio dois meninos, eu disse: “Ó, Maria”, veio o Anderson, aí eu falei, eu digo: “Maria, é o seguinte, quando esse menino tiver um ano ou você toma conta, eu assumo, ajudo, ou eu tomo conta, se você me puder me ajudar, me ajuda, que eu não quero casar com ninguém, eu quero vida independente, eu sofri muito, eu sou muito sofrido e eu não quero ficar amarrado em ninguém, dominar, que a mulher fique dominada sobre mim e tal, quero liberdade e dar liberdade também”, mas não deu, pobre, já viu. A gente quer dar uma de sério, né, aí eu não arrumei outra com ela, respeitei, aí veio o Anderson, veio o Wilson, veio o Welinson, o Wiliam, aí veio o Welinson, veio a Welineide, digo: “Aí não, chega, cinco, chega”.
P/1 – Quanto tempo o senhor viveu com a Maria?
R – Dezesseis anos, nós vivemos juntos, tivemos cinco filhos. Aí agora, graças a Deus, estamos muito bem, mas aí foi em novembro, quando foi em, dia 29 de dezembro de 79, de 97, desculpa, dia 29 de dezembro de 97, aí a Maria cismou de ir embora, de sair: “Vamos ficar sozinhos, quero ficar sozinha”, eu disse: “Ah, muito bem”, aí: “Vamos se deixar”, na louca assim, ela disse: “Eu vou embora, amanhã eu não durmo mais aqui”. Arrumei um terreno, um terreninho, aí agora nós já temos onde morar, aí ela disse: “Não vou mais ficar aqui”, digo: “Ah, Maria, tudo bem, fazer o quê?”, peguei os meninos, juntei os cinco e disse: “É o seguinte, a Maria disse que não vai mais morar comigo”, aí os meninos: “Pai”, digo: “É, estou falando”. Aí chamei o Anderson, digo: “Anderson, com quem você quer ficar, com a mãe ou comigo?”, “Quero ficar com você, pai”, aí digo: “Então passa pra cá, você, Wilson”, comecei do mais velho para o menor: “Você, Wilson, quer ficar com quem?”, aí o Wilson disse: “Quero ficar com a minha mãe”, eu digo: “Então passa pra lá”, aí: “Wiliam, você quer ficar com quem?”, “Quero ficar com a minha mãe”, “Fica lá”, aí: “Você, Welinson, quer ficar com quem?”, “Quero ficar com você, meu pai”, eu digo: “Então passa pra cá. Você, Welineide”, sobrou um, aí digo: “Agora que tá, com quem esse daí vai ficar?”, se ela ficar com...
P/1 – Era a menina?
R – É, se ela ficar com mais do que eu, eu tenho que ajuda-la, eu prefiro ficar com mais pra eu não ajudar nada dela (risos), eu pensei e disse: “Ai, meu Deus, o que é que vai acontecer comigo agora?”, aí eu digo: “Welineide, você quer ficar com quem?”, aí ela disse: “Quero ficar com você, pai”, eu digo: “Então passa pra cá”. Eu disse: “Olha, Maria, é o seguinte, dois você toma conta, compre roupa, faça comida, lave, trate, cuide, veja bem, cuide, eduque, que os meus três eu vou educar, vamos passear, vamos andar, você também faça o que você quiser, os meus três. Só que tem uma coisa, Maria, a educação dos meus três eu tenho certeza vai ser diferente dos seus, eu tenho certeza”, aí ela disse: “Ah, tá bom”. Quando foi com dois meses que ela saiu queria voltar, mandou recado, né: “Ah, fala pro meu amor não sei o que”, eu digo: “Fala pra ela que não, fala pra ela que mais não, eu estou muito bem assim solteirão, folgado, estou muito bem assim”, aí eu lavava a roupa dos meus filhos, passava, fazia comida.
P/1 – O senhor trabalhava na época, o que o senhor fazia no seu trabalho?
R – Eu sou técnico em, agora eu parei, agora eu encerrei porque agora eu faço... Eu trabalho agora, agora eu não tenho lucro, mas eu vivo, agora eu parei toda a minha profissão, de vez em quando eu faço serviço fora, que eu sou pintor profissional também, então de vez em quando tem um engenheiro que me chama, eu passo um mês, 15 dias fora, trabalhando, pintando casa. Mas agora eu parei, mas eu trabalhava antes, eu era técnico, eu exercia o cargo de eletrônica, você entendeu?
P/1 – O senhor foi estudar eletrônica?
R – Sim, aí eu estudei eletrônica, tem muita coisa, mas muita, que eu pulei assim, passei, que técnico você tá lembrando aí, eu estou voltando, é porque é muita coisa pra trazer de início.
P/1 – O senhor foi estudar eletrônica.
R – É, eu trabalhando nas confecções, na firma, na Coelho, que fechou, então eu trabalhava na Coelho, fiz o curso de eletrônica, matriculei, estudei eletrônica, então eu tive três anos e seis meses de eletrônica, estudando curso, tenho o diploma guardado. Eu estudei eletrônica, comecei a... Abri uma oficina, aí abri uma firma, o ladrão me roubou, eu fui catar papelão pra comprar ferramenta, tornei montar outra firma, montei com mais três técnicos, quando nós já estávamos começando a prosperar, o ladrão foi lá e levou toda a nossa aparelhagem. Aí meus amigos não quiseram mais montar a firma, ficaram trabalhando em firma, porque a responsabilidade não é deles, e eu não quis. Montei uma firma em casa, porque em casa eu estou permanente, tal e lá na minha vila todos os malandros me respeitam, então eu montei a firma em casa e comecei a trabalhar, mas em casa não é muito legal trabalhar, onde você mora e tal, a turma não leva muito a sério.
P/1 – O que o senhor fazia, a sua empresa consertava que tipo de aparelhos?
R – Todos, tudo, naquela época só tinha de rádio, televisão, enceradeira, ferro de passar, ferro de tal, e vídeo, fita cassete, fita cassete, não tinha DVD naquela época, nem CD, então todos os aparelhos, rádio, televisão e tal. Todos os aparelhos domésticos, eu trabalhava.
P/1 – Eletrodomésticos.
R – Isso, tudo, eletrônicos completo, então eu trabalhava com isso tudo. Aí me roubaram, fui trabalhar na assistência da Philco, eu fui trabalhar numa grande empresa sofisticada. Quando a minha menina nasceu, eu tive que pedir a conta pra tomar conta dela, da mulher, da ex, foi onde eu saí da firma e fiquei tomando conta da minha ex. Quando ela melhorou, eu continuei na minha oficina, na minha firma em casa, mas não era aberta, eu tinha que abrir, como gastava muito pra abrir, eu tirava licença, eu tinha um documento da prefeitura com licença pra trabalhar, mas não era com uma firma estabelecida, entendeu? Que você paga todos os impostos, tal, então não deu pra eu fazer isso, mas eu pagava pra prefeitura. A eletrônica começou a cair, aí começou a sair CD, começou a complicar o negócio, que você precisa evoluir e expandir o negócio, não deu pra eu expandir, comecei mudar de profissão.
P/1 – O senhor foi fazer o quê?
R – Aí eu fui trabalhar de... Eu fui, fiz o curso pra pintura, fui pintar, pintor de... Fui aprender pedreiro, eletricista, aí fiz eletricidade, não parava, não ficava parado, dava pra... Sustentei meus filhos todos, graças a Deus, eduquei. Eu comprava material de escola pros cinco só no atacado, porque comprar de um em um é um prejuízo de louco, gasta mais, eu ia lá à Loja Fernando lá, comprava no atacado material e graças a Deus conseguir formar todos eles.
P/1 – A casa era sua, era própria?
R – É minha, a casa é minha, agora é minha, quer dizer...
P/1 – Como é que foi que o senhor a adquiriu?
R – Ó, essa casa é o seguinte, eu trabalhava numa firma por nome de Prosasco, fechou essa firma.
P/1 – O senhor fazia o que lá na Prosasco?
R – Eu era... Trabalhava de recepcionista de... Era uma firma de lixo, mas eu trabalhava lá na... Fiscalizando ali, então fiscalizava e quando precisava eu também saía na rua pra ajudar o ajudante, eu fazia tudo, né? Tinha um amigo que morava num terreno vazio, eu não tinha onde morar, eu era daquele tipo de gente que, até 83, pra mim quem não morava numa casa assim, pra mim era sujo, podia ser mulher, podia ser homem, seja quem fosse, morou num lugar que não é uma casa estabelecida assim, nossa, eu nem um bom dia não dava, que pra mim era maloqueiro, não gostava, eu detesto essa turma. Então hoje eu sei viver com eles, mas de primeiro eu nem com eles falava porque eu achava que era um resto da sociedade, não prestava pra nada, não mora num lugar, então não prestava, era gente ruim, e não é assim. Ele trabalhando junto comigo, entrou nessa firma, eu falando a situação pra ele, disse: “Eu não tenho onde morar, moro de aluguel, tal”, aí disse: “Ó, porque você não mora lá perto de mim, lá eu moro num terreno vazio, que é um terreno que os donos deixaram, eu invadi e fiz uma casinha lá e estou lá”. Aí disse: “Você tá louco, rapaz? Você tá doido, você mora num...”, “Não, moro”, digo: “Mas você é trabalhador”, eu pensava, você vê, a gente nunca sabe das coisas tudo. Aí ele disse: “Não, eu moro lá”, aí disse: “Por que você não vai pra lá?”, aí eu disse: “Sei lá”, “Vamos lá, vai lá visitar, quando nós sair do serviço você vai lá me ver”, aí eu “Tá bom”, eu fui: “Você vai lá ver onde eu moro”. Quando terminou o serviço nós saímos, fomos lá, cheguei lá, nossa, casa bonitinha, arrumadinha, tal, eu digo: “É mesmo”, comecei pensar, digo: “Poxa, eu moro em aluguel, pagando aluguel, eu podia morar num que é meu, né, num lugarzinho. E se eles me tirarem daqui, me chamarem a polícia?”, eu tinha um medo de polícia, que eu já tinha tomado uma “tapona”, você lembra que eu falei pra você, né? Aí eu disse: “E se eles chamarem a polícia pra mim?”, aí: “Não, não esquenta, não”, eu sei que eu fiz de madeira, de noite, mais ele, aí fizemos de madeira, quando foi de manhã eu passei lá, aí passei pra lá, depois aí vem, a prefeitura chega e tal, fomos legalizar. A prefeitura comprou o terreno e a prefeitura fez o negócio, arrumou e tal, deu licença a gente, pegamos, construímos, agora a minha casa é construção pra cinco andares. Agora é tudo legalizado, tudo bonitinho, tudo arrumadinho, documento certo, promissória, escritura e tal, então eu fui morar lá, graças a Deus agora o nosso terreno faz frente com a rua, com a Marco Antônio Lopes da Silva e com a Rua Cazuza, faz frente dos dois lados, entendeu?
P/1 – Lá em Osasco?
R – É em Osasco. Quando eu estava lá eu fui pra... Aí eu estava em casa um dia, mas muito pensativo, assim, porque a mulher queria voltar, a ex-mulher queria voltar e eu não queria mais, eu disse: “Meu Deus, o que é que eu vou fazer? E se ela quiser que eu volte na raça?”, eu não sabia das leis e tal. Aí eu disse: “Não, eu não”, aí eu falei pra ela, disse: “Maria, eu não quero voltar nunca mais”, ela mandava recado e tal, dizia que estava arrependida, eu disse: “Não, voltar nunca mais”. Aí um dia, aí eu tive um sonho, umas pessoas passavam na minha frente e tal, e aí aquela, eu perguntava da onde era, aí eu digo, vai vendo, aí a minha intenção... Nunca pensei essas coisas, eu nunca tive coração mau, mas o que me vinha na cabeça, dizia: “Essa mulher tá no teu pé, quer casar com você, quer voltar pra você de novo, você tá bem, mate ela e os irmãos”. Aí, menina, eu comecei a me apegar com Deus, eu comecei a entrar de novo na minha, no meu desespero, aquele sofrimento que eu já tinha vivido, comecei viver aquilo agora, depois que a mulher foi embora, aí: “Mate pra ela não ficar... Pra ela não te perturbar”, porque ela queria voltar, aí eu pensava: “Matar a mulher, meu Deus”. Aí comecei pedir a Deus pra me livrar, como que eu vou sair daquilo, eu não conseguia, eu não comia, porque a mulher queria voltar e eu não queria mais mulher, não queria mais nada. Aí começou, quando eu estou dormindo, dormindo não... Comecei a estudar e quando eu estou lendo assim, aí cochilei, naquilo que eu cochilei, veio uma pessoa na minha frente, falou pra mim o que eu tinha que fazer, me ensinou, dizendo: “Não, você não vai matar ninguém”, aí começou falar pra mim que não era pra eu matar ninguém e que era pra eu tratar ela bem e os parentes também e aí começou me ensinar. Eu perguntava, ele disse: “Olha, você tem que ir pra uma igreja”, mas eu já tinha ido numa igreja, já tinha saído, os caras crente, aí disse: “É, você tem que ir pra uma igreja”, aí eu disse: “Como ir pra uma igreja?”, disse: “É, você tem que ir pra você deixar essas coisas, pra deixar isso aí, você não vai matar ninguém e tal”. Começou me ensinar, me falar e aí me disse pra onde, o que era que eu tinha que fazer, aí disse que eu tinha que ir pra igreja e que eu tinha que... O meu trabalho, eu ia mudar de função, que eu ia trabalhar, fazer serviço pra ajudar as pessoas, que eu tinha que trabalhar ajudando as pessoas, dando saúde, dando a vida pras pessoas e que estaria comigo junto de mim. Aí eu digo: “Mas”, aí eu fiquei mais, quando eu acordei, eu gravei aquilo, aí eu digo: “Mas, meu Deus, eu estou ficando louco, eu pensei em matar a mulher, mas, assim, veio uma pessoa, me disse pra eu não fazer isso, não fazer mal a ninguém, eu nunca pensei em fazer mal a ninguém. Por que essas coisas acontecem comigo? Tudo isso acontece comigo, eu vou endoidar”. Com três dias eu vi de novo, aquela pessoa passou na minha frente e disse: “Olha, eu estou contigo, eu vou te avisar, você vai fazer trabalho, você vai dar saúde às pessoas, você vai”, como dar saúde? Aí eu fui aprender, nessas alturas desse período, desse tempo todo que eu contei, fui me dedicando a estudar na raça, sem ninguém me ensinar, eu comprei dicionário, comprei o Aurélio, comprei uma bíblia pra mim e aí eu ia estudando, e o que me ensinou a leitura foi a bíblia e aí pra poder eu estudar eletrônica... Porque eu não contei pra você, né, que você perguntou: “Como estudou eletrônica?”, não se estuda eletrônica, se não sabe a leitura, não é verdade? Então eu pra aprender a leitura, eu aprendi com a bíblia e com o dicionário, eu fui aprendendo por conta própria. Eu quase não dormia. Eu sentava e começava a soletrar e aí o dicionário foi me ensinando palavras difíceis, hoje eu não sei falar, realmente eu não sei falar, mas dá pra entrar e sair em algum lugar. Foi onde eu estudei, nessas alturas que me diziam isso à noite, aí disse o que era que eu tinha que fazer e eu procurei. Tinha um amigo meu que tinha me dado um livro natural, de saúde natural, que sem farmácia, ele tinha me dado um livro, eu tinha posto aquele livro no canto, eu não estudava, eu não sabia muito, eu não lia muito, tinha preguiça de ler, ele me deu aquele livro, eu pus no canto. Um dia ele chegou, falou, eu cheguei e falei pra ele: “Olha, é o seguinte, eu estou passando muito perturbado, eu estou muito perturbado, eu não sei o que é que eu tenho que fazer, porque é o seguinte”, aí eu contei, me abri, aí eu contei que vinha na minha mente o que tinha que fazer e tal, contei dos sonhos, não era um sonho, não é um sonho porque eu não estava dormindo, eu estava assim, cochilando e não estava totalmente dormindo. Ele disse: “Olha”, ele me chamava de baiano, aí ele disse: “Baiano, é o seguinte, Deus tá do teu lado, você tem muita coisa boa pra fazer por todo mundo e você tem que praticar o que você vai, o que tão te dizendo, porque é o seguinte, não é nada mal que tá te falando, se você acredita que Deus fala com as pessoas ainda, Deus fala com os católicos, Deus fala com crente, fala com quem dá lugar a ele”.
P/1 – Aí o que o senhor foi procurar fazer?
R – Aí eu perguntei o que eu tinha que fazer, ele disse: “Você vai pra uma igreja, tal, tal, você vai fazer isso e isso e isso e isso”, me ensinou, disse: “Ó, você vai, vai pra um lugar, o meu povo é o seguinte, o meu povo guarda o sábado”, aí eu: “Que guarda o sábado? Isso é uma coisa louca, isso tá ficando doido, eu não sei isso aí”. Aí falou: “Ó, você vai dar palestra, você vai”.
P/1 – Mas aí que igreja que ele estava? O que o senhor foi procurar, qual era a religião dele?
R – Não, eu não estava em lugar nenhum, até aí eu ainda bebia, não bebia por vício, mas tomava cerveja às vezes, sábado assim.
P/1 – Socialmente.
R – Isso, sábado assim, eu juntava os meus amigos, às vezes bebia.
P/2 – O senhor não tinha uma religião?
R – Não, eu não tinha religião, eu não tinha religião nenhuma, você quer saber, eu só ficava em casa e tomava uma cerveja assim, porque tinha os meus meninos, então não podia ultrapassar também, porque senão ficava feio pra eles, né?
P/1 – Aí o senhor encontrou o seu amigo, o seu amigo deu essas?
R – É, aí ele me falou, disse: “Baiano, Deus tá falando com você, rapaz, Deus tá te tirando do mal, tirando da cadeia, você tem que”, aí eu digo: “Mas aonde é que guarda sábado e o que é que eu tenho, como é que eu vou fazer pra curar as pessoas? Curar as pessoas eu não sei, isso é uma loucura na minha vida”, aí estava parecendo uma doidice na minha vida, aí ele disse: “Não, baiano, a gente tem todas as condições, todo recurso pras pessoas serem curadas sem precisar remédio, aí depende de você”. Aí eu procurei saber, ele disse: “Ó, você vai em tal lugar, assim, assim, vai, a Igreja Adventista é técnica, é a melhor escola no mundo, no Brasil, é a nossa, bom, em tudo que você quiser” e eu digo: “Mas eu não tenho dinheiro pra estudar, poxa. Como é que eu vou estudar, meu amigo?”, aí ele disse: “Não, lá tem livros, as pessoas, nós temos palestras de doutores, vem doutores da Argentina, dos Estados Unidos, da Inglaterra, de todos os lugares vem doutores na nosso congresso, ele vem, passa dois, três dias com a gente, ensinado e dando palestra, incentivando e tal, pra você estudar”. Aí eu disse: “Ah, então tudo bem”, e eu fui, então eu fui pra lá pra Igreja Adventista, quando eu cheguei lá, palestra de saúde natural, aí eu disse: “Ah, vou me interessar”, comecei estudar saúde natural, eu vou falar pra vocês, o negócio é sério, hoje eu dou palestra de saúde natural gratuitamente.
P/1 – Lá na igreja?
R – Não, por minha conta, eu sou da igreja, claro, mas eu dou palestra por minha conta, ninguém me manda. Então eu dou, se a pessoa tá doente, eu dou uma palestra. Essa mulher que tá aí, ela fala disso aí, hoje às oito ela vai falar a respeito, ela estava desenganada de cinco médicos, de cinco hospitais, as Clínicas, Sancil, Cruzeiro do Sul, que é um hospital em Osasco e a USP, hospital da USP e um doutor muito importante que tem lá em Osasco, chama-se Gaspar. Então todos a desenganaram, em oito dias ela estava sã, pela palestra que eu dei. Isso aí não tem mandinga, não é nada, só alimentação pra saúde. E o que foi falado pra mim em sonho que eu ia tratar das pessoas com a natureza, que estaria do meu lado e um dia alguém ia me convidar e daria oportunidade pra falar o que foi falado, hoje tá cumprindo.
P/1 – Então hoje o senhor cumpriu a sua missão?
R – Hoje eu cumpri minha missão. Hoje eu dou palestra, saúde pela natureza, então como emagrecer sem cair doente, sem passar fome, sem ficar anêmico, como engordar mais um pouco, pegar um pouco de corpo, como tirar a doença sem precisar química, só com alimentação, porque é isso que eu dou, a minha palestra é essa.
P/1 – Nessa sua vida toda, assim, nessa toda a sua trajetória de vida, qual é a lição que o senhor tira disso tudo, o que o senhor acha que o senhor aprendeu na sua vida?
R – Maria, posso, já falei, Maria mais Patrícia, o teu nome é? Adilson, Maria, Patrícia e Adilson, a lição que eu tiro disso tudo é o seguinte, hoje os meus filhos, uma das lições, meus filhos eu soube educar, graças a Deus todos são bem educados. Um é compositor, trabalha também com a saúde pela natureza, os meus filhos, que eu dediquei e ensinei e ajudei, o Anderson, o mais velho, tem 25 anos. O Wilson tá nos Estados Unidos, em Dallas, trabalhando lá fazendo a mesma função, saúde pela natureza lá, porque lá nos Estados Unidos, lá o povo...
P/1 – Pela Igreja Adventista?
R – É, por ele, ele trabalha, é o seguinte, é pela igreja e não é pela igreja, porque é o seguinte, ele é encaminhado porque o nome, o nome faz ir, só que ele tá lá trabalhando por conta. Saúde pela natureza, o Welinson tá em Nova Zelândia também. A lição que eu tirei disso, é o seguinte, todo sofrimento que eu passei sem pai e sem mãe, nunca fumei droga, eu nunca matei ninguém, nunca roubei, eu nunca peguei uma mulher a pulso, namorava por amor, por diversões, namorava com as meninas por diversões, não quer, não tem problema, certa, então o carinho. Toda vida não aprendi ser ruim, que eu poderia ter aprendido, não tive tudo pra aprender ter ruindade, ser ruim, ser miserável, ser cruel, não é? A lição que eu tirei disso tudo, nunca fui miserável, eu sou uma pessoa que quanto mais as pessoas precisam de mim, quando você tá na pior é que eu encosto pra ajudar você, você entendeu? Então eu, graças a Deus, tenho um bom testemunho, sou aquilo que eu estou dizendo pra vocês, bom, então a lição que eu tirei de tudo isso, que nós e Deus tem estado ao meu lado dia e noite, Deus tem me livrado. Olha, um dia, no dia 25 de março, de janeiro eu ia ser roubado, eu ia sair cinco horas da manhã, ia ser roubado, iam me roubar tudo, documento, dinheiro que eu tinha, tudo, e eu saí, acordei quatro e meia pra sair cinco e meia, aí uma coisa dizia pra mim: “Antônio, você não vai sair cinco horas, cinco e meia, você vai sair seis horas”. Eu comecei correr pra fazer as coisas pra sair naquele horário, aí: “Não, você não vai sair”, vinha em mim: “Você não vai sair essa hora”, aí eu: “Tudo bem”, aí eu disse: “É o seguinte, eu vou obedecer ao intuito que tá saindo, não é pra eu sair essa hora”, aí eu saí seis horas. Quando eu cheguei ao ponto tinha quatro pessoas chorando, aí esses quatro estavam chorando que os caras tinha parado o carro e tinham levado tudo deles, eu estava naquela hora ali e Deus me defendeu. Então são coisas que eu tiro, por quê? Porque é o seguinte, a gente, quanto mais você é bom, mais você ganha, claro, eu posso te odiar, a Patrícia pode te odiar, mas você vai achar o Adilson que vai falar lá na frente pra 20, quem te odiou foi dois, mas Adilson vai falar pra 20 que você é um exemplo de mulher, então quem sai perdendo sou eu e a Patrícia, você entendeu? Então a gente ganha por ser bom, a gente ganha por ser honesto, a gente ganha por ser bacana. Pessoas já perderam dinheiro na minha frente, eu achei, saí correndo e entreguei. Depois as pessoas me ajudaram sem eu esperar, então são exemplos que a gente ganha disso tudo em ser honesto. Eu tive tudo pra ser bandido, ensinei os meus filhos a serem respeitosos, onde os meus filhos vão, se você encontrar eles é impossível você não gostar deles, é impossível, e se você quer saber, olha que o Wilson, o Welinson e o Wiliam e a Welineide tá num cuidado, num cuidado porque a mulherada, a turma toda quer que eles casem, você entendeu? Eles estão com cuidado pra não se amarrar logo, por quê? Porque graças a Deus todo mundo gosta deles, então é esse, eu agradeço a vocês pela oportunidade, de ter me dado a oportunidade de hoje eu falar isso pra vocês. Hoje eu dou palestra de saúde pela natureza, então eu ensino como comer saudável, certo, e pouquinho assim, pouquinho e um monte de vitamina, você entendeu? Gratuitamente, não cobro nada de ninguém, não cobro nada de ninguém, então é grátis, então hoje eu to...
P/1 – O que o senhor achou de ter dado esse depoimento aqui pra gente?
R – Olha, eu, a palavra é tão difícil pra mim, que eu não tenho aquelas instruções que... Os estudos que você tem, que vocês têm, mas o que eu tenho pra dizer pra vocês é o seguinte: eu agradeço eternamente, inclusive o Geraldo, o menino da Eldorado, eu agradeço eles porque através deles que eu entrei em contato com a Ana, é Ana, né?
P/1 – É.
R – Entrei em contato com a Ana, a Ana me confirmou que realmente o Museu da Pessoa é um clube de honestidade, de sinceridade, de pessoas responsáveis, então eu encontrei vocês, que, sinceramente, eu vou ficar com muita saudade, eu não sei, não vou garantir, porque a minha palavra quando eu dou tá dado, mas eu não vou garantir em vim ver vocês, mas eu acredito que quem sabe se eu não vou vim ver vocês, que eu gostei muito, tá? A Patrícia, o Adilson e a Maria, Maria foi quem me entrevistou, eu te agradeço muito e agradeço muito, que não tem comparação, eu agradeço à dona do museu, ela tá de parabéns, é uma pena que eu não conheci ela, não conheço.
P/1 – Vai ter oportunidade.
R – É, então eu agradeço muito, viu?
P/1 – Nós do museu agradecemos a sua entrevista.
R – Muito obrigado.
P/1 – Muito obrigada.
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