Memória da Convenção da Diversidade Biológica e Protocolo de Cartagena e da Convenção sobre Mudança do Clima e Protocolo de Kyoto
Depoimento de Sarney Filho
Entrevistado por Stela Tredice e Carolina Ruy
São Paulo, 28/04/2006
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número HVBIO_020
Transcrito por Lúcia Nascimento
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Podemos começar?
R – Vamos lá.
P/1 – Eu queria então que você falasse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é José Sarney Filho. Nasci em São Luís do Maranhão, em quatorze de junho de 57.
P/1 – E qual o nome completo dos seus pais?
R – O nome do meu pai é José Sarney e da minha mãe é Marli Macieira Sarney. Aí tem uma curiosidade: o nome de nascença do meu pai é José de Ribamar Ferreira de Araújo Costa. O nome Sarney era o nome próprio do meu avô, que se chamava Sarney de Araújo Costa. Como existe esse costume no nordeste do filho, ainda mais ele, que começou cedo, foi presidente do Grêmio Liceista, poeta, foi para a Academia Brasileira, então ficou conhecido como Zé do Sarney, Zé, filho do Sarney. Acabou depois que entrou na política chamando-se José Sarney, então o meu nome de nascença é também José Sarney Macieira de Araújo Costa. E depois que ele mudou de José Ribamar Ferreira de Araújo Costa para José Sarney, todos nós mudamos. Eu mudei para José Sarney Filho.
P/1 – Para seguir a tradição. (risos)
R – Para ficar com o nome de família. O nome de família era Costa, não era Sarney. Criou-se a família Sarney. O nome de família não existia.
P/1 – E você conheceu seus avós, se lembra dos seus avós?
R – Das minhas avós me lembro muito. Dos meus avôs, não. Deles eu me lembro muito pouco. Eles morreram quando eu ainda era muito garoto ainda, todos os dois, então não me lembro deles, tenho vaga lembrança.
P/1 – E a atividade profissional dos seus pais, qual é?
R – Meu pai é advogado de...
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Depoimento de Sarney Filho
Entrevistado por Stela Tredice e Carolina Ruy
São Paulo, 28/04/2006
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número HVBIO_020
Transcrito por Lúcia Nascimento
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Podemos começar?
R – Vamos lá.
P/1 – Eu queria então que você falasse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é José Sarney Filho. Nasci em São Luís do Maranhão, em quatorze de junho de 57.
P/1 – E qual o nome completo dos seus pais?
R – O nome do meu pai é José Sarney e da minha mãe é Marli Macieira Sarney. Aí tem uma curiosidade: o nome de nascença do meu pai é José de Ribamar Ferreira de Araújo Costa. O nome Sarney era o nome próprio do meu avô, que se chamava Sarney de Araújo Costa. Como existe esse costume no nordeste do filho, ainda mais ele, que começou cedo, foi presidente do Grêmio Liceista, poeta, foi para a Academia Brasileira, então ficou conhecido como Zé do Sarney, Zé, filho do Sarney. Acabou depois que entrou na política chamando-se José Sarney, então o meu nome de nascença é também José Sarney Macieira de Araújo Costa. E depois que ele mudou de José Ribamar Ferreira de Araújo Costa para José Sarney, todos nós mudamos. Eu mudei para José Sarney Filho.
P/1 – Para seguir a tradição. (risos)
R – Para ficar com o nome de família. O nome de família era Costa, não era Sarney. Criou-se a família Sarney. O nome de família não existia.
P/1 – E você conheceu seus avós, se lembra dos seus avós?
R – Das minhas avós me lembro muito. Dos meus avôs, não. Deles eu me lembro muito pouco. Eles morreram quando eu ainda era muito garoto ainda, todos os dois, então não me lembro deles, tenho vaga lembrança.
P/1 – E a atividade profissional dos seus pais, qual é?
R – Meu pai é advogado de formação e político de carreira. Minha mãe foi professora normalista. Exerceu durante muito pouco tempo o magistério, depois largou tudo para ficar acompanhando o marido e criar os filhos.
P/1 – E quantos irmãos vocês são?
R – Nós somos três.
P/1 – E o que eles fazem?
R – Eu sou o mais novo, depois tem o Fernando, que é o do meio. Fernando é engenheiro civil, formado aqui na Politécnica de São Paulo e foi, durante muitos anos, ligado ao setor energético. Foi presidente das Centrais Elétricas do Maranhão e diretor de empresas dessa natureza. Ele hoje toma conta de empresa de radiocomunicação no Maranhão, é uma repetidora da Globo e algumas rádios. Minha irmã é formada em ciências sociais pela UNB. Ela é senadora da República, foi governadora e também exerce atividade política.
P/1 – Queria que você voltasse um pouquinho na sua infância e descrevesse a rua, o bairro onde vocês moravam. Como era?
R – Olha, eu me lembro... Quando eu nasci… Eu nasci em 57, então em 58 meu pai assumiu o mandato de Deputado Federal, quando a capital ainda era no Rio de Janeiro. Fui garoto para o Rio e dessa parte não me lembro absolutamente nada. Muito pouco: um apartamentozinho, muito engarrafamento, não me lembro de nada. Depois, acho que com três ou quatro anos, em 60, nós fomos uma das primeiras famílias a se mudar para Brasília - meu pai era Deputado Federal -, então eu passei esses primeiros anos em Brasília, até 65.
Brasília era uma cidade em construção e muita poeira, se brincava muito. Foi muito boa essa época, a gente era criança. Até os oito anos de idade, mais ou menos, a quadra… Morávamos na Superquadra Sul, 206, no bloco 1; hoje já não é mais numérico, é alfabético. Hoje é A, B, C. Naquela época era apartamento 101 e era muito legal para criança. Brincava muito, toda semana algum de nós furava o pé com prego, porque tinha muita obra, mas foi muito legal essa parte da infância. Muita poeira. Nós estudávamos num colégio marista que tinha lá; a gente tinha carteirinha, o que era a maior vaidade, carteirinha para poder ir de ônibus da Câmara para o colégio, ir e voltar. Muito interessante, foi uma infância com muito espaço para brincar.
Depois, meu pai se elegeu governador e nós fomos para o Maranhão. Essa parte é uma parte que eu fiquei... Meu pai morava no Palácio dos Leões, que é a sede do governo, onde funcionava também a… Quer dizer, as secretarias, a maioria delas também funcionavam no Palácio do Governo. Tinha uma ala residencial e uma ala de trabalho mesmo, de repartições públicas. E também ali a gente brincava muito. Eu e meu irmão jogávamos bola ali nos corredores do palácio, brigávamos ali, às vezes os funcionários iam para a janela para ver a gente brigando lá embaixo, chamavam muitos colegas e tudo. Empinávamos muito papagaio, jogávamos bolinha de gude, essas coisas todas que são muito legais. E também ficávamos algum tempo… Nesse período, a gente já começou a frequentar mais assiduamente a casa da minha avó, que ficava perto do colégio onde a gente estudava, do marista também, do Colégio Maranhense. E a casa da minha avó era um casarão na Rua do Passeio.
Naquela época, em São Luís, no centro, se morava lá, as famílias moravam lá; depois é que o centro… Hoje em dia já não tem, só tem casa de comércio. Está meio que… Não tem mais quase residência nenhuma, mas nessa época tinha. A gente ficava já algum tempo na casa da minha avó e ali também as brincadeiras eram as mesmas, tinha a Praça da Alegria ali perto.
Naquela época ainda existia bonde em São Luís. A gente costumava driblar o bonde, alguém via e falava, e a gente apanhava quando chegava em casa, uns bolos na mão e essas coisas todas.
Depois, em 70, meu pai se elegeu senador e voltamos para Brasília. Fiquei estudando no Colégio Marista de Brasília e também não me lembro muito dessa época, não. Um pouco mais tarde, com quatorze anos, eu fui para a Suíça. Estudei no Colégio de Le Mans, um colégio que ficava numa cidadezinha chamada Versoi, perto de Genebra. Fiquei lá dois anos. Esse colégio tinha a parte francesa e a parte americana, inglesa. Eu fiquei na parte americana, fiquei interno, passei quase dois anos sem vir ao Brasil; uma experiência interessante, mas foi um baque para mim porque eu estava acostumado com aquela criação nordestina, com mãe, com vó, com empregada, tendo tudo muito fácil quando criança; também cheguei lá num outro tipo de educação muito mais rigorosa, uma disciplina muito mais intensa. Tinha que botar gravata para almoçar, tinha que botar aquelas coisas todas, mas enfim foi interessante. Eu tive contato com pessoas de todo lugar do mundo.
Foi uma bolsa que eu ganhei da Norton, que era uma empresa francesa que tinha aqui em São Paulo. Não me lembro direito, eles deram uma bolsa para que eu fosse estudar lá. Foi um período também interessante de conhecer pessoas, mudar meus hábitos.
Depois retornei ao Brasil e já estava com dezesseis anos. Estudei num colégio lá em Brasília, não estou me lembrando do nome dele, um colégio universitário ou pré-universitário, acho que o nome era esse, por um ano. Depois vim para São Paulo, aqui fiz o cursinho no Objetivo, fiz vestibular para a PUC para Direito e aí passei. Mas depois larguei, voltei, não aguentei a vida aqui. Passei um ano já de cursinho e um ano de faculdade, eu não... No primeiro semestre eu fiquei estudando à noite na faculdade, na USP ou na PUC, e eu era muito novo, o mais novo da turma.
Era uma turma… Dizia-se que os filhos dos banqueiros estudavam de dia e os filhos dos bancários estudavam de noite. Foi bom para mim, mas eu era muito novo, eu tinha dezessete anos; a turma era muito velha e o pessoal também trabalhava o dia todo, era uma outra cabeça. Eu amadureci bastante também, foi uma parte onde eu fiz umas atividades culturais boas, fiz muitas amizades. Fizemos grupo sexta-feira, saíamos muito, íamos ali para os barzinhos, levávamos os professores, discutíamos muito. Mas eu cansei de morar em São Paulo, já não aguentava mais trânsito.
Nessa época comecei a andar de skate, comecei a pegar um surf e achava que não tinha nada a ver ficar morando aqui. Voltei, larguei tudo e voltei para Brasília. Depois entrei na faculdade de novo, entrei na UNB para fazer Direito e fiz até o penúltimo semestre de Direito da UNB. Aí tranquei e fui para São Luís para ser candidato a Deputado Estadual.
Eu me elegi Deputado Estadual e dois anos depois de eleito eu voltei a estudar na universidade, pedi transferência da UNB para a Universidade Federal do Maranhão e voltei a estudar. Voltei por pressão de mamãe, senão não voltaria. “Não quero filho meu sem diploma”, e aí eu fui, mas quando a gente entra na atividade parlamentar a gente vai aos poucos deixando isso de mão. Voltei e já tinha mudado a sistemática de ensino nessa época, tive que fazer matérias do básico de novo; passei mais um ano e meio, dois anos e finalmente me formei em Ciências Sociais e Jurídicas. E já Deputado Estadual, depois fui Deputado Federal, como sou até hoje. Fui me elegendo e sou até hoje. Nesse ínterim, fui Secretário de Estado e fui Ministro de Estado.
P/1 – Que ótimo, muito bem resumido. Mas vamos voltar um pouquinho para sua infância, para esse momento onde você morava com a sua família. Esse cotidiano da sua casa. Como era tanto morar em Brasília, que acho que mais marcou a sua memória, como em São Luís? Como era esse cotidiano?
R – Aula, dever de casa [por] uma hora, uma hora e meia e depois brincadeira. A casa sempre foi aberta, minha casa sempre foi muito cheia também - casa de político, nunca tinha porta fechada; era sempre porta aberta, muito cheia de gente e muito cheia de livro. Nós temos essa coisa, essas duas coisas que marcaram: era muita gente e muito livro também. Tinha quartos e toda semana chegavam livros e livros, aí também comecei a criar o hábito da leitura, lia tudo como leio até hoje. E uma coisa que é até uma falha minha, não vejo o autor do livro. Quer dizer, eu conheço o livro, muito mais livro do que os autores de livros. (risos) Mas isso vem desde essa época de casa.
Era basicamente isso, muita brincadeira, mas sempre… Quem tomava conta da educação era mamãe, papai era político e não tinha tempo, além de que acho que é um pouco da cultura nordestina o pai não se meter muito na educação, então mamãe cobrava muito resultados. Queria que tivesse notas boas, passasse de ano e essa coisa a gente sempre fazia.
Nessa época de garoto, a gente não tinha nenhuma noção de política, nem do que se passava no Brasil, nem nada. Era realmente só o cotidiano de uma criança.
P/1 – No seu período de faculdade teve algum fato, algum evento que particularmente te levasse a se interessar pela questão ambiental?
R – Não. Olha, eu comecei a me interessar pela questão ambiental em algum momento entre doze e quatorze anos, quando eu li Darwin. Aquilo foi para mim uma coisa maravilhosa, me deu uma outra noção; comecei a olhar os bichos de uma maneira diferente, começou a me chamar a atenção. E a partir daí comecei a ter um olhar mais especial sobre a questão da natureza, mas muito mais em cima de bicho.
Mais tarde, quando eu já estava em campanha e começaram a acontecer essas coisas mundiais, eu tive acesso a aquele livro sobre… Eu não me lembro o nome da autora, mas era um livro que falava sobre os perigos de inseticidas. Comecei a fazer algumas ligações entre isso e comecei a me interessar mais um pouco sobre esse assunto, tanto é que quando Deputado Estadual eu propus algumas leis, no que diz respeito à baixada maranhense, aos campos da baixada. Já tinha ali uma certa preocupação ambiental, não é? Também nessa época estava havendo um recrudescimento da Guerra Fria - foi a época que os Estados Unidos, a Rússia invadiu o Afeganistão, os Estados Unidos tinham assinado o Salt 2, mas depois não assinaram, por causa dessa invasão. No Irã também houve uma modificação política, começou a haver alguns acidentes também de petroleiros. Houve aquela questão lá de Nova York - não sei se foi em Nova York -, sobre a contaminação de uma área.
Nessa época, eu me lembro até... Se soubesse tinha anotado para poder trazer, mas não interessa muito, é só para concepção. Aliás, eu estou escrevendo um livro e estou pegando essas coisas todas. Comecei a escrever um livro e estou detalhando mais esses assuntos. Se Deus quiser, no futuro vamos poder ler isso mais detalhadamente.
Eu comecei a ter esse tipo de preocupação, essa coisa começou a evoluir e quando cheguei em Brasília - já em 83, porque eu fui deputado de 78 a 82, 79 a 83, porque acabava no comecinho do ano. Eu fui eleito com 21 anos, meu primeiro mandato foi com 21 anos; quando eu cheguei a Brasília, com 25, eu já tinha uma preocupação ambiental, tanto que eu propus, fui o primeiro Deputado a propor a criação da Comissão Permanente de Meio Ambiente, que não existia. Acho que foi em 83 ou 84, já foi uma proposta minha isso.
Comecei a me interessar, a ler uma coisa aqui, outra ali. Comecei a ler livros sobre meio ambiente, questões ambientais; me interessava por noticiários, por publicações e aí foi consolidando. Mas a minha influência talvez tenha sido um pouco mais sobre os estudos que começaram acho que num encontro de Paris, muito antes, em que eles faziam uma certa ligação entre aumento populacional e dano ambiental. Eu, nesse primeiro momento, fiquei muito nessa vertente populacional, tanto que na Constituinte fui presidente de um grupo de estudos de população e os artigos que hoje se tem sobre planejamento familiar foram coordenados ali por esse grupo em que eu fui presidente, de estudos da população. Ao lado disso também já participava de reuniões com o Feldman, com o Fernando Henrique, com algumas pessoas que eram interessadas também nessa área mais específica ambiental. E aí foi uma crescente, né?
Depois cheguei a ser presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara. Ela foi criada, mas foi criada muito depois, acho que foi criada depois da Constituinte ou durante a Constituinte. Assim que ela foi criada, eu cheguei a ser presidente. Fui presidente da Comissão de Orçamento da Câmara também, ali já tentei colocar mais recurso para a área ambiental, me preocupei um pouco mais com isso. Depois senti que havia uma lacuna no Congresso; fui eu que propus a criação da Frente Parlamentar Ambientalista - hoje tem várias lá, mas essa foi a primeira e eu fui o coordenador dela. Fazíamos várias reuniões e como eu morava em apartamento, a gente fazia as primeiras reuniões na casa de Roseana. Pedia emprestado a casa dela, fazíamos uns cafés da manhã lá, fizemos muitas reuniões.
Evidentemente, a partir disso é que meu nome foi lembrado para ser Ministro do Meio Ambiente. Foi por causa dessas ações, tanto na Comissão de Meio Ambiente, onde eu tive a oportunidade de ter um relacionamento mais chegado com as ONGs, com os diversos grupos de interesse na área ambiental, e depois também coordenando a Frente Parlamentar Ambientalista. Naquela época, também, no parlamento tinha muito poucos deputados que eram ligados a essa causa; hoje tem muito mais, embora ainda sejamos uma minoria grande. Minoria grande? (risos) Sejamos uma minoria, mesmo.
P/1 – E voltando um pouquinho ainda. O senhor chegou a trabalhar na Secretaria Estadual do Meio Ambiente?
R- Não. Secretaria Estadual não. Eu fui secretário, isso foi quando o meu pai era Presidente da República, o Governador do Maranhão era Cafeteira e eu comecei… Antes disso, porque antes, eu entrei na política pela Arena, e mais tarde a Arena se transformou no PFL. Quando houve a votação das diretas eu votei a favor das diretas, contrariando uma orientação partidária - inclusive, meu pai era o presidente do partido. Isso criou um certo constrangimento. Não familiar, ele respeitou, nunca me pressionou, sempre respeitou esse posicionamento, mas dentro do partido. E eu já me sentia um peixe fora da água no PFL.
Depois veio a questão do Colégio Eleitoral, onde o PFL - não, o PDS teve um papel importante, porque foi a dissidência do PDS que criou a Frente Liberal e eu já fui a décima-sexta assinatura na criação da Frente Liberal. Essa questão institucional impediu um pouco, naquela época nós estávamos vivendo um momento tumultuado, de transição democrática. E isso fez com que, eu não tinha... Eu fiquei na Frente Liberal e aí o Tancredo morreu; o José Sarney era vice, assumiu a Presidência. E nessa parte ele também, é lógico, lançou como presidente, na área ambiental, as raízes, os primeiros pontos, Ibama… Foi um Presidente que pela primeira vez, eu acho, começou a pensar na área ambiental. Mas havia a parte institucional, havia a Constituinte e eu era muito ligado ao governador Cafeteira.
Como minha atuação na Constituinte… Votei a favor de uma ampla reforma agrária, fui destituído da vice-liderança. Como a minha atuação estava criando problemas a um governo difícil de transição que era o do José Sarney, o Cafeteira me disse: “Olha, eu preciso de um coordenador político aqui.” Então eu estrategicamente aceitei ser Secretário de Articulação Política, Secretário Chefe da… Na época, equivalia a Casa Civil. Fiquei como secretário um ano mais ou menos, e aí voltei, continuei essa questão.
P/1 - E voltando um pouquinho em 92 no Rio, na ECO 92 - você chegou a participar da ECO 92?
R – Não, eu participei de alguns movimentos paralelos. Eu não cheguei a ir. Era também um momento político muito tumultuado nessa época. Também nós estávamos numa oposição muito grande ao Collor, já estava começando; eu era um dos coordenadores, então eu acompanhei, li as coisas, mas não participei ativamente da Rio 92. Participei de algumas reuniões, mas nada que se pudesse dizer que tive uma participação ativa, nem nada. Eu fiquei como um observador atento às decisões e também, evidentemente, apoiando. Mas eu acho que foi um marco muito importante, lógico, não tenha dúvida. Um marco.
P/1 – Mas você teve uma atuação bastante significativa na Agenda 21, né?
R – Ah, sim. A partir daí, nós começamos a coordenar. Todas as diretrizes da Rio 92, nós tentamos, no parlamento, dar conseqüência a elas no âmbito do Legislativo. E depois também no âmbito do executivo, também aí eu dei prioridade quase absoluta a isso, criando um grupo especial, dando força, orçamento, tudo isso. Participando de algumas reuniões, promovendo reuniões, editando já compêndios sobre a Agenda 21, então isso foi um papel importante, não tenho dúvida.
P/1 – E em relação à primeira publicação em português da Agenda 21?
R – Isso foi na comissão. Eu era presidente da Comissão do Meio Ambiente e não tinha no Brasil isso, não tinha em português, então eu promovi isso dentro da Comissão. Essa foi um dos pontos importantes da comissão, como também uma coisa que hoje ainda não está muito bem consolidada, que foi a educação ambiental. Eu fui o autor - quer dizer, não fui eu que fiz, eu assinei, mas eu coordenei durante um ano esse grupo de trabalho sobre educação ambiental, que saiu a lei de educação ambiental. Essa lei foi produto desse trabalho, quando eu era presidente da Comissão do Meio Ambiente. E também administrativamente, na Comissão do Meio Ambiente, nós também fizemos publicações, a pauta foi... A comissão teve... As comissões permanentes da Câmara tinham um andamento muito lento e tinham uma visibilidade muito menor.
Eu acredito que foi na minha gestão que nós começamos a dar publicidade, inclusive com periódicos, jornaizinhos, notinhas que saíam, dando conta do que acontecia na comissão, do que era votado, do que não era. Isso eu acho que também foi uma parte muito importante.
P/1 – E você acredita que o Brasil tem conseguido implantar as diretrizes da Agenda 21, tanto nacional quanto local?
R – Não. Eu acho que nós não temos. E o que foi feito também não está sendo aproveitado. A Agenda 21 deixou de ser… Quer dizer, deveria ser, mas nunca foi um instrumento, uma alavanca para o planejamento do desenvolvimento do país. Ela nunca chegou a ser, não é e eu acho que isso é um desperdício. A gente precisava que os nossos gestores nos âmbitos municipais, estaduais e federal, lessem, que pudessem se apropriar dessas ideias, desses dispositivos, dessas questões que estão bem claras na nossa Agenda 21 nacional. Não tem sido.
A nossa política ambiental ainda é uma política evidentemente setorizada, não há a transversalidade tão necessária e tão defendida por todos nós. Eu sinto que houve até nesse aspecto um retrocesso grande. Quando eu fui ministro, a gente conseguiu que a questão ambiental fosse colocada [de forma] mais central dentro do governo. Eu saí antes de acabar o governo, não fiquei os quatro anos, e quando mudou o governo o que se viu foi que aqueles avanços que se tinha conseguido no processo decisório do país tiveram um retrocesso.
Por exemplo, jamais seria concebível na nossa época que se liberasse um transgênico por uma medida provisória, se liberasse a soja transgênica da Monsanto por uma medida provisória. Jamais seria permitido na nossa época que a transposição e a revitalização do Rio São Francisco ficasse no Ministério da Integração, num ministério que não fosse o do Meio Ambiente. Nós tivemos brigas enormes com o Ministério da Ciência e Tecnologia até na questão climática. E foi uma postura do nosso ministério que eu verbalizei porque era o ministro - mas não fui eu, apenas fui o interlocutor - que fez com que, por exemplo, a gente forçasse para que as florestas em crescimento entrassem no mecanismo de desenvolvimento limpo. E o que está se vendo agora? O ministério do Meio Ambiente voltou a ser uma parte segmentada.
Eu não estou fazendo nenhuma crítica à ministra Marina porque acho que ela é do ramo, ela entende, é sensível; é que a prioridade do governo, a cultura do governo atual não leva em conta a questão ambiental como uma questão central. Muitas vezes essa cultura entende que essa questão ambiental, ao invés de alavancar o progresso, atrapalha. Tem ainda aquela visão retrógrada porque eu acho - isso é uma coisa muito minha -, eu acredito que a origem do Lula e a origem de muitos dirigentes do PT é de origem sindical, então eles levaram a cultura sindical para o governo. Isso não se deu só na área ambiental, se deu na área política, porque a política se faz com consensos e a luta sindical se faz no dissenso, na tensão “vamos fazer greve para aumentar o salário, vamos tensionar para avançar”. É da característica dos movimentos sindicais fazer isso e essa cultura foi levada para a política e para a administração. Isso gerou, segundo eu entendo… Isso é uma coisa muito minha, acho que ninguém nunca fez essa análise; isso gerou esse tipo de distorção que nós estamos vendo hoje, com todos esses problemas de ordem ética e administrativa.
Houve avanço? Houve ganhos para a sociedade? Em alguns segmentos, sim. No segmento social, dos movimentos populares, sim, pela própria origem. Eles estão tendo mais voz, mais vez, há uma maior sensibilidade para com essas questões sociais, mas isso entra em conflito… Você vê que na área indígena, na área ambiental, já não é tanto assim. Os quilombolas estão sendo… Não existe uma visão. Acho que esse é o grande ponto de se estudar o que tem acontecido.
P/1 – Em relação às convenções, tanto a sobre a diversidade biológica, quanto a de mudança de clima, na sua opinião, qual é a importância dessas convenções para o país?
R – Olha, eu sou um pouco cético a respeito de convenções internacionais nesse sentido, porque como elas partem do princípio de que tudo tem que ser resolvido consensualmente, elas avançam muito pouco. E como também o processo de adaptação das suas decisões à legislação nacional não é um processo obrigatório, não existem prazos, a coisa é muito mais moral, a coisa é muito mais: “Olha, vamos fazer isso, porque já faz dois anos, três anos que a gente não foi, não cumpriu.” Elas não tem uma força impositiva que deveriam ter.
Eu tenho uma certa dificuldade em entender esses mecanismos, eu posso até ser um sujeito meio ignorante nessas coisas. Por outro lado, indiscutivelmente, elas têm o mérito de dar visibilidade a esses problemas, não é? Quando se fala na biodiversidade, na questão da repartição dos lucros do conhecimento tradicional, quando se fala sobre a importância dos biomas, é lógico… Quando se coloca nas decisões imposições aos países signatários dessas convenções, você levanta uma discussão e avança nesse processo. Esse para mim é que é o ganho dessas convenções. Impositivamente eu não vejo nenhum ganho, mas tem essa coisa de você dar visibilidade a esses problemas, de chamar a atenção mundial para esses questionamentos.
P/1 – Portanto você acha que o Brasil tem agido ou não tem conseguido agir segundo as diretrizes estabelecidas nessas...
R – Eu acho que o Brasil tem dificuldade em agir dessa maneira, como todos os países. O Brasil prioriza outro tipo de solução. O país ainda não entendeu, como um todo, e nem a sociedade, a importância da questão da biodiversidade. As questões ambientais só ganham visibilidade e, portanto, pressão quando acontece algum acidente, alguma catástrofe. Vazamento de petróleo, aí aparece aquela foto de peixe morto, pássaro com coisa, aí vai a televisão e a sociedade quer uma reação. Então nós somos reativos e não pró-ativos nessa questão. Por isso, eu acho que ainda temos um longo, longuíssimo caminho a percorrer nessa área.
Não adianta também pensar que porque temos quadros especializados, competentes - talvez até os quadros mais competentes do mundo estejam aqui, nessa questão, porque nós somos um país megadiverso nessa questão da biodiversidade… Mas se a sociedade não for cúmplice dessa questão, seguramente isso não vai trazer ganho nenhum para o processo. Ontem mesmo eu estava aqui entregando o nosso relatório sobre a biopirataria lato sensu, que inclui o tráfico de animais silvestres, extração ilegal de madeira, e a biopirataria stricto sensu. Um relatório até bem feito, muito didático, muito mais do que essas CPIs tradicionais que se fixaram em torno de ver ilegalidades, ir atrás de prisão. Não. Nós fixamos em políticas públicas, em apontar caminhos e entregamos. Eu entreguei ao jornal Estado de São Paulo, à Folha de São Paulo, vamos à Veja, vamos ao Globo, vamos à Globo, por quê? Porque as questões ambientais e essas questões que estão sendo tratadas, se não tivermos a sociedade participando, nós não vamos sensibilizar os governantes, nem os legisladores. Esse ano também na Câmara, e no Senado, que é mais conservador ainda nessa área que a Câmara, nós temos visto nada de avanço nessa área da biodiversidade, de garantir o desenvolvimento sustentável, de valorizar o bem ambiental, nada disso tem andado. Nós temos perdido todas as paradas legislativas, todas.
Agora estamos votando a Mata Atlântica cheia de concessões, é um avanço? É um avanço, mas uma coisa que está lá há dez anos, foi o Feldman o autor dessa proposta, mas cheia de problemas e ainda estão os ruralistas... Passou no Senado, fizeram todas as concessões possíveis; ela voltou para a Câmara e ainda estamos sofrendo pressões de grupos ruralistas, não quer não sei o quê e assim por diante. Nada que possa afetar interesses econômicos estabelecidos, e nós sabemos que o agronegócio é um desses interesses, talvez o mais danoso à biodiversidade que nós temos, junto com na Mata atlântica agora, que já é mais interesse urbanístico de grandes condomínios, mas também persiste ainda a criação de gado, o plantio de culturas, monoculturas. Isso tudo agora, com a questão do biodiesel, a cana de açúcar voltou com muita intensidade, então [em] todas essas questões, legislativamente, nós estamos perdendo. E quando acontece de a gente ter uma legislação, muitas das vezes ela não é respeitada, como recentemente essa questão de mil e tantos hectares para uma fazenda de camarão no sul da Bahia, atingindo o ecossistema de Abrolhos. Estamos fazendo, estamos impondo e assim por diante.
P/2 – Uma fala bastante recorrente dos nossos convidados é que da Rio 92 para cá, portanto nesses dezesseis anos, o que todos sentem é que houve um arrefecimento dessa questão, que estava muito visível tanto na mídia, quanto na sociedade civil organizada e até na própria sociedade. Você acha que isso tem acontecido realmente?
R - Não, eu acho que houve porque a Rio 92 foi um pico, até pelo fato… Foi inteligente por parte da comunidade internacional ter colocado [o evento] no Brasil num momento importante, para chamar, porque nós somos um país megadiverso. “Vamos fazer no Brasil para chamar a atenção.” E o benefício próprio de ter feito isso no Brasil já é intrínseco, a gente não pode desconhecer. Aquilo foi o auge da discussão. Por força do próprio evento, a imprensa se voltou e houve consequências que ficaram ao longo do tempo ainda dando subprodutos, digamos assim, do produto maior que foi ela, mas ao longo do tempo isso foi se diluindo, é verdade.
Hoje é aquilo que eu digo: se a gente não mobilizar os meios de comunicação, se a gente não organizar a sociedade para esse tipo de reivindicação - aquilo que te disse agora, não reativo, mas pró-ativo naquele negócio, melhor prevenir do que remediar, aquela coisa básica. Se nós não fizermos isso, vamos continuar dentro dessa mesma marcha.
Há uma percepção diferenciada hoje? Há, quer dizer, hoje já não se pode mais impunemente, por exemplo, desmatar a Amazônia. Há uma grita internacional. Por quê? Porque hoje cientificamente a questão climática já está posta, não só para o Brasil, mas principalmente para o mundo a importância do bioma, como não só retentor dos gases do efeito estufa, mas também como produtor de um ar condicionado do mundo, ajuda a diminuir a temperatura, influencia no regime de chuvas, de águas, na temperatura, tudo isso. Esse tipo de pressão é que fez com que as coisas ficassem mais difíceis. Não foi uma ação nem do governo passado, nem nossa, nem nada; melhoramos sistemas de monitoramento, lançamos muita coisa, mas não é por isso que nós estamos tendo alguns avanços. É porque a sociedade global hoje se preocupa e isso traz uma fiscalização muito maior por parte dessa sociedade, o que gera evidentemente reações.
O próprio governador do Mato Grosso, o Blairo Maggi, que é capa, acho que foi do Time, o maior desmatador da Amazônia, ele recuou. Está procurando acordos com os movimentos ambientalistas, por quê? Não porque ele mudou seu modo de pensar, mas porque ele viu que aquilo estava prejudicando até seus negócios. Então esse é o tipo de avanço que nós estamos tendo e porque também nós estamos chegando num limite. A gente sabe que se continuarmos do jeito que estamos, nós vamos produzir danos irreversíveis mesmo nesses biomas, até na Amazônia, que em comparação com outros está ainda com alto índice de preservação. Mas ali tem suas fragilidades, aquela seca enorme do ano passado, hoje as enchentes; isso aponta um desequilíbrio muito grande, não se sabe ainda até que ponto. Quando começa a interferir na produção hídrica é que estamos chegando no ponto crítico. Eu acho que já estamos chegando no ponto crítico na Amazônia, desse tipo de agressão.
P/2 – E em relação à Convenção sobre Diversidade Biológica, como você vê a ausência dos Estados Unidos, tanto nessa convenção quanto no Protocolo de Kyoto?
R – Os Estados Unidos não são exceção. Apenas são maiores e mais potentes, quer dizer, eles reproduzem macramente aquilo que acontece nas nossas sociedades, aquilo que acontece no Brasil, aquilo que acontece na Bolívia, na Colômbia, só que lá as forças são muito mais poderosas. É lógico que na questão da biodiversidade, as forças, os grupos econômicos lá agem com muito mais força, porque são os beneficiários do não cumprimento.
Outro dia me perguntaram: por que a CPI da biopirataria não teve a repercussão da CPI da pirataria? Ora, porque na CPI da pirataria quem era lesado eram essas multinacionais todas, os grandes empresários, e agora quem está lesando são eles, então é o contrário. É evidente que eles estão defendendo os interesses econômicos deles. E isso só vai mudar na medida em que a sociedade americana começar a pressionar.
Já começou a mudar. Alguns estados já estão adotando na questão climática, metas de redução das emissões por força, por pressão da sociedade e na medida em que cada vez ficar mais claro de que o mundo caminha para uma catástrofe, aí vai mudar. Mas enquanto esses grupos econômicos tiverem força - e eles têm força e são de lá, a maioria deles são dos Estados Unidos -, essas forças poderosas são beneficiárias do não cumprimento desses acordos. Enquanto elas forem beneficiárias e detiverem o poder, as coisas vão continuar do jeito em que estão.
P/2 – E falando em negociações, como você vê o papel do Brasil nessas negociações internacionais?
R – Olha, durante muito tempo e ainda ocorre até hoje… Eu senti, como ministro, principalmente, que as nossas negociações internacionais, mesmo aquelas que são afetas a determinadas áreas, quando saem do Brasil, são incorporadas pelo Ministério das Relações Exteriores. E esse é um erro, porque embora nós tenhamos e temos um quadro de pessoal do mais qualificado possível no Ministério das Relações Exteriores, é lógico que eles são formados não para defender interesses específicos, nem políticas específicas; eles são formados para defender os interesses do Brasil como um todo, e na medida em que esses interesses do Brasil como um todo muitas vezes encobrem os interesses setorizados, nos grandes foros internacionais eles defendem esses interesses e muitas vezes não defendem os interesses setorizados.
Bem claramente, por exemplo, numa convenção em que o Itamaraty está participando, ele, por exemplo, não vê a questão da biodiversidade como uma questão prioritária para o país. Por quê? Porque ao lado disso tem a questão do agronegócio, ao lado disso têm interesses internacionais, então ele não cuida especificamente desse interesse. E isso diminui a força da argumentação - não diminui a força da argumentação, quer dizer, desvirtua a argumentação. Acho que é um erro que nós ainda estamos tendo, mas não sei como corrigir. Quando fui ministro, eu peitei, mas pessoalmente, e tive nesse caso o apoio do presidente Fernando Henrique, que é sensível a essa causa. Sempre que tivemos um embate, ele sempre deu ganho de causa a área ambiental, mas persiste essa coisa que é estrutural.
Você vê agora em Montreal, você viu que a Ministra Marina era chefe da delegação, mas era chefe simbólica, quem operava era o Itamaraty. Aliás, dessa vez operou até com muita competência, eu acho que nós avançamos bastante, mas por quê? Porque, eventualmente, o chefe da delegação… Eu queria até me lembrar o nome dele para fazer essa homenagem, mas não me lembro o nome dele. O chefe da delegação era uma pessoa que conhecia, que era interessada. Mudando o chefe pode ser que essa coisa vá toda por água abaixo, então acho que esse é um problema que nós precisamos encarar e talvez modificar. Colocar, por exemplo, quem tem que ir? Quem tem que ser? Embora o Itamaraty, lógico, seja o órgão capacitado, seja o órgão indicado para participar de todas essas convenções internacionais, ele deve abrir espaço e deve ser comandado, nessas questões, por pessoas das áreas afetadas e não técnicos dele, querendo meter o bedelho numas áreas em que não conhecem, e se conhecem é por lazer e não por ofício, né?
P/2 – E falando dessas discussões ao nível global mesmo sobre meio ambiente, como você enxerga o encaminhamento futuro dessas relações entre os países?
R – Olha, a gente sempre, quando era mais novo… Eu estudei um pouco sobre isso, a gente sempre dizia que entre países não existe amizade, existem interesses. Só que o mundo está mudando, a visão do mundo está mudando, na medida que hoje já uma parte importante, embora minoritária, já sabe que meio ambiente não tem fronteira, bicho não tem fronteira, questão climática não tem fronteira, então isso começa a mudar um pouco essa perspectiva. Os países começam a ter já uma sensibilidade maior para a questão global, não só os seus interesses específicos. Mas dentro disso vai toda aquela problemática que falei anteriormente, os grupos econômicos que comandam... À medida em que a sociedade for tomando conhecimento do assunto, na medida em que a ciência for deixando mais claro o que significa o dano ambiental, o que significa os avanços na questão climática, eu acho que a tendência é que desapareçam essas barreiras de interesses nacionais.
P/2 – Para a gente encerrar, eu queria saber qual a relação entre política e meio ambiente para você.
R – Olha, eu entrei no Partido Verde e sou membro, líder nacional do Partido Verde. Pela primeira vez o Partido Verde fez uma bancada. Nós nunca tínhamos tido uma bancada; tínhamos um deputado aqui outro ali, mas nunca tínhamos tido uma bancada com liderança, com horário na televisão, com fundo partidário, com estrutura interna para podermos agir como um partido. Eu vejo a política, quer dizer, na medida em que eu entrei nesse partido que é um partido temático e que, evidentemente, não se debruça só sobre a causa ambiental, mas tem na causa ambiental a base da sua existência, nós somos o partido da paz. Todas as coisas relacionadas ao nosso partido têm uma ligação com a questão ambiental, a paz, o municipalismo, o fim da discriminação, seja ela racial, social, religiosa, sexual; tudo isso que o partido tem no seu ideário tem, de certa maneira, uma relação com a causa ambiental, com a causa do desenvolvimento sustentável. Então eu vejo a política como um mecanismo de defesa dessas ideias e é importante se ressaltar que foi-se o tempo em que se tinha o meio ambiente como aquela coisa romântica, da conservação, da apreciação. Hoje nós temos a convicção e o Partido Verde no Brasil tem essa convicção, até mesmo porque nós discutimos muito isso e eu sou um defensor dessa tese, de que o desenvolvimento é fundamental, a exploração das nossas riquezas ambientais é fundamental. Agora, tem que ser sustentável, tem que ser diferenciada do modelo tradicional adotado e isso envolve uma mudança cultural, não é?
Por isso eu acho que a política é importante, e é importante a permanência de um partido como esse porque nessa legislatura [o] decreto da medida provisória para liberar transgênico sem princípio da precaução - e por medida provisória, que já é um absurdo -, o Partido Verde foi o único partido que se colocou contra. A discussão da CTNBio dando superpoderes para esse órgão… Fizeram uma molecagem lá dentro, porque colocaram pesquisas com células-tronco junto com organismo geneticamente modificado, para confundir a opinião pública.
Então “esse partido atrasado, fundamentalista...” Não tem nada disso, nós nunca fomos, ao contrário, nós fomos a favor, somos sempre a favor das pesquisas mais avançadas possíveis com células-tronco, embrionárias, nós somos inteiramente a favor. O que nós não somos a favor é que um órgão tenha poderes acima dos ministérios para poder liberar para o plantio e para comercialização de um produto geneticamente modificado. Achamos que a questão da segurança na saúde tem que passar pelo Ministério da Saúde, a questão da segurança ambiental tem que passar pelo Ministério do Meio Ambiente e na questão dos transgênicos, o princípio da precaução deveria ser o princípio básico, quer dizer, nenhum organismo geneticamente modificado deveria ser liberado sem que se tivesse feito os estudos de impacto ambiental detalhados. E o Brasil liberou por medida provisória o plantio da soja na beira da Amazônia. Não aconteceu nada, graças a Deus, mas poderia ter acontecido. Antes de ser plantado na beira da Amazônia nós só tínhamos soja transgênica plantada em climas temperados, então poderia dar alguma coisa. Algodão, outro dia, queriam também, a CTNBio queria botar… Então eu acho que é importante a presença de um partido como o Partido Verde, mas é importante a presença de políticos ligados a isso, de que a gente entre na política. Como eu também defendo que as ONGs hoje, que estão muito mais ligadas ao Executivo do que ao Legislativo, que elas deem uma meia volta. Porque as ONGs hoje são, muitas das vezes… Não vou citar nomes porque não quero comprar essa briga, mas nossas grandes ONGs hoje são repartições, a maioria delas são repartições. Elas poderiam estar se engajando num processo político, porque no governo os avanços são mínimos, são pontuais, são dentro de políticas lá no Legislativo, você pode modificar políticas. Lá elas podem acentuar, diminuir determinadas políticas; no Legislativo você pode elaborar políticas, modificar políticas.
(PAUSA)
P/2 – Só para terminar então essa questão, um prognóstico seu em relação às perspectivas dessa questão ambiental para daqui a quinze ou vinte anos.Qual a sua visão ou até mesmo do Partido Verde?
R – Eu não sou muito pessimista, mas acho que os avanços que estão ocorrendo e que vão ocorrer não vão ser avanços pró-ativos, vão ser avanços reativos. Essa é a visão que eu tenho e gostaria muito que não fosse assim, mas acredito que nós vamos continuar ainda um bom tempo nessa questão. E só uma mobilização da sociedade, uma mobilização muito grande da sociedade poderá modificar esse prognóstico.
Evidentemente, nós estamos vinculados à questão mundial também. Se acontecer alguma catástrofe, se for uma decisão de governo, se ficar provada a questão do dano ambiental, do risco da vida se extinguir na Terra, aí sim eu acho que vamos ter. Mas continua sendo uma coisa reativa.
P/2 – Bom, para terminar, queria saber se você é casado, tem filhos.
R – Tenho quatro filhos, sou divorciado, mas a minha companheira atual está grávida de mais um filho. São quatro homens, vou ter o quinto homem, se Deus quiser.
Meus filhos, três deles moram aqui em São Paulo. Um já é formado, trabalha no HSBC por méritos próprios. Os outros dois fazem Administração e Marketing na Escola Superior de Propaganda e Marketing aqui em São Paulo e o meu mais novo mora em Montreal, porque a mãe é professora e é alemã, então ele mora lá. Mas ele vem sempre ao Brasil, fala português e é muito ligado à gente.
P/2 – E quais as lições que você tirou da sua carreira?
R – Olha, é muito difícil falar assim quais as lições que tirei. A gente não pode chegar numa idade como essa e dizer que tirou lições. Eu digo que continuo tirando, é um aprendizado. A gente vai amadurecendo, vai mudando e vai aprendendo também. Se eu puder dizer o que aprendi é que tudo é mutável, que a gente vai evoluindo; que quem não evolui fica para trás mesmo e perde o trem da história.
P/2 – A última pergunta: o que você acha de ter participado desse projeto de memória?
R – Eu acho incrível, eu acho muito bom. Estou muito orgulhoso de ter participado disso. Espero que meus bisnetos e tetranetos gostem. (risos)
P/2 – Com certeza. Terminamos. Obrigada.
R – Obrigado a vocês.
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