Projeto: Museu Clube da Esquina
Depoimento: Neila Maria Batista Afonso
Entrevistado por: José Santos
Local: Belo Horizonte, 17 de abril de 2004
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: 006
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
P/1 – Boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Eu queria começar a entrevista perguntando o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – O meu nome é Neila Maria Batista Afonso. Eu sou de Minas Gerais, da cidade Morro do Pilar. Nasci em 12 de março de 1961.
P/1 – E eu queria antes da gente entrar no assunto Clube da Esquina, que você contasse sucintamente um pouco da sua trajetória profissional e política.
R – Bem, eu tenho que remontar um pouco então a minha infância. Eu sou filha de trabalhadores rurais que viviam distante da área urbana da minha cidade, doze quilômetros. Aí aos 7 anos era impossível andar vinte e quatro quilômetros para estudar. Então eu me separei da minha família...
P/1 – Vinte e quatro?
R – É, porque eu tinha que ir e voltar todo dia, né?
P/1 – Nossa.
R – Seria absolutamente impossível. Então eu vi, e vim para Belo Horizonte. Meu pai já tinha vindo antes, porque também tinha percebido que a exploração da agricultura de subsistência – que era praticamente a que a gente fazia, nós tínhamos uma pequena fábrica, fabriqueta de farinha de mandioca – ela está ficando insuficiente, né? Então ele já tinha vindo. Ele veio exatamente em 1964 para Belo Horizonte e eu vim em 1967. Fui morar com uma tia. Como a história de muitos mineiros que não são de Belo Horizonte, mas que se tornaram de Belo Horizonte. E vim para estudar e com a família toda. Eu tenho quatro irmãos, são todos, quase um atrás do outro. Meu pai teve que batalhar muito e minha mãe também para a gente poder dar conta de cumprir aquela história de estudar, ter uma formação e tal. E eu fui muito grata a eles, porque eles fazem como todos pais de um modo geral fazem. Eles se negaram para...
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Depoimento: Neila Maria Batista Afonso
Entrevistado por: José Santos
Local: Belo Horizonte, 17 de abril de 2004
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: 006
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
P/1 – Boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Eu queria começar a entrevista perguntando o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – O meu nome é Neila Maria Batista Afonso. Eu sou de Minas Gerais, da cidade Morro do Pilar. Nasci em 12 de março de 1961.
P/1 – E eu queria antes da gente entrar no assunto Clube da Esquina, que você contasse sucintamente um pouco da sua trajetória profissional e política.
R – Bem, eu tenho que remontar um pouco então a minha infância. Eu sou filha de trabalhadores rurais que viviam distante da área urbana da minha cidade, doze quilômetros. Aí aos 7 anos era impossível andar vinte e quatro quilômetros para estudar. Então eu me separei da minha família...
P/1 – Vinte e quatro?
R – É, porque eu tinha que ir e voltar todo dia, né?
P/1 – Nossa.
R – Seria absolutamente impossível. Então eu vi, e vim para Belo Horizonte. Meu pai já tinha vindo antes, porque também tinha percebido que a exploração da agricultura de subsistência – que era praticamente a que a gente fazia, nós tínhamos uma pequena fábrica, fabriqueta de farinha de mandioca – ela está ficando insuficiente, né? Então ele já tinha vindo. Ele veio exatamente em 1964 para Belo Horizonte e eu vim em 1967. Fui morar com uma tia. Como a história de muitos mineiros que não são de Belo Horizonte, mas que se tornaram de Belo Horizonte. E vim para estudar e com a família toda. Eu tenho quatro irmãos, são todos, quase um atrás do outro. Meu pai teve que batalhar muito e minha mãe também para a gente poder dar conta de cumprir aquela história de estudar, ter uma formação e tal. E eu fui muito grata a eles, porque eles fazem como todos pais de um modo geral fazem. Eles se negaram para que a gente pudesse ter o espaço que a gente teve. Então, nós fomos morar em um bairro de periferia da cidade, no bairro Pindorama. Que para você ter uma idéia em 1968 não tinha asfalto, não tinha água canalizada, não tinha nada disso e também faltava muita assistência de políticas sociais, como de resto no Brasil todo, naquele período era muito falho. E eu me envolvi logo com as poucas possibilidades de articulação comunitária ali, que era uma entidade ligada a um grupo religioso, de irmãos religiosos da Holanda, que tinha lá um seminário de formação de religiosos. E começamos um trabalho, então, social na comunidade. E isso eu acho que também foi determinante para eu me tornar... para a minha decisão de formação profissional. Eu sou assistente social e acho que essa história então anterior, comunitária, de se juntar para buscar recursos coletivos como água canalizada, escola para o bairro, melhorar a rua. Tentar fazer todas essas coisas. Grupos de compra. Nós... Na década de 1970, foi o auge do movimento da carestia. Então, a gente tentava articular a comunidade em torno de grupos de compra para baratear isso. E também nesse período eu tive um grande envolvimento com a militância da Juventude Católica. Eram os famosos grupos de jovens, e então foi o momento que eu comecei a me tornar uma pessoa com uma capacidade de percepção mais ampla da vida, do mundo, das coisas. Foi como eu me... foi quando eu me deparei com o drama da ditadura militar. Porque em 1971 eu tinha 10 anos, mas eu comecei então a perceber que tinha coisas erradas acontecendo. Porque no ensino fundamental até ali pela quarta série era a história do... eu tinha o meu Brasil, essa coisa toda. Mas logo depois, entrando na segunda etapa do ensino fundamental, quinta, sexta série, aquela época era assim divididos os ciclos escolares, eu comecei então a perceber que tinha algumas coisas erradas. E isso começou a incomodar. Por quê? Porque um certo senso, vamos dizer assim, uma certa sensibilidade para as questões comunitárias, sociais, essa idéia da igreja de trabalhar em favor dos pobres. Era início da discussão também da teologia da libertação e das comunidades eclesiais de base quer dizer, tudo isso foi um procedimento. E aí nesse processo, eu me tornei uma liderança comunitária local, na minha comunidade. É, uma liderança desse movimento de igreja em torno da juventude. Fui catequista, trabalhei com jovens em minha comunidade. Minha faixa etária, e depois então me descobri fazendo o curso de Serviço Social.
P/1 – Serviço Social.
R – Por opção exatamente em torno dessa trajetória de vida anterior.
(pausa)
P/1 – E então quer dizer, a partir da sua escolha profissional do trabalhar... E fazer o curso de Serviço Social, foi aonde?
R – Foi na Puc aqui, de Belo Horizonte. Bom, mas então a partir disso a gente vai se encontrando com outras questões na vida. E aí que não sei se já é o momento de dizer, mas é aí que entra a minha história de relação com o Clube da Esquina.
P/1 – Por quê?
R – Por quê? Porque exatamente nesse período era o período das inquietações, dos questionamentos, das dúvidas. Era o momento em que a gente estava querendo transformar o mundo de certa forma, que a gente sonhava, eu era exatamente adolescente nesse período, né? 14, 15, 16 anos. E muitas respostas eu já não estava mais conseguindo encontrar naquelas atividades que eu fazia ali. E as letras, né, e a música que todo o pessoal do Clube produzia era um negócio absolutamente fundamental para a reflexão que a gente fazia. Era como se eles conseguissem dizer todas as coisas que estavam nos incomodando de uma maneira absolutamente poética e tal. A gente... Eu me senti um pouco assim: “Ai que vontade, que inveja, que desejo de ser eu que tivesse escrito tal música”, sabe?
P/1 – Hum, hum.
R – Porque conseguia dar essa dimensão coletiva de algo que estava na cabeça de muita gente, de muitos lugares, vindo de histórias completamente diferentes com situações as mais diversas, com situações de vidas as mais complexas. Mas conseguia, esse movimento do Clube, fazer isso através das músicas. A gente se reunia na época minha de grupo de jovem, mas uma das coisas mais bacanas que a gente fazia era promover encontros e ter um violão sempre e ter a cantoria. E essas músicas eram as nossas inspiradoras nesse processo de reflexão, de amadurecimento diante da vida, de opção que nós faríamos em termos de militância social, de militância política. Isso foi um processo que do ponto de vista da minha formação foi muito importante para mim. Não só no sentido de perceber a cultura por um outro viés, que não fosse aquela coisa de pensar que cultura é folclore como nos ensinavam lá, as datas comemorativas na escola de primeira a quarta série. Mas de perceber que tinham coisas que se ligavam mesmo que a gente não conhecesse as pessoas. Então a minha primeira relação, vamos dizer assim, com o Clube da Esquina foi uma relação absolutamente de fã, de tiete, de admiradora, de alguém que lia as letras como poesia - e que elas são verdadeiramente poesia - e de ser algo que me, conseguia me responder questões que eu ficava me perguntando, né? E que me ajudava também a continuar sonhando, isso que é a verdade.
P/1 – Que legal. E tem algumas músicas que você podia nomear que tenham a...
R – Sim, eu quero nomear uma, por uma razão muito particular. Pelo fato de eu ser mulher e de ser uma feminista que não foi uma feminista histórica. A minha militância ela tem muito mais um caráter comunitário do que feminista. Mas quando a gente é militante em qualquer área, em qualquer setor, seja na política parlamentar, partidária, na política social a gente acaba verificando como as coisas se entrelaçam, como as coisas não são separadas. É um processo de maturação, é um processo difícil, mas a gente acaba percebendo isso. E tem particularmente uma música que o Milton fez, não sei se é do... Que me marcou muito, que foi o LP, né? Nessa época não tinha CD.
P/1 – É, LP.
R – Do Clube da Esquina, mas particularmente não sei se é desse LP, não me lembro mais, mas que foi para mim assim fundamental exatamente pelo fato de ser mulher, que foi Maria Maria. E que assim...
P/1 – Do Fernando Brant, né?
R - ...mexeu assim profundamente e é um ícone para nós. Depois teve o Grupo Corpo fazendo uma apresentação no Palácio das Artes em que Maria Maria era, era... Nossa, então assim, para mim foi um marco, assim, uma referência. Muito importante. E até hoje a gente se arrepia nas atividades que a gente tem feito aí na Câmara Municipal, em torno dessa questão da discussão da igualdade e da relação de gênero, Maria Maria é uma marca assim fundamental.
P/1 – Ô, Neila, você sabe que aqui nessas entrevistas todo mundo canta um pouquinho, né?
R – Nossa. (risos)
P/1 – Você pode cantar um pedacinho do Maria Maria para quem não conhece.
R – Posso. Eu sou uma, vai ser um horror, né? Porque eu sou absolutamente desafinada.
P/1 – Mas ah, todos amadores aqui.
R – Absolutamente desafinada, um horror. (riso) Mas canto, claro. (Canta) “Maria, Maria, é um dom é um...” aí já tem problema, porque eu sempre misturo. Vamos lá. “Maria, Maria é um dom é um som, é um suor, é uma força que nos alerta...” Não, eu vou cantar bobagem, porque eu não guardo tudo seguido. Eu só canto junto com todo mundo. Vou falar bobagem.
P/1 – (riso) Então você solfeja. “na, na, ra, na...”
R – (Canta) “Mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter sonho sempre. Quem tem na pele essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida.” (riso)
P/1 – Nossa que beleza.
R – É isso.
P/1 – E as músicas do Clube estão aí na memória afetiva de todo mundo, né?
R – Com certeza. Eu acho que nós da... eu falo que eu nasci em 1961, mas me considero da geração de 70. Porque é quando, verdade, a gente adquire uma idade em que a gente começa a ter uma percepção mais clara do mundo, da vida, um entendimento das coisas. Então exatamente nesse período que era o momento auge, inclusive, do Clube da Esquina. Eu morava na periferia. Era uma pessoa, continuo sendo, uma pessoa pobre. Mas que buscava acessar e ler, e ter conhecimentos e tal. E claro nunca frequentei os espaços dos bares, das regiões que a moçada frequentava. Santa Teresa para mim era novidade. Maleta, qualquer região que o pessoal frequentasse era novidade para mim. Que eu só vim a frequentar bem mais tarde. Mas de verdade, eu acho que é impossível pensar que quem tinha... era adolescente, pré-adolescente, jovem na década de 1970, 1980, eu acho que no caso particularmente quem estava em Belo Horizonte. Mas em Minas, como um todo é impossível imaginar que o Clube não tenha de um jeito ou de outro, em uma medida ou noutra, em doses maiores ou menores tido algum tipo de relação, influência, envolvimento, né? E hoje eu fico vendo, por exemplo, quando eu penso no Skank, eu não tenho dúvida nenhuma de que eles são parte dessa história do Clube da Esquina. Resultado disso. São absolutamente influenciados por essa trajetória, por essa história e tudo. E a mim me orgulha muito que nós lá na Câmara Municipal, a bancada do meu partido – Partido dos Trabalhadores – tenhamos feito homenagem ao Clube. Porque ela é absolutamente justa. Não existe homenagem injusta. Mas essa sim, é de uma correção com os nossos valores, com a nossa história, com a nossa cultura, com o reconhecimento daquilo que nós fazemos de melhor e que muitas vezes a gente fica quieto. Essa história de que mineiro faz as coisas sem barulho, não é muito bom, né?
P/1 – (riso)
R – É reconhecidamente visto no Brasil a potencialidade cultural de Minas em vários setores. Na música espetacularmente, nós temos uma demonstração ampla e histórica. E a gente às vezes faz pouco barulho com isso. Acho que fazer qualquer homenagem à essas pessoas, para mim é uma forma de você dizer: “Olha, isso marca, isso tem sentido histórico. Isso tem identidade com a nossa vida. E portanto, isso é fundamental. Principalmente para quem vai vir depois de nós.” Você tem diversas maneiras de registrar as coisas, né? Mas eu penso que quando você registra, e nós estamos registrando algo que não acabou, na minha opinião. Porque eu acho que isso é importante dizer também. Nós não estamos falando do Clube da Esquina como passado, mas como uma trajetória que tem uma data de início. Exatamente em um dos períodos mas duros da nossa história, que é o período da ditadura. Estar fazendo isso agora, quando a gente está lembrando os 40 anos do golpe, é importante. E estar fazendo com o Clube existindo, né? Ele está aí. As pessoas estão aí. Elas continuam produzindo, elas continuam na luta. Então eu acho que continuam ajudando a todo mundo a perseguir seus sonhos. Isso que eu acho que é bacana e que é legal.
P/1 – Neila, falando já de marcos políticos, a gente está fazendo também 20 anos das Diretas Já.
R – Isso.
P/1 – E o Clube passa um pouquinho também pelas Diretas Já, não é?
R – Com certeza, aqui para nós foi decisiva a presença do Fernando Brant, do Milton, da família Borges. Participando diretamente, se envolvendo diretamente nos palanques, nas diversas caminhadas de milhares e milhares de pessoas. Eu me orgulho muito. Eu vejo as fotos na época da campanha das Diretas, eu falo assim: “Eu queria bem me achar aqui no meio. Mas não me acho.” Mas não me preocupo com isso, porque eu sei que eu estava lá. aquele cruzamento, lá em São Paulo é famoso, da São João com Ipiranga, aqui o cruzamento famoso para nós é o cruzamento da Afonso Pena com Curitiba, Praça da Rodoviária, Caetés, né? Assim, porque dali se espraiou para tudo quanto era rua. E a Afonso Pena foi tomada até quase a prefeitura. E com todo mundo. Então assim, também é isso, quer dizer, eu acho que arte nunca penso que ela seja algo que acontece à toa. Ela tem um engajamento. Você pode fazer isso de diversas formas. Mas esse engajamento ele é real, é concreto e ele fez parte dessa história, né, nossa. E na minha opinião de uma maneira bacanérrima, porque era muita poesia. Você tinha... não era um negócio que você fazia assim, um embate, como por exemplo, fez o Geraldo Vandré. Não era aquela coisa de bater de frente com a ditadura. Mas você dizia coisas de uma maneira tão, tão leve que o mais desatento pudesse talvez não perceber o que se estava dizendo ali, não é? Então para mim foi assim, essa referência de formação também. De você perceber que você pode fazer uma militância de maneira absolutamente respeitosa, de maneira solidária, de maneira franca e de uma maneira carinhosa. É possível fazer. Eu acho que as músicas, as letras, essa relação de amizade, de encontros e desencontros entre os membros do Clube, que tiveram trajetórias, momentos de estarem mais juntos, de estarem mais pertos, caminhadas né, por estradas diferenciadas e que estavam sempre de alguma maneira se encontrando de novo. Eu acho que é isso que a história do Clube deixa de mais forte. Particularmente a mim é essa possibilidade. Você vê que a cultura é algo que não é separado da vida. Mas ela é absolutamente a vida.
P/1 – E nós estamos chegando ao fim da nossa entrevista infelizmente, mas contar a história do Clube da Esquina , também é contar a história de Belo Horizonte.
R – Com certeza.
P/1 – Então eu queria que você contasse uma história pessoal sua que não tenha a ver com o Clube, não precisa. Passada então nesse seu bairro de infância que é o bairro de Pindorama, não é isso?
R – Isso. Bem, nossa, são tantas histórias. (riso)
P/1 – (riso)
R – Porque eu vivi lá trinta anos, né?
P/1 – Trinta anos.
R – Foi assim, eu acho que o mais bacana foi perceber que era uma comunidade de pessoas absolutamente pobres, de trabalhadores. A maioria do comércio, na construção civil. Meu pai mesmo, fez um pouco de tudo na vida. Ele é bombeiro, ele é mestre de obras, ele é... se mete a eletricista. Eu me lembro assim, só para contar esse fato que foi muito marcante para nós lá. Como eu te disse quando nós mudamos em 1968 para lá, nós não tínhamos água encanada. A cisterna que abastecia lá em casa, tinha vinte e sete metros. Então, quando a gente pode comprar uma bomba... o dia que a bomba estragava era no braço que a gente tinha que tirar essa água. Ou então, ir em uma nascente que tinha próximo. Lavar roupa sempre foi nessa nascente. E essa nascente ela tinha muitos sanguessugas assim. Então o horror da gente, das mulheres todas que estavam lá, era de repente se deparar com três, quatro grudada e daquele tamanho na gente. Porque eles agarram e a gente não nota, né? Então assim, eu tinha esse pavor de lavar roupa nessa nascente por conta disso. Mas é, a história que mais me comove foi o fato do meu pai ser capaz de se adaptar com toda a simplicidade dele - ele conseguiu estudar até a quarta série do ensino fundamental, ele tem o ensino primário - dele se adaptar à vida. Então, quando depois dos processos de mobilização, de batalha e tal, a Copasa estende o serviço de abastecimento, o meu pai rapidamente – porque é absolutamente inteligente – ele aprendeu a fazer instalação de todos os hidrômetros. Então meu pai virou o seu Zé Bombeiro na minha comunidade. Por quê? Porque ele conseguiu fazer rosca em cano. Então lá em casa assim, era um entra e sai diário. Porque ele era a pessoa que certamente naquele bairro foi o que mais instalou hidrômetros na região. Isso para mim foi um negócio muito bacana. Porque era um conquista da comunidade e ao mesmo tempo uma conquista do meu pai também. Que soube driblar as diversas coisas da vida. Ele trabalhava a noite, era vigilante noturno e durante o dia ele fazia esses serviços todos na comunidade. Ele tem hoje 73 anos, está muito saudável. E quando ele viaja, por exemplo, vai até a minha terra fica uma semana, quinze dias, as pessoas vão lá em casa e perguntam para a minha mãe: “O que é que aconteceu com seu Zé?” Porque ele é absolutamente zen com a vida, conta piada o tempo inteiro, e tem sempre alguma coisa para fazer graça para as pessoas. Então as pessoas vão perguntar por que ele deixou de ficar lá. Eu brinco com ele e falo assim: “Você é o maior medidor de rua que eu conheço, porque você anda o dia inteiro.” Mas esse fato foi uma das coisas assim da minha história que marcou e tem a ver com a história da cidade, com a briga da periferia por melhores condições de vida. Juntando isso com um outro fato que também para mim foi assim, absolutamente determinante. Quando da eleição do prefeito Patrus Ananias... Eu sou militante do PT, o PT tem vinte e quatro anos, quer dizer, esse ano eu tenho vinte e dois anos de militância partidária, estou no meu primeiro mandato eletivo. Mas o Patrus me convidou para ser, àquela época era administradora regional, da minha região que é Noroeste. E eu assim, cheia de medo, de pavor, aceitei o desafio de fazer esse trabalho. E foi acho que o melhor desafio que eu já aceitei na minha vida, porque tinha a ver com a minha história de comunidade, de liderança comunitária, de luta por melhores condições e qualidade de vida na cidade, na minha comunidade. E ao mesmo tempo eu pude ter essa dimensão na região mais populosa da cidade. Então assim, eu me sinto uma cidadã de Belo Horizonte absolutamente privilegiada porque eu tinha todos os indicadores para ser uma pessoa absolutamente comum. Ter… Não sou casada por falta de opção. Não é por... eu não fiz a escolha de não me casar, não. Foi porque não apareceu mesmo.
P/1 – (riso)
R – (riso) Mas me sinto muito privilegiada porque como alguém que é filho de trabalhador rural, que nasce no interior, que luta muito para estudar e tal, eu cheguei a ocupar e ocupo hoje um espaço importante na minha cidade. E isso eu valorizo muito, respeito muito e sou muito grata à população dessa cidade, que percebeu no processo da gestão na administração democrática e popular do Governo Patrus e que veem até hoje, é essa possibilidade. Que depois de 4 anos de eu ter deixado, voltado para a minha ação profissional de assistente social e decidido me candidatar, consegui me eleger na minha primeira eleição. E estou fazendo um mandato que eu acho que corresponde às expectativas das pessoas e tudo. Então, eu tenho uma gratidão profunda com a população dessa cidade, que é uma população nota 10.
P/1 – Nota 10, né? Então eu queria agradecer aí o seu depoimento.
R – Eu agradeço. Para mim é... Pode saber, eu estou absolutamente honrada de estar participando, de estar fazendo esse depoimento. Isso para mim é motivo de muita alegria. E é uma forma que eu acho que tem da gente ser um pouco pagador daquilo que a gente deve a todo outro ser humano com que a gente se encontra na vida. Que é um pouco expressar os sentimentos, as nossas emoções, as nossas experiências. Deixar isso de alguma forma registrado para quem vem depois de nós para que eles possam fazer desse espaço do mundo um lugar melhor do que a gente tenha conseguido deixar.
P/1 – Então muito obrigado.
(Fim da entrevista)
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