Projeto Mulheres Empreendedoras Chevron
Depoimento de Juseni da Silva Santana
Entrevistada por Stela Tredici
Itaipava (Itapemirim), 04 de maio de 2012
Realização: Museu da Pessoa
Código: MEC_HV019
Revisado por Fernando Martins Peres
P/1 – Então eu gostaria que a senhora começasse falando seu nome, onde a senhora nasceu e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Juseni da Silva Santana, eu nasci aqui em Itaipava, tenho a idade de 58 anos, nasci dia “31 do 10 de 53”.
P/1 – E a senhora passou a infância aqui mesmo?
R – A minha infância foi lá no sítio que é onde a mamãe mora. Dez minutos mais ou menos daqui lá. Hoje mamãe continua lá. Eu nasci aqui em Itaipava, mas depois a gente foi pra lá novamente. Aí mamãe mora lá.
P/1 – Então a senhora cresceu nesse sítio?
R – Cresci lá no sítio.
P/1 – E como era esse sítio?
R – Lá não era “geralmente” um sítio, agora que mamãe fez um sítio, fez um plantio de frutas, mas a gente trabalhava sempre na roça, a gente sempre trabalhava na roça, na verdade eu não tive infância, nós trabalhávamos muito na roça. Durante a semana eu trabalhava com papai, mamãe lá na roça plantando mandioca, arroz, feijão, café, colhia café, e depois chegava o sábado a gente tinha que, no sábado a gente tinha que socar arroz, moer cana pra fazer o café, tudo isso a gente fazia lá, A gente não tinha infância só domingo que a gente vinha pra igreja, pra escola dominical e a gente ficava na casa de umas colegas aqui, aí a gente passava o domingo aí. Só nós, as crianças, o papai e a mamãe voltavam pra lá para o sítio. Entendeu?
P/1 – Então quer dizer, seus pais então o que eles faziam?
R – Papai trabalhava na roça mesmo, plantando café, arroz, feijão, essas coisas. A mamãe junto com ele.
P/1 – E como eles se conheceram, a senhora sabe?
R – Eles se conheceram lá em Tataiba. Mamãe conheceu o papai lá em Tataiba, mamãe morava lá os pais dela moravam em Tataiba e papai também morava lá. Aí se conheceram lá, casaram e vieram pra cá.
P/1 – Tataiba fica aqui...
R – Fica lá para o lado do Rio Novo.
P/1 – Espírito Santo?
R – É Espírito Santo. Fica do lado de Rio Novo.
P/1 – Quer dizer que a senhora ajudava então seus pais na roça.
R – É, na roça, é.
P/1 – E como é socar o arroz?
R – Socar o arroz? Socar o arroz... tinha um pilão de madeira e tinha um pau comprido, a cabecinha do pau era grossinha embaixo então a gente “botava” o arroz ali com casca e socava até soltar a casca toda, depois a gente abanava e aí.
P/1 – E quantos irmãos a senhora têm?
R – Eu tenho nove, eram dez, mas uma nasceu morta, então tenho nove vivos.
P/1 – E todos os irmãos trabalhavam?
R – Todos os irmãos trabalhavam na roça, todos os irmãos.
P/1 – E a senhora ajudava a sua mãe no serviço de casa?
R – Ajudava em casa. A mais velha sou eu e a Joselina, são as suas mais velhas, porém a gente ajudava mamãe em casa e depois a gente ia pra roça e durante a semana era assim.
P/1 – E a senhora brincava?
R – Só à tarde, depois que chegava do serviço, à tarde, que a gente moía cana, dava o banho nas crianças aí então a gente podia brincar um pouquinho, mas a gente não tinha infância não.
P/1 – E brincavam do quê?
R – A gente brincava na casa dos vizinhos, na casa da minha tia. Lá morava minha tia Maria, morava a tia Esther, a tia Ruth. O esposo da tia Maria era irmã de mamãe e o da tia Esther era irmão de mamãe também, então a gente morava tudo perto e a tarde a gente brincava com os primos. A brincadeira da gente, a maioria era pique, a brincadeira era pique, a maioria. No mais era trabalhar mesmo.
P/1 – E a senhora gostava dos animaizinhos, tinha algum animalzinho de estimação?
R – Tinha, tinha muito. Mamãe tinha um cachorro e papai tinha o gado, nessa época papai criava as vacas, então a gente cuidava disso também, então era criação, tinha galinha, mamãe tinha muita galinha, pato, criou muito pato. Tudo isso a gente tinha lá.
P/1 – E como era a casa que a senhora morava nessa época?
R – A casa era de telha. Na época era assoalho, madeira, tudo alto do chão. Então o telhado era telha, dessas telhas de barro, não era Eternit nem essa outra, laje, nada não, era madeira pura. A casa era de madeira, assoalho, madeira, e a gente residia ali.
P/1 – E tinha bastante fruta então, tinha um pomar que a senhora falou.
R – O pomar está tendo agora onde a mamãe está morando porque na época que a gente morava lá, quando era criança, era dos herdeiros, então eles venderam...a gente trabalhava na roça e cada um tinha o seu pedaço, eles venderam, o meu tio ficou com esse pedaço. Daí um tempo papai veio pra cá pra Tataiba, quando ele vendeu o dele depois ele trocou esse daqui dele com o sitio, onde eles plantaram manga, goiaba, abricó, fruta-pão, tudo isso tem lá na roça, tem outra coisa, abacate, muita coisa.
P/1 – E quando a senhora era criança essa sua família gostava de fazer festa?
R – Gostava, gostava de fazer festa sim, só que a gente não tinha muita condição, na época a gente não tinha condições, agora que a gente faz mais festa, porque toda época de festa, assim, dia das mães, dia dos pais, natal, é tudo na casa de mamãe, vai todo mundo pra lá, neto, genro, tudo pra lá.
P/1 – Naquele tempo como eram as festas?
R – Naquele tempo a maioria do pessoal não podia fazer festa então eles faziam o culto, faziam um bolinho, aí era só assim e agora não, agora faz aniversário mesmo...
P/1 – E vocês iam para a igreja quando eram crianças?
R – Ia pra igreja. Papai fazia a leitura bíblica com a gente, de manhã, depois a gente vinha pra escola às nove horas e quando terminava, onze horas, papai e mamãe iam pra casa e a gente ficava na casa das amigas, na casa da dona Lindolfa fiquei muito tempo, na casa do seu Zuza, e a dona Nadir. Dona Nadir e seu Zuza ainda moram ali perto da igreja Católica.
P/1 – A senhora ficava como, fazendo o quê, não entendi?
R – A gente ficava assim, por exemplo, passava a tarde ali com eles. Entendeu?
P/1 – Não que a senhora ia trabalhar lá?
R – Não, passava a tarde com as meninas porque eles tinham muito filho então a gente passava a tarde ali com eles.
P/1 – E como era essa leitura bíblica que o seu pai fazia?
R – Papai reunia os filhos em volta da mesa, pegava a bíblia e a lição diária que a gente tem e a gente lia os versículos. O papai lia pra gente, depois papai ensinava cada um a orar, cada dia um fazia uma oração. Todo dia tinha esse curso doméstico lá na roça, quando a gente morava lá.
P/1 – Sua mãe participava?
R – Mamãe também.
P/1 – E a senhora foi para a escola?
R – Fui pra escola...vinha de lá. A gente vinha de lá pra escola, a gente trabalhava até o meio-dia em casa, depois a gente vinha pra escola, quando chegava aqui...o colégio era ali na Madalena Piza, mas não era aquele nome era Leopoldino Rocha na época, na época era Leopoldino Rocha. Então a gente trabalhava lá no colégio. A gente estudava e trabalhava, porque a gente carregava água naquela época e lenha pra poder fazer a merenda da gente. Ainda não tinha água então a gente pegava água lá no morro. Tinha uma nascente lá no morro então a gente pegava água pra eles poderem fazer a merenda pra gente. A gente terminava de estudar era quatro e meia para cinco horas aí ia pra casa.
P/1 – Quer dizer todos os dias vocês tinham que buscar água e lenha?
R – Todo dia, todo dia. A turma da manhã e a turma da tarde porque era muita criança.
P/1 – E era longe?
R – Não, não era muito longe não. A escola fica pra baixo daquele morro do cemitério, você sabe onde é a Rua Madalena Piza, não? É ali, aquele colégio ali. Então não ficava muito longe não, mas a gente tinha que “apanhar”.
P/1 – E quem fazia a merenda pra vocês?
R – Olha, na época, não lembro não.
P/1 – Ah, na escola era a merenda?
R – É, na escola mesmo.
P/1 – Então vocês iam buscar para a escola, é isso?
R – Pra escola, pra escola. Na época não tinha água encanada, não tinha nada então a gente tinha que pegar água pra poder fazer a merenda.
P/1- E para ir para a escola, como vocês iam pra escola?
R – A pé, a gente ia a pé.
P/1 – E a senhora se lembra de alguma coisa que foi marcante dessa época de escola, alguma professora?
R – Nossa, a professora que ficou marcada em minha vida foi a Ilda Lírio, foi a primeira professora minha, ficou marcada em minha vida, nunca mais eu a vi, foi embora daqui e não a vi mais mas ficou marcada na minha vida.
P/1 – Por que ficou marcada?
R – Ela era muito assim exigente e a gente tinha que fazer o dever mesmo porque se não fizesse ela “botava” de castigo encima do caroço de milho, nessa época era assim, “botava” a gente encima do caroço de milho, com o livro pra cima. Então a gente tinha que alí... isso que ficou marcado na minha vida, ela me ensinou muito bem.
P/1 – A senhora tinha que ficar ajoelhada?
R – É, ficava ajoelhada, a gente tinha que ficar ajoelhada.
P/1 – E a senhora ficou?
R – Fiquei algumas vezes. Por causa de brincar com as crianças e não prestar atenção no estudo.
P/1 – E como era? Ela pegava a criança, punha um livro na mão e tinha que ficar ajoelhada no milho?
R – É, uns dez minutos a gente ficava. Uns 10 minutos a gente ficava ali ajoelhada.
P/1 – E a senhora não chorava?
R – Ah, muitas vezes eu chorei. Muitas vezes. Então isso ficou marcado na minha vida.
P/1 – Mas a senhora aprendeu alguma coisa?
R – Aprendi.
P/1 – E tinha alguma coisa que a senhora imaginava que queria ser quando crescer, nessa época?
R – Nessa época? O que a gente estudava na época hoje geralmente não tem mais esse estudo, nem pensava em fazer outro estudo fora nem nada porque a gente sempre trabalhava na roça. Meu pai não tinha condições, “tadinho”, de “botar” a gente pra estudar fora, então eu não tinha assim muito pensamento não.
P/1 – E como a senhora descreveria, como a senhora se lembra dos seus pais?
R – Como eu lembro? Meu pai, minha mãe, era muito assim, exigente com a gente. Não deixavam a gente ir a vários lugares, tinha que obedecer mesmo alí no ritmo deles mesmo. Só saia quando eles saíssem, não saia com qualquer pessoa, nessa época. Mas meu pai é muito amoroso, eu amo meu pai mesmo porque ele já foi, mas eu amo meu pai. Ainda não posso ver uma foto que eu...né...e minha mãe também. Minha mãe também era assim, exigente também. Na verdade ela ensinou muito a gente.
P/1 – E a senhora aprendeu a cozinhar, tudo...
R – ...cozinhar, aprendi a cozinhar, graças a Deus. A gente fazia também o serviço da casa. Ficava em casa para ela ir lá levar o almoço, lá na roça. E ela também ajudava “apanhar” café, a gente ficava em casa e fazia a janta. Então a gente aprendeu a cozinhar assim.
P/1 – Então a senhora passou a sua infância toda nessa casa?
R – Nessa casa...
P/1 - ...sempre?
R - ...sempre nessa casa. A gente veio morar aqui em Itaipava eu estava com dezesseis, dezessete anos, quando eu vim morar aqui em itaipava.
P/1 – E como é que foi essa mudança pra senhora?
R – Essa mudança, a gente achava que era bom, na verdade, mas eu tenho vontade de voltar pra roça novamente. Depois que a gente mudou pra cá as coisas mudaram muito, mudaram muito. Então eu “tinha” vontade de voltar pra roça. Eu, agora, falei mesmo para o meu menino que eu tenho vontade de fazer uma casinha pra mim ainda e voltar pra lá.
P/1 – A senhora se lembra quando veio pra cá mocinha? A sua impressão do que era aqui em Itaipava?
R – A gente achava que era bom. Na verdade quando a gente saiu de lá falaram “ah, vou vender o terreno”. A gente ficou todo mundo ansioso para vender logo aquilo pra gente vir pra fora. A gente passou muito aperto aqui porque lá a gente tinha muita fartura na verdade. O Papai criava porco, papai criava gado, papai criava as galinhas. Agora, depois que a gente veio pra cá não pudemos mais fazer isso.
P/1 – E o que motivou seus pais a virem pra cá?
R – Porque era tudo herdeiro. Na época venderam tudo, lá os terrenos, então tiveram que vender. Papai vendeu o dele também, mas ficou tomando conta desse sitio que hoje em dia é dele. Aí meu tio trocou com ele, aqui, onde ele tinha comprado e papai ficou lá. Voltou pra lá pro sítio.
P/1 – E na sua juventude, assim, o que a senhora fazia? Quais eram as coisas que a senhora fazia na sua juventude? Saía com amigos, o que a senhora começou a fazer...
R - ...não, eu não saia com amigos. Aonde eu ía muito era na casa da minha tia, mas a maioria era em casa, fazendo serviço em casa, e depois é que eu fui trabalhar fora, de empregada mesmo, de doméstica. Aí fui pra Vitória, trabalhei em Vitória, trabalhei na casa da Dila aqui em Itaipava. Trabalhei na casa de Gilson, lá na praia, depois trabalhei na casa da dona Valdéia que é mãe do Juninho um vereador que foi prefeito aqui e mataram ele...trabalhei muito na casa dela também, aí na casa dela que eu me casei.
P/1 – Quer dizer, então a senhora saiu daqui para ir trabalhar em Vitória, quando era mocinha?
R – Trabalhei, trabalhei em Vitória. Eu tinha dezessete anos mais ou menos.
P/1 – E como foi essa experiência de ir sozinha pra Vitória?
R – Eu fui na...quem arrumou até pra mim foi o seu, o pai do Dielles, pai do Jonas, da Regina que arrumaram pra mim essa casa pra trabalhar. Eu trabalhei lá, mas “geralmente” não gostei porque a mulher era muito exigente então eu não gostei. Não aguentava ficar fora de casa não. Eu não aguentava ficar fora de casa. Aí logo eu voltei e comecei a trabalhar aqui em Itaipava.
P/1 – A senhora começou a trabalhar também como empregada?
R – É, doméstica também, em Itaipava.
P/1 – E daí a senhora conheceu o seu marido?
R – É daí eu conheci o meu marido, eu tava na casa da dona Valdéia quando eu conheci o meu marido. Aí o meu marido começou a trabalhar naquela colônia de férias que tem ali do lado da minha casa, tem uma colônia de férias, eu conheci o meu marido ali, trabalhando ali.
P/1 – Como vocês se conheceram, a senhora se lembra?
R – A gente se encontrou um dia, eu estava vindo da igreja e ele ia à igreja com os meninos, a gente se encontrou e daí começamos a namorar, e daí casamos.
P/1 – E qual a profissão do seu esposo?
R – Meu esposo é pescador. Na época ele era pedreiro. Meus filhos, eu falo pra ele que meus filhos são filhos de pedreiro. Na época ele era pedreiro, aí quando a minha menina caçula estava com oito meses de nascida ele começou a pescar, ela agora tem trinta anos. E ele ainda pesca ainda, tá até para o mar.
P/1 – E quando ele vai para o mar ele fica muito tempo?
R – Fica quinze, doze dias, quinze dias pra lá.
P/1 – A senhora fica preocupada?
R – Com temporal, começa aquele temporal, tempo de vento, muita chuva, a gente fica preocupada sim.
P/1 – E como ele pesca? Em que tipo de... ele pesca com rede, como é?
R – Não, não. Ele pesca com linha mesmo, anzol. Na linha, não é imã, não é rede não.
P/1- E traz que tipo de peixe?
R – Traz atum, traz dourado, época de dourado é dourado, e pargo.
P/1 – A senhora já saiu para o mar com ele?
R – Não. Bem, já fui até na Ilha, até ali na Ilha a gente já até foi, tirar marisco. Mas, lá pra fora não.
P/1 – E como foi o dia do casamento da senhora com ele, a senhora se lembra?
R – Ah, o dia do meu casamento, na verdade, eu fui pra casa com ele depois de vinte e um dias que eu casei, não foi casamento na igreja nem nada não. Eu fui pra casa dele e com vinte e um dias que eu estava lá, a gente casou no civil.
P/1 – E aí a senhora continuou trabalhando?
R – Aqui é, continuo trabalhando aqui.
P/1 – Aqui onde?
R – Aqui, na colônia.
P/1 – Naquela época, depois que a senhora casou a senhora continuou trabalhando?
R – Sim. Em casa de família? Não, aí depois que eu casei eu fui pra minha casa e fiquei na minha casa, ganhei a primeira filha. Só comecei a trabalhar em casa de família novamente quando minha caçulinha tinha cinco anos. Aí eu comecei a trabalhar em casa de família de novo. Trabalho com esse pessoal, eu trabalhava todo verão com eles, tem 25 anos que eu trabalho com eles.
P/1 – A Senhora parece que gosta de cuidar de criança.
R – Gosto de criança, gosto muito de criança.
P/1 – Cuidou de muita criança já?
R – Cuidei muito. Cuidei de muito sobrinho e delas lá, são quatro crianças que eu cuidei nessa casa.
P/1 – E quantos filhos vocês tiveram?
R – Nós temos quatro. Duas meninas e dois meninos.
P/1 – E como foi pra senhora ser mãe?
R – Nossa! Maravilhoso, maravilhoso pra mim ser mãe. Maravilhoso mesmo. Da primeira filha sofri muito no começo, sofri muito, mas depois o segundo, terceiro filho, graças a Deus, foi muito bom.
P/1 – Bom, então a senhora começou a trabalhar sempre como empregada. Em que momento a senhora conheceu aqui o projeto de inclusão comunitária?
R – Aqui, na época que eu conheci aqui...a época foi agora. A comunidade você está falando?
P/1 – É, como é que a senhora conheceu esse projeto, como a senhora veio pra cá trabalhar no projeto?
R – Ah, sim. Tem uma amiga minha que mora lá do lado da minha casa, ela me chamou ”Nite, tem um rapaz que tá querendo fazer um projeto, Aliança, pra gente trabalhar com roupa de pescador”. Aí eu falei assim “será que vai dar certo dona Neuza, ela disse “ Nite, vamos tentar, eu tenho vontade de fazer isso, mas eu sozinha não posso, então a gente vai reunir as meninas e eles vão levar pra ver se esse projeto é aprovado”. E aí levaram o projeto e foi aprovado. Os meninos vieram, deram a palestra pra gente. Pra ensinar na máquina, na verdade, ninguém ensinou a gente não. Entendeu? A gente mesmo, pegou, cortou, que elas costuravam já, então elas cortaram as peças pra gente e a gente começou a trabalhar. Na época quando entrou a gente tinha vinte e uma pessoas, depois foi saindo, devagar, foi saindo, foi saindo, agora na verdade tá parada em duas, só tá eu e a Shirley, aqui dentro trabalhando. Tem os meninos, na verdade. Tem o Marcelo, tem o Dellis, tem o João, que trabalham aqui pra gente, mas na máquina mesmo estamos eu e a Shirley.
P/1 – A senhora sabia costurar já?
R – Não, na verdade eu não sabia costurar. Eu tinha vontade de aprender mesmo e aí a gente vem pra cá e...começo e, graças a Deus, está indo. Agora nós estamos implantando outro projeto pra gente trabalhar com máquina mesmo, de costura mesmo, em tecido.
P/1 – Então, quer dizer, vocês...conta um pouquinho como é que vocês trabalham pra fazer essas peças, como é que vocês pensam nessas peças para os pescadores.
R – Na verdade a gente faz os moldes, coloca ali. Eles vêm, traz os pedidos pra gente, tantas peças de...são dez jardineiras G, a gente vai corta a jardineira G, dez casacos GG, vai e corta os casacos GG, é pelo pedido. Eles fazem o pedido pra gente e a gente faz. Aí eles marcam a data pra gente dar conta daquele pedido até aquela data.
P/1 – São roupas para os pescadores se protegerem da chuva, é isso?
R – É, da chuva. Porque tem época que chove muito e tem época que tem muita onda, aí eles se molham muito. Então eles usam essa roupa nessa época.
P/1 – E a senhora sabe...essas peças vão pra onde? Esses pedidos vêm da onde pra vocês?
R – Vem de Macaé, vem de Cabo Frio, vem da Bahia, a do Prado. De vários lugares.
P/1 – E é um trabalho que dá gosto pra senhora?
R – Ah, eu amo trabalhar aqui. Eu amo trabalhar aqui, eu falo com a Shirley “ah, eu amo trabalhar aqui Shirley”. Pena que tem poucas pessoas pra ajudar a gente porque a gente fica embaralhada aqui. Tem que alinhavar, enquanto estão alinhavando, os outros sentados na máquina adiantam o serviço. Agora só nós duas não está dando pra gente adiantar o serviço não, mas eu amo trabalhar aqui. Nossa, eu não vejo a hora de eu sair de dentro de casa de manhã, faço o almoço e lavo as vasilhas e já venho aí eu não tenho vontade de ir não, mas ela fica “Nite, vamos embora, meio dia, já é meio dia, elas estão sem almoço, vamos embora”, aí a gente vai meio dia, meio dia, uma hora. Ontem a gente saiu daqui eram duas horas. Então só esta eu e ela por enquanto. Na verdade a gente queria mais pessoas pra trabalhar aqui com a gente.
P/1 – E a senhora costuma conversar com as pessoas daqui, da comunidade, o que elas acham desse projeto?
R – Na verdade, as meninas, no começo ficaram muito ansiosas gostaram muito, mas a gente já chamou várias pessoas aqui da redondeza e elas não estão com vontade de vir porque elas na verdade querem ver é dinheiro, e aqui não é assim, aqui a gente só recebe quando vende o pedido. A gente vendeu aí a gente recebe, fora isso não tem dinheiro diretamente. Não tem salário, não tem nada disso.
P/1 – E quando vende assim, então a senhora recebe o dinheiro?
R – Eles tiram para a despesa e o que sobra eles repartem com a gente.
P/1 – E o que a senhora faz com esse dinheiro?
R – Ah, eu pago as minhas continhas. Pago minhas continhas porque o dinheiro que o marido traz do mar não dá pra tudo não. Então eu pago as minhas continhas, compro roupa, é assim.
P/1 – A senhora sente que ajudou?
R – Ajudou muito, ajuda muito.
P/1 – E teve algum momento que a senhora se lembre, de alguma história, de algum grande desafio que vocês enfrentaram aqui fazendo os produtos. Teve alguma história assim?
R – Nossa, teve uma história aqui muito ridícula aqui na verdade. A gente ficou muito “passada” quando soube que o dinheiro não estava entrando. Ao invés de estar entrando pra gente tava saindo. Então a gente não sabe pra onde foi esse dinheiro, na verdade. Então a gente ficou muito aborrecida, muitas delas saíram por isso. Porque a gestão, a primeira gestão não soube administrar direito, a gente não sabia o que estava se passando. Eles não passaram relatório pra gente, então muita gente saiu por isso e a gente ficou muito aborrecido. Foi uma crise muito grande na época.
P/1 – E o que motivou a senhora a ficar aqui no projeto.
R – Ah, eu fiquei porque aqui, isso aqui é meu na verdade. Eu sou, “como é que fala?” associada aqui então isso aqui é meu, e eu amo isso aqui e tô aqui
pra ver se ela levanta novamente.
P/1 – Vocês fazem muitas peças, a produção como que é?
R – Tem pedido de setenta peças, tem pedido de vinte, tem pedido de sessenta peças. Então por mês a gente tem que dar conta mais ou menos disso aí.
P/1 – E a senhora já viu algum pescador usando as roupas?
R – Ah, muitos. Muitos. Meu esposo também usa, muitos pescadores. Ontem mesmo veio pescador aqui comprar com a gente.
P/1 – O que eles falam das peças que vocês fazem?
R – Eles acham boa. No começo, quando a gente entrou aqui pra trabalhar a gente estragou muita peça, porque a pessoa que cortou não cortou o fundo da calça maior um pouco do que o da frente, cortou tudo de um tamanho só, então muitas arrebentaram. Aí agora não, agora a gente tem outro molde e graças a Deus a venda foi muito melhor depois disso.
P/1- O que a senhora sente que a senhora aprendeu aqui nesse tempo que a senhora tá aqui no projeto?
R – O que eu sinto? Eu sinto que aprendi muita coisa, conviver com as pessoas. Temos que ser unidas, evitar conversinhas, tudo isso eu aprendi aqui dentro. Muito bom.
P/1 – A senhora sente que transformou a sua vida?
R – Muito. Que a gente tem que saber tratar as pessoas, entender o lado das pessoas. Então tudo isso pra mim mudou.
P/1 – Como a senhora disse “esse negócio aqui é meu.” como é que a senhora imagina esse projeto no futuro, qual é o seu sonho em relação a esse projeto no futuro?
R – O futuro pra mim aqui, eu acho, nisso aqui, eu tenho vontade de crescer nisso aqui. Mas eu tinha vontade de “botar” aqui uma confecção de jeans,
P/1 – E a senhora fica orgulhosa quando vê suas peças indo embora?
R – Ah, eu fico. Fico muito orgulhosa. Fico orgulhosa. Quando a gente termina tudo parece que não foi a gente que fez. E muita gente de fora elogia a gente porque as peças são bem feitas.
P/1 – A senhora falou que esse tipo de peça chama oliado?
R – É. O KP 500, tem o KP 400, então é oliado.
P/1 – KP? O que é KP?
R – Não sei o que significa KP, é o plástico, mas não sei o que significa.
P/1 - Ah, é o tipo do plástico que vocês usam?
R – É.
P/1 – Entendi. Então, por que esse projeto, a senhora sente que é importante assim para a senhora. O que é realmente importante aqui nesse projeto, fazer parte desse projeto pra senhora.
R – O importante pra mim é porque, eu não verdade não aguento mais trabalhar em serviço pesado não. E aqui, esse serviço aqui não é um serviço pesado, é um serviço que a gente trabalha sentada, quando cansa levanta e eu acho que pra mim é importante isso aí.
P/1 – Tá certo. Hoje então, o que a senhora faz além daqui, o que a senhora está fazendo? Quais são suas atividades hoje?
R – Em casa, assim?
P/1 – A senhora está trabalhando aqui como costureira? Fora isso?
R – Só faxina. Tem vezes que aparece uma faxina, eu faço a faxina, mas fora isso mais nada não.
P/1 – E para a senhora assim, hoje, quais são as coisas mais importantes pra sua vida?
R – Mais importante? Importante é eu estar junto com os meus filhos, tranquila, meu esposo e meus netos. Nossa, eu imagino meus netos saindo daqui pra longe, eu não aguento. Tem um que mora comigo, tem dezesseis anos, esse que “tai” na foto e ele têm vontade de ser jogador. A vontade dele é ser jogador, “mas meu filho mamãe não tem condições” ele quer ir pra outros lugares, “mamãe não deixa você sair daqui não meu filho, mamãe não aguenta deixar você sair daqui”, entendeu? Então o meu objetivo é esse aí. Ter meus filhos perto de mim, meu esposo, na verdade, e trabalhar aqui. Eu tenho vontade de trabalhar aqui, sempre aqui. Não tenho vontade de sair pra outro canto não.
P/1 – E seus sonhos pessoais quais são? A senhora tem algum sonho pessoal que a senhora pretende alcançar?
R – Ah meu sonho é terminar minha casa que ainda não terminei, e ver meus filhos colocados nas casinhas deles, esse é meu sonho.
P/1 – Tá bom. Tem mais alguma coisa que a senhora gostaria de contar que eu não perguntei?
R – Não, acho que não.
P/1 – Como foi pra senhora contar sua história aqui?
R – Muito bom. Muito bom a pessoa saber da vida da gente, um pouco. O que a gente passou já. Porque já passamos muito aperto na verdade, a gente era criança a gente passou muito aperto. Meu pai tinha nove filhos pra dar... então a gente passou muito aperto, mas graças a Deus estamos aí.
P/ 1 – Tá bom dona Juseni, muito obrigada pelo seu depoimento. Então, é isso.
R – É isso aí. Ela vai tirar agora uns retratinhos da senhora.
Recolher