Projeto Memória nos Bairros
Depoimento de Makoto Miyamura
Entrevistado por Marina e Claudia
São Paulo, 05/10/2000
Realização Museu da Pessoa
Código: MT_HV029
Transcrito por Valéria Peixoto de Alencar
Revisado por Ligia Furlan
P/1 – A gente vai perguntar algumas coisas de novo, porque está registrando. Então queria que você me dissesse seu nome completo, local e a data de nascimento.
R – Meu nome completo é Makoto Miyamura, local de nascimento, município de Marília, só que foi na zona rural, onde naquela ocasião se chamava Ribeirão dos Índios, e data de nascimento, dia seis de março de 1944.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai se chama Yutaka Miyamura e a minha mãe Itsuko Miyamura.
P/1 – E o que é que eles faziam como atividade profissional?
R – Eles, como praticamente 100% dos imigrantes japoneses antigos, chegaram e começaram na lavoura, no interiorzão, enfrentando a lavoura, e particularmente meu pai, quando tinha 15 anos de idade, ele conheceu um mestre japonês "odontólogo", dentista, provavelmente ele descobriu a facilidade nesta atividade e começou aprender a arte da odontologia. Naquela época não tinha escolas no sítio, ele tinha muita vontade de estudar, mas foi um autodidata. Ele estudou a língua japonesa, porque veio com três anos de idade, e vai completar 89 anos esse ano, quer dizer que, praticamente, ele é brasileiro, mas estudou a língua japonesa, a língua brasileira sozinho, sem praticamente ter ido à escola. E teve esse mestre que era um dentista formado no Japão, com 15 anos de idade começou a aprender. Então a família trabalhava na lavoura e ao mesmo tempo ele foi se aperfeiçoando nessa arte da odontologia.
P/1 – E o que é que você sabe da vinda dos seus avós, como que eles vieram, você sabe alguma coisa?
R – Eles vieram pela imigração. Agora, tem uma pessoa muito especial, que é minha avó, mãe da minha mãe, que veio do Japão, perdeu o marido dela no Japão – que era...
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Depoimento de Makoto Miyamura
Entrevistado por Marina e Claudia
São Paulo, 05/10/2000
Realização Museu da Pessoa
Código: MT_HV029
Transcrito por Valéria Peixoto de Alencar
Revisado por Ligia Furlan
P/1 – A gente vai perguntar algumas coisas de novo, porque está registrando. Então queria que você me dissesse seu nome completo, local e a data de nascimento.
R – Meu nome completo é Makoto Miyamura, local de nascimento, município de Marília, só que foi na zona rural, onde naquela ocasião se chamava Ribeirão dos Índios, e data de nascimento, dia seis de março de 1944.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai se chama Yutaka Miyamura e a minha mãe Itsuko Miyamura.
P/1 – E o que é que eles faziam como atividade profissional?
R – Eles, como praticamente 100% dos imigrantes japoneses antigos, chegaram e começaram na lavoura, no interiorzão, enfrentando a lavoura, e particularmente meu pai, quando tinha 15 anos de idade, ele conheceu um mestre japonês "odontólogo", dentista, provavelmente ele descobriu a facilidade nesta atividade e começou aprender a arte da odontologia. Naquela época não tinha escolas no sítio, ele tinha muita vontade de estudar, mas foi um autodidata. Ele estudou a língua japonesa, porque veio com três anos de idade, e vai completar 89 anos esse ano, quer dizer que, praticamente, ele é brasileiro, mas estudou a língua japonesa, a língua brasileira sozinho, sem praticamente ter ido à escola. E teve esse mestre que era um dentista formado no Japão, com 15 anos de idade começou a aprender. Então a família trabalhava na lavoura e ao mesmo tempo ele foi se aperfeiçoando nessa arte da odontologia.
P/1 – E o que é que você sabe da vinda dos seus avós, como que eles vieram, você sabe alguma coisa?
R – Eles vieram pela imigração. Agora, tem uma pessoa muito especial, que é minha avó, mãe da minha mãe, que veio do Japão, perdeu o marido dela no Japão – que era oficial da marinha, ele ficou doente e faleceu – e tinha três filhas, uma delas minha mãe. E minha avó veio do Japão com essas três filhas, com idade bastante jovem, minha mãe era mais velha, acho que devia ter doze anos de idade, portanto minhas tias eram mais novas. E ela veio sem marido, quer dizer, veio enfrentar a mata aqui no Brasil sozinha. Devia ter alguns parentes, mas de qualquer forma eu imagino a coragem dela. Nunca mais se casou, e a luta dela para o futuro, pensando na educação, principalmente, foi uma coisa que até hoje eu lembro. Quer dizer, tudo o que eu sei agora, por exemplo, em termos de língua japonesa... Porque felizmente eu conheço a língua japonesa, escrevo, falo, eu leio muito em japonês. Embora eu seja brasileiro, foi graças ao esforço dessa minha avó... Ela veio viúva do Japão, com três meninas; pegou a enxada, lutou. Eu me lembro que desde quatro anos de idade ela começou a me ensinar a língua japonesa, ela era professora de escola japonesa e sempre orientava que nós precisávamos estudar, portanto todos nós estudamos. Mas foi um esforço, uma semente que ela colocou...
P/2 – A lavoura era de quê?
R – Pelo que me contaram, trabalharam com vários tipos de lavoura. Eu me lembro que teve criação de bicho-de-seda, café, algodão...
P/1 – Lá na região de Marília, já?
R – Inicialmente na região mogiana, depois foram pra região de Marília.
P/1 – Como é que chamava essa sua vó?
R – Minha vó chamava Iki Miyamura.
P/2 – Agora, aqui tem uma descendência que diz Hiroshima. Você ouviu alguma história de Hiroshima de seus ancestrais?
R – Hiroshima é onde meu pai nasceu. Embora ele tenha vindo com três anos de idade, ele foi de Hiroshima, então quando eles vieram do Japão, foi muito antes da guerra, evidentemente que eles ficaram muito tristes quando ocorreu o bombardeio de Hiroshima, porque muitos parentes evidentemente continuaram na região. Felizmente os parentes do meu pai não foram afetados pelo bombardeio, porque lá também eles eram da zona rural, não da cidade, entendeu? Mas causou a todos muita tristeza aquela bomba atômica em 1945, quando eu tinha apenas um ano de idade.
P/1 – Você tinha quanto?
R – É, eu nasci em 1944, eu tinha um ano de idade. Mas aquela bomba atômica causou muita tristeza, principalmente ao meu pai, que tinha parentes na província de Hiroshima. Em termo de descendência, talvez esteja estranhando um pouquinho, porque na verdade o sobrenome Miyamura vem da minha avó, que veio da província de Kumamoto, só que como ela tinha três filhas, e meu pai era o último filho dentre os irmãos da família, tinha outro sobrenome, Hatanaka. Mas como minha avó materna só tinha filhas, então pra conservar o nome da família – e dentro do costume japonês –, meu pai mudou o sobrenome dele, Hatanaka para Miyamura, para conservar o sobrenome Miyamura, da família Miyamura.
P/1 – Isso é uma tradição?
R – Uma tradição, tem até nome. Mas porque meu pai era último filho, quer dizer, os irmãos mais velhos continuaram com o sobrenome Hatanaka para conservar o sobrenome Hatanaka de origem. Meu pai, então, veio para a família Miyamura, possibilitando conservar o sobrenome Miyamura. Era uma possibilidade de mudar o nome do homem aceitando o da mulher pra conservar o sobrenome.
P/2 – E o senhor sabe por que eles vieram para o Brasil?
R – É que naquela época que eles vieram pro Brasil... Meu pai vai fazer 89 anos esse ano, então 86 anos atrás, o Japão encontrava sérias dificuldades econômicas, muita dificuldade para viver lá no Japão, então muitas pessoas procuraram o Brasil, porque também existia, vamos dizer assim, uma espécie de propaganda do Brasil no Japão, existia essa ligação Brasil-Japao pra trazer os imigrantes. Talvez seja um processo semelhante aos imigrantes italianos que vieram um pouco antes, e os imigrantes japoneses vieram neste século XX, os italianos, por exemplo, começaram a chegar ao Brasil no final do século XIX, como lá na Terra Nostra, da novela da Globo. Então os imigrantes japoneses vieram a partir de 1905, 1907, e o primeiro navio oficial com 781 imigrantes japoneses foi o Kasato Maru, em 1908, e daí começaram a avolumar a imigração japonesa. Mas a causa principal foi uma causa econômica.
P/2 – O seu pai não era o mais velho da família?
R – Não.
P/2 – Não tinha aquele negócio de o mais velhos receberem terra e os outros tinham que migrar? Era isso?
R – Mas no caso do meu pai, por exemplo, ele tinha três anos de idade, vieram os familiares todos, deve ter vendido tudo lá, depois vieram pro Brasil. Pelo que me contam, sempre... A ideia inicial foi de conseguir alguma coisa no Brasil e voltar, porque provavelmente a propaganda lá devia ser muito boa. Mas acho que houve muita ilusão no sentido da verdade, da realidade, porque quando chegaram aqui eles viram que a realidade era outra, aí o tempo foi passando, três, quatro, cinco, dez anos, e no fim a maioria acabou ficando aqui, poucos voltaram. Mas acho que foi muito bom, porque felizmente nós estamos aqui.
P/2 – Mas a ideia de que era para vir e depois voltar era posta de cima para baixo, do governo para baixo, é isso? A propaganda de vir pra depois voltar era um atrativo para a imigração?
R – Lá existia a propaganda de que aqui no Brasil, principalmente na lavoura, provavelmente trabalhando na terra, em pouco tempo poderia ganhar muito dinheiro e depois voltar, mas essa não foi a realidade, né?
P/2 – Os seus parentes receberam em doação a terra, ou... Como é que usavam a terra?
R – Não, todos eles começaram a trabalhar como naquela novela lá dos italianos, como colonos, nas fazendas. Com o correr do tempo, aqueles que conseguiam um dinheiro através da economia iam conseguindo suas próprias terras.
P/1 – E voltando pra tua infância lá em Marília, esse lugar Ribeirão dos Índios, como é que ele era? Uma fazenda?
R – Era um sítio onde tinham as plantações. Existia esse Ribeirão do Índio, que eu me lembro, porque eu saí de lá com cinco anos, em 49. Eu tenho a lembrança desse rio, tenho a lembrança da escola japonesa, porque eu comecei a estudar com quatro anos de idade, onde minha avó era professora, então eu lembro das primeiras lições, o primeiro livro. Lembro do primeiro livro onde eu comecei a aprender japonês, os japoneses gostavam de se reunir em comunidade para eventos, tinha um evento que é uma espécie de gincana esportiva, que se chamava undoukai, então eu tenho essa lembrança ainda do sítio, de que eles se reuniam e faziam essas gincanas esportivas, com muita animação.
P/1 – O que é que constava dessa gincana?
R – Já de manhã cedo, aliás, no dia anterior o pessoal montava as barracas para que os familiares ficassem ao redor do campo, e eles programavam uma série de atividades esportivas. Por exemplo, 100 metros, revezamento, atirar umas bolas pra quebrar umas coisas que eram feitas em lugar alto, com dois grupos... Geralmente era branco e vermelho, e tinha muita premiação. Essa premiação o pessoal arrecadava anteriormente, compravam uma série de prêmios, normalmente eram cadernos, materiais escolares para as crianças. Então eu tenho lembrança dessa época ainda no sítio, na minha infância onde eu tinha menos de cinco anos de idade.
P/1 – Reunia muitas pessoas que moravam ali?
R – Isso, toda a comunidade, entendeu? E normalmente existia então, nesse local, já a estrutura de uma associação, porque os japoneses, pela cultura deles, sempre quando tem já algumas pessoas, tendem a montar uma associação, pra ter uma comunidade unida. Isso é uma cultura. Então, esse conceito coletivo é um conceito que vem de muito tempo.
P/2 – Como é que era a vida na família, na sua casa, com seus irmãos pequenos, ainda?
R – Somos sete irmãos, três homens e três mulheres nascidos em Ribeirão dos Índios, e o mais novo irmão que nasceu em Adamantina. Uma coisa, como já disse anteriormente, principalmente pela influência dessa minha avó, aquela que veio viúva com três filhas pequenas do Japão, aprendemos a sempre lutar para continuar os estudos, nunca amolecer. Sempre trabalhar, lutar, mas nunca desistir dos estudos, seguindo a filosofia da nossa avó. Tanto é que eu tenho uma lembrança dela de que, não sei se ela tinha trazido do Japão, ela tinha vários livros, e que eu, através da minha avó, até os 14 anos de idade, li muitos livros, que só depois, quando eu estava fazendo colegial aqui em São Paulo, notei que havia lido alguns livros de autores famosos, escritos em japonês.
P/1 – É mesmo? Que autores?
R – Victor Hugo, autores franceses, autores russos, ela tinha tudo em japonês. E com meus dez, 11, 12 anos, 13, eu já estava lendo esses livros. Aí, quando eu estava aqui no colegial em São Paulo, eu pensava: “mas esse livro eu já li na língua japonesa...”.
P/2 – Ela tinha os clássicos?
R – Os Clássicos. E ela, no Japão, tinha estudado bastante no Japão, por isso que no Brasil ela sempre foi professora de língua japonesa. Logo ela começou a liderar a comunidade feminina, sempre presente na associação. A lembrança que eu tenho dela é de uma cultura muito grande, falava inglês, um pouquinho... Quer dizer, puxava a enxada lá no sítio, enfrentando cobra, etc., mas tinha uma cultura que eu ficava impressionado.
P/1 – No Japão ela trabalhava?
R – Então, a história da minha vó eu preciso ir ao Japão pra estudar melhor, porque ela é de Kumamoto, ela era casada com um oficial da marinha que faleceu no Japão. A minha vó, se ela era uma mulher e tinha toda essa cultura, provavelmente ela era de uma origem com possibilidades desse estudo no Japão, mas eu realmente não conheço muito bem a história. Eu ficava impressionado com essa força dela, a cultura, e que acabou influenciando a nossa formação, porque ela que deu esse empurrão. Devo lembrar também que minha mãe, a filha mais velha das três filhas, vai completar este ano 83 anos de idade. Ela faz parte de uma geração sacrificada , que chegando ao Brasil ainda novinha teve que enfrentar todas as dificuldades , inicialmente a vida na lavoura, sem possibilidades de frequentar escolas de uma maneira mais completa. E como mãe de sete filhos, quatro homens e três mulheres, doou a sua vida para trabalhar nos afazeres do lar e também para ajudar nos trabalhos do sítio. Fiquei sabendo que em 1943 minha mãe estava grávida, esperando um nenê, mas houve necessidade de ajudar para carregar folhas de amora para abastecer a criação de bicho de seda, e quando nasceu o bebê, infelizmente, nasceu sem vida. Na minha opinião, a maioria das mulheres da geração da minha mãe foram heroínas que sustentaram em silêncio e resignação a sobrevivência das gerações posteriores, que somos nós.
P/1 – Makoto, e lá em Ribeirão dos Índios você morou até cinco anos de idade, depois vocês saíram. Foram pra onde?
R – Aí meus pais mudaram pra cidade de Adamantina, daí nós pudemos ingressar no grupo escolar, escola de língua japonesa da comunidade japonesa.
P/2 – Já tinha uma comunidade japonesa lá?
R – Já tinha uma comunidade japonesa lá.
P/1 – Adamantina?
R – Adamantina.
P/1 – Perto da onde?
R – Perto de Tupã, Oswaldo Cruz, Lucélia. Tanto é que Adamantina passou a ser a última cidade da linha ferroviária da Paulista, porque partia de São Paulo, passava pela cidade de Bauru, ia até Adamantina.
P/1 – Como é que vocês fizeram a mudança, saída de lá de Ribeirão dos Índios?
R – Se não me engano um vizinho que tinha um caminhão carregou a nossa mudança, e claro, meu pai esteve antes em Adamantina pra procurar onde morar.
P/2 – E o seu pai, qual a atividade em Adamantina?
R – Em Adamantina ele tinha conseguido, na época do Getúlio Vargas, licença para exercer a atividade de odontologia prática, principalmente porque naquela época não tinham pessoas formadas como hoje, as pessoas formadas ficavam em grandes cidades, o interior ficava abandonado. Então tenho essa impressão, de que o Getúlio Vargas autorizou dentistas práticos a atenderem a comunidade onde não tinha as pessoas formadas. No interior ele podia exercer, tinha uma autorização. Isso ele continuou até certa época, porque a cidade vai crescendo, e se a cidade vai crescendo vem a luz, vem encanamento, vai se modernizando, então as pessoas formadas vão indo pro interior também, aí começa a ter um movimento para que se proíba as pessoas práticas. Chegou certa época, não sei se foi no governo do Jânio Quadros... Aliás, meu pai deu muita razão pra isso, porque ele falava assim: “uai, se as pessoas estudaram... E tem que se estudar pra formar um dentista, então eles têm razão, eu não tive essa chance pelas circunstâncias, mas se tem condições de trabalhar numa cidade que já tem luz, já tem água e as pessoas estudaram na faculdade, então essa proibição está correta”, meu pai dizia. Então, na época, me parece do Jânio Quadros, houve essa proibição, aí que nossa família começou a encontrar dificuldade, porque meu pai não sabia fazer outra coisa. Eu me lembro que eu fiz o grupo escolar, depois eu fiz o ginasial. Evidentemente que muitas vezes trabalhando, porque no interior eu me lembro ter trabalhado numa sapataria, eu lembro ter trabalhado num bazar... Aliás, meu pai, em termos de educação, fez isso também: como nós estávamos na cidade, ele dava muita importância ao conhecimento da terra, eu sei que ele adquiriu um pedaço de terra, um mato, e ele pegou todos os filhos pra transformar aquele mato em local produtivo. Eu me lembro que durante minha fase do grupo escolar e ginasial a gente ia lá no sítio, pegava enxada e plantava, aí a gente produzia cenouras, verduras, e ele fazia vender na cidade, pra entender sobre o que significa produzir. Me lembro que a gente fazia colheita, e na cidade vendia nas quitandas aquilo que se produzia naquela chácara. Aí é que eu falo do meu pai, que é uma pessoa totalmente desprendida... Porque aquela chácara foi depois cedida para uma família que estava precisando.
P/1 – É mesmo?
R – Esse é o tipo de pessoa que é meu pai, ele cedeu para uma pessoa que estava precisando daquela chácara que já estava formada e nos orientou para seguir a vida. Mas aí teve esse problema da proibição de trabalhar em Adamantina, sabe o que ele fez? Bom, primeiro, em particular, eu estava terminando minha fase do ginásio. Ele me chamou e falou assim: “Makoto, eu sei que você gosta de estudar, agora temos duas alternativas, você está vendo que não existe nenhuma condição de te ajudar financeiramente, estamos passando por uma grande dificuldade, uma alternativa é você continuar nessa cidade de Adamantina, procurar um emprego. Aqui tem escola de comércio técnico que é a escola que existe aqui em Adamantina, não tem colegial, não tem nada. Outra opção é você ir pra São Paulo, em primeiro lugar procurar serviço, depois procurar um colégio, e você continuar o estudo.” Eu pensei um pouco, falei “bom, eu vou pra São Paulo”. Com meus 14 anos de idade vim pra São Paulo, vim morar num porãozinho de uma pensão, aqui na Praça Almeida Júnior, pra procurar emprego, essa foi a sequência.
P/1 – Você já tinha vindo alguma vez pra São Paulo?
R – Quando eu tinha oito anos de idade, quando meu pai estava um pouco melhor – porque ainda tinha aquela autorização do Getúlio Vargas pra poder trabalhar – e numa das férias, o meu pai trouxe a gente aqui para São Paulo, ficamos na rua Barão de Duprat, num hotel japonês que tinha lá. Eu tenho essa lembrança. Pra conhecer a cidade de São Paulo, essa foi a única vez. Aí, com 14 anos de idade, fiz as minhas malas...
P/2 – E nesse quarto de porão você morava sozinho ou com outros?
R – Não me lembro quantas pessoas, mas não era sozinho.
P/1 – Era o Largo São Paulo?
R – Entre a rua São Paulo e rua da pensão existia uma praça que se chamava Praça Almeida Júnior, e tinha um teatro no meio, acho que era Teatro São Paulo, e na pensão onde eu vim morar, existia na parte inferior um porãozinho. Aí, dessa pensão, eu tinha que procurar emprego, e comecei a andar pela cidade de São Paulo, porque naquela época o único serviço que um menino de 14 anos podia achar era ser boy de um banco.
P/2 – Que ano era isso?
R – Era janeiro de 1959. Quer dizer, eu já estava quase para fazer 15 anos no mês de março, mas ainda não tinha feito 15 anos. Eu comecei a procurar emprego e comecei a procurar colégio para estudar também, aí tinha uma pessoa que me viu nessa situação e falou assim: “Makoto, eu vou te levar num escritório de engenharia, porque eu sou desenhista técnico, eu faço desenhos de concretos armados de construções, eu trabalho num escritório de engenharia, agora eu vou levar você em um outro escritório de engenharia e quem sabe eu consigo arrumar um emprego pra você.” Eu falei: “legal.” Ele me levou no primeiro escritório de engenharia, o engenheiro disse assim: “puxa, nesse instante eu não estou precisando, mas eu tenho um amigo lá na Xavier de Toledo que quem sabe ele consiga alguma coisa para você.” E eu assim, “caipirão”, meio acanhado. Ele me levou para rua Xavier de Toledo – eu lembro até hoje –, o engenheiro lá se chamava doutor Bosco. Me olhou assim, penalizado, fez uma entrevistinha, “o que você faz, o que você pretende fazer?” Eu contei pra ele a minha dificuldade, logo em seguida ele falou assim: “olha, você pode ficar aqui, você não deve saber fazer nada, mas vou ensinar você a fazer desenho de concreto armado. Só não é de um dia para o outro, você vai demorar uns três meses. Então eu vou te ensinar, vai ter que ter paciência, porque vai ter que melhorar a letra, traçado, como se estivesse fazendo um curso técnico, e eu vou te custear, pagar sua pensão, vou te dar um dinheiro, e você procura um colégio pra estudar.
P/2 – Ele era japonês também?
R – Brasileiro.
P/2 – Descendente de japonês?
R – Não.
P/1 – Doutor Bosco?
R – Doutor Bosco. Eu tinha uma letra feia.
P/1 – Ele?
R – Não, eu (risos). Mas o fato é que provavelmente eu mostrei uma boa vontade, era uma chance para sobreviver. Comecei a treinar, comecei a melhorar, aprendi muito e lá fiquei durante quatro anos, trabalhando de dia e frequentando o curso colegial noturno. Outro fato é que tive uma sorte de conseguir me ingressar no Colégio Estadual de São Paulo, Dom Pedro II, aqui na baixada da Rangel Pestana, onde era o melhor colégio estadual de São Paulo. Claro teve um vestibulinho, né, onde eu me lembro que tinha 300 candidatos e sete vagas, mas felizmente lá em Adamantina eu tinha tido uma boa base em matemática e português, que eram as duas matérias desse vestibulinho, e acho que por uma questão de sorte também, eu prestei esse vestibulinho e entrei no colégio estadual de São Paulo, na época considerado o melhor colégio de São Paulo, onde estava a nata dos estudantes, os melhores estudantes de São Paulo. E o colegial era à noite, então eu trabalhava de dia no escritório de engenharia e à noite ia estudar no Colégio Estadual de São Paulo, Dom Pedro II. Naquela pensão eu fiquei durante uns dois meses, lá fui conhecendo pessoas com as mesmas dificuldades e, com mais quatro pessoas, todos na mesma situação – portanto em cinco pessoas – nós alugamos uma quitinete lá na baixada do Glicério, onde chamava Praça Mário Margarido. Hoje existe o prédio ainda lá, acho que é edifício Esplanada, se não me engano. Agora tem alguma coisa do INPS [Instituto Nacional de Previdência Social], mas antigamente era uma igrejinha que tinha lá, aí nós alugamos um quitinete e colocamos dois beliches e uma cama.
P/1 – Vocês?
R – É, e pra dividir a despesa nós começamos a morar lá. Então nós trabalhávamos de dia e estudávamos à noite. Eu estudava no Colégio Estadual São Paulo, e trabalhava na Xavier de Toledo ao lado da biblioteca, onde a biblioteca passou a ser meu segundo lar, porque eu trabalhava do lado da biblioteca, na Xavier de Toledo, então a biblioteca passou a ser minha casa, qualquer tempinho eu ia lá pra estudar. Aí eu coloquei uma meta também na minha cabeça, eu tive vontade de fazer medicina. Mas medicina ocupava o dia interiro e eu não tinha ajuda nenhuma, eu me tornei independente financeiramente aos 14 anos, então como não podia ter nenhuma ajuda financeira, medicina eu descartei porque como é que eu ia fazer medicina se eu não tinha alguém que me ajudasse? Aí me contaram, porque tinha uma escola em São José dos Campos, de engenharia, que chamava Instituto Tecnológico de Aeronáutica, ITA, aonde você poderia morar lá, era tudo pago, não pagava nada. Além disso você recebia um pequeno salário, só que pra entrar lá não era fácil, eram 100 vagas pra mais de dois mil candidatos. Eu falei: “bom, eu tenho que definir uma meta, é o único lugar que eu posso ir, ou continuar outro caminho aqui em São Paulo.”. Eu achei que deveria definir e ir lá pra São José dos Campos, então eu coloquei isso na minha cabeça, e felizmente nesse colégio Estadual de São Paulo lecionavam os melhores professores, e os alunos também eram de um nível muito alto. Tive que me adaptar àquela realidade trabalhando de dia e estudando à noite, onde no colégio praticamente todos só estudavam, porque só faziam colegial. Mas eu tracei uma meta, tanto é que, concluindo o colegial, eu me inscrevi no Anglo Latino para fazer o cursinho, com a ideia, com o objetivo de entrar no ITA. Felizmente, pela base que eu tive no colegial, com a ajuda da biblioteca do lado do meu serviço e com a ajuda de vários amigos bons que eu tive na época, eu consegui o que eu tracei. Prestei vestibular no ITA, meu nome apareceu na lista dos aprovados e fui pra São José dos Campos.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho... A época que você chegou em São Paulo, que você veio morar aqui, como é que era o bairro, naquela época? O que você lembra?
R – Eu lembro, por exemplo... Rua Conselheiro Furtado era uma rua estreitinha, e numa das casas da rua Conselheiro Furtado existia uma loja que depois se tornou representante da Seiko no Brasil, eu lembro também do Cine Niterói, na rua Galvão Bueno.
P/2 – Conta do Cine Niterói.
R – Cine Niterói? Nos finais de semana nós tínhamos o Cine Niterói e Cine Joia na praça Carlos Gomes, pra assistir aos filmes japoneses. Eu costumo contar para os meus filhos que na época, com aquela dureza, nosso sonho era de conseguir comer o yakisoba no final de semana, porque durante a semana era a pensão lá com arroz, feijão, chuchu, e no final de semana a gente tinha o sonho de comer o yakisoba. No Cine Niterói tinha um restaurante no primeiro andar, na Liberdade tinha os restaurantes chineses... Outro sonho também era ir ao Restaurante do Papai, que ficava na Praça da Sé. A gente descia uma escadinha para chegar ao Restaurante do Papai na Praça da Sé, e o sonho era pedir uma salada completa.
P/1 – O que é que vinha na salada?
R – Vinha lá alface com ovos, palmito, tomate, pepino, mas muito bem enfeitado, sabe? Chegava o garçom, ele temperava, éramos servidos; era o sonho que a gente tinha pelo menos uma vez por mês, ir ao Restaurante Papai. A gente guardava um dinheirinho, subíamos a rua Conde de Sarzedas e vinha aqui na praça da Sé. E o yakisoba era uma vez por semana. A gente falava: “puxa, no final de semana vamos comer um yakisoba”, a gente vinha aqui na praça da Liberdade, entrava num restaurante chinês e comia um yakisoba, eram sonhos que a gente valorizava muito, porque na época os centavos eram muito bem contadinhos. Outra coisa que a gente lembra com muito carinho, essa casa Santa Tereza, aqui na praça João Mendes... Agora é uma espécie de lanchonete tradicional, eles reformaram, mas na época era famosa a vitamina que eles faziam, então a gente, de passagem, entrava lá pra conseguir tomar uma vitamina.
P/2 – Como é que era essa vitamina?
R – Na época, nossa! Eles misturavam várias frutas, e aquilo tinha um valor muito grande pra gente, era muito gostoso.
P/1 – Nessa época que vocês juntaram cinco estudantes, vocês faziam comida japonesa em casa?
R – Então, na época eu lavava roupa no apartamento, passava roupa, a gente fazia de vez em quando a nossa comidinha, mas a parte da comida, normalmente, como estava na rua, acabava comendo os talharins da vida, os mais baratinhos, e muitas vezes a gente pegava uma pensão que podia pagar por mês. Mas era aquele arroz, feijão... A gente se lembra bastante do chuchu, arroz, feijão... Chuchu e um bife, que a gente brincava que era melhor levar uma tesoura pra cortar (risos), mas era o que a gente tinha, na época. Mas eu diria que aquela idade dos 14 aos 18 anos foi uma fase que mais, talvez, tenha me ensinado, talvez os meu amigos também, a valorização das coisas, a escala de valores sobre o que existe no mundo, o que faz a gente pensar muito com relação à educação dos filhos e dos futuros netos, porque a gente está melhor de vida agora, mas como educar filhos e netos corretamente? Isso pra mim é uma coisa que me faz pensar bastante, inclusive não dou muita moleza pros meu filhos não.
P/1 – Quantos anos eles têm?
R – Minha filha tem 27 anos. Aliás, ela vai se casar nesse mês, e o menino tem 22, ele já é formado também, os dois já estão formados.
P/2 – Em que eles estão formados?
R – Minha filha é engenheira têxtil, já está trabalhando desde 1995. Está bem, está numa atividade bastante grande, vai casar esse ano. O menino formou em hotelaria no ano retrasado, está trabalhando no grupo Accor [Hotels], inclusive recebeu prêmio de destaque do grupo. Eu, como pai, eu fico contente, mas minha maior preocupação é que com essa idade de 22 anos comece a se convencer que já sabe tudo, por isso eu falo pra ele que eu o parabenizo pelo que ele ganhou dentro de um grupo importante como esse, mas ao mesmo tempo, principalmente, não esquecer o respeito aos seres humanos, porque ele vai logo ser convidado à gerência, muito novo acho, mas... O que eu estou ensinando pra ele é esse lado do ser humano, o respeito que ele tem que ter, desde o pessoal da faxina, né... Enfim, com todas as pessoas.
P/2 – E qual é a receptividade que ele tem, ele recebe bem?
R – Ele recebe bem, mas com essa idade, às vezes eu falo alguma coisa, ele reage como se já conhecesse, mas eu volto a falar para ele que tem muita coisa a aprender, então eu às vezes fico em dúvida se torço pra um escorregão pra se lambuzar, porque isso faz parte do aprendizado.
P/2 – Agora, voltando um pouquinho ao bairro, essa época que você estava lutando, como é que o bairro estava se desenvolvendo? Como é que era o seu relacionamento com os outros orientais do bairro? Eles te ajudaram, os patrícios?
R – É que na época, 1959, 60, 61, boa parte dos ditos nisseis estavam enfrentando os mesmos problemas, geralmente eram as pessoas que vinham do interior: do Paraná, do interior do estado de São Paulo, alguns com os pais um pouquinho melhores, então poderia pegar um colégio forte aqui em São Paulo e só estudar. Mas eu diria que um outro percentual bastante grande estava na mesma situação que eu. Na época, a gente vai encontrando vários amigos, e até hoje nós encontramos, tanto é que, não sei se eu falei pra você outro dia, a nossa participação agora na comunidade aqui na Liberdade é em função dos convites de alguns amigos da época.
P/2 – Você está reencontrando?
R – Reencontrando, porque eu tive uma vida totalmente separada do pessoal aqui, porque eu fiz engenharia e depois entrei numa multinacional, com isso fiz uma carreira, um trabalho dentro da IBM, e depois, por uma circunstância da vida acabei vindo pra cá, acabei encontrando os amigos daquela época, me convidando: “Makoto, vamos entrar no Rotary, vamos ajudar aqui...” Tanto é que, naquela época, 1959, 60, como eu disse pra vocês, eu gostava muito de música, então a gente participou de alguns conjuntos pra bailes...
P/1 – Aqui?
R – É, a gente ajudava. Só que fiquei pouco tempo, porque logo depois fui pra São José dos Campos.
P/2 – Mas você ia tocar profissionalmente?
R – Não, participação e diversão com os amigos, e naquela época o que estava em moda eram os bailes nos finais de semana. Por volta de 1963, ocorreram alguns problemas aqui na Liberdade, porque existia a comunidade nissei e começaram a vir alguns japoneses do Japão, os isseis, então, naquela época, ocorreram algumas intrigas entre os nisseis e isseis, mas isso foi uma época passageira.
P/2 – Mas por quê?
R – Por causa da diferença de costumes. Ocorreram alguns conflitos e brigas, e a polícia entrando no meio.
P/2 – Mas briga assim...
R – Em bando. Isso por volta de 1962...
P/2 – Mas explica melhor, que tipo de rixa havia, em cima de que temas?
R – É porque o nissei, essa formação toda de dificuldade, os pais lavradores, a história como eu estou contando aqui. Agora, os japoneses que acabavam de chegar, com a mesma idade, tinham uma formação totalmente diferente lá no Japão, pode até ser que entre no meio aí a paquera, quem sabe, mas o fato é que na época eu não participei de nenhuma briga. Aqui na Galvão Bueno tinha um bilhar, grupo dos japoneses e grupo dos nisseis.
P/1 – Era mais moçada?
R – É uma moçada, 18 anos, 19 anos, 20 anos.
P/2 – Não os mais velhos?
R – Não era uma coisa muito séria não, talvez até uma paquerinha no meio, mas foi um assunto de imprensa, na época.
P/2 – Quanto às rixas que houve na comunidade japonesa, acho que não é do teu tempo, mas talvez você tenha ouvido comentários; foi quando a primeira leva, antes da guerra... Pensavam que iam voltar, aí aconteceu a guerra, tinha uma turma que achava que os japoneses...
R – Isso logo depois da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Isso também é uma coisa que eu ouvi dizer, as pessoas contando. Eu não posso dizer como se tivesse vivenciado, mas alguma coisa que eu ouvi dizer. A guerra acabou, houve a rendição do Japão, os americanos ganharam. Mas me parece que houve um noticiário via rádio, não sei se grupo do Japão, alguém dizendo que o Japão não tinha perdido ainda a guerra, ainda não estava definida essa situação de ter perdido a guerra. Parece que isso foi irradiado e algumas pessoas aqui no Brasil ouviram isso, e ao mesmo tempo foi noticiado oficialmente pela imprensa brasileira a derrota do Japão, e dentro da colônia acabou formando uma facção daqueles que evidentemente são japoneses, portanto deviam estar torcendo pelo Japão, que eram japoneses que não aceitavam a derrota do Japão. Aí automaticamente ocorreram conflitos, onde, me parece, ocorreram até alguns assassinatos durante certo período, de rixas entre pessoas dessa facção com as pessoas da outra facção. Agora, são coisas que foram me contadas assim, eu não sei o número nem as pessoas.
P/2 – Mas você ainda sente, hoje, que passou tanto tempo, algum resto dessas posições, alguma coisa que ficou dessas rixas?
R – Eu tenho andado participando de várias atividades, no esporte, na área cultural pela colônia japonesa, mas eu não sinto algum resto dessas rixas 55 anos depois, e se sobraram algum ressentimento entre pessoas da época, então essas pessoas já se foram, porque são 55 anos atrás, não é? Se as pessoas estavam com 50 anos naquela época, a maioria já se foi. Então, se ficou alguma coisa... Na década de 70 talvez tivesse alguma coisa, mas agora nesse novo milênio, aparentemente, não.
P/1 – Makoto, voltando um pouco pra tua vida pessoal, você prestou o ITA e foi pra São José dos Campos. Fala um pouquinho dessa fase aí.
R – Essa é uma fase muito interessante na minha vida, porque eu estava fazendo cursinho, tinha 100 vagas, mais de dois mil candidatos, trabalhando lá na rua Xavier de Toledo, se utilizando, quando possível, da Biblioteca Municipal, do lado, tendo que estudar aos sábados e domingos, e a alimentação não familiar, talharim pra cá, alguma coisa pra lá, chuchu pra cá... Com minha altura de um metro e 79 – naquela época eu já tinha essa altura –, meu peso era por volta de 52 quilos. Eu trabalhei até dia 30 de novembro de 1962, e o vestibular no ITA era em janeiro de 63, mas eu tinha muita confiança, porque estava acompanhando os resultados das provas do cursinho, os exames simulados que faziam no cursinho, então saía classificação geral do cursinho, e naquela época o curso Anglo Latino colocava 40 a 50 alunos, em média, no ITA.
P/1 – O Anglo Latino é aqui na Liberdade?
R – Sim. E aí, dentro dessa estatística eu me esforcei bastante pra ficar entre os vinte primeiros do Anglo Latino, e embora eu trabalhasse, como eu tinha feito um bom colégio aí no Pedro II, fiz o seguinte raciocínio: “se ficasse na classificação geral entre os vinte primeiros, e se o anglo latino coloca 50, existe muita chance de entrar, embora com dificuldade.” Então, eu coloquei isso na minha cabeça e eu consegui cumprir aquilo que eu tinha planejado.
P/1 – Você ficava entre os vinte primeiros?
R – É, se não me engano nos quatro simulados eu fiquei entre os vinte primeiros, felizmente. Por causa da minha base tanto no ginásio em Adamantina, como pelo Colégio Estadual de São Paulo D. Pedro II, onde os professores realmente eram bons e os amigos todos muito bons, então tinha que me esforçar e melhorar o meu nível de conhecimento. E eu estava com 52 quilos, eu estava bastante fraco. Fraco assim, não mentalmente, mentalmente eu estava forte, mas nos dias do vestibular no ITA eu passava numa farmácia e pedia pra aplicar Thiaminose. “Thiaminose” era glicose, porque tinha receio de desmaiar na prova, então todo dia eu passava na farmácia para aplicar glicose pra que eu ficasse vivo. Porque a glicose é uma coisa recomendada, não tem nada errado, era o que se recomendava, porque se você estava se sentindo meio fraco era melhor você se precaver e aplicar glicose, então eu tinha que fazer isso por causa da situação física. E felizmente deu tudo certo, saiu o resultado e meu nome estava no meio, e assim eu fui pra São José dos Campos. Aquilo era um paraíso pra mim. Por quê? Porque aqui em São Paulo estava lá com meu chuchu. Chegando lá, a comida era de graça, era pra comer a vontade. Tinha leite a vontade, tinha um campus esportivo, piscina, todos os esportes. Eu já jogava tênis de mesa, entrei na equipe de tênis de mesa, e fazia parte também do departamento cultural. Me lembro que em 1963 Chico Buarque de Holanda estava começando, quando convidamos e ele cantou suas primeiras composições no teatro do ITA.
P/2 – Era internato?
R – Todos os alunos moravam lá, era tudo pago, e chegava no final do mês tinha um salariozinho, ainda. Aí eu comecei a praticar esporte, então dos meus 52 quilos, passei pra 70 quilos quando eu me formei, cinco anos depois.
P/2 – E você levou bem o curso ou era muito difícil?
R – Quer dizer, eu acabei escolhendo o curso mais difícil, que foi o de eletrônica, mas foi de uma maneira normal. Minha turma, por exemplo... Naquela época tinha muita participação dos nisseis, então de 100 alunos civis, 20 que ingressaram foram nisseis, 20%, e até hoje somos amigos.
P/2 – Nesse seu trajeto, desde que você chegou a São Paulo, ou até no interior, você notou alguma discriminação por você ser oriental?
R – Olha, felizmente eu realmente não senti nada, porque no interior eu estudava num ambiente da colônia japonesa. Na minha infância até aos 14 anos, e quando vim pra São Paulo, eu fiquei aqui na Liberdade, participando de vários clubes da época. Entrei na faculdade, foi um outro mundo, porque eu acabei conhecendo pessoas de todas as raças, num grupo de 100 alunos, depois mais 400 alunos de outras séries, 500 alunos no total, mais alguns colegas militares da aeronáutica, e a gente acabou fazendo amizade com pessoas de todas as origens, formando uma amizade bastante grande.
P/2 – E nas férias, pra onde... Você saía da escola?
R – Muitas vezes a gente permaneceu lá fazendo algum trabalho pra ganhar alguma coisa, e outras vezes... Eu, pelo menos, ia visitar a minha família, porque como eu disse, aos 14 anos eu saí de lá. Como trabalhava, as únicas vezes que eu ia pro interior eram nas férias que conseguia no escritório, na faculdade também. Nas férias eu ia visitar a minha família no interior, aí vem aquela história de Bauru (risos).
P/1 – Então conta pra gente.
R – Tem aquela história de Bauru, que em 1964, quando eu tinha passado para o segundo ano, uns amigos chegaram pra mim e falaram assim: “puxa, você mora em Adamantina, outro mora em Presidente Prudente, outro em Pereira Barreto, outro em Jundiaí; que tal a gente ir para o interior, mas, como a gente não tem dinheiro, a gente vai parando na casa da família de cada um e vai conhecendo o interior? Mas como é que nós vamos?” Aí tinha um amigo de Jundiaí, ele tinha se formado em 1963, e já tinha comprado um fusquinha... Era nissei, era da turminha. Ele falou “se vocês toparem, pego meu fusquinha e vamos conhecer o interior.” Topamos e fomos primeiro para Jundiaí. Aí vem aquela história de Bauru; passamos por Araraquara e à noite, chovendo, a gente ficou em dúvida se continuava a viagem pro interior ou se procurava algum lugar pra descansar, e até pensamos: “puxa, quem sabe se a gente falar com o padre, descansamos na igreja.” Aí eu falei assim: “olha, eu conheço uma família...”
P/1 – Igreja católica, ali do centro?
R – É. Eu falei: “eu conheço uma família, por causa da música, porque eu já vim aqui em Bauru para tocar num conjunto dentro da colônia japonesa, e tem uma pessoa aqui que eu conheço, eu posso chegar lá, tentar ver se a gente consegue uma pousada.” Eu fui sozinho primeiro, conversei com a minha amiga... Fiquei meio sem jeito, ela perguntou: “mas você está sozinho?” Eu falei: “não, tenho mais três amigos aqui.” (risos), ela falou: “traz aqui, convida aqui”. Isso era umas dez horas da noite. Nós fomos convidados e a família da minha atual esposa era uma família grande, e o meu sogro era uma pessoa muito boa.
P/1 – Como é que chama a família?
R – Taniguchi. Nós ficamos dez minutos conversando, chegou certa hora que minha amiga – que é irmã da minha esposa – falou assim: “mas vocês já jantaram?” Um olhou pra cara do outro, e respondi: “não, nós não jantamos ainda.” Meu futuro sogro falou assim: “puxa, vocês não jantaram ainda?” e olhou para as filhas: “vão fazer a janta pra eles”. Dez e meia da noite fizeram o jantar pra gente. E assim nós ficamos lá, e acabamos ficando três dias lá em Bauru. (risos)
P/1 – É mesmo?
R – É, foi assim que eu conheci a Norma, irmã mais nova dessa amiga que tocava no conjunto de Bauru. Eu conhecia por causa da música, daí eu conheci a Norma, foi em 1964. Quer dizer, desde aquela época começamos o namoro e em 1972 nós casamos.
P/2 – Assim que você se formou casaram?
R – Não, eu tive que ajudar minha família. Então teve a seguinte história: me formei em 1967, a minha avó estava com 73 anos de idade, e ela sempre dizia: “puxa, Makoto, meu sonho é visitar o túmulo do seu avô”, ela nunca mais casou, veio viúva do Japão e nunca mais casou, “puxa, eu queria visitar o túmulo do seu avô” – que seria meu avô, marido dela que está lá no Japão – “esse sempre foi meu sonho”, ela sempre dizia pra mim. Quando eu me formei, em 1967, comecei a trabalhar na IBM, porque em 67 a IBM foi lá ao ITA, em São José dos Campos, para selecionar alguns alunos pra trabalhar na IBM, e fez uma seleção de dez formandos pra trabalhar na IBM. Felizmente, entrei no meio dessa seleção. Daí eu coloquei na minha cabeça que teríamos que mandar nossa avó pro Japão, e eu era a primeira pessoa da família a formar numa faculdade, e comecei a receber um salário, como engenheiro. Eu lembrei da filosofia zen, eu me desprendi de ambição material, de qualquer conforto material, da ambição de ter um carro, e pensei: “bom, vou esquecer de tudo e fazer todo possível para viabilizar a viagem da nossa avó pro Japão”. Fui, na época, ao Univertur Turismo, aqui na Liberdade, comprei a passagem dela financiada em não sei quantas vezes – já nem me lembro mais –, fiz empréstimo no banco, me endividei por três anos e, contando com a ajuda de um irmão mais velho e duas irmãs mais velhas, conseguimos realizar o sonho dela , que com 75 anos de idade, em 1969, passou três meses no Japão. Ela ficou muito contente, visitou túmulo do seu marido depois de 40 anos , visitou sua terra natal, retornou supercontente. Ela viveu mais seis anos, veio a falecer com 81 anos de idade. Mas foi assim, uma realização. Foi uma das primeiras coisas que fiz logo depois que me formei. Na mesma época tive que ajudar meus irmãos mais novos, dar um empurrão para que todos eles continuassem os estudos.
P/2 – Eles continuaram?
R – Continuaram.
P/2 – Todos formados?
R – Isso foi graças a muita gente, mas principalmente à força da nossa avó, essa avó que veio do Japão. Então, quando eu faço aquelas reuniões com meus funcionários do restaurante, eu falo da importância do germe, quer dizer, o inicio de alguma coisa, e eu ensino pra eles a filosofia de trabalho do programa 5S, onde o quinto “s” é o mais importante, então sempre falo para os funcionários que, eles voltando para a casa deles, se esforcem em formar uma família, dando educação aos filhos, e se conseguirem, apesar do sacrifício nesta educação dos filhos, eles vão germinar uma semente que vai passar pros filhos, que sejam três, quatro, cinco, e se eles fizerem um bom trabalho, vão ter netos e bisnetos que se originaram todos dessa semente. Talvez tenha aprendido aqui na Liberdade, no trabalho, que é o conceito de uma pirâmide. Eu acredito que uma força empresarial na área de educação pode originar a construção de uma pirâmide com uma população tão grande aqui embaixo... E outra história que eu vou contar que é a seguinte: no ano passado ou retrasado, se comemorou, olha só, 25 anos da morte da minha avó, e dentro da filosofia budista é uma comemoração mesmo. Minha avó faleceu há 25 anos, então é uma data especial, onde houve reunião de todos os descendentes dela lá em Adamantina, com netos, bisnetos, tataranetos, e eu falei aqui na firma: “eu estou indo pra Adamantina porque nós vamos festejar 25 anos da morte da minha vó.” Os funcionários, os gerentes não entenderam nada, devem ter pensado: “mas... Japonês louco, festejar a morte da avó”, eu voltei da viagem, reuni o pessoal e contei a história da minha avó. Eu falei assim: “olha, sabe o que aconteceu? Minha avó faleceu, já se passaram 25 anos, então, dentro da filosofia budista, depois de 25 anos se comemora essa data. Houve, na Igreja Budista, todo o cerimonial, e depois uma grande festa com muita comida. Teve até Karaokê, meu irmão montou um Karaokê e ele fez um pequeno discurso dizendo que nossa avó gostava muito de música, então o monge budista falou: “faz isso, vamos cantar com karaokê, provavelmente a avó de vocês está lá de cima olhando, vendo todos os netos, bisnetos, muitas pessoas, todos bem de vida, graças ao que ela plantou, não é verdade?” Realmente, se ela não tivesse plantado lá no início, poderia não acontecer nada disso, mas ela, que plantou, está, depois de 25 anos, olhando o resultado do que ela plantou” . Isso saiu até no jornal japonês, porque lá naquela festa estava correspondente do jornal japonês, e também fiz um pequeno discurso, contei pro pessoal que estava lá na festa que a minha avó me levava àquela igreja, e com nove anos de idade eu fiz uma palestrinha que minha avó me ensinou sobre o Buda. Eu disse a eles que eu lembrava ainda aquilo que minha avó tinha me ensinado, que eu fiz essa palestrinha com nove anos de idade e guardava ainda na memória as palavras proferidas.
P/1 – Você lembra, ainda?
R – Sim, são as bases do alfabeto japonês. Então isso aí, a minha avó me ensinou quando eu tinha oito ou nove anos de idade, e eu participei de uma palestra naquele local. Eu estou com 56 anos, então, depois de passar quarenta e sete anos, voltei no mesmo local, na cerimonia budista de 25 anos da morte da minha avó, e eu disse para eles que estava lembrando dos fatos ocorridos na minha infância, naquele local...
P/2 – Mas tem como traduzir isso?
R – Então, isso eu precisaria estudar um pouquinho melhor, mas na época eu recitei os versos que são atribuídos ao Buda, formados de 47 sílabas diferentes que deram origem ao alfabeto japonês.
P/2 – Que eram palavras de Buda?
R – Sim.
P/1 – O que é que significa essa cerimônia de dar o banho no Buda?
R – Isso é uma tradição do Budismo, onde uma chuva de pétalas e néctar caiu quando Buda nasceu, e o chá adocicado para banhar o menino Buda representa a chuva de néctar. Com esse ato acredita-se que ao banhar o menino Buda a pessoa está banhando a si mesma e sendo abençoada.
P/2 – Agora, você sempre frequentou a religião? Você falou aqui que você é religioso, zen budista?
R – Minha formação inicial infantil foi influenciada pela religião ou filosofia budista, aí aconteceu o seguinte, eu entrei no grupo escolar, no ginasial, e quando tinha dez para onze anos de idade, na primeira aula do ginasial, a diretora entrou na sala – tinha 40 alunos –, e perguntou assim: “quem é que não é da religião católica?” Acho que fui único a levantar a mão. A diretora perguntou: “mas qual a sua religião?” Com meus dez anos de idade, eu falei: “eu sou budista.” A classe inteira exclamou: “Ah, nossa!”. Na escola tinha um grupo de catequese, aí eu fui convidado pra me converter, porque não podia continuar como estava, que na época, em 1955... Hoje a Igreja está muito mais adiantada, mas na época era muito dogmática, então na época devem ter pensado: “coitado, ele tem que ser convertido”, aí fizeram todo um trabalho para que eu me convertesse.
P/2 – Você resistiu?
R – Ah, eu não pude resistir, era o mundo inteiro contra mim, sozinho, com dez anos, como é que eu vou ter uma opinião? Eu comecei a frequentar a catequese, batismo, primeira comunhão. Não foi nenhum demérito, foi um aprendizado, e ao caminhar da vida você vai aprendendo série de coisas, vai acumulando, você vai formando um núcleo sobre as coisas da vida. Eu me tornei um congregado mariano da Igreja Católica, lideranças, etc. Aqui em São Paulo foi outra realidade. Claro que na época a gente acompanhou uma série de movimentos, inclusive no mundo inteiro, filosofia de todos os lados, capitalista, marxista, o que acontecia lá em Cuba, enfim, foi o mundo que a gente ia observando... Procurei nas várias leituras forças para vencer as dificuldades iniciais em São Paulo e tive contato com primeiras leituras do Zen Budismo aos 15 anos de idade.
P/2 – E te ajudou?
R – Ajudou. Eu me lembro que minha primeira leitura foi o livro Introdução ao Zen Budismo de D. T. Suzuki. E falando em Zen Budismo, eu tive oportunidade de conhecer recentemente uma monja por causa do mutirão de limpeza do bairro da Liberdade...
P/1 - Uma monja?
R – É, por causa do mutirão eu conheci a monja Coen, inclusive ela virá hoje no meu restaurante, porque nós vamos fazer uma reunião sobre os projetos futuros na área de ecologia e limpeza no bairro da Liberdade, com ajuda da comunidade local. Outro dia falei pra ela que quando eu tinha 15 anos de idade, em 1959, comecei a ler sobre zen budismo e eu tinha uma vontade de vir aqui no templo zen budista, na rua São Joaquim, que na época já existia.
P/1 – O templo, ali?
R – É, mas acabei não vindo porque minha correria da época não deixou, e só agora que conheci, por causa do mutirão da Liberdade, eu estive no templo outro dia, eu pisei pela primeira vez no templo, embora eu estivesse sempre lendo a respeito da filosofia zen budista.
P/2 – Agora você vai frequentar?
R – Eu conheci a monja, estão ocorrendo algumas coincidências. Quando eu trabalhava na IBM, na correria da vida cotidiana, eu estava procurando alguma atividade física, eu joguei tênis de mesa, tênis de campo, mas eu estava procurando alguma outra coisa, aí eu li num jornal japonês que, em Tóquio, os taxistas da cidade de Tóquio – isso na década de 1970 – conseguiam enfrentar o trânsito estressante do dia a dia equilibrando o corpo e a mente com a prática de uma arte marcial do Japão que se chama Aikido, eu vi aquilo lá e falei: “puxa, eu vou dar uma estudada nisso”. Eu vim aqui na Liberdade e comprei um livro japonês sobre o Aikido, dei uma estudada no assunto, concordei com a filosofia Aikido e resolvi procurar o mestre dessa arte marcial em São Paulo. Procurei, achei o endereço e fui conversar com esse mestre, o mestre Kawai Perguntei a ele se aquilo que estava escrito no livro correspondia ao que ele praticava e ensinava no dojo, ele respondeu: “é isso mesmo”. Assim eu comecei a levar a minha família inteira para praticar essa arte marcial, que é a arte que se baseia em você conseguir, através de muito treino, equilibrar o seu corpo e a mente, com respiração correta, de soltar os ombros – porque a gente está sempre duro aqui nos ombros –, sem desperdício de energia, dominar o corpo e a mente, e também na defesa pessoal. Se uma pessoa ataca, você pode usar a força do adversário pra contragolpear.
P/1 – Aonde eram as aulas?
R – Eu pratiquei Aikido às terças e quintas de manhã, das seis e meia às sete e meia; sexta às 19 horas e domingo de manhã durante muito anos com a minha família, na Academia Central, próximo ao início da rodovia Raposo Tavares, com o mestre Kawai. Mas depois o meu filho entrou no mundo do baseball –esse menino que formou em hotelaria –. Ele começou a praticar baseball com sete anos de idade, e se adaptou com muita facilidade em jogar baseball, tanto é que ele entrou na seleção brasileira desde dez, onze anos de idade. Com 15 anos participou, como capitão da seleção brasileira que sagrou campeão mundial em Londrina; com 16 anos ele foi escolhido o melhor jogador do mundo na sua posição, no campeonato mundial no México, e eu sempre falo pra ele: “Nando, uma das coisas que ajudaram você jogar baseball foi ter praticado o Aikido com três, quatro, cinco anos de idade”, porque ensina a não gastar energia em bobagem, você tem que estar equilibrado, sabendo relaxar os ombros, colocar a mente no lugar. Portanto é também uma arte marcial japonesa, assim como outras artes marciais, onde o zen budismo influenciou bastante. Mas eu tive que deixar o Aikido por problema de tempo. Acompanhando meu filho no baseball... Com meu filho eu viajei pelos países do mundo, porque a Confederação muitas vezes me convidava para fazer parte dos dirigentes da seleção brasileira, representando o Brasil em vários locais do mundo. Aí, visitando o templo por causa do mutirão da limpeza, eu vi um panfleto lá: “Aikido aqui no templo, nós estamos todas as terças e quintas à noite”. Cheguei a pensar, “se eu conseguir um tempinho eu venho praticar”, mas eu não consegui esse tempinho por causa das minhas atividades.
P/2 – Me conta uma coisa. Quando você saiu do ITA você foi trabalhar na IBM, depois você saiu da IBM?
R – Sim, trabalhei na IBM de 1968 a 1993.
P/2 – Aí você veio para o bairro [da Liberdade]. Como é que foi essa volta, como você encontrou o bairro?
R – Pois é, a gente resolveu investir também na área de alimentação, e por uma coincidência encontramos esse prédio aí meio abandonado, com perigo muito grande de deterioração.
P/2 – Explica sobre o prédio.
R – O prédio... Eu fui ver a história posteriormente. É um prédio construído por volta de 1895, e o elevador do prédio que a senhora assustou um pouquinho é o número 159 da cidade de São Paulo. Evidentemente que o elevador não foi do século passado, deve ter sido desse século, mas quando começaram a ser colocados elevadores, aqui em São Paulo, foi um dos primeiros, porque é o numero 159, então ele é uma espécie de atração turística, tanto é que o jornal O Estado de São Paulo faz referência a esse elevador do nosso restaurante. Mas esse prédio foi construído no século passado, e pelo que me consta a casa se chamava Casa Irmãos Almeida, e se vendiam tecidos, roupas. Eu pesquisei aqui na cultura japonesa algumas coisas do passado, então tem propagandas de roupas, de tecidos, e provavelmente no início do século, na época da Terra Nostra, da novela, a sociedade paulistana vinha comprar tecidos importados aqui na Casa Irmãos Almeida. O tempo foi passando e provavelmente essa Casa Irmãos Almeida fechou, talvez problemas de gerações, não sei, aí esse espaço foi sendo alugado para vários comércios de roupas, de casa de discos, etc., etc., escritórios. Mas depois essas pessoas foram saindo, e quando nós chegamos aqui o prédio estava meio abandonado. Mas fica bem no centro da Liberdade, defronte à Praça da Liberdade.
P/1 – Que rua?
R – Na esquina aqui, avenida Liberdade com a praça Carlos Gomes, esse prédio de três andares, cor salmão. Aí nós – quando digo ‘nós’, eu e meus amigos da IBM, que resolvemos investir na área de alimentação – resolvemos fazer uma reforma nesse prédio para colocar uma casa de alimentação. Então houve uma orientação para não mudar a parte externa, como se fosse um prédio semi-tombado, e fizemos uma reforma geral, cooperando com a revitalização do bairro.
P/1 – Como é que chama lá agora?
R – Restaurante Boulevard Liberdade.
P/1 – Vocês montaram o restaurante em que época?
R – Inauguramos o restaurante em dezembro de 1994, e estamos até agora passando por essa fase, que vocês todos devem saber da dificuldade de todos os setores da atividade econômica, mas estamos lutando.
P/1 – Vamos falar um pouquinho do bairro agora. Quando o senhor chegou, a primeira vez, tinha bonde aqui?
R – Tinha bonde sim, tinha bonde que fazia várias linhas, e exatamente em janeiro de 1959... Eu guardo uma lembrança de que tomei um bonde uma vez, num certo local, pra vir aqui pro centro, e tinha o ponto final aqui próximo à Praça João Mendes. Eu só sei que estava com um amigo, e quando vinha chegando ele pulou do bonde, porque já estava bem devagarzinho; eu nunca tinha feito isso, mas como ele pulou, eu pulei. Conforme eu pulei, caí no chão, eu lembro até agora. É porque não tinha prática, tinha que descer e sair correndo, né, (risos), eu lembro disso aí, porque foi uma grande besteira que eu fiz. Estava com pouca velocidade, mas de qualquer forma foi um impacto grande.
P/1 – Senhor Makoto, e a iluminação do bairro?
R – A iluminação do bairro? Olha, aqui na parte central do bairro da Liberdade aconteceu uma coisa bastante interessante, a origem do comércio do bairro é origem japonesa, os japoneses vinham do interior, mandavam os filhos pra estudar e ficavam na região do bairro da Liberdade, aí começou a concentração dos japoneses nessa região. Os pioneiros, por volta de 1950, começaram a vir do interior, começaram a investir. Um que realmente investiu alto foi quem montou o cine Niterói, senhor Tanaka, e outras pessoas foram investindo. O senhor Mizumoto, que estava em Pinheiros, veio pra cá, aí eles tiveram a ideia, montaram uma associação inicialmente de lojistas, e hoje... Desde 1991 o nome mudou para Associação Cultural Assistencial da Liberdade, antes disso era Associação de Lojistas.
P/1 – Por que mudou?
R – É que Associação de Lojistas é uma coisa bastante fechada, aí houve necessidade de transformar essa associação numa coisa mais ampla, então os objetivos definidos no estatuto também se ampliaram, tanto é que a gente está recomendando a participação da ACAL mais efetivamente nessa área ambiental pra melhorar as condições do pessoal do bairro, inclusive com esse movimento de limpeza, ecologia etc. Então, 1973, me parece, houve a formação com as lideranças dos japoneses, a formação dessa associação, aí eram pessoas bastante interessadas, de boa vontade, se formou esse núcleo nipônico, vamos dizer assim, aqui na Liberdade, e contato com os políticos, etc. Houve o primeiro projeto junto com a prefeitura de colocar essas luminárias típicas japonesas, e evidentemente que o tempo passa e começa a enfrentar problemas de manutenção, mas eu acho que através dessa associação a comunidade tem que se fortificar pra ter uma força política pra conseguir a manutenção e embelezar melhor o bairro da Liberdade. Tem que ser um esforço conjunto, você sabe muito bem que o tempo foi passando, as condições foram mudando... Inicialmente, a influencia da cultura japonesa, 1950, 60, 70, e a partir de 1980 começaram a chegar os comerciantes chineses, coreanos, então hoje, dentro da realidade do comércio, é um bairro oriental, com a soma de japoneses, chineses e coreanos, então nós estamos fazendo um esforço pra que ocorra essa integração, esse conceito de comunidade, esse conceito de coletivo, é alguma coisa bastante forte na comunidade japonesa. Agora, para que uma coisa aconteça, para que a coisa vá para frente, tem que ter esse espírito coletivo, que é muito do japonês. Agora estamos exatamente na transição de conseguir essa integração entre as pessoas que estão no bairro, eu acho que papel fundamental dos nisseis, sanseis, dentro da diretoria da associação: conseguir esse caminho da integração. Acho que o que não pode ocorrer são rixas ou atritos, isso não leva a nada.
(PAUSA)
R – Então existe a ACAL, Associação Cultural e Assistencial da Liberdade, que é uma entidade tradicional do bairro, e atualmente estou presidindo o Conselho Comunitário de Segurança, CONSEG Liberdade, que é um órgão ligado ao governo, à Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo, um órgão oficial que foi criado via decreto estadual em 1985, portanto está relacionado com a segurança. O que eu fiz logo depois que eu fui eleito presidente foi formar uma diretoria, inicialmente com quatro vice-presidências, uma vice-presidência de origem brasileira, doutor Medeiros, que é do Hospital Bandeirantes, uma vice-presidência de origem japonesa, senhor Fujimoto, que é uma pessoa respeitada aqui no bairro. Uma vice-presidência de origem chinesa e uma vice-presidência de origem coreana, da comunidade coreana, então, dentro dessa linha do conselho comunitário eu estou tentando fazer essa integração. Agora, eu sou diretor da associação cultural, eu sou diretor social, então o que se tem fazer aqui é alguma coisa pra encarar a realidade, e qual é a realidade? A realidade é essa que nós estamos vivenciando, não adianta você ficar em teorias e dizer: “puxa, gostaria assim, gostaria de outro jeito”, existe a realidade, você tem que olhar a realidade e tentar solucionar da melhor maneira possível. Dentro da associação já tem vários sócios de origem chinesa, não sei quantos de origem coreana, mas o que eu percebo dos representantes da comunidade brasileira é uma torcida para que de alguma forma conserve a cultura e a filosofia da tradição japonesa aqui no bairro da Liberdade, mas tem que ocorrer a capacidade da integração das pessoas de todas as origens para encarar a realidade de frente, isso que eu sinto, papel de aglutinação, de entendimento, porque são culturas diferentes, às vezes são atitudes diferentes, porque existe uma diferença muito grande, os japoneses vieram conforme a história que eu contei, vieram há vários anos atrás e trabalharam, trabalharam, inicialmente na lavoura, pegaram a enxada, vieram para cá e formaram a cultura japonesa na Liberdade. Agora, outras origens, maioria vem diretamente do comércio. Claro, o objetivo é o comércio, então existe uma diferença de filosofia, mas o que eu falo com o pessoal é que tem que encarar a realidade. Se de repente, por uma falta de capacidade de coordenação ou de aglutinação ocorrer mais fortemente uma influência mais recente, o bairro da Liberdade influenciado pela tradição japonesa durante dez, 20, 30 anos, que acabou criando imagem de um bairro japonês, poderá surpreender os visitantes ao bairro.
P/1 – Tem uma identidade?
R – Ainda sim, mas de repente, com total respeito a todas as origens – eu respeito todas as religiões, todas as raças –, se, como você falou, a atitude, os procedimentos mudarem repentinamente em função da força financeira ou comercial, a identidade pode ser mudada. Existe uma preocupação, evidentemente, muito grande das pessoas que montaram essa associação 30 anos atrás, mas aconteceu a seguinte realidade: muitos japoneses vieram do interior, alguns montaram o comércio, fizeram a história, mas os filhos se tornaram médicos, pessoas ilustres na sociedade; médicos, engenheiros, empresários, mas não na Liberdade, dentro de um mundo maior. A tendência dos pais é vender, desfazer do negócio, e as pessoas de outra origem, vêm de outro país, investem, compram o local e abrem novos negócios. Agora, a preocupação, evidentemente, da associação, é tentar atender os anseios, inclusive da comunidade brasileira, e fazer com que essa cultura japonesa permaneça, mas nunca esquecer da realidade, pra mim não adianta você sonhar com alguma coisa que não é verdade. Houve uma mudança do estatuto – e evidentemente foi aprovado, porque como a origem foi dos lojistas, estava muito comercial –, agora, com a mudança do estatuto, recentemente, que houve a provação pela Assembléia Geral, houve a criação de um conselho deliberativo com a participação nesse conselho de várias autoridades da colônia japonesa, não necessariamente da Liberdade, mas que forme um alicerce, um núcleo de cultura com essas pessoas representativas daquelas entidades que são os alicerces da cultura japonesa no Brasil inteiro. Porque eles sabem que a Liberdade, historicamente, foi um cartão de propaganda da cultura japonesa inicialmente, no Brasil e no mundo. Como você falou, a Liberdade é conhecida através desse cartão, houve a preocupação de fazer com que essa Associação Cultural e Assistencial da Liberdade tivesse um conselho deliberativo com a participação de pessoas de peso dentro da cultura japonesa.
P/1 – Você pode citar algumas dessas pessoas?
R – Só pra citar quatro alicerces: o presidente da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, que é o órgão mais importante da cultura japonesa no Brasil, aqui na rua São Joaquim, então essa Sociedade participa do conselho deliberativo; outra, segunda, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Japão, congrega todas empresas Brasil-Japão; outro alicerce é presidente da Congregação das Províncias do Japão no Brasil. No Japão tem 47 províncias e todas estão representadas aqui no Brasil, então o presidente que congrega todas as províncias também vão fazer parte do conselho deliberativo...
P/1 – Tem representantes das 47 províncias do Japão?
R – Cada província tem uma espécie de associação, tem presidentes... O presidente desses presidentes é o presidente da Congregação, então essa pessoa vai fazer parte do conselho deliberativo.
(PAUSA)
R – Foi na semana retrasada, e andou saindo jornal com várias polêmicas, muitas pessoas não estão entendendo, mas houve um clamor da comunidade não oriental que está aqui no bairro, defendendo uma necessidade da conservação de uma cultura japonesa.
P/1 – Deixa eu perguntar outro assunto. Você estava no bairro quando teve a construção do metrô?
R – Quando teve a construção do metrô eu não estava no bairro, mas quando eu falo do Brasil, quando eu falo do mutirão de limpeza, em mudança de mentalidade, não é que eu perco, eu ganho uma hora por dia. Quando eu passo lá na minha empresa dando palestras pros meus funcionários... É que eu acredito na mudança. Quando começou o metrô eu já estava formado, e eu pensei: “puxa, será que o povo brasileiro vai conseguir ser usuário do metrô? Mesmo nos países do primeiro mundo o negócio é tão difícil de manter limpo... Conheci os de Paris, Nova York, e no Brasil, acho que o negócio não vai funcionar não, vai ser sujo”. Então uma das maiores felicidades, eu errei redondamente. Eu tenho muito receio de fazer algumas previsões, porque andando pelo mundo aí, o metrô de São Paulo é um dos mais conservados internamente, isso foi um erro que eu cometi. Aí é que eu tenho mais esperanças de realizar alguma coisa que muita gente acha que é besteira, com relação ao mutirão. Alguns amigos do Rotary, por exemplo, falaram pra mim: “Ih Makoto, isso é perder tempo, isso é coisa da prefeitura, no Brasil ninguém vai aprender isso não”. Eu falei: “puxa, mas tem muita coisa que eu achava assim e eu errei”.
P/1 – Makoto, e assim, se a gente for pensar pra onde você gostaria que o metrô fosse, tivesse linha, estação, o que é que você imagina, pra onde pode estar indo, qual a sua expectativa?
R – Ah, uma área... Claro, tem todo o fator econômico, mas uma área bastante carente que eu sinto – não porque eu moro pra lá – é esse pedaço, Santo Amaro pra cá, esse pedaço que faz a ligação da zona sul, Santo Amaro, aquela região do Brooklin. Então bondinho que eu falei, atravessava esse pedaço todo – que era tão longe –, ia até Santo Amaro, ia pela Liberdade, depois avenida Ibirapuera. Esse pedaço aí eu e muitas outras pessoas reclamam, tanto que não tem metrô... Claro, porque você esta todo dia indo e voltando dessa região, com certeza devem ter outros locais, mas esse é um pedaço bastante carente de metrô, eu acho.
P/1 – A gente já está caminhando para o final. O que é que o senhor acha que mais mudou no bairro nesses anos todos? O senhor chegou com 14 anos. Até hoje, qual foi o aspecto que mais modificou?
R – Bom, foi na minha área, foi na área de avanço tecnológico, da informatização...
P/1 – No bairro, só o bairro?
R – Em relação ao bairro? É o que o pessoal mais comenta, me parece ser um fenômeno mundial, inclusive, essa tendência de abandono do centro. A Liberdade é uma primeira periferia do centrão, e com essa atividade de restaurante, eu percebo que às vezes chegam pessoas e vêm despedir: “semana que vem nós estamos mudando lá pra Paulista, nós estamos indo pra Berrini”, isso me dá uma tristeza que você nem imagina. Não pelo lado comercial, mas pelo êxodo das várias empresas, de várias autarquias, vários departamentos para outros locais. Então Paris e outras capitais do mundo inteiro também tiveram esse movimento de revitalização do centrão com vários movimentos, e aqui em São Paulo tem o Viva Centro. Eu participei de várias reuniões com eles, e parece que está surtindo efeitos, e aqui, a Liberdade, como uma primeira periferia, embora com uma característica diferente, com uma caracterização de uma comunidade japonesa, eu acho que essa foi a maior mudança. Eu acho que está no ponto de realmente as comunidades se tornarem fortes, melhorando em todos os sentidos a vida das pessoas, conseguindo o bem estar das pessoas, conseguindo a confiança dos turistas brasileiros, estrangeiros, que achem a Liberdade um lugar legal para visitar. Para isso a gente tem que criar condições, isso acho que se consegue através dessa aglutinação da comunidade com o poder público, na área de segurança, na área de turismo, atividade ambiental, parte visual, criando condições para investimento.
P/1 – Bom, o senhor gostaria de falar alguma coisa, o senhor acha que está faltando alguma coisa?
R – Nossa, eu nunca na minha vida falei tanto (risos). Eu estou até meio assustado. Não sei se eu falei muita besteira, eu entrei até na parte sentimental...
P/1 – O que o senhor achou dessa experiência, de ter olhado pro passado do senhor, ter revisto a infância, a adolescência, os familiares, o que o senhor achou de deixar essa entrevista gravada?
R – Eu achei muito legal, vocês foram legais. Eu fui falando até da origem do meu namoro com a minha esposa.
P/1 – Toca violino?
R – Eu até participava da orquestra filarmônica aqui da colônia, mas pela minha atividade, faz uns seis anos que eu dei uma parada. Gostaria, dentro do desenrolar da minha vida, voltar ao meu Aikido, à minha música, porque são atividades que eu sempre gostei. Na época do ginasial, uma das matérias que eu mais gostava era música, tanto é que participei de conjuntinho. Essa vida de correria fez com que eu ficasse meio longe, mas eu ainda quero me acalmar e retornar.
P/1 – E onde você aprendeu ?
R – Quando eu tinha meus oito, nove, dez anos de idade, o meu pai tinha um violino, aí eu comecei a estudar sozinho, nunca tinha ido à escola de música. No ginasial tive aula de música, aí comecei a selecionar livros de músicas japonesas e comecei a estudar o violino sozinho, sem ir à escola, até de uma maneira não muito correta. Comecei a participar de conjuntinho, e muitos anos depois, já trabalhando na IBM, já melhor na vida, eu vi que minha filha tinha jeitinho pra música, aí levei ela pro Conservatório, três, quatro anos de idade. Mas quando ela começou, eu fiz a seguinte pergunta pra mim: “Makoto, você estudou violino sozinho com nove dez anos de idade, você nem sabe se está tocando certo, está no conservatório, está com sua filha e tem professores de violino, por que você não entra no conservatório?” Aí comecei a frequentar o conservatório com a minha filha, comecei a estudar o violino e comecei também a estudar o violão clássico. Comecei a participar da orquestra filarmônica da colônia, objetivando o equilíbrio da parte mental. Existe uma orquestra filarmônica, fizemos apresentações aqui na sociedade, no MASP [Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand], em vários locais e intercâmbios com o Japão. Mas é uma saudade que eu tenho. Na orquestra participam japoneses, um romeno... Ele é um violinista romeno da sinfônica municipal.
P/1 – Está joia, Makoto, queria agradecer demais a colaboração, ter vindo até aqui, falar do metrô, do bairro. Obrigada.
R – Obrigado, muito prazer, e desculpe alguma falha.
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