P/1 – A gente gostaria de começar pela sua identificação, você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é João Carlos Gonçalves, meu apelido é Juruna, eu nasci em São Vicente, São Paulo, na Baixada Santista e nasci no dia 7 de abril de 1953.
P/1 – Juru..., como você prefere que te chame?
R – Juruna.
P/1 – Juruna, qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai, o nome do meu pai é João Flórido Gonçalves, o nome da minha mãe é Benedita Nóbrega Gonçalves.
P/1 – E qual que é a atividade deles?
R – Meu pai foi ferrovia... é ferroviário, foi ferroviário, se aposentou e minha mãe sempre foi doméstica, trabalhava em casa.
P/1 – Esse sobrenome, Gonçalves, você sabe qual que é a origem?
R – Eu acho que é português, é, mas tem uma mistura de português, índio e negro.
P/1 – As suas origens então são...
R – Sim, com certeza. Estamos até num conflito de terras lá na região de Miracatu que nosso, nosso pessoal antigo teve descendência, né, teve locais, assim, que os índios tão bem presentes na nossa vida lá.
P/1 – Ah, é...
R – E depois o apelido que vem por outros motivos que não tem nada a ver com isso também, mais pela fisionomia mesmo e pela tradição né?
P/1 – Então, sua família tem índios ainda que tem...
R – Uma mistura, a minha família é da região é do Vale da Ribeira e a origem dos livros, assim, que falam na época, né, é uma mistura dos índios daquela região com os portugueses.
P/1 – Juruna, eu queria que você falasse um pouco da sua infância. Como é que foi, como eram as brincadeiras, sua casa, enfim, conta pra gente.
R – Bem, eu nasci em São Vicente, meu pai mudou de Miracatu pra São Vicente e ali ele teve um primeiro emprego que foi num frigorífico, de pesca, aí, logo depois em 50, nos anos 50, em 1950, ele começou a trabalhar na...
Continuar leituraP/1 – A gente gostaria de começar pela sua identificação, você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é João Carlos Gonçalves, meu apelido é Juruna, eu nasci em São Vicente, São Paulo, na Baixada Santista e nasci no dia 7 de abril de 1953.
P/1 – Juru..., como você prefere que te chame?
R – Juruna.
P/1 – Juruna, qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai, o nome do meu pai é João Flórido Gonçalves, o nome da minha mãe é Benedita Nóbrega Gonçalves.
P/1 – E qual que é a atividade deles?
R – Meu pai foi ferrovia... é ferroviário, foi ferroviário, se aposentou e minha mãe sempre foi doméstica, trabalhava em casa.
P/1 – Esse sobrenome, Gonçalves, você sabe qual que é a origem?
R – Eu acho que é português, é, mas tem uma mistura de português, índio e negro.
P/1 – As suas origens então são...
R – Sim, com certeza. Estamos até num conflito de terras lá na região de Miracatu que nosso, nosso pessoal antigo teve descendência, né, teve locais, assim, que os índios tão bem presentes na nossa vida lá.
P/1 – Ah, é...
R – E depois o apelido que vem por outros motivos que não tem nada a ver com isso também, mais pela fisionomia mesmo e pela tradição né?
P/1 – Então, sua família tem índios ainda que tem...
R – Uma mistura, a minha família é da região é do Vale da Ribeira e a origem dos livros, assim, que falam na época, né, é uma mistura dos índios daquela região com os portugueses.
P/1 – Juruna, eu queria que você falasse um pouco da sua infância. Como é que foi, como eram as brincadeiras, sua casa, enfim, conta pra gente.
R – Bem, eu nasci em São Vicente, meu pai mudou de Miracatu pra São Vicente e ali ele teve um primeiro emprego que foi num frigorífico, de pesca, aí, logo depois em 50, nos anos 50, em 1950, ele começou a trabalhar na Sorocabana, Estrada de Ferro Sorocabana. Então, nossa diversão qual que era? Nós brincávamos na rua, né, pipa, bola e íamos muito onde meu pai trabalhava que era a Ponte dos Barreiros, a ponte onde passava o trem, da ferrovia onde meu pai trabalhava na manutenção. Então, era costume, nossos primos, eu, minha mãe, a gente ir pescar e ficar nadando naquela beira de mar, braço de mar, essa era a nossa vida, catar coquinho, catar lata, catar coisas, assim, também pra arranjar um dinheiro pra ir num cinema, era nossa vida.
P/1 – E quando que o senhor começou os seus estudos, como que foi?
R – Eu comecei, eu fiz o primário, comecei com sete anos, numa escola do bairro, isso com sete anos, né, depois, posso ir contando?
P/1 – Pode, claro.
R – Aí, depois é que eu acabei o primário, nós éramos, tava contando pra ela, somos em oito, nove irmãos, né, e meu pai, minha mãe muito católicos, também próximos da igreja e aí eu fui fazer o ginásio no seminário de padres, naquele momento queria ser padre, tal, eu, meu primo e acabei indo fazer o seminário. Fiz o ginásio no Seminário São José, em São Vicente, estudei até a terceira série do ginásio neste seminário e depois acabei o quarto ano no Martim Afonso, Ginásio Martim Afonso, Instituto Martim Afonso, Instituto de Educação Martim Afonso, uma escola pública lá de São Vicente. Aí, era época, assim, de mudanças, né, de [PAUSA] tava mudando, era o Ginásio, depois ia ser o Científico, Normal e Clássico, aí, eu peguei essa época de mudança que foi muito confuso também pras minhas decisões, porque começou aquela, o básico, né, que chamava, primeiro básico, segundo básico, terceiro básico, aí, eu me perdi um pouco, acabei, também foi a época que eu comecei a trabalhar, com 16 anos trabalhar registrado, e aí, acabei, pelo trabalho que eu fazia, trabalhava em Contabilidade, escritório de Contabilidade, aí, acabei abandonando o Colegial, chamado Colegial Básico, fui fazer Escola Técnica de Contabilidade, era uma escola paga, aí, fui fazer o Instituto Brasília, Instituto de Educação Brasília, até era do lado do segundo BCE [?] assim, vou contar, assim, coisas onde o Zé Dirceu ficou preso, coisa que eu não sabia, naquela época, tinha passado por lá e [PAUSA].
P/1 – Essa escola técnica equivalia ao Colegial?
R – Ao Colegial. Terminei o Colegial. Aí, entrei na Petrobrás, fiz teste na Petrobrás, passei, acabei me inscrevendo pra faculdade lá de Santos, né, na... como é que é o nome? Faculdade São Leopoldo, aí, fiz um primeiro ano de Economia, isso foi em 1970 e, 1975, aí parei a escola por um período, porque eu tava contando pra ela, eu fiz uma coisa que ninguém acredita, né, eu pedi demissão da Petrobrás, eu trabalhei na Petrobrás três anos, aí, nessa época já participava do movimento, né, da Juventude Operária Católica e fazia, assim, atividade de, ações no nosso bairro, no trabalho onde a gente tinha e comecei a participar do movimento a partir dessa questão que você perguntou da escola, o jovem que estuda e trabalha, foi uma pesquisa que a JOC – Juventude Operária Católica distribuiu na cidade, depois eu fiquei sabendo o porquê, foi uma pesquisa que foi distribuída no Estado e eu comecei a participar através da pesquisa, fomos fazendo tabulação da pesquisa na cidade e depois tive encontros de tabulação com as demais cidades. Comecei a participar, fui eleito nessa participação pra direção estadual do movimento, aí, depois, em 1970 e, em 1975 eu fui eleito pra Direção Nacional da Juventude Operária Católica, então, eu pedi demissão da Petrobrás pra andar o Brasil.
P/1 – Pera, aí, deixa eu só entender, você terminou o técnico, né, e depois foi pra faculdade, mas você entrou na Petrobrás, como foi essa passagem pela Petrobrás?
R – Então, eu comecei a trabalhar, assim, cedo, né, eu tava contando, eu ajudava em casa, assim, vendendo cocada, isso com seis, sete anos, no ponto do ônibus, aí, depois [PAUSA] depois ajudava em casa também fazendo carreto na feira, essas coisas assim, éramos muitos irmãos, depois comecei a trabalhar numa fábrica de doces, né, até ela brincou, pô, devia ser legal, assim, com 12 anos trabalhar em fábrica de doces. Não era tão legal, porque era perto da praia, entendeu? Então era horrível, todo mundo indo pra praia e você trabalhando, né? Então, não era muito legal, mas depois eu acabei conseguindo trabalhar num escritório, de Office-boy, e como Office-boy fui aprendendo coisas internas, tal, comecei a gostar daquele trabalho, aí, acabei até mudando de curso pra fazer Escola Técnica de Contabilidade. Aí, teve o concurso da Petrobrás, né, e eu passei e fui trabalhar na Petrobrás, lá em Cubatão. Isso foi, entrei no dia dois de maio de 1973.
P/1 – E você ficou quanto tempo?
R – Fiquei até 1975, é, até dezembro de 1975, aí, foi, assim, né, fui pedir demissão, o pessoal não entendia, mas por que pedir demissão? Eu gostava de trabalhar lá, participava das atividades, era uma época, assim, de atividade sindical muito ainda fechado, porque era época da repressão, ainda, né, mas mesmo assim a gente ia, foi aí também que eu comecei a participar do movimento, tinha o pessoal do partidão na época, tinha o cine-clube, tinha coisas, assim que atraía a gente e nós começamos a participar mais diretamente do movimento sindical, antes eu já participava da Juventude Operária Católica, mas de coisa sindical comecei a me aproximar por aí.
P/1 – Então, o que na sua infância, e na sua juventude, assim, o quê que te despertou o interesse pelos movimentos sociais?
R – Eu, assim, eu acho que eu fui despertado mais pela parte da igreja, sabe, porque era uma efervescência na época da igreja, né? Os padres, operários, nós tínhamos no nosso bairro os chamados padres operários, os chamados irmãos da caridade, eram franceses e eles tinham uma atividade na paróquia que eu morava e tinha também esse padre que foi, tinha sido assistente da Juventude Operária Católica, então começamos a participar aí. Isso então me despertou um pouco mais pra esse lado social da igreja, né, e depois a pesquisa que eu te falei que foi fundamental na minha vida, a pesquisa do jovem que estuda e trabalha. E com essa aproximação desses padres operários, que eram padres e trabalhavam em fábrica também, trabalhavam na fábrica de vidro lá de São Vicente, se aproximavam também do Sindicato dos Metalúrgicos, né? O Arnaldo Gonçalves que, inclusive, foi Presidente do DIEESE [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos] era Presidente na época, Marcelo Gato, que foi Deputado Federal, depois foi cassado, tinham atividades na igreja, então, as organizações de esquerda atuavam também dentro das igrejas com palestras à noite, debates, então, comecei a participar por aí, foi assim.
P/1 – E como que foi seu primeiro contato com o movimento sindical?
R – Meu primeiro contato foi, é, a partir da, dessas coisas que eu te falei, da igreja, mas o primeiro sindicato que eu participei que foi quando eu tava na Contabilidade, né, no escritório de Contabilidade, através da pesquisa que foi feita pela JOC [Juventude Operária Católica] houve todo o incentivo da gente ir se sindicalizar, então minha primeira sindicalização foi com o pessoal que trabalhava em escritório, então, era uma coisa sem muita atuação, assim, porque, né, escritório pequeno, então não tinha muita atuação. Agora, na Petrobrás era diferente, lá, a gente ia nas assembléias, acompanhava direitinho.
P/1 – Era mais organizado?
R – Mais organizado, tinha muito mais participação, mas era na época da repressão, não era tão forte como se tornou depois, né, porque teve cassações em 1964, prisões, então, o sindicato fazia aquela atividade normal das assembleias de campanha salarial, de debates, cine-clubes, então, foi assim que eu participei.
P/2 – Vocês já falavam em assembléia nessa época?
R – Não, não, não, não, não, falava na igreja, só [RISO].
P/1 – O senhor trabalhou como metalúrgico depois?
R – Então, aí, o quê que aconteceu? De 1976 até 1979 eu fiquei coordenando a Juventude Operária Católica no Brasil. Então, eu fiquei andando no nosso país, articulando a Juventude Operária Católica e, fundamentalmente, aqui na região do triângulo mi..., do triângulo, que a gente chamava do triângulo, São Paulo, Rio [de Janeiro] e Minas [Gerais], né, e, aí, em 1979, quando eu terminei meu tempo de direção nacional da JOC, conversamos com a turma onde era importante eu ir morar, né? Aí, a minha mulher, a mãe dos meus filhos, que a gente era casado, ela participava do movimento também, decidimos junto com o pessoal, de eu mudar aqui pra São Paulo, aí, vim morar aqui em São Paulo, no Campo Limpo, na região do Campo Limpo, lá na zona Sul. Mudei pra cá em ma... em março de 1979, comecei a trabalhar no dia 26, se não me engano, de junho, foi no mês de junho comecei a participar, aí, comecei a trabalhar na Semicrom, uma empresa próximo da Avenida João Dias, lá na zona Sul de São Paulo, comecei a trabalhar como inspetor de qualidade, como auxiliar de contabilidade. Aí, foi totalmente diferente, quando eu mudei pra cá, eu não, a minha profissão que vocês viram, eu tava próximo do escritório, que eu era Office-boy, entrei na Petrobrás como auxiliar de escritório, então, aqui tive que refazer quase tudo, né, fiz Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial] correndo, fiz desenho, escola técnica, trigonometria e, aí, comecei a trabalhar na Semicrom, uma empresa alemã de semicondutores.
P/1 – Mas aí você entrou nessa empresa, era uma, meio estratégico, assim, por causa da sua?
R – É, eu vim, não, eu tinha que trabalhar, porque eu tinha que sustentar a família, né? Mas, como decisão de morar em São Paulo, foi uma decisão pensada, São Paulo, categoria Metalúrgica, é legal falar assim como que a gente, às vezes, prevê certas coisas, e depois a gente vai ver como deu certo, graças a Deus. Então, entrei nos metalúrgicos, comecei a participar aí.
P/2 – Mas você entrou no setor administrativo, como você foi parar no ramo, numa área ligada à produção?
R – Então, pra mim foi uma dificuldade, porque quando eu vim, é, eu não tinha muita habilidade, assim, de coisas manuais, então, pra mim, eu tive dificuldades, mas fazendo o curso no Senai por isso que, por exemplo, inspetor de qualidade já é uma coisa mais tranqüila, cálculos, medições, relatórios, então, foi uma coisa que a gente escolheu e, aí, as pessoas que aqui, quem me colocou nessa empresa foi uma inspetora de qualidade que participava do movimento também, Benedita o nome dela, eu não lembro o nome dela todo, uma pessoa interessante até, na época, pessoal ligado à oposição sindical metalúrgica, que atuava aí. Então, ela trabalhava lá e me apresentou, eu passei no teste, comecei a aprender mesmo auxiliar de controle de qualidade, fazia curso no Senai e fui me aprimorando.
P/1 – Tá, então nessa empresa os trabalhadores eram organizados, assim, sindicalmente?
R – É, tinha sim um foco, né, oposição sindical metalúrgica. Não era organizado, porque, na época, o sindicato aqui de São Paulo, ele era muito conservador ainda, tinha o Joaquinzão na época, que é um sindicato aqui de muita repressão também, muita gente tinha sido presa, mas tinha, começava a ter uma atuação, é, do sindicalismo, por causa das greves que tiveram e nessa fábrica tinha uma pessoa que era da oposição sindical metalúrgica, e aí, eu comecei também a me aproximar deles, claro que eu já conhecia várias pessoas aqui de São Paulo, mas do ponto de vista da ação sindical eu comecei nessa fábrica e a primeira coisa que nós fizemos foi é, como é que eu diria? A animar o pessoal a estudar, a ir pro Senai e, ao mesmo tempo, nós tínhamos perto ali da fábrica uma sala da oposição sindical e, naquela época, a TV Cultura tava fazendo cursos por televisão de desenho mecânico, entendeu? Então a turma começou a achar que era legal ir, então, eu levei dez pessoas da fábrica pra fazer o curso. Então, essa aproximação é, eu nunca me apresentei como líder sindical como gente do sindicato, mas sempre a partir daquilo que era necessário dentro da fábrica pra se fazer. Então, comecei a fazer amizade com a turma, e a turma foi comigo fazer o curso, tudo, então, comecei aí a minha atividade.
P/1 – Então, antes de entrar nessa questão mais do sindicato mesmo, eu queria fazer uma pergunta, assim, como que foi pra você, você já era casado, o senhor, desculpa.
R – Não tem problema.
P/1 – Já era casado, você disse que a sua mulher também participava desses movimentos, como que era assim, a sua vida pessoal nessa época e como foi em São Paulo?
R – Certo. Primeiro que você falou, eu comecei a namorar com ela em 1974, ela também já era da organização, do movimento, participava, trabalhava, sempre trabalhou, pra nós foi um choque mudar pra São Paulo, porque nós éramos da Baixada Santista, mudei pra cá numa época do frio, então, pra nós foi muito difícil, né, morava no Campo Limpo, pra nós é uma distância assim, horrível, a gente costumava andar a pé na Baixada Santista, aqui a distância do trabalho e da escola era uma coisa difícil, foi muito difícil o início pra nós aqui e eu acho que ela acabou se submetendo, assim, me dando condições para que eu pudesse estudar, pudesse fazer os cursos, né, nós temos um garoto, que hoje tá com 28 anos, o Cássio, que quando mudou com a gente aqui tinha um ano, então foi uma coisa que ela teve que assumir mais, inclusive foi, ela trabalhava na área de escritório de contabilidade numa empresa química, acabou mudando de profissão, começou a trabalhar numa área de creches, administração de creches no bairro do município, e, até pra ficar mais próximo de casa tudo, aí, eu pude me lançar mais na área sindical, então, foi mais uma coisa assim.
P/1 – Tá, tá ótimo. Então, você entrou no Sindicato dos Metalúrgicos?
R – Não, isso foi depois [RISOS], não foi fácil assim, não. Bem, aí comecei a ir no Metalúrgico, né, na Semicrom, em 1979 eu tinha pouco tempo de fábrica, então pouco tempo de cidade, então, a minha parti... comecei a participar, a ir nas assembléias do sindicato, tentava levar algumas pessoas lá nas assembléias, mas nós estamos falando de 1979, que é um momento difícil ainda, então, pouca gente ia, aí, em 1979 teve uma greve importantíssima aqui na cidade, nossa fábrica não era organizada pra parar, naquela época a greve foi uma greve de piquete, e eu lembro que eu tinha começado a trabalhar em junho ou julho, a greve foi em novembro, então, eu pensava comigo “eu não vou me arriscar tanto, porque como eu tô pensando a longo prazo, pra que é que eu vou, não tenho essa responsabilidade assim”, na minha opinião, naquela época de assumir essa coisa de frente que eu sou novo na cidade. Mas não deixei de participar, fui nas assembléias, participei de reuniões do comando de greve lá da região, cheguei a fazer piquete à noite, né, é uma coisa que eu não gosto de lembrar, mas [PAUSA], mas no dia, é, à noite nós fomos fazer piquete na Semicrom, não é, em 1979. Aí, fiquei no piquete até 11 horas, na Silvânia [PAUSA].
P/2 – A fábrica do Santos Dias.
R – É, e aí no outro dia eu fui trabalhar, fui pra fábrica, porque na nossa não tava tendo greve, não tava tendo um piquete pra cobrir, porque não era uma fábrica tão importante na região, era importante, mas do ponto de vista da organização não era, então, eu fui pra fábrica nesse dia, fiz piquete no dia anterior à noite e fui pra fábrica no outro dia, aí, nós soubemos depois da notícia do assassinato do Santos Dias nessa fábrica, na Silvânia, na parte da tarde, né? [PAUSA] Aí, viemos aqui pra assembléia, passou um piquete lá em frente à fábrica, o pessoal parou obrigatório, não é? Então eu participei, a primeira greve que eu participei foi a de 1979, e era uma coisa difícil, porque naquele momento havia um conflito muito forte entre a direção do sindicato e a postura de greve que vinha mais da oposição sindical metalúrgica que tinha mais peso, não é? Então, não era uma coisa fácil você ir no sindicato pra ficar sócio e ser um ativista sindical, porque havia uma posição conservadora dentro do sindicato que acabava até prejudicando às vezes a sua vida pessoal, no sentido de você ser “dedado”, tinha coisas assim na época, e talvez acho que até permaneça um pouco hoje no conflito que tem entre posturas ideológicas de pensamento. Então, comecei a trabalhar a minha atividade começou na Semicrom, a primeira greve foi essa e, continuei trabalhando assim, depois que passou a greve continuei com atividades com a oposição e, nessa época nós tínhamos também participação na Pastoral Operária, como eu era ligado à igreja como eu te contei no início, eu comecei a me aproximar também da Pastoral Operária lá da minha região, não é, e até tem uma pessoa que chegou a ser vereador da cidade, João Carlos Alves, foi vereador da cidade, ele trabalhava na Massey Ferguson, era uma pessoa muito ativista da região que me ajudou muito, porque eu era novo na cidade, eu sou assim uma pessoa mais tímida, tudo, e era da Baixada Santista, então, essa pessoa me ajudou muito também a conhecer a cidade, a me levar nas coisas, João Carlos Alves, foi vereador da cidade do PT [Partido dos Trabalhadores]. Então, eu participei da Pastoral Operária da região, fui me aproximando da Pastoral e nós éramos ativistas do Sindicato como associado, né, quando foi em 1980, eu fiz teste na Villares, a principal empresa da região Sul. Aí, fui trabalhar na Villares como Controlador de Qualidade, e era uma firma tradicional do movimento sindical, uma firma que foi fundadora do sindicato nos anos iniciais, né, e era uma empresa que tinha seis mil trabalhadores, era no local estratégico da região, na ponta da Marginal de, a Marginal Pinheiros, quando tinha greve, se a Villares parando, vinha passeata e ia fechando tudo. Então eu comecei a trabalhar aí, tinha muita tradição, tinha uma tradição do sindicato, da instituição e tradição da oposição sindical, era uma empresa muito forte, nós tínhamos mil e 500 associados.
P/1 – Do Sindicato dos Metalúrgicos?
R – É, do Sindicato dos Metalúrgicos e, aí, eu trabalhava no sentido, mesmo tendo divergência com a diretoria do sindicato, eu, nós achávamos que era o nosso sindicato, não é, uma coisa é a diretoria, outra coisa é a instituição. Então, eu comecei a me aproximar bastante do sindicato, me aproximei bastante do diretor do sindicato lá da fábrica que era o Toninho, né, que, o Toninho que foi inclusive vereador da cidade também, é o Antonio Campanha, Toninho Cabeleira é o apelido dele e ele era uma pessoa muito aberta, assim, espanhol, é, filho de espanhol, muito ativista, muito legal, entendeu, mesmo sabendo que a gente era da oposição, dava as fichas pra gente filiar, fazer filiação, mas eu quando eu entrei, não entrei com toda essa história que eu tô contando, eu entrei mais tranqüilo também, que era uma grande empresa, né, sempre fui uma pessoa, assim, tranqüila na minha ação sindical, sempre a partir das necessidades dos trabalhadores, compreende, que era uma tradição que eu aprendi com a Juventude Operária Católica, ver, julgar e agir, quer dizer, sempre partir daquilo que você tá convivendo com as pessoas, nada ideológico de já querer ganhar as pessoas pro sindicato, pro partido, nunca fui assim, não sou assim, sempre partia dos interesses da turma, né, e uma das coisas que pegava que eu sentia era que nós não tínhamos ônibus pra região Sul, a Villares era aqui no Cambuci, né, aqui na região do Cambuci. Pelas enchentes, pelas mudanças da industrialização da cidade, a área industrial acabou mudando pra zona Sul, então a Villares também mudou lá pra região Sul e, aí, pra levar o pessoal daqui do Cambuci, das pessoas que moravam por essa região, moravam em São Bernardo, São Caetano, né, muita gente, eles acabaram colocando ônibus pra levar e trazer o pessoal.
P/1 – E não tinha nenhum ônibus?
R – Tinha ônibus, é, mas pro pessoal da zona Sul não tinha e nós morávamos longe também, entendeu? Eu morava lá no Campo Limpo, né, pegava dois ônibus. Aí, comecei, falei, pô, esse é um negócio legal, comecei a mexer com esse negócio dos ônibus, então, eu pegava ônibus e eu, né, “oi, se trabalha onde?” – “ah, trabalho na seção tal, tal” – “pô, se mora onde?” – aí, comecei a listar. E pelo fato de ser inspetor de qualidade eu conseguia andar a fábrica nos diversos pontos e eu era inspetor da área de recebimento. Então, quando uma peça, só pra entender melhor, quando a peça chegava, eu fazia as medições da peça. Se tinha, se tava fora das medições, eu poderia fazer o teste prático e, aí, a gente utilizava dessa artimanha pra ir nas seções, entendeu? Da onde que é essa peça? Então era uma maneira de você ir nas seções. Então, fui descobrindo as pessoas através do ônibus, né, que é o que a gente pegava e, fomos fazendo uma listagem das pessoas pra constituir um ônibus, e, foi legal que a chefia também tinha interesse de ter um ônibus na região Sul e, aí, conseguimos uma listagem de 40 pessoas, 45 pessoas pra aquela região da zona Sul que era o Campo Limpo e apresentamos para a empresa, né?
P/1 – Era um ônibus da empresa mesmo?
R – É, a empresa topou de colocar o ônibus, pra nós foi uma vitória, né, e aí, abriu condições de outros bairros também começarem a pedir, esse é o orgulho de ter feito, eu mais meus companheiros. Aí, meu, teve eleição da CIPA [Comissão Interna de Prevenção de Acidentes] em 1980 e, eu fiquei em 1980, isso foi em 1980, quando foi em 1981 teve eleição da CIPA aí, eu me candidatei. O pessoal falou: “pô, se candidata, tal, né?” – e, já tinha aparecido o índio Juruna, não sei se vocês lembram?
P/1 – Lembramos.
R – Que saía gravando por aí, né, que foi candidato do PDT ganhou as eleições lá, no Rio de Janeiro pelo PDT, aí um amigo meu deu o apelido pra mim – “ô Juruna, pô você parece com o Juruna, tal” – pegou o apelido, entendeu?
P/1 – Já nessa época?
R – É, foi a partir dele também que me ajudou assim a ficar mais próximo das pessoas, aí, meu candidato, Juruna, aquele mosquitinho da fábrica. Aí, fui eleito pra CIPA, me candidatei pela primeira vez, fui eleito, fui eleito em segundo lugar até por causa dessa atividade dos ônibus que eu contei antes, dessa conquista. Aí, com a estabilidade no emprego, eu me soltei mais, né? Eu comecei a fazer sindicalização da empresa, começamos a montar um grupo de estudos, nós não tínhamos subsede na região Sul, né, aí, começamos a conversar com o sindicato pra montar uma subsede lá e, também há mudança política no sindicato. O quê e que aconteceu? Com as eleições de 1981, se aproximaram do sindicato setores progressistas, na minha opinião, pessoal ligado ao Partido Comunista Brasileiro, PCB, pessoal ligado ao PCB, principalmente, MR8 [Movimento Revolucionário 8 de Outubro] também já estava aí e eles faziam parte da Diretoria, eles eram setores da oposição, que após a eleição de 1978 resolveram fazer uma outra ação, ao invés de ficar só na oposição, eles decidiram entrar por dentro da entidade. Então se candidataram, foram eleitos em 1978, depois em 1980 e, minto, em 1988, 1978, perderam as eleições, em 1981 fizeram uma composição com o Joaquinzão.
P/2 – E você tava nessa composição ou você se manteve na oposição?
R – Eu? Então, eu não tinha tanta proximidade ainda do sindicato, eu era da oposição, compreende? Minhas reuniões eram na oposição e na Pastoral, aí, quando eles ganham eleição em 1981 com o Joaquinzão na cabeça, Luis Antonio de Medeiros, o Medeiros, que todo mundo fala do Medeiros, pra nós na época era o Luis Antonio, o Valter Eschiavon, Margela, Nair Goulart, João Paulo, Bigode, que hoje assessora o Lula lá no Governo, esse pessoal todo fazia parte da Diretoria e, aí, o partidão ficou com os setores importantes da cidade. Por exemplo, o pessoal Bigode, João Paulo e Nair ficaram, um ficou com a zona Oeste o outro ficou com a zona Sudeste, principais empresas. Pra região Sul, ficou com o pessoal do Partidão, que era o Medeiros, Valter Eschiavon, Margela, e até, na época o pessoal brincou – “não, vamos colocar esse pessoal do partidão nessas regiões que tem mais oposição” – porque, era oposição também, mas era oposição mais radical, ligada ao Monspi [?], depois ligada ao PT digamos assim, na época era dos anos 1980, do nascimento do PT, então teriam dificuldades, iam se matar, né? Mas não foi o que aconteceu, né, o Medeiros, o Margela, o Valter Eschiavon começaram a aceitar a oposição, aceitar no sentido do debate, no sentido da participação política. Então, nós começamos a falar “pô, se os caras tão abrindo pra gente participar, porque é que nós vamos ser contra?” – então, começamos a fazer atividades conjuntas, né? Então, por exemplo, não esqueço isso, que nós não tínhamos subsede e eles chegaram a fazer reunião com a gente na sede da oposição, tá? Então, isso pra nós, falamos, “pô os caras tão demonstrando abertura política, né?”. E começamos a desenvolver lutas sindicais do ponto de vista da 1982, 1983 foi uma época de demissões, né, e começamos a partir para enfrentamentos, greves, e na época, a nossa turma o quê é que recebia? Recebia só o Fundo de Garantia, Aviso Prévio e pronto. Então, começou toda uma luta pra pegar uma indenização a mais, que era a recessão, já que vai demitir, tem que ter uma indenização a mais. Então, começamos a participar das ações com eles. Trabalhava na Villares, era Cipeiro, mas saía também com eles distribuindo material, fazendo atividades, porque eu já tava coberto pela estabilidade no emprego, que era o fato de ser da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes. E, aí, logo depois o quê é que eles fizeram? Nós, é, inauguraram a subsede na zona Sul, né, foi um local ali no Largo Treze e começamos cada vez mais a participar aí, na Villares.
P/1 – Você foi pra essa subsede?
R – É, então, participava perto ali, porque era perto da região. Em vez de ir pegar o ônibus, ir até a Rua do Carmo, na Praça da Sé, pô, era ali do lado, né, entendeu? A gente pegava um onibuzinho, em dez minutos tava na subsede. Aí, o que aconteceu? Em 1984, não, minto, aí, com essa abertura, como é que se deu essa abertura? Por pressão da oposição, que já participava das comissões de salário, tinha a Diretoria que negociava e tinha as comissões de salário e eu comecei a ficar conhecido da região Sul, trabalhava na melhor empresa da região, do ponto de vista de organização, já tinha essa atividade da Pastoral Operária que eu falei antes, tinha, assim, encontros não só da Villares, mas de outras empresas da região, da MWM, da Walita, da Caterpillar, então, da Metal Leve, né, nós tínhamos o companheiro Vital Nolasco que era da Metal Leve que era do PC do B[Partido Comunista do Brasil] que também foi vereador da cidade, quer dizer, um orgulho pra nós, tantas pessoas naquela época que depois se destacaram na política mais geral, que começamos a ver que era possível compor com essas pessoas que estavam dentro do sindicato, então nós começamos, dentro da oposição, começamos a defender uma aproximação com a Diretoria do Sindicato, pra entrar, né? E eu fui eleito duas vezes pra comissão de salário do sindicato pela região Sul. Então, mesmo não sendo da Diretoria, eu já comecei a participar das atividades oficiais e institucionais do Sindicato. Eu fui eleito duas vezes pra Comissão de Salários representando a região Sul, foi em 1982 e depois em 1983 e, aí, foi a primeira vez que eu falei nas assembléias do sindicato e nas assembléias, assim, de porta de fábrica, tudo que a gente.
P/1 – Qual a primeira vez que você falou pra?
R – É que eu falei, e nessa época o sindicato começou a se organizar, comprar carro de som, ainda era aquelas cornetinhas de vender laranja, que a gente brincava, né, “pô, isso aí é só pra vender laranja, tem que comprar som pra valer” – uma pressão danada. Mas, de qualquer maneira, era com isso que a gente tinha como instrumento, né? Daí, o sindicato começou a ter ativistas nas portas de fábrica, então, tinha o Diretor e nós, como trabalhadores, éramos desligados da produção pra ir ajudar o sindicato, a instituição a distribuir material nas portas de empresa. Então, eu trabalhando na Villares, o sindicato mandava uma carta pra empresa, como eu tinha sido eleito pra Comissão de Salário, então no período de julho, julho era demais, de agosto até novembro eu ficava desligado da produção fazendo atividade sindical de convocatória para a campanha salarial, então, foi uma maneira de eu também ficar conhecido nas outras empresas, né? Aí, fui eleito, enquanto isso teve greves, muitas greves, teve três greves na Villares, eu participei das negociações de greve, era um momento também de mudança da economia, a empresa começou a diminuir o número de trabalhadores, a introdução de novas máquinas, entendeu? Cenas horríveis, assim, que eu vi, lembrar.
P/2 – Teve alguma que ficou marcada, assim, que vocês?
R – É, por exemplo, porque era mudança do, porque antigamente era assim: você tinha a furadeira, tinha o torno, tinha a fresa, cada máquina um operador, aí, começam a chegar as máquinas com mais...
P/1 – Que fazem mais coisas.
R – Que fazem mais coisas, é, já fazia, já furava, já fresava e já torneava, compreende? As CNC’s que a gente chamava, comando numérico. Então, tinha máquinas assim, essa é uma cena que eu não esqueço, aquelas máquinas, assim, grandes, cobertas de plástico, entendeu, que tava acabando, né? Eu nunca esqueço um amigo nosso, o Carcaça, que trabalhava nessa máquina assim, chorando, porque sabia que já não era mais pra ele. Isso foi em 1983, foi horrível, porque, sabe, eram greves defensivas, não eram greves de conquistas, assim, de mais coisa, era pra pegar indenizações a mais, porque o seguro desemprego só vai aparecer em 1988, entendeu? Então, era 1983, então, uma indenização a mais era uma coisa positiva, muito positiva, na época, além das denúncias, das demissões, porque com a greve não era só uma questão de pegar alguma coisa a mais, era também uma denúncia à economia, às mudanças. Então, eu achei que era, que foram momentos, assim, muito difíceis pra mim. Então, em 1983 eu participei dessa campanha salarial, aí, quando foi em setembro, outubro, novembro eu tava, fizemos greve lá na Villares por demissões, mas eu fui eleito na CIPA como eu falei em 1980 e, 1981, então eu fiz 1981/82, aí, fui reeleito de 1982 a 1983 e pela legislação você não podia ser reeleito novamente, então, acabando meu mandato, eu recebi também meu aviso prévio, né? Então, daí o pessoal quis reagir, mas nós tínhamos saído duma greve em setembro, nós achamos melhor que não, negociamos, que seria, seria frustrante, fazer uma greve apenas pra me defender quando cem, 200, 300 já tinham sido demitidos por motivos econômicos, entendeu? Aí, ficamos devagar, o pessoal do sindicato falou “não, você tá na campanha salarial, fica aí com a gente”, mas eu pessoalmente não incentivei a greve, porque achava que não valeria a pena, porque nós já tínhamos saído de uma e não, seria uma derrota, sabe, seria um enfrentamento naquele momento, desnecessário. Então, aí, acabando a campanha de 1983, campanha salarial de 1983, eu fui, tava demitido da empresa, é por aí mesmo que nós vamos?
P/1 – É, claro, tá certo.
R – Aí, foi assim, foi uma coisa difícil, né, por que? Porque em 1983, tô demitido da principal empresa, tô conhecido na região, 1984 vai ter eleição do sindicato, então, começa toda uma articulação pra ver como vai ser a nova eleição, tá?
P/2 – Você tinha que tá numa fábrica?
R – E eu tinha que tá numa fábrica, compreendeu? Conclusão...
P/1 – E você tava desempregado.
R – E eu tava desempregado e vou dizer assim aqui com toda a honra, eu era conhecido na zona Sul pelo fato de ser da Villares, que eu falava nas assembléias, eu tinha atividade na zona Sul e a zona Sul era uma empresa, era um conjunto de empresas importantes, então, eu tinha um nome até pra assumir a cabeça de chapa da oposição. [PAUSA] E, aí, nós tivemos uma reunião na casa do Chico Gordo, né, nós fomos lá na casa dele, tal, ele fazia parte da oposição sindical metalúrgica, participava do PTeu também participava, ele falou assim “amanhã nós vamos ter uma reunião lá em casa, tal, tal, fechada, pouca gente e o Lula vai vim” – né, o Lula na época tava nas suas atividades, tal, mas pra nós era importante, que ganhássemos as eleições, aí, fomos, eu defendi com o Lula, né, o Lula foi tal, na casa dele, era eu, ele, o Dentinho, o Reni, o pessoal mais próximo, assim, nosso, umas dez pessoas e, aí, eu defendi a composição, falei “não, acho que nós devíamos ir pra dentro do sindicato, esse pessoal que tá lá, que é do Partidão, tudo, tá fazendo um bom trabalho, não é o que a gente pensa, mas todas as ações sindicais temos desenvolvido unitariamente, né, e eu acho que nós devíamos ir lá pra dentro” – e só pra fazer, assim, um parâmetro, o Chico Gordo ele era próximo do pessoal da democracia socialista, né? Esse pessoal tava defendendo composição também no Rio de Janeiro, na eleição dos bancários, tá, com o Partidão, né, o que aconteceu nas eleições lá, a convergência socialista saiu com uma chapa pura e acabou ganhando do Ivan Pinheiro, que também fez parte do nosso movimento sindical e o Ivan era do Partidão, a DS [Democracia Socialista] compôs com eles, eles acabaram perdendo as eleições. Então, isso foi uma ducha de água fria aqui pra uma possível composição. Mas eu já tava nessa de me aproximar do sindicato, de ir com os diretores, eu acabei, falei “não, eu vou nisso aí”. Aí, nessa tinha o Lúcio Belantani, da Ford, tinha o companheiro o Pereirinha, o Zico, que hoje é deputado estadual de São Paulo, né, que defendia a composição também, mas como aconteceu essa perda lá no Rio de Janeiro, o pessoal aqui se sentiu pressionado pela Pastoral Operária, pelo próprio PT, a não fazer a composição. Mas eu tinha sido formado um pouco assim pela autonomia, pela pluralidade, por não interferência do partido no sindicato, eu falei “Ah, eu vou levar isso às últimas conseqüências, eu vou pro sindicato, entendeu?”, aí, eu fui, fui sozinho, sozinho assim, né, eu dessa turma, mas veio junto o pessoal do PCdoB [Partido Comunista do Brasil] veio o Neleu, né, o Neleu que era da região Norte, do partido do PC do B, o Vital que era do PC do B também, lá da Metal Leve, que eu tinha falado, então, foi assim, uma, o pessoal do meu conseguiu colocar mais uma gente também, então foi uma mescla assim de meio esquerda, assim, na época todo mundo achava que essa turma era de direita, né, o pessoal do PTmas eu fui. Ah, aí foi horrível, cara.
P/1 – Por que?
R – Cortei as relações com todo mundo, entendeu? Com a Pastoral Operária, com o PT, queimação, entendeu, direto, né? Horrível, não foi fácil. [PAUSA] Mas, só que nós apostamos na política, compreende, aí, o que aconteceu? Aí começamos em 1984, fizemos o sexto congresso dos metalúrgicos, sexto congresso? Sexto congresso dos metalúrgicos de São Paulo, onde houve a participação da oposição, nós lá, né, defendendo “Diretas Já”, aí, participamos das “Diretas Já” com o sindicato, fizemos coisas belíssimas, assim, que às vezes a história esquece e talvez, por isso, que eu acho que o papel de vocês é importante, fizemos muitas atividades, assim, nas fábricas, né, de “Diretas Já”, de assembléias incentivando a participação das Diretas, o sindicato colocou ônibus pras pessoas poderem vir na, na Praça da Sé, depois no comício do Anhangabaú, entendeu, lembro que nós em vez de vim com os ônibus direto pra Praça da Sé, nós fomos pro Metrô no Jabaquara, invadimos o Metrô, eles tiveram que abrir as catracas todas, entende?
P/1 – Isso na campanha pelas Diretas, né?
R – Isso na campanha pelas Diretas, o sindicato participou ativamente. Então, era o sindicato, 1984, era um momento de eleição sindical que vai ser em julho, mas nós já começamos a participar das Diretas desde, né, teve 1983, teve em novembro, dezembro de 1983 teve aquele comício no Pacaembu, que foi só o PT que fez, mas depois as entidades começaram a participar, aí, nós participamos um dia da cidade e fomos em frente, quer dizer, então a eleição do sindicato se nesse caldo de efervescência política também e os diretores de, assim, de esquerda, né, vou colocar assim em comparação com os outros diretores de sindicato, começaram a implementar uma política no sindicato, onde as “Diretas Já” não era só defendido pelo pessoal do Partidão, era defendido também pelo Joaquinzão. Então, esse caldo de política que eles começaram a implementar começou a surtir efeito perante a participação dos trabalhadores. Fizemos o congresso dos metalúrgicos e quando foi nas eleições de 1984, fizemos várias greves assim, que depois eu poderia até enunciar, mas na eleição de 1984 foi horrível, porque o Joaquim, a nossa chapa, não o Joaquim, a nossa chapa ainda precisou demasiadamente dos votos dos aposentados, entendeu? Então, nas empresas, todas aquelas coisas da zona Sul que eu tinha junto com o pessoal lá, aquelas atividades, nós acabamos perdendo as eleições na zona Sul. Perdi na Villares, perdi na Frigor, onde eu entrei depois, perdi na Metal Leve, né, foi uma lavada. Nunca esqueço isso, a votação.
P/2 – É, mas você tava na chapa Um ou na chapa Dois?
R – tava na chapa Um, nós saímos junto com o Joaquim, nós fizemos a composição.
P/2 – A chapa Um perdeu na zona Sul?
R – Perdeu na zona Sul, então, quem ganhou as eleições, os conservadores falaram “É, vocês que são os bons, não eram vocês que queriam abrir pra oposição? Olha aí, vocês não tem voto, quem tem voto somos nós.” – nas pequenas empresas e nos aposentados. Não tá ficando muito detalhado?
P/1 – Não, tá ótimo.
P/2 – Mas aí você entrou no sindicato, porque...?
R – Aí, então, em 1984, teve a eleição, mas ganhou, nós ganhamos as eleições. Eu nunca esqueço que no dia da apuração que foi no Ibirapuera, aqui no Ginásio do Ibirapuera, nós estávamos arrasados, assim, sentados pelo chão, porque nós sabíamos disso, né, oposição maluca, né, assim, o pessoal que hoje tudo, bons companheiros e eu acho que fizeram um bom trabalho, mas do ponto de vista político, muito radical na época, acabamos perdendo no segundo turno porque, não, minto, no primeiro, teve o segundo, né, mas mesmo assim perdemos as eleições. E, aí, no dia da apuração eu lembro que nós começamos, recebemos um telefonema do nosso companheiro, da Tormec, né, Tormec era uma empresa da zona Sul que hoje já fechou, falou “Olha, o pessoal aqui tá maluco, porque quer fazer greve por campanha, por campanha de aumento, tal, né?”, e era uma empresa que nós já estávamos se aproximando, né, o pessoal do Partidão já tava se aproximando, falei “Vamo, vamo fazê”, aí, saímos ali da apuração já fomos direto pra essa fábrica. Aí, começamos a radicalizar mais o movimento, nós ocupamos a empresa, nós dormimos dentro da empresa e lembro que foi até um repórter da Globo, pô, me fugiu o nome dele agora, ele tava iniciando lá na TV Globo, ele foi com a gente lá, tá, um rapaz de Bauru, o nome dele, tô com a feição dele na cabeça, mas, teve lá. “Pô, mas vocês são malucos, vocês vão ficar aqui?” – “Vamo, vamos ficar aqui dentro.” – o patrão teve que dá a chave pra nós da empresa, porque a empresa trabalhava à noite. Ficamos lá a noite toda e, conquistamos aumento real, conquistamos equiparação de salário e, aí, o quê é que nós fizemos? Começamos a aumentar o número de sindicalizados, compreende? Então, empresa por empresa, nós fomos aumentando o número de sindicalizados na base, né? E era uma dificuldade, vou explicar isso, era uma dificuldade pra ficar sócio, porque você tinha que levar a fotografia no sindicato, entendeu? Você tinha que – “Pô, quer ficar sócio? – Quero.” – não era só preencher o papel, tinha que trazer a fotografia e isso era uma...
P/1 – Difícil.
R – Já era mais difícil, porque, né, você ganhava a pessoa, mas ficava dependente da foto. Aí, o quê é que nós fizemos? - “Vamos fazer o seguinte, vamos levar um fotógrafo na fábrica.” – Essa foi uma iniciativa legal que eu criei junto com o Miguel e com outros companheiros. [PAUSA] Aí, foi assim, astronômico, assim, por Deus do céu, nós conseguimos quase 60% de associados, entendeu, de uma fábrica. Então, vimos que aquilo foi uma iniciativa positiva, ah, falei, é por aqui. Então, aquela notícia da greve da Tormec desencadeou um processo de aumento já, de uma campanha de “Aumento Já”, aí, fomos fazendo empresa por empresa [PAUSA] e sindicalizando, né? E sindicalizando a turma. Então, de 1984 a 1987 é um período muito forte de participação sindical, porque nós conseguimos aumentar o número de sindicalizados. Em 1984 o Sindicato dos Metalúrgicos tinha 44 mil sócios, em três anos, em 1987 nós tínhamos 150 mil sócios, entendeu? Porque conforme esse processo foi desencadeado na zona Sul e na região da Nair, na região do João Paulo, do Bigode, né, do Margela, do Medeiros, começou a ampliar isso, quer dizer, aí, os conservadores também falaram “Não, porque não sindicalizar?” – começaram também a implementar isso, né? Então foi um trabalho que foi feito. E no congresso, no outro congresso, no sétimo congresso foi tirado essa exigência da carteirinha na exigência da fotografia na carteirinha do sindicato. Coisinhas pequenas, assim, que eu tô citando, mas, assim, de uma importância, entendeu? Aí, quer dizer, na carteirinha do sindicato hoje não precisa de fotografia, facilita demasiadamente a associação, hoje é muito mais fácil, mas na época, ter sócio era um perigo, porque voto é voto, né? Não é isso? Voto é voto. Então, havia todo um cerceamento na época, aí, a partir, começou a abrir, quer dizer, por isso é que chega a 150 mil sócios em 1987, então, e foi um período bom de participação, porque se abriu subsedes do sindicato nas diversas regiões, né, nas quatro regiões da cidade, começaram a formularmos cursos de formação de cipeiros, cursos de delegados sindicais, né, começamos a ganhar pessoas da oposição pro nosso time, entendeu, e fomos trabalhando.
P/1 – Deixa eu só fazer uma pergunta, nessas campanhas salariais, é como é que vocês usavam o DIEESE? Vocês já tinham uma relação com DIEESE?
R – Já, isso, o DIEESE? Já, assim, eu começo a, eu já conhecia o DIEESE por outras histórias, mas do ponto de vista da ação sindical, é, nós tínhamos, os principais sindicatos tinham a chamada subseção do DIEESE. Então, lá em são, lá no sindicato Medeiros de São Paulo nós tínhamos uma subseção, que era o Alex, lá o Alan, na época, o Pedro Paulo, que eram, eram técnicos economistas lá da nossa subseção e, aí, o quê que se fazia? Nas subsedes, eles iam nas subsedes fazer cursos, pra explicar o negócio da inflação da economia, cursos de delegados sindicais e também na época da campanha salarial também pra explicar o porquê que era importante pedir tanto, não pedir tanto, explicar a economia. Então, o DIEESE atuava com a gente assim, nessas discussões. E no trabalho que nós optamos de fazer por empresa, que eram grandes empresas eu, são coisas assim que eu vou citar. Tirando as grandes empresas como Villares, Metal Leve que tinha tradição sindical, que tinha muitos sócios, as demais empresas não tinham associados, compreende? Então, conforme eu te contei, que nós fomos fazendo ações, pequenas ações e facilitando a questão da fotografia e depois tirando a fotografia como exigência, isso facilitou o aumento e ao mesmo tempo as lutas por empresas faziam com que a gente também incorporasse o DIEESE na discussão, porque pro pessoal entender a produção, quanto era o faturamento, quanto ganhou, então, nós é, não só utilizávamos o DIEESE pra fazer os boletins, mas também nas reuniões com o pessoal de fábrica, né? E eu lembro assim de coisas fantásticas que foram feitas na época das “Diretas Já”, o Cleodon Silva que era um cara da oposição sindical, radical pra caramba, mas muito legal, assim, do ponto de vista da ação, dos piquetes, da luta, falou “Pô Juruna, vamos fazer, em vez, não vamos pensar só em ‘Diretas Já’, de eleger gente pra burguesia, vamos pensar em ‘Diretas Já’ na fábrica.” – “Como assim Cleodon?” – “Pô, vamos fazer assim, ó, a gente reúne com pequenas, com pequeno grupo de uma empresa, Caterpillar, dez pessoas, por exemplo. Eles vão nos contar quais são as reivindicações da empresa, pelo menos aquelas mais, né, que eles sentem lá dentro e aí, a gente faz uma listagem e coloca ‘Diretas Já na Fábrica’ – companheiros, o sindicato está preocupado com as condições de vida nessa empresa e quer saber quais são as questões mais importantes que você acha que devem ser, que devem ser discutidas com a empresa.” – Então, colocávamos assim: “Diretas Já na Fábrica” com essas explicações que eu tô dando e, aí, colocava assim: “aumento real, voto, equiparação de salário, condições de trabalho, cesta básica”, então, fazia um elenco e pedíamos pra eles votarem. Então, distribuíamos esse papel de manhã e falávamos que “Ó, na hora do almoço e na saída nós estaremos aqui pra recolher, então queremos que você participe, não precisa dizer o nome, tal”. Então, puxa, que coisa bela entendeu? Uma bela idéia. Aí o pessoal acabava se comprometendo, pequeno, né, de compromisso, porque não era fácil. Hoje você chega e você responde a pesquisa, mas antes? Nessa época, né? Filmagem? Então, era assim interessante. Tinha gente que entregava abertamente, tinha outros que entregavam escondido, entendeu? Né, mas dava a sua contribuição. Então, com isso aí, o pessoal se sentia participante, então, a partir daquela pesquisa, mesmo assim falava, tinha o carro de som, “Hoje à noite estaremos fazendo a tabulação da pesquisa”. Lembra da pesquisa que eu te falei que eu comecei? Né? Então, essas idéias foram legais que você acaba levando o pessoal pra participar por aquilo que lhe interessa. Então, se na primeira você tinha dez pessoas, nessa, de apuração, onde eles faziam a apuração, poxa, tinha mais, tinha 30, 40, que não era tudo também, aí, o quê é que fazíamos? Devolvíamos a pesquisa respondida, né? Ó, ganhou primeiro lugar - aumento real, segundo - reajuste trimestral, na época tinha que lutar por isso, 40 horas semanais, então, a partir daquilo ali, anexávamos a carta oficial do sindicato, compreendeu? Das reivindicações, então, a partir disso começavam as assembléias, começavam as negociações a partir dos interesses deles, coisas pequenas, assim, que eu pessoalmente se eu vou numa empresa você consegue olhar quais são os problemas da empresa, com a minha experiência, mas o fato de você trazê-los para discutir as questões é que era o mote, né? Porque todo mundo se sentia como se o sindicato fosse dele, não era do diretor, não era de quem tava na presidência, não era do secretário geral, era dele, né? E eles faziam isso sem ser sócio, então, começava a participação, o cara, “pô, esse sindicato dá pra confiar, dá pra trabalhar” – “então, mais forte com você”. Então, essas atividades ajudaram o sindicato a se fortalecer.
P/2 – E você chegou a passar pela direção do DIEESE?
R – É, passei sim.
P/2 – Como foi essa experiência?
R – Isso, aí, o quê é que aconteceu, então? Aí, isso, eu tava falando de 1987, em 1987 teve eleições no sindicato, eu saí da Direção, voltei pra fábrica, né, quando foi em [PAUSA] fui pra fábrica, depois, em 1990 eu voltei pro sindicato novamente. Aí, voltou mais gente da oposição, voltou o Lúcio Belantani, o João Feio, o Ortiz, que hoje é o nosso companheiro que é Presidente do DIEESE, nós voltamos como assessores do sindicato, né, não conseguimos naquela época, não houve força política pra gente conseguir voltar como diretor, voltamos como assessores sem problema. Aí, quando foi em 1991 meu Deus? Tentamos ainda ser da direção, não foi possível, entramos na assessoria, começamos a fazer o trabalho novamente, em 1993 eu voltei pra diretoria do sindicato. Aí, o pessoal do DIEESE o nosso sindicato era sócio do DIEESE tal, mas começou a atrasar pagamento, porque havia toda uma guerra, assim, de achar que o DIEESE era muito petista, que o DIEESE era da CUT [Central Única dos Trabalhadores] né, pra quê é que a gente vai participar lá? Aí, quando nós voltamos, o pessoal do DIEESE foi conversar com a gente, né, comigo, com o Lúcio, principalmente com o Lúcio na época que era uma figura mais de liderança geral, assim, do movimento, aí, o Lúcio achou que era importante fortalecer o DIEESE, conversamos com o Medeiros na época, né? Pô, é importante voltar, tal, e, aí, que na época era o Flores que era o representante do DIEESE, dos metalúrgicos aqui no DIEESE, aí, o Lúcio propôs se eu não gostaria de me integrar, né? Trocar e eu começar a participar do DIEESE, tal, aí, comecei a participar da direção do DIEESE, né, da executiva do DIEESE representando os metalúrgicos de São Paulo. Aí, fazia o meu trabalho sindical e fazia também a ação aqui, é, no DIEESE. E, aí, depois, esse foi um trato, né, um acordo, porque o DIEESE nasceu em 1955 e ele nasceu sem ter a experiência do movimento como centrais sindicais, então, tudo era chamado unicidade. Então, o DIEESE nasce disso, os principais sindicatos foram os metalúrgicos de São Paulo, não nessa ordem, mas como é o meu sindicato, tô citando, São Paulo, os metalúrgicos de São Bernardo e os bancários, eram os três principais sindicatos. Então, houve um acordo de rodízio, né? Um ano seria presidente Bancário, o outro ano Metalúrgico, o outro ano Metalúrgico de São Paulo, Metalúrgico de São Paulo, São Bernardo e Bancário, então ficou esse rodízio, no início, então, eu entrei nesse rodízio também como presidente, pra garantir a unidade do movimento, e eu é, participei disso ajudando nessa unidade, aprendi muito aqui, porque você convivendo assim com o pessoal de outras tendências da CUT e do PT, conservadores, isso faz com que você também acabe convivendo com as pessoas e trabalhando a unidade, né, isso me ajudou muito também, a abrir pontes com canais de diversas tendências e eu também acabei deixando uma posição um pouco radical que talvez eu tivesse quando voltei aqui a militar na oposição, né, então isso me ajudou a ter uma visão mais global do movimento, da sociedade, mais do movimento mesmo de ser tolerante com as pessoas que pensam diferente. Eu acho que o DIEESE me ajudou muito nesse aspecto. Isso foi em 1993 e eu peguei a época do DIEESE em que nós estávamos passando o movimento por uma época de mudanças também, mudanças de produção, mudanças, introdução de novas tecnologias, compreende, categorias nascendo, outras categorias nascendo, então, é, nós tínhamos dificuldades, os dirigentes sindicais que pegaram uma época de muita, como é que eu digo? De inflação alta, tudo, quer dizer, nossa discussão era mais em termos da inflação, do que do reajuste. No momento em que isso começa a diminuir, a inflação, você tem que abrir outras pautas, né, as pautas do quê? Da discussão do local de trabalho e, aí, pra discutir o local de trabalho você vai ter que conhecer tecnologia, vai ter que conhecer a produção, vai ter que conhecer relações de produção, é, então, eu lembro que foi uma coisa que o DIEESE nos ajudou muito que foram os cursos de capacitação de dirigentes e assessores sindicais, né, aí, nós montamos junto, na época, junto com o Governo do Fernando Henrique Cardoso e com o Ministério de Ciências e Tecnologia cursos de capacitação, que já tinha para os empresários, compreende, não tinha para nós, mais do que isso, o governo levava empresários para outros países, em outros países para conhecerem a realidade técnica e econômica dos outros países nos sistemas de produção e os operários não, então nós reivindicamos isso, né? Então, através do FAT, do Fundo de Amparo ao Trabalhador e do Ministério de Ciências e Tecnologia e Ministério do Trabalho se abriu a possibilidade de capacitação dos nossos dirigentes e, pra fazer isso, nós montamos aqui no DIEESE a chamada missão exploratória, e eu fiz parte dessa equipe, se não me engano foi em 1996, 1997, eu tive a chance de viajar para os Estados Unidos, pro Japão, pra Coréia, pra conhecer o sistema de produção, conhecer os sindicatos, as relações institucionais e uma outra equipe, foi uma outra equipe que foi, nós fomos em dez pessoas, da Força Sindical, da CUT e da CGT [Comando Geral dos Trabalhadores] né? Fomos pra essa missão e uma outra parte foi pra Europa, pra conhecer mais, pra poder elaborar essa capacitação que depois foi feita para mil trabalhadores sindicalistas, do nosso país, que se capacitaram. Isso foi feito na época do Fernando Henrique Cardoso, quer dizer, tem algumas coisas também que foram feitas naquela época, sem nenhuma, contei a história pra que, né? Foi uma coisa positiva que o Governo fez na época de fortalecimento do sindicato. Porque nós estamos, na época nós só pensamos na inflação, aí, quando começa as negociações, a abertura política que se deu, na vida política, institucional, ela também começa pelas lutas operárias, começa também a obrigar os empresários a buscarem negociações com o sindicato, aí, na hora que você era chamado à negociação, você também tinha que ter o que falar. No momento em que o Governo começa a abrir, na época do Fernando Henrique, a participação institucional dos sindicalistas, você não vai mandar lá só um técnico, você que ir lá também saber das coisas, né? Então os cursos de qualificação, de capacitação dos nossos dirigentes nos ajudaram muito. Então, hoje nós temos representantes no FAT, no Fundo de Amparo ao Trabalhador, no Conselho Curador do Fundo de Garantia, no Conselho do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e em todas as comissões de emprego, nos estados e municípios e eu creio que o DIEESE ajudou muito ao propor essa pauta, pro movimento sindical de capacitação, não só do curso que foi dado, que foi lá em Atibaínha, por vários meses, gente do Brasil todo, como também o incentivo à formação dos delegados e dirigentes sindicais, então esse período foi muito forte no DIEESE que, além das pesquisas que eram feitas, investiu muito na formação dos dirigentes sindicais. E não é à toa que esse ano nós já estamos falando da faculdade do DIEESE, que é fruto desse, desse trabalho aí.
P/2 – E, assim, a importância do DIEESE pra sociedade, como que você vê isso? Porque o movimento sindical...
R – É, eu sinto assim que, é uma instituição que vem lá de 1955, e a gente sempre ouvia, assim, quando eu tava trabalhando, na fábrica, pesquisa do DIEESE deu, né, a gente pegava o noticiário, todo mês o DIEESE tava nas pesquisas, né? E o DIEESE teve, assim, um papel importantíssimo em 1976, 1977, porque ele foi utilizado, o DIEESE, a pesquisa do DIEESE, como referência numa discussão no Banco Mundial, se não me engano, no Banco Mundial, foi uma instituição internacional, BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] ou Banco Mundial. E o Paulo Francis colocou isso numa reportagem da Folha de São Paulo, né, que eles tomavam como referência a pesquisa do DIEESE e não tomava como referência uma pesquisa do governo e, então, através desse material, se não me falha a memória, o pessoal utilizou, não que não soubéssemos, já sabíamos disso, que a pesquisa, a inflação era manipulada, mas isso veio à tona, entendeu, então os metalúrgicos do ABC, São Bernardo começaram a divulgar mais amplamente essa fajutice das pesquisas e não é à toa que em 1978 são os momentos em que eclodem as greves, as greves por empresa lá em São Bernardo, quer dizer, eu não tô dizendo que é por causa disso, mas também foi um instrumento, entendeu, quer dizer, então, o DIEESE tem uma referência importante na sociedade do ponto de vista das pesquisas por esse momento histórico que eu tô citando e pelas pesquisas que são do movimento sindical, mas que serviram às diversas instituições. E, basicamente, eu diria também, que pra nós foi importante a chamada pesquisa de emprego e desemprego, né, a PED [Pesquisa de emprego e desemprego], que foi instituída no governo Franco Montoro, não é, junto com o José Serra, e foi o Paulo Renato que foram pessoas que ajudaram o DIEESE a fazer uma parceria com o Governo Estadual aqui em São Paulo pra constituir a PED. Então, isso é um fato importante pro movimento sindical.
P/1 – Até hoje, né, a PED [Pesquisa de emprego e desemprego] tá...
R – Até hoje, então, mas é fundamental dizer que a primeira pesquisa foi feita em São Paulo, no governo do MDB [Movimento Democrático Brasileiro], com o Fernando Henrique, com o Franco Montoro, José Serra, Paulo Renato que era minis... que era Secretário, né, o Serra que era Secretário de Planejamento e depois é que ela se estende para outros Estados, mas o principal foi aqui que começou. Então começou também, à medida que o DIEESE não ficou só prestando um serviço ao movimento sindical, mas abriu canais institucionais com governos, parcerias, sem perder a sua identidade, sem perder a sua, o seu papel, acabou também ampliando é, a sua ação e ação do movimento sindical, porque aqui sempre a direção foi, foram e é dos sindicalistas, né, mas é eclético, então, isso aqui não tem acordo somente com o governo do PT ou governo do PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira] ou do PDT [Partido Democrático Trabalhista] nós fazemos prestação de serviços para as diversas instituições, não é, é isso.
P/1 – Qual que, na sua avaliação, qual que é o futuro do DIEESE , qual que é a perspectiva pro DIEESE no futuro?
R – Eu sinto, assim, que nós ainda nós não aprofundamos tudo que nós teríamos no sentido da negociação direta com o empresariado. Hoje ainda nós estamos nos marcos ainda dos conflitos ainda estarem sendo [PAUSA] julgados ainda nos tribunais, Tribunal Regional do Trabalho, TST, né? À medida que a democracia avança cada vez mais, é, o movimento sindical vai ser chamado ao diálogo, ou porque nós pressionamos pra dialogar, ou porque a sociedade caminha cada vez mais para aberturas de negociações, quer seja com empresários, quer seja com governos. Então, cada vez mais será fundamental ao dirigente, ele ter um conhecimento das coisas, né? Se hoje é vantajoso, assim, é bonito até de ver “ai, eu não estudei, ai...”, mas, sabe, existe necessidade da qualificação do dirigente. O que eu não digo e afirmo que a qualificação não vem só da escola também, vem dos círculos de estudo que foram montados neste país, né, dos incentivos à leitura, aquilo que eu te falei de um técnico do DIEESE ir debater com os operários, quer dizer, são instrumentos de conhecimento a partir da realidade do que você faz, né? Então, eu sinto que nós, o DIEESE, ele cada vez mais terá um papel importantíssimo na apuração das pesquisas, né, e mais do que isso, eu acho que a pesquisa já, na minha opinião, já não é tão fundamental, porque a sociedade hoje, ela controla mais os institutos de pesquisas do governo, nós não estamos numa época de ditadura. Então, o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], Fundação Getúlio Vargas, já fazem pesquisas. Acho que cada vez mais o DIEESE vai ter que ter um foco ligado às questões dos trabalhadores. Então, da qualificação profissional, da apuração das questões do local do trabalho, compreende, será chamado mais para essa referência e principalmente ser um espaço de conhecimento e esse conhecimento, como eu te falei, foi pra capacitação de milhares de dirigentes sindicais, mas ele poderia cada vez mais se aproximar mais dos sindicatos, no sentido da formação dos trabalhadores. Por quê que eu digo dos trabalhadores? Porque hoje quando você vai discutir participação nos lucros e resultados, não é só o dirigente que discute do sindicato, não é só o técnico do DIEESE, é formada uma comissão de trabalhadores. Então, se o trabalhador não tem conhecimento do seu local de trabalho, não basta apenas gritar pelo valor, ele tem que saber o quê é que deu na produção, pra onde tá exportando, o quê é que pode melhorar aqui, o quê é que pode melhorar acolá, então, cada vez mais os trabalhadores terão necessidade da apropriação do conhecimento e nós temos certeza que o DIEESE pode ser esse instrumento, com certeza. É isso.
P/1 – Então, agora a gente vai voltar pra umas questões mais, mudar o foco um pouco.
R – Certo.
P/1 – Você falou que, o senhor é casado?
R – Eu fui casado.
P/1 – Tá. E tem filhos? O que eles fazem?
R – Bem, eu casei em 1977, meu filho nasceu em 1978, a minha mulher, a Maria Helena, ela mudou comigo aqui pra São Paulo, né, nós tivemos uma filha, a Carolina, nasceu em 1981, trabalhava na Villares, distribuí bombom pra turma lá, não esqueço desse negócio, não era um costume lá em Santos, né, “pô, os bombons, cara”, não esqueço disso, e nós moramos junto até 1985, aí, depois eu casei de novo, casei com a Nair Goulart, que foi dirigente do sindicato também, uma bela duma dirigente, hoje é nossa representante na OIT – Organização Internacional do Trabalho, morei com ela por 15 anos, até 1999 e hoje eu tô solteiro.
P/1 – E então...
R – E meus filhos, é, estudaram, né, graças a Deus também com nosso esforço, fizeram escola técnica, o meu filho fez escola técnica lá em São Bernardo, eles moravam lá em Ribeirão Pires, fez escola técnica de processamento de dados, fez faculdade estudando e trabalhando, e hoje trabalha na área de informática, presta serviço pra Vivo, uma empresa, através de uma empresa portuguesa, Global, e minha filha fez escola técnica, fez eletrônica, lá em São Bernardo também, meu filho fez estágio na Itautec também e minha filha fez estágio na Telefônica, através do seu salário, com as ajudas que nós pudemos dar, tá acabando a Faculdade de Engenharia de Telecomunicações, essa semana me deu uma notícia boa dizendo que foi chamada pra ser engenheira da Telefônica, tá aí.
P/1 – Juruna, quais foram as principais, as principais lições ou principal lição que você tirou da sua vida política, da profissão, enfim...?
R – [PAUSA] A principal coisa que eu, assim, aprendi na vida, que foi o seguinte, é, eu tive, vou falar assim, eu tive umas chances, assim, diferentes dos outros, né, eu vou afirmar, assim, que foi diferente, porque eu fui pro primário, assim, eu fiz o primário junto com os meus primos todos, até o quarto ano, naquela época tinha a chamada admissão ao Ginásio, isso é 1965, ano de 1965, e enquanto eu fui fazer admissão ao Ginásio, os meus primos fo..., os meus primos, os meus amigos foram trabalhar, entendeu? E eu tive a chance de estudar numa escola boa que foi o seminário dos padres, não pagava nada, alimentação de graça, então eu tive umas chances boas [PAUSA] e isso, assim, me ajudou, assim, a ter uma dívida, com as pessoas também. E nesse aspecto, assim, quer dizer, o fato de ter ido pro seminário, e depois eu voltei pro bairro, compreendeu, eu voltei pro bairro, comecei a participar ali com a pesquisa que eu te falei, então, isso, assim, me ajudou muito a ter um certo conhecimento, né, até às vezes eu brinco com as pessoas – “pô, você sabe latim?” – “é sei um pouco” – então, quer dizer, um certo conhecimento, mas nunca me afastei, assim, da turma, e depois a outra experiência foi essa que eu falei, quer dizer, fui pra Petrobrás, né, poderia ter ficado lá, tinha entrado na faculdade, saí, fui andar o Brasil, por aí, depois vim pra cá trabalhar, mudei totalmente, fui trabalhar na mecânica, como ela lembrou, né, trabalhar na produção, então, desculpa a emoção, é que nós estamos na véspera do segundo turno, então eu tô misturando um pouco as coisas no sentido de que às vezes, assim, o que eu aprendi mais, assim, não foi nem tanto no seminário, foi na convivência com as pessoas, entendeu, isso é que foi legal. As pessoas te dando dicas, as pessoas dizendo assim pra você fazer desse jeito, fazer daquele e pessoas humildes, pessoas, assim, que você nunca esperaria aquela opinião. Nunca esqueço uma lição, em 1982, eu tava na Villares, e o Franco Montoro vai fazer um comício lá e eu era radical, era do PT, estrelinha, distribuía estrelinha pra todo lado, hoje eu não sou do PT, mas na época eu era, e nós tínhamos um grupo forte dentro da Villares, né, não eu, a turma era, era tradicional lá ser oposição e eu era cipeiro, entendeu, da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes. Aí, a turma falou, a nossa turma - “Ah, pô, esse cara nunca veio aqui, agora é que vem aqui, não, aqui não, vamos aprontar.” – eu vou contar isso, mas acho que não tem problema. Menina, nós almoçamos, naquele dia teve laranja, sabe? Nós pegamos as laranjas todas, juntamos uma turma, na hora que o Franco Montoro tava lá, nós jogamos casca de laranja nos caras, entendeu, “Pô, vocês nunca vem aqui, vem agora, tal” – fizemos aquela arruaça, sabe? “Puxa vida”, ah, pra quê, cara? Olhando assim foi uma coisa bonita, né, os petistas, o pessoal contra os democratas cristãos, aí, cara, quando eu entrei pra fábrica o trabalhador me chamou, falou, “Vem cá, pô, assim é que você é o nosso representante?” – “Como assim?” – “Como assim o quê rapaz, se ele veio aqui como candidato a Governo do Estado é porque nós temos importância, se ele vem aqui é porque ele quer o nosso lado, entendeu, ele quer que nós o apoiemos. Pô, você pode fazer isso por ser do PT, mas você não é do PT cara, você é nosso representante, você é da CIPA, da comissão interna que todo mundo votou.” – entendeu, uma lição, assim, cara. Então, isso me ajudou muito, assim, a não ser muito radical nas coisas, sabe? Às vezes você tem seu pensamento, mas pera aí, quando você tá representando todo mundo, você não tá na sua posição política, né? Então isso também me ajudou muito. Tô citando assim como coisa pequena que você vai ver nos livros, tá muito bem elaborado, né? Mas uma dura dessa fez com que eu maneirasse em certas coisas. Ai já tô divagando, já, viu?
P/1 – E só pra finalizar, o quê que você achou de ter participado desse projeto de memória do DIEESE?
R – Ah, eu acho importantíssimo, eu tava pensando assim quando eu perguntei pra você, “Pô, que instituição que é essa, tal, né?” – porque eu tinha lido nos livros, assim, que eu gosto de ler muito, né, eu leio muito sobre a história do movimento sindical e, aí, sempre assim, os pesquisadores eles falam assim: “A memória sindical é muito ruim, difícil de pesquisar, porque os trabalhadores, muitas vezes não têm o seu arquivo, né, por que?” Porque a enchente levou, não sei o quê, eu li isso nos livros, sabe? Eu senti isso na pele, entendeu? Minha casa pegou dois metros d’água, entendeu? E aquelas coisinhas, eu tinha muita coisa do movimento, coisinhas pequenas, assim, a primeira pesquisa, essas coisas, eu tinha tudo arquivado, né? Então, às vezes, a sociedade, ela não consegue reproduzir a história do seu povo, porque também os trabalhadores perdem as suas, os seus regalos, né, as suas coisas da sua vida por questões que nós estamos citando e o fato de fazer essa atividade, eu acho que é legal, porque ela dá uma dimensão muito maior da vida na cidade, da vida da sociedade, com a possibilidade das pessoas contarem as coisas, né? Hoje eu tô contando aqui e eu dei muito incentivo também ao centro de memória sindical, eu acho que é importantíssimo pra nós, assim, é deixar gravado as coisas que a gente viveu, que a gente enxergou, talvez aqui eu falei coisas que as pessoas pensam diferente, mas é uma experiência da nossa pequena vida. Tá bom?
P/1 – Tá bom, é isso, obrigada.
R – De nada.
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