Projeto: Adc – Eletropaulo
Entrevistado por: Manuel Gianoli e Carmen Silvia Natale
Depoimento de: Severino dos Santos
Local: São Paulo
Data: 21/09/1994
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Código: ADC_HV009
Revisado por: Raquel de Lima
P- Senhor Severino, gostaríamos de iniciar a entrevista com o nome do senhor, local e data de nascimento.
R- Nome, local e data de nascimento? Nasci na Paulicéia, na rua Oriente, em 5 de junho de 1910.
P- O nome do senhor?
R- Hein?
P- O nome.
R- Severino dos Santos.
P - Qual era o nome dos seus pais? Que atividades eles exerciam?
R- Na ocasião? Bom, meu pai era... Quando eu nasci, papai era sargento da Força Pública, da Guarda Cívica da Força Pública, onde ele seguiu carreira. Mamãe, prendas domésticas.
P- E a casa? Onde é que vocês moravam?
R- Na ocasião? Na rua Oriente, não me lembro o nome... o número...
P- Você tinha mais irmãos?
R- Não, eu fui o primeiro.
P- E depois?
R- Depois vieram os demais. Veio Idalina, Arlindo, Alcides, Flora, Jacy e Jair. Mas antes, tinha a menor, Mariquinha, que morreu em 19... 1920, 1922, com pouca idade.
P- Que lembranças o senhor tem da sua casa, da sua infância?
R- Bom, lembranças, as mais agradáveis. Eu fui moleque... eu fui um bom moleque. É... me lembro da _____ depois ____ onde vivi minha molequice, minha meninice. Por mais tempo, foi na rua João Bueno. Lá é a rua das minhas saudades. A rua João Bueno, em pleno Brás.
P- O que que acontecia lá? Que boas lembranças o senhor tem?
R- Bom, ali eu jogava futebol, futebol com bola de meia. Jogava... ia pescar, já nessa idade, né? O Rio Tietê era perto, no fim da rua Santa Rita e eu tinha a minha... como todos os menores tinham... eu tinha, também, a minha trocinha, os meus companheiros de brincadeiras. Fui moleque, como eu disse, moleque no bom sentido, sem prejudicar a paciência de quem quer que fosse. Não procurava quebrar vidraças. Fui bom. Ali, foi não só a minha...
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Entrevistado por: Manuel Gianoli e Carmen Silvia Natale
Depoimento de: Severino dos Santos
Local: São Paulo
Data: 21/09/1994
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Código: ADC_HV009
Revisado por: Raquel de Lima
P- Senhor Severino, gostaríamos de iniciar a entrevista com o nome do senhor, local e data de nascimento.
R- Nome, local e data de nascimento? Nasci na Paulicéia, na rua Oriente, em 5 de junho de 1910.
P- O nome do senhor?
R- Hein?
P- O nome.
R- Severino dos Santos.
P - Qual era o nome dos seus pais? Que atividades eles exerciam?
R- Na ocasião? Bom, meu pai era... Quando eu nasci, papai era sargento da Força Pública, da Guarda Cívica da Força Pública, onde ele seguiu carreira. Mamãe, prendas domésticas.
P- E a casa? Onde é que vocês moravam?
R- Na ocasião? Na rua Oriente, não me lembro o nome... o número...
P- Você tinha mais irmãos?
R- Não, eu fui o primeiro.
P- E depois?
R- Depois vieram os demais. Veio Idalina, Arlindo, Alcides, Flora, Jacy e Jair. Mas antes, tinha a menor, Mariquinha, que morreu em 19... 1920, 1922, com pouca idade.
P- Que lembranças o senhor tem da sua casa, da sua infância?
R- Bom, lembranças, as mais agradáveis. Eu fui moleque... eu fui um bom moleque. É... me lembro da _____ depois ____ onde vivi minha molequice, minha meninice. Por mais tempo, foi na rua João Bueno. Lá é a rua das minhas saudades. A rua João Bueno, em pleno Brás.
P- O que que acontecia lá? Que boas lembranças o senhor tem?
R- Bom, ali eu jogava futebol, futebol com bola de meia. Jogava... ia pescar, já nessa idade, né? O Rio Tietê era perto, no fim da rua Santa Rita e eu tinha a minha... como todos os menores tinham... eu tinha, também, a minha trocinha, os meus companheiros de brincadeiras. Fui moleque, como eu disse, moleque no bom sentido, sem prejudicar a paciência de quem quer que fosse. Não procurava quebrar vidraças. Fui bom. Ali, foi não só a minha meninice bem como a mocidade. Depois mudamos para a rua Casemiro de Abreu, ali fiquei noivo, casei... Casei na rua Casemiro de Abreu, em 1930... em 1931. Desse casamento, vieram os filhos: Yara, Paulo, Bartira e Iracema. A família foi crescendo, se desenvolvendo.
P- A gente gostaria de voltar um pouquinho. O senhor falou em pesca?
R- Sim? Hein?
P- Na pesca, na pescaria...
R- Na pescaria?
P- Quem incentivou esse hábito?
R- Meu pai mesmo. Meu pai gostava muito da pesca. Aliás, mais tarde, eu fui também um inveterado caçador. Vivia... eu passava férias da Light no mato, eu tirava férias e passava dez, 15 dias no mato, sem agasalho, sem nada, dormia em plena mata. Muitas vezes... às vezes, o travesseiro era um tijolo, um barranco. Mas, eu tenho saudades desse tempo. Caçava... caçava e pescava. Meu pai não foi muito dado à caça, mas à pesca, sim. Mas um tio meu, sim. Ele era afeiçoado à caça, algumas vezes o acompanhei nas matas do fim da rua Santa Rita, tinha o capinzal e as matas dos Bresser, e lá havia... meu tio ia caçar rolinhas, e eu o acompanhava. Daí veio o meu gosto pela caça. Mais tarde comprei espingarda, fiz com ela sempre a caça, passei a ser caçador.
P- E a pescaria, você ia com quem?
R- Na pescaria eu ia, durante muito tempo, com meu pai, e mais tarde, até com meus filhos. Meu filho Paulo foi meu grande companheiro de pesca. Meus companheiros foram também meus cunhados, meus irmãos. O Arlindo foi meu grande companheiro... falecido, foi meu grande companheiro de pesca e de caça.
P- O senhor se lembra da época da escola, dos estudos do senhor? Que lembranças o senhor tem?
R- Ah, me lembro... em 1920, em 1920 mais ou menos, no Grupo Escolar do Pari, quando foi iniciado o escotismo em São Paulo, o diretor desse grupo instituiu o escotismo, o grupo escoteiro na escola. E nessa, eu passei a ser escoteiro, dessa época em diante. E até há pouco tempo eu fui conselheiro da União Brasileira de Escoteiros. Continuo sendo escoteiro.
P- O...
R- Dizem até: uma vez escoteiro, sempre escoteiro.
P- Como é que era a casa do senhor com um monte de irmãos? Como é que era o funcionamento, a divisão de tarefas?
R- Bom, era o mais agradável possível. Nunca houve... eu não me lembro de nenhuma briga entre irmãos, nem nada, sabe? Fomos uma verdadeira irmandade. Campeava a satisfação e a alegria em casa, entre irmãos e com os demais parentes. Meu pai gostava... meu pai era muito festeiro, gostava de festa. Os aniversários eram comemorados com bailinhos em casa, na rua João Bueno.
P- Os seus pais incentivam o senhor a desenvolver alguma atividade ou eles deixavam...
R- Não, não, à vontade. Era ideia minha inteiramente, né?
P- E quantos aos estudos?
R- Também. Aliás eu fui sempre... fiz o curso primário, depois um curso na Escola de Comércio lá no Largo da Concórdia. Essa escola não existe mais, é do Professor (Camurim?), depois passei a ser um autodidata bastante ativo.
P- Quando o senhor percebeu que era autodidata? Como começou?
R- Não... foi automaticamente. Lendo, escrevendo, etc. Eu consegui conhecimentos superiores, correspondentes a um curso superior, quase. Autodidaticamente, eu passei a... eu consegui ser um professor de Inglês. Lecionei numa escola da Lapa durante três anos. Saí porque eu não podia ficar toda a... era lá na Lapa, eu morava no Brás. Eu saía da Light, ia lecionar... ia diretamente pra lá pra lecionar, e voltava de noite, última aula, encontrava sempre os meus filhos dormindo. Era uma situação que já não estava me agradando muito. Um dia eu pedi, eu disse ao Professor Guzzo, o diretor da escola, que ia sair. Aí ele disse: "Se é por causa do endereço, eu mando toda a escola procurar casa pro senhor aqui na Lapa". "Não, mas não quero sair do Brás, não vou sair". E foi assim que eu saí.
P- Antes de entrar na Light, além de ser professor de Inglês, que outros trabalhos o senhor teve?
R- Não, a Light... O Inglês foi um bico, né, foi só à noite. Mas, antes da Light, eu trabalhei em farmácia, fui quase prático de farmácia. Quando mocinho, trabalhei num clube, numa loja na avenida... no centro, uma pequena... um pequeno Mappin... uma pequena casa Mappin. Era uma loja de presentes, etc. Trabalhei... agora estou me esquecendo. Trabalhei na farmácia, fábrica de brinquedos, esse foi o primeiro emprego. Meu primeiro emprego mesmo foi numa farmácia, depois foi a própria fábrica de brinquedos, depois foi esse clube... essa loja na cidade, depois na Tecelagem de Seda Ítalo-Brasileira, na rua Joly, e acabei caindo na Light, trabalhando pouco tempo, 45 anos de Light!
P- Como é que o senhor entrou na Light? Como é que se dá a entrada na Light?
R- Ah, sempre com saudade daquele tempo.
P- Como é que o senhor entrou para trabalhar?
R- Fui apresentando por um amigo de papai... Foi um bilhete... um bilhete dele ao Dr. Ubirajara, aliás era do (Tiço?) Martins, e antes do (Tiço?) Martins, era o Ubirajara. (Tiço?) Martins era tio do Ubirajara. E o Ubirajara me apresentou ao Durval de Souza, que era o chefe do Registro do pessoal da Light. Ele me encaminhou à Seção de Subestações e ali, então, fiz a carreira na Light, até a aposentadoria.
P- O que o senhor fazia na área de Subestações?
R- Eu era escriturário. Eu comecei como auxiliar de escrita e fui promovido até chegar a chefe de escritório. O chefe da seção mesmo, era um engenheiro, mas o escritório da seção sempre ficou comigo.
P- Naquela época, como é que era a cidade de São Paulo?
R- A cidade de São Paulo era completamente diferente da de hoje, era limpa, sossegada. Limpa, sossegada, não... era mais paulistana. Eu tenho que... nós temos que lamentar esse fato. Dormia-se sossegado, sabe? Podia-se andar na rua livremente, sem medo de ser assaltado. Eu já fui assaltado oito vezes na cidade, no centro. A oitava vez eu estava com a minha filha, vínhamos de Indaiatuba, à noite, jogaram a minha filha contra a parede e me enfiaram a mão no bolso. A gente na hora fica que nem um bobo, tem gente na frente, gente atrás, se reagir morre. Foi a oitava vez, o oitavo assalto. Os outros foram no centro, durante o dia. Não sei se me acham com cara de rico, qualquer coisa, mas hoje assaltam qualquer um. Vai ser... nós vamos chegar numa época em que vai ser difícil encontrar um paulistano que não tenha sido assaltado pelo menos uma vez.
P- Antigamente...
R- Ah, havia sossego, havia tudo.
P- Do que o senhor gostava?
R- E havia bons representantes do povo. Agora é lamentável... agora é lamentável.
P- O que o senhor gostava de fazer naquela época? A sua recreação, qual era? O senhor trabalhava, e depois, pra se divertir, o senhor fazia o quê? Que atividades?
R- Eu me divertia de acordo com a ocupação que a Light me deu de chefe de Recreação e Esporte, eu me divertia em arranjar diversão para os outros. Ganhava pra isso. Cheguei a ser arroz de festa mesmo, fazia a programação pra divertir os colegas.
P- Depois de quanto tempo o senhor chegou a ter esse cargo de organizador de eventos?
R- Bom, comecei em... começou em 1957. Em 1957, eu fui transferido da seção de subestações para o registro pessoal, mas já com a promessa de dirigir a seção de recreação. E passei a dirigir e desenvolver. Dentro das minhas funções na recreação, eu ajudava os funcionários dos vários departamentos da Light, daqui e do interior, ajudava-os a fundar clubes. Então, fundei Clubes de Futebol no Escritório Central, ajudei... eu sou co-fundador do Clube de Xadrez, fundador do... fundei o Teatro Amador, o Coral, uma porção de sociedades. Ajudei a fundar um clube no departamento jurídico, ajudei a fundar o Clube das Moças e também um um grupo que se dedicava anualmente a realização do Natal, Natal dos “lighteanos”. Eu me dedicava a isso. E a Light, a Superintendência, correspondia e me incentivava.
P- O senhor, quando entrou na Light, já passava pela cabeça...
R- Não, nada disso.
P- Não?
R- Nada disso, nada disso. Essa coisa veio evoluindo depois.
P- Antes da seção de recreação, qual era o lazer do “lighteano”?
R- Hein?
P- Qual era o lazer do "lighteano", antes da seção de recreação? O que o "lighteano"...
R- Quase não tinha, quase que não tinha. Fora do expediente, eles... antes da Recreação... foi por isso que eu fui indicado, fui lembrado pra Recreação. Antes disso, sem prejudicar os serviços da Light, eu fazia programação para sábados e domingos: futebol, pescaria, excursão. Tinha um jornalzinho que eu fundei dentro da Light, com o nome de Tudo Azul, era muito benquisto, bem procurado. Já era recreação. E quando Marinho Lutz fundou a seção de recreação, se lembrava dessas minhas atividades. Foram me buscar e me transferiram da Seção de Subestações para o Registro do Pessoal já com esse intuito.
P- E a ideia do Clube das Moças, o que era concretamente? Em que consistia? Por que Clube das Moças?
R- Era clube beneficente. Elas faziam... se cotizavam, ajudavam pessoas pobres, dentro e fora da Light. Era quase uma associação religiosa, funcionava. Essa associação ainda está funcionando.
P- O senhor, naquela época, né, década de 1930 em diante, o senhor andou muito de bonde? O senhor podia contar como era isso?
R- Se viajava muito de bonde, né? Viajava muito pendurado nos estribos, eu fui também um pingente [risos].
P- Mas como é que era isso? De ir, de subir, de burlar o cobrador, o trocador...
R- Havia isso.
P- Como funcionava?
R- Havia isso... havia os condutores meio desonestos também, falavam até... havia até uma brincadeira, aquele negócio de tim-tim, né, que falava: "Tim-tim, três pra Light, dois pra mim". Então, eles cobravam e embolsavam uma parte, falava-se muito... sempre houve venenos na vida, né? Falavam muito que os portugueses, os condutores da Light, condutores e motorneiros, construíram casinhas na Vila Maria com dinheiro do tim-tim [risos]. O fato é que eles foram e construíram a Vila Maria, um bairro hoje muito populoso e progressista, né?
P- Até quando o senhor foi pingente? É pingente, né?
R- É. Bom, enquanto os bondes “caminhavam”, eu usei bondes. Depois os ônibus prevaleceram, né? Os ônibus foram tirando os bondes, aliás, não deviam ter tirado os bondes porque poderiam ter continuado. Numa cidade... na cidade americana de São Francisco, ainda os bondes funcionam, podiam funcionar aqui também.
P- E sobre os irmãos do senhor, alguns trabalharam na Light?
R- O Alcides trabalhou pouco tempo na Light. Depois ele ingressou como funcionário público, aposentou-se no Tribunal de Contas.
P- E a sua família, o senhor depois frequentava com a sua família os lugares, os campeonatos de futebol?
R- Ah, frequentava, frequentava. Eu sempre gostei. Uma coisa que eu frequentava bastante... bom, frequentava nos dias especiais, nos dias 15 de novembro... eu não faltava às paradas militares no Prado da Mooca. O Prado da Mooca era usado nos dias 15 de novembro pela Força Pública. Lá eles faziam as paradas militares, grandes paradas. Meu pai era militar, tanto que eu tive o prazer de, em 1920, 1921, ver meu pai desfilando garbosamente no Prado da Mooca. Depois o Prado da Mooca terminou. Transferiram o Prado da Mooca, transferiram as corridas, o hipódromo, para a Cidade Jardim. Então, ali ficou abandonado e acabou a minha festa também.
P- Como é que era o cotidiano do senhor, o dia a dia, quando entrou na Light? Entrava a que horas? Que funções o senhor desempenhava? Como é que era o funcionamento interno?
R- Da Light? Bom, era o funcionamento de um escritório... de muito movimento né? O escritório da subestações, por exemplo, coordenava a atividade dos funcionários, dos trabalhadores horistas ou não, das demais subestações da Light. Eu tomava conta, eu controlava também, por intermédio dos meus auxiliares, o ponto do pessoal das subestações.
P- O senhor controlava isso?
R- Vinha o ponto para o Escritório Central, vinha pra mim e eu mandava... eu somava, conferia e mandava pra seção de apontadoria. Tinha uma seção competente que tratava disso, a apontadoria, que trabalhava em comum acordo com a Pagadoria.
P- E quando o senhor foi transferido para a área de Recreação e Lazer na Light?
R- 57.
P- Como, com quem o senhor trabalhava? Como é que era o trabalho em grupo?
R- Bom, eu tinha... eu chefiava um grupo de uns 20 escriturários, subdivididos em grupos de serviço: tinha o serviço de arquivo, o serviço de ponto, o serviço de correspondência, etc, né? Todos ali... serviços no escritório central.
P- E a organização mesmo, era o senhor e...
R- Antes o pessoal de escritório não estava dividido em grupos de serviços, aliás essa organização fui eu que dei. Separei em grupos de serviços. Escalei: "Vocês ficam em um grupo de ponto, um grupo de arquivo, um grupo de correspondência e o grupo que contava tomava conta dos mensageiros". Essa parte eu organizei e tive sorte no sucesso.
P- Naquela época, que benefícios tinham os funcionários da empresa?
R- Hein?
P- Naquela época quais eram os benefícios dos funcionários da empresa?
R- Os benefícios? Bom, ordenado, a Light sempre pagou bem, viu? Sempre. Os empregados da Light não se queixavam muito de salário, como nos anos posteriores passaram a se queixar. Hoje todo mundo se queixa, né? Uns de barriga cheia, outros não, mas todo mundo se queixa. Mas o pessoal da Light foi... a superintendência da Light foi bem servida com referência a empregados, difícil de controlar, mas eu sempre... eu, por exemplo, não me queixava de salário, meus auxiliares também não se queixavam. De modo geral, os empregados da Light estavam mais ou menos satisfeitos. E houve um tempo em que havia aumento por merecimento. A Light dava aumento aos empregados de certos tempos por merecimento. Depois acabou essa mamata do aumento por merecimento, acabou quando vieram os aumentos por lei. O aumento por lei, então, aumenta vagabundo ou não pela mesma porcentagem [risos].
P- O senhor trabalhava na Light, e antes de trabalhar na Light o senhor se casou ou o senhor veio a se casar...
R- Não, quando eu me casei eu já trabalhava na Light.
P- E como é que você conheceu a sua esposa?
R- Era minha vizinha.
P- E aí? Como é que...
R- Aí começou o namorico, que acabou em casamento. Casamos na rua Casemiro de Abreu.
P- Foi a única namorada ou o senhor era namorador, gostava de...
R- Não, não fui namorador, mas tive umas namoradinhas. Firme mesmo foi essa, foi pra casar.
P- O senhor... embora a área do senhor não fosse de muito risco, o senhor já teve acidentes de trabalho?
R- Não, não tive, nunca sofri, felizmente.
P- Nem na pesca?
R- Hein?
P- Nem quando o senhor pescava?
R- Não.
P- Agora, mais especificamente na seção de recreação, né? Como era essa organização das festas? Como o senhor fazia pra organizar esses eventos?
R- Bom. Os clubes tinham... todos os clubes eram autônomos e tinham lá as suas atividades e apelavam pra mim constantemente. Eu ajudava muitas vezes na organização de uma festa, de uma excursão, etc. E ainda conseguia da Light um auxílio em dinheiro para o aluguel de ônibus, para um churrasco, aquela coisa toda. O tempo foi bom!
P- E era o senhor...
R- Eu tinha quatro... tinha três auxiliares, era a seção de recreação. Era assim.
P- E o que eles faziam?
R- Eles me auxiliavam nas programações. Nós tínhamos, no Escritório Central, o pátio de recreação que funcionava na hora do almoço e era responsabilidade da seção de recreação. E tinha o cinema, mas o cinema acabou. Eu dirigia cinco cinemas na Light, tinha contrato com as várias empresas cinematográficas onde eu alugava os filmes e fazia circuito com os filmes, né? Eu tinha cinema no escritório central, na Oficina do Cambuci, na Usina de Itupararanga, pra lá de Sorocaba, e na Oficina do Cambuci. Tinha cinco cinemas, eu fazia circuito com os filmes. Mas, era um tempo bom! E as moças, às vezes, me ajudavam na programação. Elas reclamavam: "Ah, Senhor Severino, há muito tempo que o senhor não traz um filme com o artista tal, a artista tal". Então, eu ia buscar.
P- Que filmes eram exibidos? Qual era a preferência?
R- Era... de acordo com a recomendação da Light, eu censurava os filmes, eu buscava filmes bons, se bem que agora quase não existem filmes bons, né? Bom... eram mais esportivos, excursões, tinha histórias, tinha novelas, tinha coisas, mas sem escândalo, né? Hoje, em geral, nós temos que... ligamos a televisão e o escândalo vem a domicílio [risos].
P- O que as pessoas pediam que fosse programado nos cinemas?
R- É... mais as moças, mais as moças que...
P- O que elas pediam?
R- Elas pediam uns artistas, determinados artistas, né?
P- Quem eram os artistas?
R- Hein? Ah, esqueci o nome deles. Esqueci o nome dos artistas neste momento, mas eram os artistas da época, né?
P- O senhor, no tempo que trabalhou na área de recreação, qual foi a obra, o trabalho mais importante, que o senhor se identificou mais, tem melhores lembranças?
R- Bom, eu achei importante tudo quanto... quanto eu achei importante realizar na Light, né? Eu tenho... pra isso, fazia meus relatórios para a Superintendência, fazia relatórios à chefia do departamento que, por sua vez, encaminhava à Superintendência, etc. Recebi muito elogio por isso.
P- Durante essas festas, acontecia algum fato pitoresco, alguma coisa que o senhor se lembra, que marcou?
R- Pitoresco? Eu acho que teve, mas no momento... Pitoresco foi mais no Clube de Pesca, pescador é sempre pitoresco. Mas eu não me lembro, no momento, de nenhum. Mas teve um muita coisa boa, agradável, divertida mesmo. Uma vez por mês, o Clube de Pesca organizava pescaria. Nós tínhamos a nossa sede de pesca em Pirapora. Aliás, logo que eu fui... tomei posse como chefe da recreação, eu pensei em duas coisas. As duas primeiras coisas que realizei imediatamente, com o beneplácito da Superintendência: o Clube de Pesca e o teatro amador e coral. Para o Clube de Pesca, a Superintendência me deu logo a sede. Tinha um prédio antigo, quase uma ilha, lá em Pirapora. Mandou reformar o prédio, mandou fazer uma barcaça na Oficina do Cambuci, eu tenho tudo em fotografia. E mensalmente, uma vez por mês, nós tínhamos uma pescaria coletiva. Cheguei a alugar cinco ônibus num mês. Iam pescadores e família. Aí, era sempre festa, pai e mãe pescando. E, uma vez por ano, havia o campeonato de pesca. A coisa pitoresca e agradável é que as moças que pescavam, muitas vezes, pescavam mais que os homens. Eu tenho fotografia das moças recebendo prêmios de pescaria, etc. Foi uma época boa, muito, muito divertido! A Gazeta Esportiva participava muitas vezes, colaborou fazendo reportagens, né? Foi bom. Essa época, como outras, deixou saudades!
P- Mas essa, sem dúvida é umas das...
R- É uma satisfação minha.
P- Quanto tempo duraram essas pescarias coletivas?
R- Eu me aposentei em 73. Nessa ocasião, eu já não era presidente. Eu fui presidente duas vezes, fui diretor de pesca duas vezes e os que me substituíram, eu não sei o que aconteceu, porque depois que me aposentei houve uma debandada danada. O pessoal passou a não frequentar mais o Clube de Pesca. Disseram... me disseram e eu acredito nisso: a poluição, né? Os peixes morriam por falta de vida, aliás tava morrendo no Rio Tietê e em outros lugares, né? Peixe, quando pega no anzol, é suicídio, porque não quer mais viver naquela água, né? Então, abandonaram e o clube morreu, acabou morrendo por abandono. Não sei como está hoje. Hoje a ADC [Associação Desportiva Cultural] tomou conta e fez lá um acampamento esportivo. Tem a pescaria, tem um pequeno lazer de pesca, tem, me parece, que tem pingue-pongue, tem uma sede pra quem quer passar o dia, o fim de semana lá. Tá muito bom! Mas como Clube de Pesca não existe... não tem mais.
P- Mas ainda tem essas atividades?
R- Tem atividade.
P- Onde o grupo costumava fazer a pescaria, em que lugar?
R- Bom, nós pescávamos também... tínhamos a pescaria mensal, mas nem sempre era só em Pirapora. Nós variávamos, nós pescamos em Santos, na Bororé, na Ilha das Palmas. Fomos pescar lá, era um lugar bonito de pesca. Pescamos em vários lugares. E alugávamos... na Ilha das Palmas, parece que foram sete... se não me engano, me parece que foram sete ônibus lotados, superlotados de famílias. O objetivo era a pesca e conhecer a ilha, que era muito bonita, Ilha das Palmas.
P- O grupo chegava a acampar nos lugares ou era só chegar de manhã...
R- Não, ia de manhã e voltava à noite... de tarde, né? Nunca acampamos. Fizemos isso, particularmente eu e meus irmãos, muitas vezes dormimos no Clube de Pesca, mas isso era coisa extra.
P- O senhor falou também do teatro amador...
R- Hein? Pesca amador?
P- Teatro.
R- No teatro amador, eu fui fundo. O nosso teatro amador se exibiu em todos os teatros da prefeitura, inclusive uma vez no Teatro Municipal. E uma vez lá em Santos, no auditório da City de Santos, subsidiária da Light, com muito sucesso. O coral da Light cantou em todos os canais de televisão, cantou, inclusive, uma vez num programa, com uma porção de estações interligadas, num programa de Natal, com muito sucesso. Mas tanto o teatro amador como o coral aos poucos foram também morrendo. Muita gente aconteceu... eu verifiquei também que uma das causas era que o camarada ficava conhecendo uma das moças do teatro amador ou do coral, aí o namorado dizia: "Eu cantei você, agora não quero que você cante mais em coral nenhum" [risos]. E acabava o coral... e o coral acabou por falta de cantores. E o teatro amador a mesma coisa [risos]. E é por isso que todos os corais sofrem dessa doença.
P- Que peças eram levadas pelo teatro amador?
R- Hein?
P- Peças, quais peças?
R- As peças?
P- É.
R- Muitas peças... Não me lembro agora, mas Cala a boca, Etelvina é uma peça que fez muito sucesso. As nossas artistas representaram muito bem. Eu fiz um
esquete... escrevi um esquete que foi... fiz o coral... o teatro amador ensaiar como prevenção de acidente e foi representada no canal Cinco, Televisão Paulista. Canal Cinco hoje é a Globo. Foi muito bom!
P- E como é que era a divulgação dessas peças?
R- A própria Light divulgava, a própria Light divulgava.
P- Do ínicio do seu trabalho até a aposentadoria do senhor, que coisas destacaria?
R- Hein?
P- Que coisas você destacaria nesse período de trabalho?
R- Bom, eu destaco muito a minha função na seção de recreação, foi a que deu mais trabalho, muita satisfação, prestigiado pela Superintendência da Light, nunca posso esquecer isso. Principalmente o superintendente Marinho Lutz, que foi um grande superintendente. Foi ele que fundou a seção de recreação.
P- E a ideia das festas natalinas?
R- As festas natalinas, por exemplo, o coral, nos Natais, cantava as músicas natalinas, né? Nós tínhamos um maestro competente, aliás, ele ainda é cantor do Teatro Municipal. Foi empregado da Light e era cantor do Municipal, Oreste Nesti. Hoje é aposentado da Light também. Ele fazia boas programações natalinas.
P- Consistia em que, além dos presentes?
R- Tinha, além dos presentes, por exemplo, festa da bandeira. Festa da bandeira era feita no último andar da Light, hasteava-se a bandeira e o coral cantava ali. Era muito bonito também. A função do coral foi importante.
P- O senhor ajudou a criar algum grêmio dentro da Light?
R- Ah, uma porção.
P- E depois?
R- Bom, eu criei o coral, o teatro amador, o Clube de Pesca, a Associação das... esqueci o sobrenome... o nome completo da entidade. Eu tenho o nome marcado nos meus livros. Ajudei a fundar... aí, eu fui co-fundador, né? Mas, tem uma porção de entidades, inclusive aqui e no interior, que ajudei a fundar. Eu fornecia até o estatuto, organizava, convocava a reunião para a aprovação desse estatuto e a eleição da primeira diretoria de fundação de acordo com o estatuto já em função, depois eu entregava o clube à diretoria. E já pedia à Superintendência da Light uma verba para ajudar o clube. O clube, além disso, tinha as mensalidades dos respectivos associados, mas a Light ainda dava uma pequena verba mensal. Então, um bom tempo esse!
P- Nessa época dos vários grêmios, já havia alguma idéia de unificação?
R- Ah, já, já. Já havia, e também havia algumas opiniões contrárias porque achavam que, por exemplo, gente do Clube de Pesca, né, por ser Clube de Pesca, não quer outro clube que não seja Clube de Pesca. E achavam que com a fusão de clubes, os sócios do Clube de Pesca ficariam prejudicados, o sócio do Clube de Xadrez ficaria prejudicado, o Clube de Dança: "Ah, não me interessa a dança, não me interessa pescar". E assim por diante. Então achavam que isolados, independentes como estavam, funcionavam bem. Enfim, venceu a outra idéia e a ADC está funcionando bem.
P- Vamos pegar um pouco a atualidade, agora. O senhor mora onde, mora com quem atualmente?
R- Ah, moro com a minha filha viúva. Só eu e ela. Antes a família tava grande, tinha as filhas da Yara, depois elas se casaram, depois minha mulher morreu, né? Minha mulher morreu... minha mulher me deixou depois de 60 anos de casados, me deixou porque morreu. Então, eu fiquei só com a Yara, a Yara viúva também. A Yara enviuvou com três anos e meio de casada, nunca mais pensou em casar.
P- O senhor ainda mantém elo com a Light, com a Eletropaulo?
R- Hein?
P- O senhor ainda mantém algum elo com a Eletropaulo?
R- Ah, sim. Sempre, eu tenho muitos amigos, de vez em quando eu vou visitar. Agora eles mudaram, saíram do escritório central, estão longe, estão na Granja Julieta, não sei onde, eu preciso ver o endereço certo para poder visitá-los. Mas no Escritório Central da Light eu tenho muitos... não daquele tempo, porque o que não se aposentou, morreu ou tá ...
P- Qual é a sua principal atividade hoje, Senhor Severino?
R- Eu hoje participo de várias entidades que sou sócio, vez ou outra colaboro com eles, na medida do possível. Em casa eu gosto de rabiscar coisas, reminiscências, né? Sou... gosto muito de ler.
P- O senhor tem algum sonho?
R- Hein?
P- Tem um sonho?
R- Eu não sei qual seria. Meu sonho agora é ver meus netos, meus bisnetos, grandes, casando e progredindo. Esse é um sonho adorável.
P- E se o senhor pudesse mudar alguma coisa na sua vida, o senhor mudaria? O que seria?
R- Não, eu acho que agora eu não quero mudar, com 84 primaveras [risos].
P- E para terminar, qual a lembrança mais marcante na sua vida?
R- Bom, agora eu vou ter uma lembrança muito agradável, esta reunião aqui, vou sair daqui olhando pra trás.
P- Muito obrigado, Senhor Severino, pela entrevista, tá bom?
R- Eu gostaria de poder ter lembrado muita coisa mas eu acho que a memória tá falhando... gastou um pouquinho, né?
P- Se o senhor quiser acrescentar mais um pouquinho pode acrescentar aqui.
R- Não, mas eu fiquei devendo umas informações, eu vou trazer aqui. Eu posso trazer aqui, né?
P- Pode.
.
R- Qual é o horário? Nesse horário mesmo?
P- A gente liga pro senhor, tá bom?
R- Tá.
P- Obrigado.
R- Eu é que agradeço.
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