Depoimento de Sérgio Peli
Entrevistado por Cláudia Leonor e Ana Paula Soares
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 01 de novembro de 1994
Transcrita por Wilton Garcia
P - Bom, eu queria que o senhor começasse dizendo o nome completo do senhor, onde o senhor nasceu, e em que dia.
R - Meu nome é Sérgio Peli. Eu nasci em 14 de abril de 31, em Penápolis.
P - Certo, e o nome dos pais do senhor, e onde eles nasceram?
R - Meu pai nasceu em Brescia, norte da Itália, e minha mãe nasceu em Calábria, na Itália.
P- Senhor Sérgio, e a origem do nome do senhor, o senhor me contou uma coisa, que teve uma confusão, que é que aconteceu?
R - É, as pessoas ficam sempre me olhando quando eu digo o sobrenome Peli, mas a origem é da Hungria. Os ancestrais do meu avô por parte do pai são da Hungria. Então escreve-se Peli com y, escreve-se mas pronuncia-se Palí. Mas eles de lá foram pra Áustria, da Áustria pro norte da Itália. E ali quase todo nome italiano termina com i, com o, né, e puseram, puseram Peli. Ficou Peli.
P - Certo, seu Sérgio, e o que o senhor sente assim da sua influência italiana, o que é que refletiu, alguma coisa no senhor, o seu jeito de ser?
R - Bom, refletiu muito de música, o meu pai também desenhava um pouco. Gosta de música. Ele vinha a São Paulo quando tinha temporada de ópera. Então, quer dizer, sempre puxou um pouquinho, né, pra música, pra pintura, pra arte, escultura, é influência italiana.
P - Certo, e me fala uma coisa seu Sérgio, como era a casa do senhor lá em Penápolis? Descreve pra gente.
R - Bom, onde eu nasci é uma casinha modesta, onde meu pai montou aquela oficina que você viu na fotografia, na saída da cidade. Saída e entrada. Eu nasci ali, era uma casa pequena com quintal enorme que meu avô fez um pomar enorme ali. Tinha tudo quanto era qualidade de frutas, eu me criei ali naquele quintal enorme e ia pra escola, voltava da escola. Já com nove anos que eu comecei ir pra...
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Entrevistado por Cláudia Leonor e Ana Paula Soares
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 01 de novembro de 1994
Transcrita por Wilton Garcia
P - Bom, eu queria que o senhor começasse dizendo o nome completo do senhor, onde o senhor nasceu, e em que dia.
R - Meu nome é Sérgio Peli. Eu nasci em 14 de abril de 31, em Penápolis.
P - Certo, e o nome dos pais do senhor, e onde eles nasceram?
R - Meu pai nasceu em Brescia, norte da Itália, e minha mãe nasceu em Calábria, na Itália.
P- Senhor Sérgio, e a origem do nome do senhor, o senhor me contou uma coisa, que teve uma confusão, que é que aconteceu?
R - É, as pessoas ficam sempre me olhando quando eu digo o sobrenome Peli, mas a origem é da Hungria. Os ancestrais do meu avô por parte do pai são da Hungria. Então escreve-se Peli com y, escreve-se mas pronuncia-se Palí. Mas eles de lá foram pra Áustria, da Áustria pro norte da Itália. E ali quase todo nome italiano termina com i, com o, né, e puseram, puseram Peli. Ficou Peli.
P - Certo, seu Sérgio, e o que o senhor sente assim da sua influência italiana, o que é que refletiu, alguma coisa no senhor, o seu jeito de ser?
R - Bom, refletiu muito de música, o meu pai também desenhava um pouco. Gosta de música. Ele vinha a São Paulo quando tinha temporada de ópera. Então, quer dizer, sempre puxou um pouquinho, né, pra música, pra pintura, pra arte, escultura, é influência italiana.
P - Certo, e me fala uma coisa seu Sérgio, como era a casa do senhor lá em Penápolis? Descreve pra gente.
R - Bom, onde eu nasci é uma casinha modesta, onde meu pai montou aquela oficina que você viu na fotografia, na saída da cidade. Saída e entrada. Eu nasci ali, era uma casa pequena com quintal enorme que meu avô fez um pomar enorme ali. Tinha tudo quanto era qualidade de frutas, eu me criei ali naquele quintal enorme e ia pra escola, voltava da escola. Já com nove anos que eu comecei ir pra oficina. Eu chegava da escola, almoçava e ia pra oficina. Que era encostada na minha casa.
P- E como que era a escola do senhor?
R - Era um grupo. Bom, primeiro eu fui no jardim de infância, isso foi antes, eu lembro até que eu escrevia tudo com a mão esquerda e tinha um freira, que chamava irmã Celina, que me deu tanta reguada na mão, (risos) acabei escrevendo com a direita.
P - Seu Sérgio, e como é que era a cidade de Penápolis nessa época, que é que tinha de diferente?
R - Era uma cidadinha calma, pacata, pequena, não tinha nem calçamento, bem pequena mesmo, só tinha um cineminha lá. Era a única diversão que tinha e o campo de futebol.
P - O senhor jogava futebol?
R - Não, mas gostava.
P - E os amigos do senhor quando o senhor era criança?
R - Sim, jogava com bola de meia na rua, né. Com a molecada.
P - E aí com nove anos o senhor já começou ...
R - Já comecei a ir todo dia pra oficina. O meu pai me dava uma mesadinha, já comecei a varrer tudo. Eram três pavilhões enormes na oficina, oficina e loja. Então quem cuidava da faxina era eu.
P - Só da faxina que o senhor cuidava?
R - Faxina, ia buscar carvão numa carvoaria do outro lado da cidade.
P - Pra que precisava de carvão?
R - Pra forja. Porque, como eu disse pra senhora, lá o que não tinha se fazia em peças, tinha que fazer.
P - Certo. E nesta época, seu Sérgio, quem era a clientela da loja, da oficina?
R - A maioria era todo o pessoal que vinha da roça mesmo, da roça em torno da cidade. Eu tenho esse sotaque acentuado justamente por conversar muito com aquela gente.
P - Mas eram mais os patrões da roça, os empregados? O que que eles queriam mais?
R - Todos, tanto patrões, como empregados. Aqueles que tinha o poder mais aquisitivo. Já tinha a espingardinha pra ir caçar.
P - Que tipo de armas que tinha mais naquela época?
R - Uns chamavam de espoleteira, né, outros chamavam de pica-pau, armas que se carrega pela boca. É o tipo de tiro mais barato que se existe.
P - E qual a finalidade deste tipo de arma?
R - Não, ela vem, é remanescente das primeiras armas. Onde você carregava pelo próprio cano. Como a pólvora, a bucha, o chumbo, socava tudo aquilo e esperava uma ave, assim dessas aves que a gente come, né. Que existe um negócio contra o caçador, mas o caçador não mata qualquer ave, o caçador. Quem mata qualquer ave apenas pelo prazer de matar é o predador. Nós não chamamos de caçador. O caçador ele mata a ave que se come, ou seja, um nhambu, uma codorna, uma perdiz, um pato selvagem, um patão, né, são tudo ave que se come.
P - Certo. E, bom, o senhor começou fazendo a faxina e quando o senhor começou a trabalhar na oficina mesmo? Quando o senhor começou a consertar?
R - Logo que eu terminei o quarto ano do grupo escolar. Eu já comecei a trabalhar na oficina. Porque escola de comércio eu fazia à noite.
P - Mas o senhor começou como? Limpando arma, qual era o trabalho do senhor?
R - Ah, sim, meu pai exigia, primeiro ele me ensinou a limar. A gente vê uma pessoa passando uma lima, pensa que é só esfregar, não é bem assim, você acaba aprendendo, parecendo uma plaina. Meu pai, por exemplo, tinha um ombro mais baixo que o outro de tanto limar. Você quase que fica como uma máquina, uma fresa limadora. Você aprende a limar planinho, pode pôr uma régua que não tem, não está fora, fora de esquadro, fora de nada. Primeira coisa é aprender a limar, então ele exigia a postura com as pernas abertas pra dar firmeza ao corpo e a lima não faz assim nem faz assim, é assim: é planinho, pode medir com a régua, que você não vê vazios.
P - Senhor Sérgio, fora esse tipo de coisa, tinha outros treinamentos que seu pai fazia com o senhor?
R - Fazia, de armas, de consertos?
P - Não, em geral, assim, de desenho, o que o senhor contou pra gente um pouco.
R - Sim, o desenho, o desenho é o seguinte: como ele percebeu que eu tinha queda pra isso, como ele também fez um pouco de desenho mecânico, ele desenhava também um pouco. Ele desenhava meio ovo, com um risco no meio, e falava: "Agora você vai fazer a outra parte exatamente igual a outra, com a mão livre." Então era meio ovo, meio açucareiro, tudo assim que tinha partes iguais olhando assim pra desenvolver o golpe de vista.
P - E esse desenvolvimento do golpe de vista servia pra que, vamos dizer...
R - Pra você desenhar, pra você enxergar uma peça, você limando ou serrando, você tem um golpe de vista que você nem nunca tira de mais nem de menos, tira certo.
P - Certo. Além de limar, quais são as outras funções que o senhor...
R - Sim, ali eu tive que aprender solda de oxigênio, solda elétrica, não é? Depois tive que aprender a polir, não sei vocês sabem: polir você pega uma peça enferrujada, você passa numa máquina que tem uma circunferência, né, tem uma roda que tem esmeril, pó de esmeril colado, ela é de feltro. E você primeiro tira toda aquela ferrugem, depois passa outra com esmeril mais fino e outro mais fino, até ficar como espelho, isso é polir. Deixar a peça que nem um espelho para depois ela ser submersa num banho de galvanoplastia.
P - Banho de galvanoplastia, pra que serve?
R - É, ou seja, niquelar, cromear, banho de ouro, banho de prata, tudo isso é galvanoplastia. É tudo que você consegue pegar o material transforma-se quase que. Passa por dentro de um líquido e vai pregar na peça.
P - Certo, e todo esse processo, tudo isso é processo de limpar arma, deixar ela...
R - Não aí já, limpar é simplesmente uma limpeza. Está certo que antes de você emergir uma peça num banho tem todo um trabalho. É uma outra limpeza, né, não pode ter nenhuma partícula de sujeira, senão você estraga todo o serviço.
P - Certo. E assim que tipo de conserto é mais freqüente de fazer em armas?
R - Bom, a arma depois de um certo tempo, também depende muito do dono. O dono que cuida, ela às vezes aparece com uma mola quebrada, que você pode soldar ou refazer. Tem peça que não pode e você tem que fazer aquela peça. Pegar um pedaço de aço, modelar e fazer a peça. Daí que vem o desenho, não é? E essas armas de caça também quando não são muito cuidadas a ferrugem toma conta porque o caçador chega cansado, ele joga lá, joga, não cuida, não limpa, quando ele vai pegar de novo, está cheio de ferrugem, mesmo que ele limpar um pouco, toda aquela ferrugem que está saindo é aço podre, aço ou ferro podre que está saindo, então ela vai se desgastando. Então nas juntas onde você dobra ou encaixa, aí começa aparecer folgas, e ela fica jogando, o cano fica jogando, ele aponta mas já não acerta mais direito. Porque uma hora pega pra cima, uma hora pega pra baixo, está jogando. Então você tem que encher tudo aquilo com solda elétrica, conforme o caso. Conforme, com solda de oxigênio, e aí entra a lima, vai ajustar tudo certinho, direitinho outra vez, pra trabalhar dentro de uma peça que nós chamamos de culatra.
P - E essa parte mais de produzir peças, desenhar armas, que o senhor começou a exercer, como é que é isso, o senhor começou a desenhar?
R - Não desenhar, sempre que você vai fazer uma peça, você faz um, você faz um desenho primeiro, muitas vezes, como a senhora viu aquelas latinhas, você faz um molde. Você faz no papel, cola aquele papel, corta a latinha, põe em cima pra facilitar o serviço.
P - Certo. Mas o senhor chegou a desenhar uma arma, como que foi isso?
R - Não, eu desenhei e não tinha material pra fazê-la. Foi de uma arma que estourou os canos, eu cortei, aproveitei os canos. Desenhei, fiz o maquinismo e fiz o maquinismo simplesinho, simplesinho, simplesinho, dessa arma que a gente estava intencionando comprar uma fábrica lá.
P - E aí o que aconteceu?
R - Bom, aconteceu é um pouco de egoísmo de meu pai. Eu que desenhei, eu que fiz, ele começou a arrumar uns sócios lá e eu vi que ele estava me deixando de lado. Então abandonei tudo e vim embora pra São Paulo.
P - E como que o senhor veio pra São Paulo?
R - Ah, na época era de trem, não tinha ônibus.
P - Tá, mas aí o senhor chegou em São Paulo, o que o senhor foi fazer logo?
R - Eu cheguei e fui procurar uma firma pra mim, eu tinha que manter, né. E fui parar lá na Praça Carlos Gomes, Rua Carlos Gomes. Atrás da Sé, tinha uma oficininha lá, com o nome de... não, minto... primeiro fui na casa Bayard, a casa Bayard não tinha oficina e me indicou pra ir lá.
P- Naquela época a casa Bayard era especializada em armas?
R - Em vendas, eles não tinham oficina. Então eu fui lá nessa oficina. Eu dei o endereço antes e fiquei ali três meses. Um dia, o proprietário da loja Ao Gaúcho, ele ia sempre comprar uma peça, um cabo de revólver, alguma coisa ali. E me viu ali, e perguntou: "O senhor é novo aqui?" "Sim, sou." "Onde o senhor trabalhou?" "Ah, trabalhei em Penápolis." "Ah, então o senhor conhece o Marcello?" Eu disse: "Conheço, é meu pai." Aí ele falou: "Você trabalha igual ele?" Eu falei: "Bom, eu não posso fazer julgamento. O senhor... Eu não posso falar se eu trabalho igual ele, ele é muito mais antigo do que eu, muito mais velho, tem muito mais experiência do que eu." Ele disse: "Então passa lá, vai fazer um experiência lá." E pra lá eu fui, pra loja Ao Gaúcho e lá estou até hoje.
P - Certo, agora na Ao Gaúcho o senhor faz... desde aquela época o senhor faz ou fazia exatamente o que, vendas?
R - Não, só reformo armas, só, na oficina do Ao Gaúcho.
P - Seu Sérgio, e assim: quando o senhor veio para São Paulo, qual a diferença que o senhor sentiu ao sair de Penápolis e vir pra cá?
R - Olha, eu não sei. Sempre, eu já tinha vindo aqui algumas vezes. E sempre fui dado a gostar de movimento, correria, e me dei bem. Todo mundo corria, mas eu não corria não, eu corro agora acho que pela força do tempo que estou aqui, mas todo mundo corria e eu não corria não. E gostava de São Paulo, sempre gostei de São Paulo.
P - O senhor veio morar aonde?
R - Ah, eu fui, primeiro aluguei uma casa lá em Vila Mazzei, lá no Tucuruvi, depois eu juntei mais um pouquinho de dinheiro e dei uma entrada num sobrado lá. Ali eu morei quase dez anos. Vila Mazzei, Tucuruvi. E vinha quase todo dia para o Gaúcho.
P - Agora, seu Sérgio, na maneira das pessoas verem o trabalho do senhor lá em Penápolis e aqui, o senhor vê diferença?
R - Tem.
P - Como é que era?
R - É o seguinte: como o pessoal lá é simples, eles não ficam procurando muita sofisticação. Se tiver um pedaço de madeira pendurado atrás da espingarda e se der pra atirar certo, eles estão satisfeitos. Mas como você tem chance de fazer mais, aplicar a arte em cima, pra mim não estava bom lá, essa parte aí. Então você tinha, você não podia progredir, não podia cobrar mais, não é, eu vim pra aqui. Então, como aqui tem gente que, que não é rico só de dinheiro, é rico de dinheiro, de cultura, não é?, então eu tinha muito mais chance, né. Então atualmente, por exemplo, e quando eu vim pra cá, você trabalha com armas finas, armas de categoria que tem desenhos em alto relevo, coisa que eu gosto de fazer.
P - Quando o desenho é em alto relevo, que é que o senhor, o trabalho do senhor consiste em quê?
R - Talhadeiras. Faço com talhadeiras.
P - Que é que são talhadeiras? Explica pra gente.
R - Talhadeiras são ferramentas, inclusive tem pontiagudas também, mas ela tem um cortinho, mais ou menos dessa largura, dessa, você segura aqui e com o martelo, depois que você risca, você afunda com a talhadeira tirando aquele material, vai tirando, tirando, tirando, e fica o outro em alto relevo. Depois você dá acabamento, né, com lixa com liminhas especiais, né. Na minha época era só com talhadeira, hoje usa esses motorzinhos igual de dentista e dá-se o acabamento, tem mais facilidade.
P - O que o senhor prefere desses dois trabalhos, assim, desses dois tipos de materiais pra trabalhar, qual o senhor prefere?
R - Talhadeira.
P - Por quê?
R - Não sei. Parece que a gente põe um pouco da gente, né. No trabalho.
P - Qual que é o trabalho de um armeiro, seu Sérgio, no serviço total dele?
R - Um armeiro? É como eu disse: é reformar armas, consertar, reformar, às vezes ele faz uma mola, às vezes ele faz uma peça. Ou às vezes ele pega uma arma toda enferrujada, como eu já disse, e vai refazer ela, deixar ela parecendo nova. Por exemplo, tem arma que chega com os cantinhos todos arredondados, às vezes também passa por mãos de pessoas inexperientes, que acabam por arredondar aqueles cantos. Que às vezes o cliente, ele não sabe, ele leva para um polidor. Um niquelador. Ele não é nem meio oficial armeiro. Então ele arredonda tudo. Então o que que você faz: você mete a lima, deixa tudo retinho como saiu da fábrica novamente. Grava as letras tudo novamente, os desenhos, e depois o armeiro completo ele faz coronhas, que é meu caso, faz coronhas de madeiras, aquele freguês exigente, você tira a medida da abertura da vista, altura do ombro, altura desse osso, até a vista, tudo que facilita pra ele, quando ele lança, quando ele lança ela já tem que cair certa. Ele só procura o objetivo, ele não tem que estar ajeitando. Isso é muito usado no clube, que faz tiro ao prato, clube de tiro.
P - E, por exemplo, a clientela, o que mudou assim da clientela de Penápolis para cá? O senhor disse que é mais exigente, não é?
R - Exigente e paga mais.
P - E qual a reação da clientela quando ela recebe a arma dela de volta, por exemplo?
R - Ah, tem alguns que vão olhar o número, a marca, porque eles tem a impressão que não é a dele, (risos) que às vezes ele já compra de outros já toda estragada, né. Então ele não tem noção de como ela era quando nova. Então quando ele recebe ele pensa que não é a dele.
P - E, por exemplo, tem algum tipo de arma hoje que o pessoal utiliza mais, ou não?
R - Não. Hoje em dia com esse índice de criminalidade estão usando mais armas curtas. E estão pegando armas longas e transformando em armas curtas. Ou seja, cortando os canos, então, o que acontece?, ela serve para defesa. Se tem quatro ou cinco pessoas aquela carga daquele cartucho sobra chumbo para toda gente. Tem quatro ou cinco bandidos, ladrão, sobra chumbo pra todos eles.
P - Aumentou muito assim a procura da reforma de armas, vamos dizer assim, ou de venda em função da criminalidade?
R - Tanto novas como em reformas porque dado ao preço às vezes compensa reformar, né, sai mais barato.
P - E, por exemplo, tem alguma região da cidade que o senhor nota que tem mais clientes, que o pessoal...
R - Bom, o sofisticado vem lá do Morumbi, como sempre é tudo.
P - Como é que é o cliente sofisticado que o senhor fala?
R - Armas sírias. Tem armas caríssimas, custa o preço de um carro. Toda rebuscada, toda bonita, ela vai fazer a mesma coisa que a outra faz, só que ela é mais bonita.
P - Tem algum modelo especial?
R - Não, não, às vezes é o mesmo modelo. É como a fábrica, a fábrica faz o modelo, depois faz o meio termo, e faz o outro super-rebuscado. Mas para o que ela tem de fazer, tanto faz aquela outra como essa, não é? A não ser no caso assim de armas caríssimas, inglesas, então ela custa muito caro porque ela não recebe têmperas. Ela é, ela já é feita com um material muito duro. Então as ferramentas que são usadas para fabricar aquela arma se gastam muito e se gastando muito, eles tem que gastar muito com ferramenteiro para fazer outras ferramentas. Então essas armas ficam caríssimas. Assim, como seja (Grinner?), (Burden), __________ . São armas inglesas, tem pessoas que vai lá comigo, tira a medida da coronha, tudo, e manda as medida para Inglaterra, pra fazer armas sobre aquela medida.
P - Certo, e o cliente, vamos dizer assim, mais simples, que tipo de arma que ele usa?
R - Ah, normalmente ele usa arma de um cano. Os outros usam de dois ou usam armas automáticas, né, de cinco tiros por exemplo. O mais simples usa arma de um cano. Às vezes de dois canos, mas são armas de cães, você tem que armar por fora. A arma mais sofisticada um pouco você abre, põe os cartuchos, fecha, ela já estava armada.
P - Certo. E a coisa da munição. Como que... o senhor trabalha com munição, tem algum cuidado especial com a arma?
R - Claro. Nunca... quando você põe a munição... mesmo sem munição, dentro da oficina, ela está sempre apontada pruma parede, prum canto, que sempre pode acontecer algum, a gente se distrair, né, com alguma coisa.
P - O senhor já viu na oficina assim algum acidente que... já teve alguma coisa?
R - Comigo mesmo.
P - É? Conta pra gente.
R - Quando garoto ainda lá em Penápolis. Voltando a Penápolis, um freguês, porque quando um freguês chegava com uma arma lá, dizia assim: "Seu Pedro, eu tenho um revólver aqui", pra mostrar pra ele que estava com problema. Meu pai já tirava da mão dele e primeira coisa era abrir e olhar. Bom, um dia aconteceu, meu pai demorou pra chegar lá no balcão e disse: "Seu Pedro, eu tenho uma arma aqui." Era um revólver 38 e tic, tic, tic, tic, tic, bum. O tiro pegou num chapa de aço, está aqui a marca, ricocheteou na minha perna, aqui ó. Eu sentei no chão na hora ... sentei no chão na hora. Isso já foi o primeiro, o batismo, né. (risos)
P - Quantos anos que o senhor tinha na época?
R - Devia ter uns 13 para 14 anos.
P - E depois aconteceram mais coisas assim?
R - De lá?
P - É.
R - Aconteceu com o delegado, era uma carabina Colt, ela cabe 12 balas calibre 44. E eu fui manobrar pra ele e estava fazendo frio. Eu estava com uma blusa de lã, estava meia, usava no serviço, estava meia rasgadinha assim, aliás desse lado, conforme eu fui manobrar a telha, não desse lado aqui, conforme eu fui manobrar a arma a blusa pegou, enganchou no gatilho e saiu um tiro na cara dele, assim, mas de lado, né. A bala pegou numa escrivaninha que estava cheio de pedras de afiar ferramentas, uma coisa, a bala deu não sei quantas voltas lá dentro, quebrou tudo. E ele ficou branco na minha frente, o delegado olhando pra mim.
P - O que é que ele falou para o senhor?
R - Ele ficou olhando pra mim. Eu falei: "Puxa, a blusa enganchou no gatilho." (risos)
P - E já aqui em São Paulo, seu Sérgio, tem algumas histórias assim que acontece?
R - Tem. Eu tive um colega que subia para almoçar na oficina, balconista da loja, o nome dele era Barbosa e, não, nesse dia ele não subiu para almoçar, ele subiu com um revolverzinho cuja a marca costumava dar muito problema e então subiu lá. O freguês tinha comprado na loja, o freguês veio reclamar que o cabo estava meio solto. Como a arma, eu, quando entrei na loja, eu já tinha observado aquela arma rodando na mão de todo mundo lá dentro. E ele também, um balconista já velho, antigo e experiente, nunca me passou pela cabeça que podia ter um projetil lá dentro, uma bala lá dentro, então eu peguei o revólver eu falei: "Bom, como essa arma costuma dar muito problema, deixa eu ver se não tem mais alguma coisa, senão o freguês volta de novo." E fiz assim ó, levantei a arma e comecei, fui manobrar assim. Ele foi andando para lá. Ele acabou de contornar o balcão, o tiro saiu. Tem a marca na oficina até hoje. Se ele tivesse andado um pouquinho mais devagar tinha pegado na nuca dele.
P - Seu Sérgio, e tem mulheres que procuram a oficina, a loja, como que é?
R - Tem, muitas delas usam a arma na liga, um revolvinho assim que se chama galã. Tem, usa na liga. A liga, aquela liga de segurar meia, _______ liga. (fim da fita 030/01-A)
P - E assim sempre teve mulher que foi lá, como que foi?
R - Teve. E tem mulheres também que mandam fazer correia sob medida que atiram na clube.
P - Certo. Como é a atividade do senhor no Clube de Tiro Paulistano. O que o senhor faz lá também?
R - Bom, lá eu pego armas para a reforma. Lá muitas vezes o freguês diz: "Olha, eu, o meu tiro está saindo para cima do prato", porque lá, não sei se você já viu, ele tem uma máquina, você não vê, o prato sai voando, imitando o vôo do pato. E eles tem que acertar, e não sabe se vai sair pra lá, para cá, pra frente, eles tem que acertar. E quando eles começam a perceber que está errando muito, eu levo ele num setor onde tem uma placa de aço lá no fundo. Tem um alvo. "Atira no alvo, deixa ver aonde o senhor está acertando." Então às vezes você vê se a arma está pegando em cima, de lado, embaixo, e, outro detalhe, aí eu vou conferir com a arma que ele está atirando, olhando de frente para arma, se a vista dele quando se apóia na arma está de lado, ou do outro lado, ou se está muito alta ou se está muito baixa, aí que eu vou observar a distância que tem pra fazer uma coronha nova sob medida para ele. É isso que eu faço lá.
P - Que dias que o senhor vai lá?
R - De domingo.
P - Sempre de domingo?
R - De domingo.
P - O senhor já trabalhou com algum campeão de tiro?
R - Lá tem vários campeões.
P - É? Desses que vão para olimpíadas?
R - "Vichi." Desculpa o "vichi". (risos)
P - Com quem que o senhor já fez trabalho assim?
R - Eu já fiz com Sérgio Bertoletti, o xará dele. Puxa, lembrar o nome de todos, vocês tivessem eu tinha trazido a agenda que eu tenho o nome deles todos lá comigo. Bertoletti, Taiole, Taiole. É duro, viu, enumerar assim de momento, eu não me lembro o nome deles não.
P - Tudo bem, mas assim o senhor já fez algum trabalho...
R - Ah, sim, tem o Antônio Tondo, que era presidente do clube, Afonso, que era o vice na época e agora é o presidente.
P - Tem algum tipo de trabalho que o senhor mais gosta de fazer?
R - Escultura. Por isso que eu faço trabalho em alto relevo, tanto no ferro quanto na madeira.
P - Bom, e essa escultura vem de uma coisa do senhor ser voltado pra arte, né? Fala um pouco dessas outras atividades que o senhor faz, que o senhor já fez, que o senhor pintava?
R - Sim. Eu já te falei, né, que meu pai, meu pai percebeu que eu tinha queda para desenhar. Ele forçava, eu via os desenhos que ele fazia também e aquele negócio, pega o lápis, mede a altura do rosto da pessoa, a largura e tal, para pegar mais ou menos...
P - Mas o senhor já chegou a pintar em tela também?
R - Você viu, né? Então eu tinha 14 anos e tinha que pintar depressa, porque não tinha a tinta própria. Tinha que pintar com esmalte, que secava rápido. Eu mesmo tinha que comprar essa entretela que usava para por em paletó, preparava a tela com... , deixa eu ver, usava ... óleo de linhaça, com gesso, tem outra coisa que agora eu não me lembro, secante, né, secante. Então a tela, passava aquela massa numa tela e deixava ela num lugar e depois esticava ela sobre a armação. Eu mesmo preparava.
P - Não tinha tela pronta?
R - Não existia, tinha que fazer. Lembra o que eu estava falando, que eu desisti de pintura por causa de uma coisa que aconteceu comigo? Eu fiz uma exposição e um diretor de um banco escolheu um quadro, cujo quadro tinha um vaso com flores assim meio violeta, meio lilás, a mesa envernizada, onde refletia no verniz o próprio vaso e algumas pétalas que estavam caídas, refletiam tudo. E ele escolheu aquele quadro, e eu ainda era garoto, eu era meio miudinho, usava calça curta. Ele nem mal podia pensar que era aquele garoto que estava ali olhando. E eu vi quando ele escolheu o quadro, mandou reservar, não era caro, só estava cobrando o preço do material que eu, pra mim continuar pintando. E ele perguntou: "Mas quem é esse Sérgio Peli?" Aí você, ele é filho daquele armeiro que tem aquela loja na saída da cidade. Ah, ele é um garoto." Ele não quis mais o quadro. Ele queria nome, ele não estava observando a arte, ele queria nome. E quando o dono lá da loja estava expondo os quadros, devolveu os quadros, meu pai não chega lá, esse que você viu, tinha sido tudo queimado eu estava jogando gasolina na mala de pincéis, tudo, os quadros, estava pondo fogo em tudo.
P - E por que o senhor resolveu fazer isso?
R - Eu achei que era ali, com aquela ignorância que existia ali, você estava perdendo o seu tempo, não é? Eu gostava, mas não dava para me defender, nem pra mim continuar pintando, fazer uma coisa que eu gostava de fazer.
P - Certo. E o senhor aprendeu música também?
R - Sim, quando eu, quando eu desisti de pintura, eu comecei a estudar música. Aliás, é meu pai, meu pai sempre gostou de música, mas ele nunca tinha lido música. E ele comprou um ABC, e depois um Bona musical onde tinha as lições de música e ele era tudo resumido, era bem mais difícil de aprender que o Bona atual, que você vê todas aquelas notas, todas espaçada assim dá para você falar, dó, ré, mi... dá tempo, né. Mas na minha era tudo assim pertinho. E ele estava estudando pra aquilo lá, ai ele desistiu e eu peguei aquele caderno e comecei a estudar e _____________ e marcar o compasso e aquele negócio, tempo, aquelas coisas. Aí eu passei para um outro, um outro Bona e deu sorte que apareceu um maestro de banda de música lá. E eu fui lá. Ele viu que eu já lia um pouco e tal, se interessou, e naquela época ele era maestro da banda de música e também de uma orquestra que existia num clube lá, com o nome Corínthians também. Lá já era orquestra, então ele começou a fazer eu a tocar com instrumento, lendo, lendo, dando tempo e ele marcando, certo?
P - Que instrumento que era?
R - Era clarineta. E marcando e tal, depois ele estava ensinando um outro colega meu, aí tinha lições. Para você aprender a tocar orquestrado, para não se confundir, você tem que tocar a sua parte encaixando no ouvido a parte do outro sem sair da tua e o outro também a mesma coisa. Então, eram lições que eram feitas pra isso, pra tocar junto, mas era tudo da mesma música mas partes diferentes, como você vê hoje. Você vê uma orquestra, um está subindo, outro está descendo e tudo mais. Encaixa tudo dentro daquele compasso, né. E fui aprendendo assim. Aí com uns cinco meses de música eu já saí a primeira vez na rua com a banda e comecei por aí.
P - E onde que a banda tocava?
R - Coreto.
P - No coreto?
R - Coreto, festa, nos bairros, né, e a banda a gente ia mais, quer dizer, você tocava mas divertia, né. Ganhava pouco, a gente não estava ligando muito para isso.
P - O senhor gostava de tocar mais aonde? Tinha algum lugar?
R - Aonde? Na sinfônica do ginásio.
P - Por quê?
R - Era mais fino. Era mais clássico, mais fino.
P - E quem eram as pessoas que iam assistir, como é que era?
R - Era de graça, a população de Penápolis mesmo.
P - Seu Sérgio, o senhor se casou em Penápolis mesmo?
R - Casei em Penápolis.
P - Conta pra gente como é que foi o seu casamento, como o senhor conheceu?
R - Bom ... bom eu conheci uma moça, depois comecei a seguir ela, saia da cidade e morava numa chácara e o pai dela tinha, criava gado, gado leiteiro, e eu comecei a ir lá e freqüentar a casa. Comecei por aí e depois, era um calabrês, calabrês não, ele era um napolitano. Quando eu fui falar em noivado ele fez assim: "Né, se for para noivar é só três meses", (risos) foi assim e a gente casou.
P - Certo, o senhor veio, desculpa ...
R - Pode falar.
P - O senhor veio pra São Paulo já casado então?
R - Já.
P - Fala um pouquinho dos filhos do senhor também
R - Meus filhos?
P - É.
R - Eles tiveram uma infância aqui. Depois voltamos para lá, ficamos quatro anos lá. Lá que eles desenvolveram mais porque tinha mais liberdade, né. Fizeram os primeiros anos de escola lá. Depois aqui foram para o ginásio, depois foram pro colegial. O meu filho pra ele conhecer a cidade eu pus ele numa firma como office-boy, né, porque assim ele aprendeu a conhecer a cidade, fácil. E a minha filha, pus ela num ballet e aula de piano. Então ela fez se eu não me engano dez anos de ballet, lá nos baixos do Municipal. Meu filho depois fez o colegial, ele começou a fazer umas coisinhas comigo, sabe?
P - O que é que ele fazia?
R - Ele desingrinava. Desingrinava é aquela ferramenta que eu te mostrei, faz aqueles risquinhos na madeira, onde a pessoa pega para não deslizar a mão, mas tudo aquilo em arma tem que ser feito bonitinho, com arte. Não é um simples risquinho. E ele gostava, mas devido às perseguições que eu sofria no passado por causa do ramo, eu não incentivei ele. E ele entrou nessa firma de venda de material de escritório. Hoje ele trabalha nessa firma e tem também uma microempresa do mesmo ramo.
P - Eu ia perguntar para o senhor se o filho do senhor trabalha no ramo. Mas o senhor está dizendo que não, né?
R - Não.
P - Mas o senhor nem ensinou a ele os golpes de vista?
R - Não porque ele não era muito chegado a desenho, né, nem minha filha. Engraçado isso, ela é mais chegado a música.
P - O senhor ensinaria também a filha do senhor a lidar com armas?
R - Não.
P - Seu Sérgio, em Penápolis, como que as pessoas pagavam o serviço do senhor, e o que é que mudou quando o senhor veio para São Paulo. Eles pagavam com dinheiro?
R - Não, com dinheiro. Tinha pessoas que vinham com café, com feijão, tinha disso, porco, peru. Inclusive eu vou te contar um caso pitoresco que eu... aliás eu fiz isso aí, pra onde vai esse programa?
P - Não, vai ficar na Federação. A gente vai montar um multimídia.
R - Um o quê?
P - A gente vai montar no programa de computador, vai ficar na cidade, no Sesc, no Senac. Se o senhor não quiser citar nome não tem problema, o senhor não precisa.
R - Não, não é nome não, depois eu falo fora do programa. Era um caso pitoresco, inclusive de uma menina japonesa e o pai passou com ela chorando com ela lá na porta. Foi no médico e o médico queria cortar o dedo dela, uma lata de óleo Singer que existia antigamente, tirava o bico, ela enfiou o dedo ali e não saia mais. E foi deixando e aquilo inchou e ai ficou meio roxo, não saia mesmo. Ai ele passou de volta do médico, sem cortar o dedo da menina. Ai eu perguntei para ele que que estava acontecendo. Ele contou, né, que a menina enfiou o dedo lá, que o dedo não saiu e que o médico queria cortar o dedo. Eu falei: "Pô é tão mais fácil, corta a lata. Vamos entrar lá na oficina." Ele entrou lá, segurou a menina, pequenininha. "Não deixa ela ver, põe a mão dela." Prendi na morsa a lata, meti a serra na lata, abri a lata e o dedo saiu. Em conseqüência disso, depois ele me ensinou umas artes que eu só vou poder citar depois. O nome dele era Tanaka, não, como que era o japonês, ah, não lembro o nome dele agora não.
P - Seu Sérgio as pessoas pagando em espécie o serviço do senhor, né, pagando com feijão, com arroz...
R - Não, com dinheiro também.
P - Com dinheiro também. Mas, por exemplo, assim, como que o senhor calculava, tanto de feijão, por esse serviço, como é que era?
R - Não, a gente sabia o preço por quilo e coisa, porque o nosso serviço ele não usa muito o material, né. Então sempre é calculado o tempo que você leva pra fazer, até hoje. O que você calcula é tempo, tantas horas, é tanto por hora, já existe um cálculo. Tantas horas do oficial custa tanto.
P - Certo. Agora, as pessoas quando iam pagar elas já combinavam de antemão com o senhor? Quando elas levavam a arma elas falavam assim: "Olha eu vou pagar em feijão, em arroz ou café"?
R - Não, isso tinha de falar antes.
P - Antes?
R - Não, acontecia de casos de pessoas que dizia: Olha, me apertei, tal, não serve tanto de arroz, tanto de feijão ou café. A gente aceitava. Tinha até médico lá que fazia isso.
P - É? Que época que era isso mais ou menos?
R - 43, 44 por aí.
P - O senhor preferia receber em espécie ou tinha...
R - Quem recebia mais em espécie era meu pai. Porque era o seguinte, eu não recebia direto, eu era empregado do meu pai, era ele que recebia. Eu fazia orçamentos, cobrava, dava o preço. Depois se era em espécie ou em dinheiro aí era com ele.
P - E aí assim, pra atrair clientela. Como que vocês faziam, vocês tinha algum tipo de propaganda?
R - Olha, lá nem rádio tinha. Rádio tinha, não tinha emissoras. A propaganda que tinha, às vezes tinha o jornalzinho da comarca, tinha alguma propaganda assim muito de leve. Mas como era a entrada da cidade, todo esse pessoal do campo via ali, né. Estava lá o nome da oficina, o que é que se fazia lá. Então chegava ali, aqueles caboclos, tudo ali. Então, já o outro já começava a falar para o outro, inclusive meu pai era bem vermelho, o cabelo um pouco avermelhado e aqueles caboclos chamavam ele de "alamão". "Vai lá no alamão", assim.
P - Certo. E, por exemplo, como que as pessoas acham, vêem o trabalho do senhor, porque é uma coisa bastante diferente, bastante específica. Como que o senhor acha...
R - Ah, muitos chegam lá: Puxa como eu gostaria de... muitos fazem por hobby, mas se aprofundar nisso, eu vou falar. O armeiro morre e ele não acaba de aprender. Porque é sempre alguém inventando um modelo diferente. Sempre vem uma arma de um outro país, de um outro local, com modelo diferente. Então normalmente sempre tem o estudo, chega uma arma lá, o cara faz o orçamento, tal dia você vem buscar isso. E se você não conhece aquela arma, você vai estudar.
P - E nesse ramo está aumentando, tem mais gente entrando nesse ramo?
R - Não. Não está, por causa, por causa, devido as perseguições, né. Perseguição, você é visado por bandido, você é visado pela polícia. É porque eles sempre estão pensando que você trabalha ilegalmente, então lá, de vez em quando, acontece batidas, a polícia vai lá, revista, vê se tem arma ilegal, que não tem registro. Se tem armas que é privativa do exército.
P - Como a 45?
R - Sim, mas a 45, por exemplo, eu tenho uma lá agora, mas ela vai, é um colecionador, ele tem um bruta de um documento do exército autorizando ele a ter aquela arma sob um cofre superfechado, com uma puta de uma guarda e é pra ela permanecer lá na oficina. Lá diz quantos dias ela pode permanecer na oficina. Eu estou com uma metralhadora lá atualmente, daquelas que se usava no tempo daquela máfia que tinha nos Estados Unidos.
P - Ah, os gangsters, os Intocáveis?
R - Os Intocáveis, justamente. Tenho lá uma no momento.
P - Quando o senhor recebe uma arma o senhor toma esse tipo de cuidado, saber a procedência dela?
R - Você tem que marcar tudo. Nós temos, cada arma que entra lá tem um histórico. Que existe o freguês safado, né. Ele manda fazer uma coisa, depois ele volta lá: "Ah, eu mandei consertar aquela arma lá." Às vezes quebrou uma outra coisa, né. E não ficou boa. Ele não fala o que é que ele mandou fazer. Então quando a arma volta: "O senhor tem a nota ai, deixa eu ver." Aí você vai lá na ficha, foi feito isso, isso, isso. "É, foi feito isso, isso, mas o que quebrou aqui é isso."
P - Seu Sérgio, o senhor com toda essa experiência em consertar armas, em fazer entalhe essa coisa toda. O senhor sabe atirar, gosta de atirar, pratica?
R - Não, eu não pratico muito, mesmo porque eu agora ando armado. Porque diminuiu um pouco, a idade aumentou, diminuiu a minha agilidade. Eu gostava de resolver na mão mesmo, mas devido isso, eu sou obrigado. O que eu vejo ali, não tem condições, tudo registradinho, tudo certinho. Mas ando armado.
P - Mas o senhor não pratica como hobby?
R - Não, não, não. Lá o que você tem que experimentar você já pratica.
P - E com quem o senhor aprendeu a atirar?
R - Consertando com meu pai. Caçando também. É tiro ao vôo.
P - Senhor Sérgio, naquele jornal que o senhor mostrou para gente que tinha uma matéria, tinha uma parte que o senhor falava de noites sem dormir que o senhor passava para resolver problemas assim com as armas, dificuldades, de segredos de pai para filho.
R - É parte daquilo que eu estava falando agora pouco. Sempre aparece uma arma diferente. Às vezes quebra, o freguês perde a peça. Então você tem que ver aqueles encaixes, qual é a peça que encaixa ali, que desenho ela tinha. E você quebra a cabeça, chega a ficar com olheiras. E a noite sem querer toda aquela máquina vem na tua cabeça. Aí com calma às vezes aparece aquilo que você tem que fazer. E não dá outra. Aquilo você vai, desenha, e pá.
P - E os segredos de pai para filhos, são os segredos mesmo?
R - É, são segredos.
P - São coisas que o pai do senhor passou para o senhor, que que...
R - Sim, segredos, por exemplo, de formas de fazer uma peça, formas de temperar uma mola, uma peça. São formas de fazer um banho pra níquel, pra ouro, pra oxidação, oxidação é preta. Fica brilhante preta. Mas é uma oxidação diferente, a outra todo mundo tem por aí, ela é feita a frio. Como se fazia na Bereta, na Frank, na Itália. Eu tenho essa fórmula, então eu mando fazer.
P - Certo, seu Sérgio a gente está chegando no final da entrevista, eu gostaria de saber assim: que é que o senhor, se o senhor fosse mudar alguma coisa na vida do senhor, o que mudaria?
R - O que é que eu mudaria? Ah, na atual circunstância, bom eu já estou aposentado, eu não me envolveria mais com isso, né. Mesmo diante de toda situação que está aí. Então, que eu mudaria é o seguinte. Eu procuraria ir pro mato de novo, para um lugar onde dá bastante peixe, bastante caça e ficava por lá. (risos) Olha eu não levaria nem rádio, nem televisão, pra não ver cidade mais. Só mato, água, nadar, pescar, andar de barco.
P - E o que é que o senhor ainda gostaria de realizar de fazer na vida, o senhor tem algum grande sonho assim?
R - Não, eu já tive que foi fazer essa fábrica, mas daí, inclusive eu fiz outros mapas de outras armas, inclusive automática. Mas ficou só no croquis.
P - Certo. Agora pra terminar seu Sérgio: que é que o senhor achou da gente ter passado essa hora aqui conversando e o senhor ter deixado registrado a sua experiência profissional, com clientela essa coisa toda?
R - Eu achei interessante, eu achei bacana. A aqueles que possam interessar pelo ramo, aqueles que são afeiçoados a arma, se quiser saber de alguma coisa, segredo de profissão mesmo, segredo mesmo só vou transferir para os meus colegas de serviço. Inclusive alguns que aprenderam o ofício comigo, já aprenderam muita coisa, mas tem coisas que eles ainda não sabem, então eu vou transferir para eles.
P - Tá certo.
R - Se eles acharem que dá para fazer um bom aproveito.
P - Com certeza. A gente agradece muito a colaboração do senhor e a ajuda, obrigada.
R - De nada.
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