Programa Conte Sua História
Depoimento de Ercília Porfírio de Freitas
Entrevistada por Carol Margiotte e Pilar Lopez Acevedo
São Paulo, 14/02/2019
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV717_Ercilia Porfírio de Freitas
Transcrito por Liliane Custódio
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Dona Ercília, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Obrigada por ter vindo aqui hoje.
R – De nada.
P/1 – É um prazer recebê-la. E para começar, o nome completo da senhora?
R – Ercília Porfírio de Freitas.
P/1 – O local e a data de nascimento da senhora?
R – Dezessete de junho de 1946.
P/1 – Onde a senhora nasceu?
R – Em Minas Gerais. Nasci no sítio, realmente. Agora, a cidade é Jacutinga.
P/1 – Dona Ercília, a senhora sabe por que seus pais escolheram esse nome para a senhora?
R – Era uma professora que tinha lá num arraialzinho, e a minha mãe gostava muito dela e ela gostava muito de nós também. A mãe perguntou se podia pôr o nome dela. Eu levei esse nome, de uma professora.
P/1 – E a senhora conheceu essa professora?
R – Não conheci. Porque quando eu cresci, ela já tinha mudado, sei lá. Daí não cheguei a conhecê-la.
P/1 – E, dona Ercília, os seus pais contavam a história do dia do nascimento da senhora como foi?
R – Não. Porque naquela época, os pais não eram de conversar muito com os filhos. Então, eles não falaram nada.
P/1 – E, falando nos pais da senhora, quais os nomes deles?
R – É José Porfírio de Freitas e Maria Marcolina Ferreira.
P/1 – Eu queria que a senhora falasse um pouco sobre os dois, como eles eram de aparência.
R – Ah, eles viviam até bem, sabe? Mas viviam mais é na roça, no sítio. Meu pai não, porque meu pai era viajante - de comprar e vender - então ele ficava, às vezes, até meses fora de casa. Ficava só a minha mãe. Os funcionários dele, que ele pôs no sítio, que eram oito, oito pensionistas que viviam lá no sítio, para tocar o sítio. E a gente vivia mais era com a mãe mesmo, o pai era de vez em quando. Chegava, punha bênção nos filhos, ficava ali uns dias, depois ia embora de novo. Era assim a vida dele.
P/1 – E a senhora sabe como eles se conheceram?
R – Eles se conheceram numa feira. Porque a minha mãe perdeu os pais cedo, aí foi criada já por outra família. Eles se conheceram na feira de Jacutinga e deu certo o matrimônio deles.
P/1 – E a senhora conhece a história deles? Onde eles nasceram, como foi a trajetória deles até eles se conhecerem?
R – Não. Isso eu já não sei, não. Eu só sei a história do sítio mesmo lá da gente, onde a gente foi criado. Não tinha escola próximo, eram muito longe as escolas. Inclusive, eu mesma não estudei. Minha mãe vivia na roça também. Depois eu fui crescendo, comecei a trabalhar também, com sete anos comecei a trabalhar. Então de tudo eu sei um pouco.
P/1 – E, dona Ercília, além da senhora eles tiveram outros filhos?
R – Seis. Só que morreram três. Deus levou três, nós nos criamos em três. Eu tenho um irmão e uma irmã.
P/1 – A senhora lembra o nome de todos por ordem de nascimento?
R – Ahã.
P/1 – Fale para a gente.
R – É José Porfírio Filho, e minha irmã, que é Diomar. Diomar... Aí, eu não sei o sobrenome do marido dela, que ela já pega o nome. Só também. Tenho primas, tia, de lá. Só.
P/1 – E como era a convivência em casa?
R – Ah, era boa. Eu não lembro assim de negócio ruim, não. Porque o pai viajava, aí quando chegava, às vezes levava a gente para passear lá nas festas que tinha, porque lá em Minas tem muita festa. Ele levava a gente: eu, minha mãe, meus irmãos. Era só isso. Mas não tinha esse negócio assim de briga, essas coisas. Eu não lembro se eles brigavam ou não, porque... Geralmente, sempre sai, às vezes, uma briguinha, mas eu não lembro.
P/1 – E a senhora chegou a conhecer seus avós?
R – Conheci. Minha avó era a que me pegava, que pegava os filhos: da mãe, dos outros filhos dela. Então é minha avó, minha madrinha, tudo. Já não existe mais também, Deus já levou. Tanto o avô como a avó. As tias, por parte da minha mãe, eu não tenho mais ninguém. Só tenho meus filhos. E por parte do meu pai ainda tenho uns tios por lá, mas é muito pouco também.
P/1 – E esses avós que a senhora chegou a conhecer eram por parte da mãe ou de pai?
R – De pai. Já os avós por parte da mãe eu não conheci.
P/1 – Quais os nomes desses avós por parte de pai?
R – Sebastiana. Agora, o sobrenome eu não lembro.
P/1 – E onde eles moravam?
R – Eles moravam lá também, em Minas. Só que numa fazenda, na Rio Manso, chamava a fazenda. Lá é que tinha escola, tudo. Mas o nosso sítio era bem longe dali. Então era difícil para a gente ir. E tinha também um arraialzinho ali do lado, que se chamava Guatapará, tinha também a escola. Mas era assim do lado, sendo duas horas e pouco de rodagem para a gente ir lá. Meu irmão estudou um pouco, seis meses, parece, que ele ficou. Ele ia a cavalo. Como eu ia também. Eu fui também, acho que uns três meses, mas eu não aprendi nada. Dentro de três meses, não aprendi nada. Depois eu fui mais, fiquei para cuidar de mãe, tudo. Que minha mãe tinha os filhos todos pequenos, então eu que cuidava das crianças em casa. E ela ia trabalhar. Depois eu falei: “O quê? Não vou mais cuidar de menino nenhum, não. Quero é trabalhar”. Esperei meu pai chegar da viagem, falei: “Pode deixar a mãe dentro de casa para cuidar dos filhos dela, que eu vou trabalhar. Prefiro eu trabalhar a ficar aqui em casa”. Cuidava de criança, e cuidava de tudo e fazia comida. E lá tem os horários certinhos para fazer as comidas. Falei: “Não, prefiro ir trabalhar”. Fui trabalhar. Nessa época, acho que eu já tinha uns oito anos, ou nove, fui trabalhar na roça, no roçado.
P/1 – E o que o seu pai falou quando a senhora disse que queria trabalhar?
R – Ele falou: “Mas você quer mesmo? Você tem certeza?” Falei: “Quero. Mil vezes lá na roça, tomando sol e chuva, do que cuidar desses meninos aqui em casa. Deus me livre!” Fui para a roça. E na roça fiquei até crescer. Casei na roça e tudo.
P/1 – A senhora se lembra desse comecinho de ir para a roça, os primeiros dias como foi?
R – Ah, no começo é ruim, mas depois a gente acostuma. Porque eu fui primeiro para ‘a arranca’ de feijão. O feijão... Depois para colher feijão, depois veio a colheita de milho e colheita de café, então já vai… Tudo. Mas eu gostava. Nossa, eu adorava. Principalmente colheita de café, Nossa, o que mais eu adorava.
P/1 – Por quê?
R – Ficar por ali. Porque tinha festa quando terminava a colheita, lá na roça mesmo. E juntava todo mundo, o povo da colônia ia todo para lá. E a festa era lá mesmo, na roça. A gente fazia a festa lá mesmo. E vinha caminhão de fora da cidade, trazia muita coisa, então eu gostava muito dessas colheitas de café.
P/1 – Mas como era uma criança trabalhar na colheita?
R – A gente derriçava café, a gente varria, que varre os pés de café. A gente abanava, eu mesma abanava café, que é na peneira, peneirava café. Eu aprendi tudo. Eu trabalhei muito na minha vida. Muito. Muito. Muito mais. Graças a Deus.
P/1 – E a senhora tinha algum medo?
R – Não.
P/1 – Por estar ali naquela zona rural e ter que estar no meio das plantações, de algum bicho, alguma coisa?
R – Não. Não tinha medo, não. Inclusive, eu nunca fui picada por bicho nenhum. Eu tinha muito medo de urubu (risos). Isso eu tinha medo, porque eles tinham aqueles bicões. E chovia, então a gente ia debaixo da saia do café, ou então... Lá tem muita pedra, tinha uma pedra enorme, sabe? A gente ia lá para debaixo para não tomar chuva. E o urubu lá, uns filhotinhos lá branquinhos e eu cuidando da minha irmã, a outra minha irmã. Meu pai gritando lá: “Cuida da sua irmã aí para ela não vir na chuva”. Daqui a pouco chegou o grandão, o urubu grande, minha filha, achou que a gente ia pegar o filhote dele, veio para cima, oxe, eu esqueci até minha irmã para trás. Mas corri, meu pai ainda deu uma... Meu pai estava nesse dia, porque quando iam terminando as colheitas, ele não viajava mais, só ficava lá junto para administrar. Meu pai jogou um torrão, acertou nas minhas costas, e eu tive para mim que era o urubu. Mas corri, minha filha. Nossa, cheguei em casa num segundo. E não sei nem da minha irmã para onde ficou. Tu acha? Daqui a pouco meu pai chega com a minha irmã lá, Nossa, toda molhada: “Essa menina, deixou essa menina para trás. Quem já viu isso?” Falei: “Oxe, eu ia levar picada de urubu? Capaz”. Vim embora. Então, essas histórias de criança... Nossa! Mas é muito... Tem hora que eu sinto saudade, sabe, daquele tempo. De ficar lá derriçando café, abanando café. Hoje eu vivo aqui, eu falo que vim para São Paulo, vim com onze anos para São Paulo, foi quando eu perdi o pai, desandou tudo. Aí eu vim para São Paulo, com onze anos. Então eu vim para a cidade de Itapira, interior de São Paulo. Lá acabei de me criar, lá eu me casei, tudo. Mas eu sentia muita saudade de lá, desse sítio. Até hoje. Que não se compara com a cidade grande.
P/1 – Então... Eu posso falar um pouquinho mais sobre a época do sítio? Eu queria que a senhora descrevesse para mim como era a casa onde vocês moravam.
R – A nossa casa tinha treze cômodos. Era a casa. Então tinha bastante quarto, tinha a sala, salona, porque casas de interior não são essas casinhas daqui. Era aquela salona, era aquela cozinha grandona, enorme. Aqui eles falam copa, lá era lavanderia, varanda que chamava. Então tinha a varanda, tinha a cozinha, tudo enorme. Tinha banheiro, tinha tudo. Porque a casa da gente era casa mesmo. Nossa, era muito boa essa casa. Tenho saudade até hoje. Às vezes eu vou a Minas, lá na casa minha filha - eu tenho uma filha que mora lá em Jacutinga - aí eu peço, às vezes, para o meu genro: “Meu genro, leve-me lá no sítio onde eu morei. Tenho vontade de ver”. Ele fala: “Dona Ercília, é muito longe. Não invente isso”. Nunca me levou. Mas eu falei: “Eu tenho tanta vontade. Dá uma passada por lá, pela rodagem, para saber se existe ainda”. Eu acredito que nem exista mais, mas... Eu tenho vontade ainda de voltar por lá.
P/1 – E como era a divisão dos quartos entre os irmãos, os pais?
R – Tinha um corredor muito grande, então tinha os quartos dos pensionistas, que eles viviam em casa. Inclusive, foi meu pai quem aumentou para frente, porque nós tínhamos oito pensionistas. E tinha o quarto do meu irmão, tinha o meu - que éramos eu e minha irmã - e o da minha mãe e meu pai. E tinha os outros quartos, que todo quarto tinha cama, tinha lá o guarda-roupa de pôr roupa. Naquele tempo era baú. E meu pai fazia uns negocinhos assim com umas prateleirinhas, colocava porta, sabe? Então eu sei que era legal a casa lá. A frente, o tamanho da casa era o tamanho da sacada. Nossa, era muito legal lá. Eu adorava muito lá. Até hoje eu fico pensando... Fico: “Meu Deus, podia estar lá ainda com esse sítio”. Mas quando falta o cabeça, desanda tudo. Que meu irmão, acho que entregou de graça o sítio, porque não foi... Meu irmão que tomou conta. Ele tinha o quê? Ele tinha quinze anos. Ele veio primeiro aqui para São Paulo, para a casa de umas tias, em Itapira, depois a gente arrumou casa e veio para cá.
P/1 – E, dona Ercília, um pouquinho antes ainda da vinda para cá, quem eram esses pensionistas?
R – Era de fora. Gente de fora. Que veio procurando serviço. Aí, meu pai pegava para trabalhar. Gente da cidade, gente dali das redondezas, que precisava trabalhar, aí o pai pegava. Era solteiro também, não lembro que tinha algum casado lá. Acho que era tudo solteiro mesmo. Então o pai fazia os quartos para eles e a gente dava comida, dava tudo. E o pai pagava para eles, para eles trabalharem.
P/1 – E vocês tinham contato com eles?
R – Tínhamos. Nós tínhamos.
P/1 – Tem algum que teve alguma história que tenha sido marcante, alguém que apareceu lá e que vocês fizeram alguma amizade?
R – Não. Porque assim que o pai faleceu, meu irmão já despachou tudo embora. Eu era nova ainda, porque eu vim com onze anos para cá, então não tenho assim lembrança deles, como eles eram, nem nada. Só tinha um, que foi padrinho meu, que ele era muito bonzinho, sabe? Ele foi meu padrinho. O pai gostava muito dele, aí o levou para ser padrinho. Só esse aí que andava em casa, inclusive veio aqui em São Paulo, tudo, lá na cidade em que eu morava, veio nos ver. Então, a única lembrança que eu tenho é desse, Anésio que ele chamava. Não tenho mais, não. Meu irmão ia estudar lá nesse Guatapará, ia a cavalo. Então a gente foi e eu ia também, que eu estudei lá três meses. Para a gente chegar em casa, saía dez horas lá da escola, da noite, a gente cortava caminho para chegar mais cedo. E o pai acostumou com esse horário que a gente chegava. Mas tinha um riacho, só que os cavalos eram todos ensinados, meu irmão os mandava pular, eles pulavam. E nesse dia ele não... Ele ergueu para cima, caía no chão, relinchava, a gente olhou assim, meu irmão olhou assim, falou: “Nossa, Ercília, é um gato”. Gato preto. E esse gato foi crescendo, foi crescendo, menina, ficou enorme. O cavalo relinchou e virou de volta, e galopou de volta. Aí a gente pegou a rodagem para ir para casa, chegamos à casa já era mais de meia-noite, o pai já estava na porteira, que ia pegar o cavalo dele para encontrar com a gente: “Nossa, por que vocês estão chegando agora?”. Daí a gente foi contar a história para ele, ele falou: “Está vendo? Bem feito. Falei para vocês que lá tem assombração, não sei o quê”. E falei: “Ave Maria”. Não fui mais. Criei tanto medo que eu não fui mais para a escola. Você acredita? Falei: “Meu Deus, vou nada”. Meu irmão continuou, só que indo pela rodagem, nunca mais veio por ali. Eu falei: “Nossa!”. O povo fala que é imaginação da gente, mas não é não. Não tem nada de imaginação, é coisa verdadeira. Sei que fomos contar para o pai, o pai falou: “Está vendo? Eu falei para você para não cortar caminho, que ali tem assombração” (risos). Falei: “Pois eu não vou mais”. O pai falou: “Você que escolhe. Ou vai trabalhar, ou vai seguir a escola”. Eu falei: “Não, prefiro trabalhar”. E não fui mais para a escola.
P/1 – E os cavalos tinham nome?
R – Tinham. O meu, que eu andava muito a cavalo, era Estrela. Esse do meu irmão era Cigano. E do meu pai era Cigana, que era uma égua, ela era muito ensinada. E tinha o Periquito, que era... Sabe? E nós tínhamos burro de puxar a carroça, para trazer as coisas do roçado para casa. Então tinha os burros também. Tinha quatro burros na carroça para trazer as coisas. Porque chega a colheita de café, um vai peneirando o café, enchendo o saco, o saco vai ficando em pezinho e a gente vai costurando o saco, para depois jogar na carroça para trazer. Nós tínhamos uns terreirões de café. Muito terreiro. Nós tínhamos seis terreiros de café. Aí estendia lá para ir secando o café, para depois o pai levar para a cidade. Então, Nossa, isso daí eu... Eu sei que de roça eu entendo muito, viu? (risos). Vim para Itapira, comecei a trabalhar em bóia fria. Você sabe o que é bóia fria, não é? Que pega o caminhão, o pau de arara, que o povo fala. Trabalhei em Pinhalzinho, trabalhei em Pinhal, Ribeirão Preto, todos esses lugares nós trabalhamos. Eu cortava cana, trabalhava em café, colheita de algodão, tudo isso eu fiz na minha vida já.
P/1 – E, dona Ercília, ainda no sítio, vocês tinham criação de algum outro bicho?
R – Tínhamos. Só de galinha... Nós tínhamos setenta e cinco cabeças de galinha, tínhamos um mangueirão de porco, fora os chiqueiros. Nós tínhamos muitos porcos. Tínhamos vaca. Agora, a vaca nós não criávamos não, só tínhamos a vaca de leite, para dar o leite. Nós tínhamos os cavalos, tínhamos bastante cavalos. Mas eram mais os porcos e as galinhas. Quando papai morreu, ficaram bastante porcos e ficaram as galinhas, setenta cabeças de galinha tinha no quintal. Tinha o viveiro, que não tem esse negócio de galinhada dentro de casa. Às vezes, chega num lugar é galinha em cima da mesa, é galinha não sei aonde. Eu já falo logo: “Nossa, eu fui do sítio, mas nossas galinhas não entravam em casa não, essas coisas”. Tinha os viveiros delas para... Lá mesmo comia, lá mesmo botava, a gente só ia lá com o cestinho para colher ovo, ou pegar algum na época de festa. E a gente matava os frangos. Lá fala capão. Criava os capões todos separados para as festas. Meu pai fazia muita festa de São João. Ele era devoto a São João Batista, então ele dava festa. Vinha o povo de fora, vinha caminhão da cidade, cheio de gente. E eram três dias de festa, não é como aqui que vai hoje, amanhã já não tem. São três dias de festa. Mata porco, mata frango, boi, tudo para pôr na festa. Festa mesmo de verdade, Nossa.
P/1 – E a senhora e os seus irmãos participavam de cuidar dos animais? Como vocês se dividiam para...
R – Quem ficava em casa. Por exemplo, quando eu, na época, ficava em casa, eu levantava já cedo e ia dar comida às galinhas, que as galinhas eram por conta da gente. Os porcos eram por conta do meu irmão, e era assim. Depois que eu fui trabalhar, minha mãe ficou em casa, então a mãe que cuidava das galinhas e de casa.
P/1 – E quando tinha que matar algum animal, a senhora participava ou participou de alguma...
R – Não. Não, porque eu chorava demais. Eu tinha medo, tinha dó. Então o pai já mandava ir para a casa da minha avó na época de festa, ou para a roça, para não ver matar. Ele não gostava que a gente ficasse vendo essas coisas. Que vinha gente de fora para matar, tudo, e limpar. Então era assim.
P/1 – Mas a senhora chegou a ver alguma vez?
R – Para matar? Não. Não, que o pai nunca deixou. Até hoje eu não mato nada, nem um frango (risos). Uma galinha, como diz o ditado. Faço isso não. Eu morro de dó, Nossa. Acho que se eu ficasse lá, o bicho não morreria não, porque eu tinha dó. Deus me livre, credo.
P/1 – Dona Ercília, eu queria que a senhora falasse como eram os preparativos para essa festa de São João Batista.
R – Ah, a gente ficava uns quinze dias antes fazendo doce. Mamãe era doceira. Era de mamão, de abóbora, de figo, de pêssego, abacaxi. A gente fazia tudo quanto era doce. Era sequinho para fazer aqueles pedacinhos assim para encher o saquinho, e como era líquido também, punha nos potinhos. Eram uns potinhos assim de vidro e rosqueava a tampa. Então eu ajudava muito a minha mãe nisso. Nas festas, tinha arroz doce; canjica, muita; muito pé de moleque... Depois, no fim, o pai fazia leilão, então tinha os cartuchos desse tamanho, enchia de doce para fazer leilão. Era assim, era metade de leitoa, era frango, tudo isso. E eu ia para o leilão. E o pai perder, ele não perdia, ele queria era ganhar, então nas festas ele já... O povo comia à vontade, porque eram três dias de festa. Comia à vontade. E lá não existia churrasqueira, era uma forquilha assim, aí punha os bichos aqui, na forquilha, e o fogo debaixo, a brasona debaixo. Num instantinho assava. Assava que ficava... A gente vinha com os temperos, ia jogando em cima, aquilo ia ficando pururuca, sabe? Aquelas leitoas ficavam pururuquinhas. O pessoal, quando batia a faca assim, “estralava”. E eu tenho saudade disso aí. Nossa, eu já era crescida, eu falei: “Ah, não acredito que hoje... Hoje, se eu for fazer isso, eu não sei fazer”. A gente se lembra de lá, Nossa, vinham aqueles caminhões de fora da cidade lá para casa. E era dança! A gente dançava para caramba, era a noite toda. Dançando e comendo. E era muito milho, muita batata doce, tudo assado ali, sabe, nas fogueiras. Tudo ali. Pai enrolava na palha de milho e ‘tacava’ lá. Era banana da terra, tudo. Então, a gente comia bastante ali. E mãe fazia aquelas panelonas de doce. Era arroz doce, canjica, mungunzá. Tem o mungunzá que é salgado, não é doce, vai costela de porco, vai linguiça, vai bacon. E mãe fazia aquelas panelonas para comer. É gostoso. Não sei se você conhece. Aqui o povo fala canjica salgada. Lá é mungunzá que chama. Então, era muito bom.
P/1 – E de que parte da festa a senhora mais gostava?
R – Da dança. E o povo que vinha de fora para tocar. Nossa, vinha orquestra de fora para tocar, era muito bonito. E eu gostava de ficar lá. Às vezes, eu nem comia. Ficava era dançando lá, brincando e vendo o povo tocar, que era muito bom. Tinha um coreto bem grandão e ficava a orquestra lá em cima. E a gente ficava aqui embaixo. E dançava. Ia gente de todo lado lá. Era muita gente. Amanhecia o dia, já virava, e era assim, eram três dias de festa. Era muito bom lá. É um passado que não volta mais. Nossa, quando eu vou para lá eu fico pensando... Falo: “Meu Deus”. Até agora, não é mais desse jeito. Acho que não existe mais isso. É um pedaço que a gente passa, que não volta mais.
P/1 – E, dona Ercília, e roupa? Que roupa vocês usavam para essa festa?
R – Usava vestido. Pai não deixava a gente pôr calça comprida de jeito nenhum. Eu vim pôr calça comprida eu já tinha meus filhos (risos), aqui em São Paulo. Era só vestido, saia, e eram compridos. Não era nada curtinho. Era tudo comprido, no meio da canela, lá embaixo, no mocotó. Era assim. Mas era bom, meu pai ia para a cidade, comprava roupa, minha mãe era costureira, costurava para a colônia toda. Então ele trazia os cortes, a mãe que fazia. Nossa, era bom demais.
P/1 – Teve algum vestido que a sua mãe fez do qual a senhora mais gostou?
R – Nossa, eu adorava. Todos eles eu adorava, mas eu gostava muito de um... Quando saiu aquele tecido de bolinha, pai foi e trouxe para mim, tecido de bolinha. Só que ele trouxe branco e amarelo. A mãe fez godêzinho, foi a coisa mais linda, de manga fofa aqui, sabe? Eu adorava esse vestido. Meu Deus. Uns tempos atrás... Porque vai fazer dezesseis anos que eu perdi a mãe, agora em setembro completam dezesseis. Ela veio morar comigo aqui em São Paulo, eu falava: “Mãe do céu, como eu me lembro daquele vestido que a senhora fez. Como eu queria tê-lo aqui, guardado de lembrança. Mas não sei para onde foi”. A mãe falou: “Oxe, acabou. Você queria guardar o vestido? Acabou seu vestido”.
P/1 – E a senhora lembra a primeira vez que usou esse vestido, que a senhora estreou esse vestido?
R – Nossa, estreei na festa, menina. Cheguei lá com o vestido godêzinho, falei: “Vixe...”. Abafou. Que esse povo da roça, quando tem uma festa, que vai para a festa, sei lá, parece que é coisa de outro mundo. Sei que eu adorei muito o vestido. Dancei muito.
P/1 – E rolava alguma paquera nessas danças?
R – Não. E o pai ali em cima? Pai não deixava, não. Nem mãe. Mãe era danada, ficava do lado, daqui a pouco ia lá fuxicar para o pai lá. Não podia ninguém conversar com a gente. Só quando eu saía mesmo, que daí, às vezes, eu conversava com alguém, com algum menino assim. Perto de pai, não. Festa lá em casa, vixe, era horrível. Bastava a gente sumir um pouco, pai estava atrás: “Cadê fulano?” “Ah, foi lá para casa”. Ah, ele já baixava para lá para ver o que foi fazer lá em casa: “A festa não é aqui em casa não, é lá fora. Pode ir para lá”. Fechava tudo, a gente ia para lá de novo. E os pais daquela época não são os de hoje. Os pais eram rígidos. Mas é um tempo que a gente passa que, Nossa, é muito legal. Muito bom. Eu adorava, viu? Nossa!
P/1 – E, dona Ercília, além do trabalho logo cedo, das festas, a senhora ainda quando era criança gostava de brincar de alguma coisa?
R – Eu brincava muito de boneca. Tinha uma casa vazia lá, então a gente juntava as meninas da colônia, a gente brincava de comadre que ia batizar as bonecas, fazia almoço. Comidinha mesmo de verdade, sabe? A mãe dava um punhado de arroz, feijão, a gente fazia nas casas. A gente batizava as bonecas, ia lá fazer as comidinhas. Era legal também. Eu brinquei muito disso aí. Eu vejo meus netos hoje, vão brincar, não sabem arrumar uma casinha, não sabem nada, de repente já estão brigando. Eu digo: “Olha como é diferente hoje”. A gente não brigava lá. Juntava os padrinhos das bonecas, as madrinhas, cada cá levava um pouquinho de coisa, a gente fazia comidinha, a gente comia lá mesmo e não tinha essas brigas. Chegava de tarde, cada cá para sua casa, cada cá com seus brinquedos, punha na sacola e levava. Não tinha isso. Às vezes, as mães iam também ficar lá junto com a gente, participavam também dos brinquedos. E hoje eu fico olhando assim, falo: “Nossa!”. Principalmente meus netos, estão ali brincando, de repente, estão brigando. Falei: “Vocês não sabem brincar não, meninos, peguem a boneca”. Às vezes, eu faço para a minha netinha, faço caminha. Falo para ela: “Faz assim. Põe-na para dormir na caminha, faz comidinha”. Que ela tem os brinquedinhos dela, torradeira, de passar torrada dentro, tudo. Falei: “Então, você passa a torradinha aí, a vó dá para você”. Dava a torrada para ela. Mas ela não sabe brincar. Fica lá brincando, um vai e come e ela já briga. Forma aquele “brigueiro”. Falei: “Ah, meu Deus, vocês não sabem brincar, não”.
P/1 – E as bonecas vinham de onde?
R – Eu não tive boneca assim de verdade, mãe que fazia. A gente brincava com boneca de milho e, às vezes, a mãe fazia boneca de pano para a gente, punha cabelinho e tudo. Então, mãe fazia para nós em casa, fazia para os outros que pediam, ela fazia as bonecas. Tudo de pano. Não existiam essas bonecas chiques que hoje existem, mas a gente adorava as bonecas. Eu quando vim para São Paulo ainda trouxe acho que foram duas ou três bonecas, eu tinha onze anos. Guardei todas as minhas bonecas. A minha filha ainda brincou com a minha boneca de pano, bem grandona assim, que mãe fez. Eu não sei o que ela fez com essa boneca, mas ela brincou ainda um tempão com essas bonecas.
P/1 – E tinha outras brincadeiras, dona Ercília?
R – Ah, tinha pega-pega, essas coisas, mas mais era boneca mesmo. Pai falava: “Menina tem que brincar com boneca, não tem nada de brincar com caminhão, com nada com moleque, não”. Então, é só boneca. Meu irmão já era diferente, era bicicletinha, era caminhãozinho, que pai mesmo que fazia, sabe? Fazia, pintava, pronto. Ele e os brinquedinhos dele lá. A gente não podia ir lá pegar nada dele que ele não aceitava. Hoje eu vejo moleque, menina, é tudo misturado. Brinca tudo misturado. Eu vejo lá no quintal da minha casa, que eu tenho os dois. Oxe, brinca tudo lá misturado. Falei: “Olha, no meu tempo não era assim, não”. O meu filho fala: “Ah, mãe, mas era o tempo da senhora, hoje já não é mais aquele tempo. Então tanto faz lá brincar com o boneco do menino, como o menino brincar com a boneca dela”. Falei: “Ai, credo, só você mesmo”.
P/1 – (risos).
R – (risos).
P/1 – Ai, dona Ercília.
R – Pois é.
P/1 – E, dona Ercília, enquanto a senhora participava da colheita do café, da cana, o que vocês faziam para passar o tempo ali na plantação? Vocês conversavam? Faziam algum canto?
R – Não. Só na hora do almoço é que conversava. Porque lá tinha o café às nove horas da manhã e meio-dia é o almoço. Porque não podia passar. Entre meio-dia, meio-dia e meia era o almoço. Então, era só nessas horas. Tinha uma hora de descanso para depois pegar a trabalhar de novo. Nessas horas é que a gente, às vezes, conversava e tudo. Juntava todo mundo ali na rodinha, ficava conversando. Mas esse negócio da colheita assim, às vezes a gente não tinha tempo nem de comer, porque era muito serviço, então não dava muito tempo. A gente levantava quatro horas da manhã para ir para o roçado, nove horas era o café. O café era: mandioca, bolinho, essas coisas que levava, e o café. E meio-dia o almoço, que a gente levava. Eu levava... Eu mesma cansei de levar almoço para o povo da roça. Outra hora era a mãe mesmo que vinha trazer. Eu estava lá no roçado, ela mesmo que levava. Era assim. Às cinco horas vinha para casa, já era a janta. Era assim.
P/1 – E como era trabalhar com tanto adulto?
R – Mesma coisa, você se mistura. Porque se eu fosse para a “varreção”, era só “varreção”. Agora, se fosse para peneirar, era só peneirar também. Os outros vão derriçando na frente, você vai catando atrás e peneirando o café.
P/1 – E, dona Ercília, já nessa época de quase adolescente, a sua mãe conversava com a senhora sobre as transformações que a senhora ir ter no corpo?
R – Não. Mãe não conversava nada.
P/1 – E como foi essa época?
R – Ah, nessa época quem conversou comigo foi a minha madrinha - ela que conversou. E uma tia minha. A mãe não falava nada para a gente. Estranho, não é? Em vez de as mães conversarem, abrirem os olhos das filhas, dos filhos que seja, não, mandavam outra pessoa falar. A minha madrinha foi quem conversou comigo e tudo, com as minhas irmãs... Mas a minha mãe não falava nada.
P/1 – Em que momento elas iam conversar com a senhora?
R – Às vezes a gente estava em casa - porque o pai tinha lavoura de fumo também - nas estalas de fumo, então a gente conversava de fumo, que passava a noite estalando fumo. Então, nós conversávamos muito. Aí, minha tia falava as coisas, minha madrinha falava para a gente. Falavam: “É assim, assado”. Eu falava: “Ah, vocês ficam contando história”. A gente nem dava ouvido. Depois que a gente ia prestando atenção e falava: “Olha, é verdade”. Mas era assim. O pai tocava violão, meu irmão também. E nas estalas de fumo rola muita cachaça, porque em Minas, vixe... O povo adulto tomava cachaça para estalar fumo a noite toda. E eu cambitava o fumo.
P/1 – O que é isso?
R – Fazia aquelas cordas de fumo. Então eu cambitava, não estalava não. Mas o povo ficava a noite toda estalando. Tirando o talo para fazer a corda.
P/1 – E, dona Ercília, como foi ficar mocinha?
R – Eu fiquei mocinha... Acho que foi com uns doze anos que eu fiquei mocinha. A tia mesmo que explicou, já vinha me explicando como era e tudo. Quando foi... Eu estava... Não sei se eu estava num passeio, parece, aí eu falei: “Nossa, tia, eu me machuquei”. Ela falou: “Não, você não se machucou, é assim mesmo”. Fomos para a casa, tudo, ela falou, explicou como cuidava e tudo. Aí ficou. Foi tudo minha tia. Mãe não falava nada.
P/1 – Sua tia falava que você tinha que fazer alguma coisa nessa época, não podia fazer alguma coisa? Qual era a recomendação para todo mês?
R – Ah, lá era muito rígido. Lá não podia comer peixe, não podia comer essas verduras, certo tipo de verdura não podia comer, porque diziam que fazia mal. Se uma mulher ganhava um menino - como mãe ganhava o menino em casa - passava quarenta dias sem lavar a cabeça, porque não podia lavar o cabelo. Era só isso. Com quinze dias vai para o rio, tomar banho de rio. Depois, com quarenta dias é que pode molhar o cabelo. Era assim. Então, quando eu tive a primeira menina, a mãe veio em casa: “Você toma cuidado. Você não pode lavar o cabelo, não”. Eu falei: “Mas se no hospital eu lavei o cabelo. Oxe, tomei banho lá de tudo. Como não pode?”. Eu já não seguia a regra dela, porque já vim do hospital. Mas ela ficou brava, ela falou: “Você vai ver mais tarde. Mais tarde é que você vai ver a revolta disso aí. Que dá muita dor de cabeça” – ela falava. Então não podia fazer isso. E ela fazia os remédios caseiros para a gente se limpar e tudo. E, graças a Deus, fui bem. Com os meus filhos, fui bem.
P/1 – E, dona Ercília, seguindo a história, se a senhora se sentir confortável para falar para a gente, o que aconteceu com o seu pai?
R – Meu pai teve um problema de memória e ele ficou no... Lá eles falam sanatório, de doido. então ele ficou seis meses nesse sanatório. Depois ele veio para cá, ficou bom e tudo, e aconteceu dele falecer. Nesses intervalos aí ele faleceu, em casa mesmo. Estava sentado lá fora, ainda lembro como hoje, ele pediu água para mim, eu levei água para ele, daí ele falou... Chamou minha mãe, chamou meus irmãos, para dividir os negócios que tinha, que ele falou que estava indo embora. Eu falei: “Como indo embora, pai?” “Não, eu estou indo embora” – ele falava – “Eu estou indo”. Dividiu uns negócios que tinha para a gente, e ali ele desmaiou para trás e não voltou mais, nesse intervalo aí. Eu ainda o catei, pus no colo, gritando e tudo, mas não veio mais. Foi isso aí. Ainda lembro como hoje. Falei: “Meu pai do céu, como pode?” E ele explicando para a gente, tudo, como era, como não era, que era para o meu irmão tomar conta do sítio. Se não desse para pagar os funcionários, que ele dispensasse, que ele mandasse embora para eles procurarem outro serviço. E explicando um monte de coisa. Explicando o que a gente tinha que fazer com os cavalos, o que a gente tinha que fazer com os porcos. No fim, a gente começou a chorar, nem escutava nada ele falando. Nesse intervalo aí ele se foi. A gente nem acredita. Nossa, eu fiquei passada. Fiquei foi doente, porque eu era apegada com o pai. Gostava muito, muito. E ele estava lá. Mas fazer o quê? Chegou a hora, vai. Hoje eu penso assim, chegou a hora... Às vezes eu converso com os meus filhos, digo: “Hoje eu estou aqui, amanhã eu não sei, então, olha, vocês abram os olhos de vocês”. Dou explicação para eles e tudo. Mas, naquele tempo, não tinha isso. Nem mãe também não se conformou com aquilo. Mãe ficou doente, ficou ruim. Ficou de cama a mãe. Eu cuidava das crianças - tinha dois - e mãe na cama. Nossa, Deus me livre. Oh, pedacinho que a gente passa, já vem sofrendo desde lá de trás. Porque a minha vida foi um livro aberto, eu sofri solteira em casa, depois tive meus filhos, vim sofrendo também, o casamento não deu certo, a gente se separou, me separei com as crianças todas pequenininhas, ele foi embora e eu fiquei com esse menino caçula que mora comigo, ele ficou com quarenta e dois dias. O outro só sentava, nem engatinhar não engatinhava; o outro pegado com ele. E eu fiquei com esse sozinha. Mas, graças a Deus, deu força, que eu criei todos eles.
P/1 – E, dona Ercília, como foi depois do falecimento do seu pai? Como a casa seguiu assim?
R – Ah, minha filha, virou de cabeça para baixo a casa, porque daí meu irmão quis tomar a frente de tudo: “Não, meu pai falou que era para eu tomar a frente”. Ele começou a judiar muito de mim, me batia muito, a mãe teve que me mandar para a casa de uma tia. E ele batia muito em mim, porque da família eu sou a mais escurinha, que a minha mãe era tendente de alemão, então eles eram mais claros, aí ele dizia que eu não era irmã dele, que ele não ia dar nada para mim porque eu não era irmã dele, que eu era nêga, que eu era neguinha, não sei o quê. Então ficava aquilo, ele me batia muito, o meu irmão. Minha mãe teve que me dar para uma família, para sair dali, para não o ver judiar. Ele deu para beber, aí bebia, chegava em casa e me batia, e respondia à mãe e tudo. Mas, graças a Deus, depois ele mudou. Ele virou evangélico, aí mudou tudo. Aí eu voltei.
P/1 – Mas como foi isso que a sua mãe lhe entregou para uma família? Como foi isso?
R – Ela entregou para uma tia minha. Eu fiquei com a tia até tempo, depois eu fui trabalhar com uma família, na casa deles. Daí eu fiquei morando lá com eles, com essa família. Depois, quando meu irmão melhorou, tudo, eu voltei para casa. Voltei de novo. Que ele virou evangélico, não era mais aquela pessoa. Aí voltei para casa de novo, fiquei até me casar. Mas a gente sofre, viu? Sofri desde pequena. Desde novinha.
P/1 – E dessa vez que a sua mãe lhe entregou para a sua tia, foi essa vez, com onze anos, que a senhora foi para Itapira?
R – É. Eu vim para Itapira, interior de São Paulo. Depois mãe veio também, porque arrumou casa, veio. Nós moramos lá. Lá eu conheci um rapaz, me casei, daí eu vim para Campinas, viemos morar em Campinas depois que eu me casei. Depois de lá já vim para São Paulo e estou aqui em São Paulo até hoje.
P/1 – Conte para a gente como foi a saída para Itapira. Como foi sair de casa e ir para Itapira?
R – A gente veio... Meu irmão veio na frente, achou a casa da minha tia, que a gente não tinha o endereço dela, mas ele pôs na rádio ali em Itapira e descobriu a casa da minha tia. Daí ele ficou na casa da minha tia, acho que quinze dias, aí quando foi... Ele já foi com o caminhão para pegar a gente, pegar a mudança, tudo. Aí trouxe a gente para ali. Ficamos na casa da minha tia até arrumar casa. Depois nós arrumamos. A mãe arrumou casa, nós fomos morar em casa alugada. Para quem tinha tudo, de repente se vê pagando um aluguel, Nossa. Porque meu irmão, ele entregou tudo de graça lá no sítio. Até quando mamãe estava viva, eu perguntava: “Nossa, mãe, o que fizeram com o dinheiro do sítio?”. Nada. Minha mãe não viu nada. Ele comprou uma casa, meu irmão. Hoje ele não tem porque ele passou para o nome dos filhos dele, que ele tem três filhos. Ele passou a casa para o filho dele. Mas ele tem a casa grande da frente, tem duas casas nos fundos, tudo com esse dinheiro que ele comprou. Inclusive, a mãe morava lá antes de vir morar comigo aqui em São Paulo. Mãe morava lá também. Mas foi assim.
P/1 – Mas essa ida para Itapira, com a sua mãe, foi a primeira vez que você foi para lá? Foi nessa época em que seu irmão batia na senhora que foi todo mundo para Itapira?
R – É. Dessa vez eu vim ficar com a minha tia. Porque eu fiquei com a minha tia lá na Fazenda do Rio Manso, que a mãe deu. Depois, quando nós viemos para Itapira, já vim junto com a mãe, para casa da outra tia minha.
P/1 – Eu queria saber então da primeira vez, da casa da primeira tia. Como foi sair de casa por essa situação?
R – Vixe, menina, é muito ruim, muito duro, sabe? Você ter que deixar a sua família, seus irmãos, para poder ficar lá. Só que a mãe ia lá quase todo dia. A mãe não deixou de ir lá, não. Ela falava: “Não, eu vim ver a Cila”. Ela falava assim: “Vim ver a Cila. Eu não vejo a hora de acertar tudo para levá-la embora. Ela não vai ficar aqui toda a vida” – ela falava. A tia falava: “Não, ela está só passando um tempo. A hora que você quiser levar, é sua filha, você pode levar”. Até que meu irmão, quando veio para Itapira, meu irmão virou evangélico e melhorou, aí a mãe foi me buscar lá. Porque eles vieram e eu fiquei lá. Eu chorava dia e noite, tinha noite que eu não dormia. Mas a mãe foi rapidinho buscar. Ela não demorou, não. Acho que uns quinze dias, no máximo, ela foi lá me buscar. Aí eu vim embora com ela.
P/1 – E o que passava na cabeça da senhora?
R – Eu tinha medo de a minha mãe não vir mais. Eu chorava, tinha dia que eu não comia, às vezes eu passava a noite sem dormir, pensando de a minha mãe não ir buscar, eu ter que ficar para lá. Mas não, ela escrevia carta. Eu recebi duas cartas nesse intervalo, ela falando que ia buscar, que eu não ficasse preocupada, que ela ia me buscar, ia me buscar. E foi mesmo. Foi me buscar. É muito duro a gente ver a perda do pai. Quando tinha o pai, Nossa, tinha tudo. De repente, desmoronou tudo. Nossa, Deus me livre. Foi caindo tudo, meu irmão foi vendendo as criações todas, vixe. Nossa, Deus me livre. Mas é assim mesmo.
P/1 – E como foi se mudar para Itapira?
R – Itapira foi bom. Eu fiquei em casa uns tempos, depois eu arrumei emprego, fui trabalhar numa farmácia e foi indo assim. Depois eu fui trabalhar numa casa de família, a mulher gostava muito de mim. Até hoje se eu for lá e ela estiver lá, Nossa... Eu ainda vou lá passear, quando eu vou para lá. Eu passei lá agora, tem uns quinze dias, que a filha dela falou que ela tinha ido embora, que Deus levou, a mulher que foi minha patroa. Nossa, mas ela era muito boa para mim, para a minha mãe. Muito boazinha.
P/1 – E, dona Ercília, ainda falando da dona Ercília jovenzinha, o que a senhora pensava em ser quando crescesse?
R – Eu sei lá, pensava em ser uma boa dona de casa, ter um marido bom. Eu pensava assim. E trabalhar, porque eu gostava muito de trabalhar. Inclusive trabalhei mesmo. Trabalhei grávida da minha filha até de oito meses, eu trabalhei. Com oito meses de gravidez eu estava trabalhando em colheita de tomate. E eu gostava muito de trabalhar, carpir feijão, arroz, tudo isso, plantar. Então eu gostava muito dessas coisas. Nós morávamos em Itapira, e em Itapira a gente trabalhava fora, assim, caminhão de boia fria. Às vezes lá perto de casa mesmo, às vezes tinha roçado por lá, o homem pagava para a gente por dia, a gente ia trabalhar. Eu, minha mãe, todos nós íamos trabalhar lá. Era gostoso. É melhor trabalhar do que ficar em casa, cuidando de casa, cuidando de menino.
P/1 – E, dona Ercília, a senhora comentou que foi em Itapira que a senhora conheceu o seu ex-esposo.
R – Foi.
P/1 – Qual o nome dele?
R – Aristides.
P/1 – Conte para a gente como foi conhecer o ‘seu’ Aristides. Aristides. Está certo?
R – Ahã. Eu o conheci numa festa. A gente foi numa festa lá em Santa Rita, Poços de Caldas, que nós fomos. Aí o conheci lá. Ele era de lá. Conheci-o lá, daí quando fez uns quinze dias que eu tinha vindo para Itapira, ele veio. Eu dei o endereço da farmácia onde eu estava trabalhando - nessa época, eu estava trabalhando na farmácia - aí ele foi direto na farmácia lá para me ver. E meu irmão era o regime do pai, não tinha esse negócio de ficar namorando para casar. No que ele veio, meu irmão já marcou o casamento. Dentro de três meses, eu me casei com ele. Por isso que não deu certo, porque... Eu acho que é isso, porque a gente não se conhecia melhor. Ele não me conhecia, eu também não, não sabia nem de onde ele era. Aí não deu certo o casamento. Eu vivi cinco anos, só.
P/1 – Mas antes do casamento, eu queria saber como foi conhecê-lo nessa festa.
R – A gente ficou conversando, passando as festas. Nessa festa, ele passou o dia inteiro junto comigo conversando, ele pagou o almoço, tudo. Ele falou que ele era de lá, tinha os pais dele, tudo. Depois eu vim embora, que nós fomos de caravana. Quando foi de tarde, eu vim embora. Despedi-me dele e vim embora. Com uns quinze dias ele apareceu em casa. Uns quinze, vinte dias ele apareceu lá na farmácia onde eu trabalhava. Eu vim trazê-lo em casa para a mãe ver e tudo. Oxe, meu irmão já o fez marcar o casamento para casar. Ele falou: “Não, mas a gente nem se conhece”. Ele falou: “Não, mas é o regime do meu pai. Ou então não vem mais. Se você gosta dela, você vai casar. Se você não gosta, não precisa vir mais”.
P/1 – E a senhora?
R – A gente ficava só escutando. Vai falar o quê? Porque não podia falar nada. Ficava só olhando para ele. Falei: “Nossa, Deus me livre”. Eu falei: “Você sabe? Você perguntou para mim se eu quero casar?”. Foi a única coisa que eu falei para o meu irmão: “Você já perguntou para mim se eu estou pronta para casar?”. Ele falou: “Não, mas não precisa estar pronta para casar. Cartório é chegar, assinar e pronto. Não tem isso de estar pronta ou se não está pronta”. Falei: “Olha!”. Engraçado. E foi assim.
P/1 – E como foi o preparativo para o casamento?
R – Não teve. Só arrumei a madrinha, ele comprou o vestido de noiva e fomos. Casei-me só no civil e na igreja evangélica que meu irmão frequentava. Foi a Igreja Evangélica Assembleia de Deus. Casei-me lá. Não teve festa, não teve nada. Para começar, estava chovendo. Parecia que estava derramando com pote. Eu falei: “Olha, meu Deus do céu”. Mas chuva que Deus mandava. Falei: “Meu Deus”. Casei-me, fiquei morando em casa, na casa da minha mãe uns dias, depois a gente separou casa. Ele era de lá, teve que viajar para lá para pedir conta do serviço onde ele trabalhava para poder vir para cá para Itapira. Sei lá, credo. Hoje eu fico pensando... Meu irmão vem em casa, eu falo: “Nossa, que estranho que você fez”. Ele fala: “É mesmo, não é? Tem horas que eu fico pensando”. Eu falo: “Ah, agora? Agora não adianta pensar mais”. E ele foi a mesma coisa. Ele se casou assim também. Conheceu a moça, pediu, se ela gostasse dele, que ia casar logo; se não gostasse também, já largava para lá. Ele se casou assim também.
P/1 – E, dona Ercília, como foi conhecer a intimidade do casal?
R – Eu? Ah, foi horrível. Porque a gente não sabe de nada, não é? Feito “bestaiada”. Foi horrível. Eu vejo hoje as meninas na festa e tudo, fico pensando... Falo: “Nossa, olha como muda”. Mas acho que éramos só nós, viu? Porque eu não sei se os outros eram assim também. Porque nós... O pai era muito rígido, o pai não deixava namorar, o pai não deixava conversar com ninguém. E era em cima. Ou era ele, ou era meu irmão, ou era minha mãe, tinha que estar ali em cima. Você sair para pegar um balde de água na bica, tinha que levar minha irmã junto, ou meu irmão, com medo de ter menino lá, a gente ficar conversando, sabe? Não ia sozinha, tinha que estar acompanhada. Ou com uma tia, ou com uma prima. Para pegar água não podia ir só. Eu ficava pensando, falava: “Nossa, como pode?”. Depois eu me criei. Eu estava trabalhando nessa farmácia, trabalhei bastante tempo nessa farmácia, minha patroa falava: “Ai, Ercília, mas não é assim, seu irmão não pode fazer isso com você”. Eu falei: “Ah, fala para ele isso para você ver”. Era a gente lá para o quarto, para a cozinha e o namorado lá para a sala conversando com ele. Era assim. Não tinha isso de ficar junto conversando. Era um na cozinha, outro lá na sala. Sei lá, é muito ruim isso. Eu falo hoje. Eu vejo minhas netas, hoje, que se casaram, tudo. Meu filho mais velho, ele era muito rígido. Eu falava: “Ah, filho, mas você tem que deixar. Ela tem que conhecer direito o rapaz, não é assim. Você não vai querer ser como aquele povo do meu tempo. Você tem que deixar. Deixá-la conversar, deixá-la conhecer bem o rapaz”. Ele falou: “É mesmo, mãe. Não, porque senão depois não dá certo”. Eu falei: “Pois é. Conhecendo, às vezes não dá, imagina sem conhecer ninguém”. E a minha neta casou bonitinha, está até hoje, e já tenho uma bisneta, já com seis aninhos.
P/1 – E, dona Ercília, aonde vocês foram morar?
R – A minha mãe morava num canto assim, numa vila. Eu fui morar em outra vila, longe da minha mãe. Ele alugou uma casa e a gente foi para lá. Comprou as coisas de casa que, naquele tempo, era tudo coisinha simples, aí fui morar lá. Fui trabalhar em corte de cana, ele também trabalhava, e foi indo assim. Depois não deu certo, a gente se separou, eu continuei na casa e ele foi embora para a terra dele.
P/1 – E antes de ele ter ido embora, eu queria que a senhora contasse como foi a primeira gravidez da senhora.
R – Ah, foi bem, graças a Deus.
P/1 – E como foi perceber que a senhora estava grávida?
R – É porque faltaram as regras. Eu fui aqui - já era aqui - lá em Campinas. Daí eu fui ao médico, o médico constatou que eu estava grávida. Eu engravidei com dezenove anos. Ela nasceu, nasceu bem, graças a Deus, não tive sofrimento nenhum para ficar lá sofrendo com dor. Foram só duas e pronto, já saiu lá na maca. Fui para o hospital, mas não deu tempo nem de ir para o quarto, foi na maca mesmo. Quase ela cai para o chão. Mas, graças a Deus, não tive assim sofrimento com nenhum deles. Com os meus filhos, não. Para nascer, não tive, não. Era rápido. Ainda bem, não é? Porque a gente sofre de um jeito, mas do outro Deus dá alívio para a gente. Porque eu vi a minha nora - desse meu filho mais velho - ela, para ter essa menina mais velha, Nossa, ela ficou dois dias internada e à noite, e sofrendo, sem comer, porque eles não podem dar comida. E sofrendo lá, gemendo, gritando. Deus me livre. Eu não fui assim, não. Tem mulher que sofre. Essa minha neta também. Ela sofreu bastante para ter essa menininha dela. Inclusive, ela nem quer mais. A menininha tem seis anos já, ela não quer mais não, vai ficar só com essa menininha.
P/1 – E foram quantos filhos?
R – Meus? Foram seis: duas meninas e quatro meninos.
P/1 – Fale o nome de todos para a gente.
R – Aurinete e Audineia, que são as meninas. Judileis e Juarez, Vanderlei e Ednei, que é o caçula. São todos criados. Graças a Deus não deu ninguém para ser ruim, todos trabalhadores, todos eles trabalham. Criei, eu sou mãe e pai deles. Criei-os bem, graças a Deus. Eu os deixava trancados em casa para ir trabalhar. Nove horas era o café, eu vinha correndo em casa para ver como estavam; dava um café para eles também, com pão, e voltava a trabalhar. Meio-dia eu vinha para dar almoço. Eu tinha uma hora de almoço, vinha para arrumar comida para eles comerem. E trancados. Deixava a televisão ligada, deixava bolacha para eles, quando tinha, pão fácil, mostrava para o menino mais velho, falava: “Aqui está o pão, aqui está a bolacha. Se eles quiserem, você dá”. Deixava a mamadeira pronta para ele dar para os dois pequenos. Inclusive, eu até o tirei da escola para ele poder ficar com as crianças, para eu poder ir trabalhar. Depois ele voltou para a escola e eu arrumei uma pessoa para olhar os menores. E, graças a Deus, foi bem. Deus me ajudou que eu...
P/1 – E como foi essa decisão do casal de se separar?
R – A separação do pai? Nossa, foi muito triste, sabe? Porque, sei lá, até hoje eu fico pensando: não dá certo. O menino, ele sentiu muito, esse menino mais velho. Ele chorava muito, ele ficou com problema de convulsão, por causa do pai. Depois, graças a Deus, sarou também, ficou bom. Ele se acostumou com a ideia, não chamava mais pelo pai, não.
P/1 – Se a senhora puder contar para a gente se teve alguma coisa que foi decisiva para ter esse rompimento, como ele aconteceu de fato.
R – Ele arrumou outra, outra menina mais nova do que eu. E foi embora com essa menina para a terra dele, se casou lá também. Não sei como, mas se casou. Com o tempo, ele voltou. Mas voltou já com ela e com dois filhos. Foi direto em casa vê-los, eu falei: “Não, aqui você não tem filho. Pode se virar sua vida, que aqui você não tem filho nenhum. Aqui, esses são meus. Eu sou mãe e pai deles”. Inclusive, o menino não o conheceu, os menores. Ele falou: “Mãe, ele está falando que ele é pai da gente”. Eu falei: “Que pai seu? Não é seu pai, não. Pai é aquele que cria, não é o que põe no mundo. Eu sou mãe e pai seu, ele não é nada seu”. Toquei-o de casa, ‘taquei’ os cabos de vassoura na ideia dele, ele foi embora.
P/1 – Mas como ele apareceu? Como a senhora soube que ele estava ali?
R – O menino mais... O Vanderlei, ele é danadinho esse Vanderlei. Ele correu lá no meu serviço, falou: “Mãe, chegou um homem lá em casa, falou que é nosso pai e ele está lá”. Eu falei: “Você está brincando”. Ele falou: “Pois vai, mãe”. Eu pedi lá para a moça me dispensar. Eu era copeira lá nessa empresa, ela me dispensou, eu fui para casa. Cheguei lá, ele estava na porta, em pé. Eu falei: “Que danado você está fazendo aqui? Pode ir embora. Aqui você não tem nada”. Dei umas ‘cabada’ de vassoura, o levei até o portão com cabo de vassoura. Aí não veio mais. Falei: “Oxe”. E os meninos pequenos não o conheciam mesmo, só o mais velho, porque ver o semblante dele, ele viu. Mas também não veio mais, ficou para lá. A irmã dele falou: “Ah, mas você tem que deixá-lo ver os filhos”. Eu falei: “Deixá-lo ver os filhos? Depois de sete anos, oito anos já vai fazer? Não. Tenho que deixar é nada. Ainda acabei discutindo com a irmã dele. E pronto. E ele foi embora de novo. Depois até faleceu também. Mas ele era motorista de ônibus. Que ele veio aqui para São Paulo, ficou sendo motorista de ônibus, aí o mataram lá no Capela. Jardim Capela. Pronto. Mas é assim. A vida é assim mesmo.
P/2 – Eu só queria perguntar: cada vez que você ia para o hospital ter os filhos ele acompanhava você?
R – Acompanhava.
P/2 – Nesses momentos, ele estava com você? Ele se comportou bem?
R – Na frente dos outros ele se comportava que era uma maravilha.
P/2 – Na frente dos outros.
R – É.
P/2 – (risos).
R – Mas ele me levava para o hospital, fazia as visitas, trazia para a casa. Só o filho caçula, que ele queria muito uma menina. Queria porque queria uma menina. Aí, vinha só homem - três homens. Aí esse caçula ele falou: “Se for homem de novo, eu vou embora. Eu não vou criar esse menino. Não vou nem ver” – ele falou – “Não vou nem ao berçário mesmo”. Como não foi mesmo. Quando o médico falou: “É outro homem, pai”. Porque naquela época lá não tinha esse negócio de exame, tudo assim. Ele falou: “É outro homem, pai”. Ele não foi ver. Não pegou, nem nada. Ele saiu de casa, o menino tinha quarenta e dois dias quando ele foi embora.
P/1 – Mas ele falava por que ele queria outra menina?
R – Ele falava. Ele falava: “Não, quero ser pai de uma menina”. Porque as outras duas não eram dele, eram do primeiro casamento. Porque meus filhos homens são do segundo casamento que eu tive. Então ele falou: “Não, eu quero uma menina, quero uma menina”. E ficou. Inclusive, ele foi embora com a mulher e a mulher teve outro homem (risos), o primeiro filho dele. Foi castigo. Outro homem. Falei: “Olha, ele não quis criar o meu, que era filho dele. Teve outro homem, ele teve que criar”. Depois de bastante tempo foi que veio uma menina. Veio uma menininha. Até quando ele morreu, a menina ficou pequena ainda. Falei: “Olha, está vendo como é o castigo?” Falei que se eu o encontrasse, eu ia falar para ele que isso foi castigo.
P/1 – Eu queria que a senhora contasse então como foi o segundo casamento, só para a gente entender.
R – O segundo casamento foi muito bom. Ele era muito bom para mim, no começo. Era muito bom mesmo. Foi um namorado que eu não tive. Porque na adolescência minha eu não tive namorado, casei sem conhecer, sem nada. Agora, ele não. Eu o namorei oito meses antes de me casar com ele. Nossa, eu o tinha como primeiro marido meu. Nós vivíamos muito bem. Ele era muito bom para mim. Nós vivemos onze anos muito bem. Só virou depois que ele inclinou que queria uma menina. Só vinha homem, homem, ele queria uma menina. Aí que virou. Conheceu uma pessoa, conheceu uma pessoa, aí virou a casaca. E eu já não gostei, porque eu conhecia a pessoa, aí não prestou. Minha casa era água de poço, a menina veio buscar água, eu a ‘catei’ pelo cabelo, eu ia jogá-la lá dentro do poço se a mãe dela não chegasse. Mas a mãe dela veio, o irmão, aí tirou. Mas eu ia jogá-la lá dentro do poço para ela largar de ser besta. Mas nós vivíamos bem. Foi dessa época para cá que ele virou, aí ele foi embora.
P/1 – E como a senhora descobriu que ele estava com outra, com essa menina?
R – Porque quando eu fui ao médico... Porque eu ia ao médico no fim da gravidez para poder ir para o hospital para ganhar o menino. Eu fui ao médico, quando eu voltei, que nós viemos de ônibus, chegou uma pessoa assim, com um guarda-chuva, e falou: “Você não foi trabalhar hoje, não?” – falou para ele – “Que bom encontrar você aqui. Tudo bem?” Eu fiquei olhando assim, levantei do banco, falei: “Que intimidade é essa? Ele é pai de família, tem três filhos, já vai inteirar quatro. Que intimidade?”. Ela falou: “Nossa, é sua mulher?”. Não sei se ela tinha falado. Ela começou a brigar com ele, ‘tacar’ o guarda-chuva nele. Ela desceu do ônibus, ele ia descer atrás, eu falei: “Não. Se você for descer, eu vou descer também. Nós vamos descer aqui também”. Ainda ele me trouxe até em casa. O ponto do ônibus era perto de casa, ele me trouxe em casa, trouxe o outro pequeno, que era de colo, pôs lá na cama, lá no berço, e saiu para poder conversar com ela. Foi nessa... Quando o menino nasceu, ele falou: “Vai ser outro homem? Então eu não vou ficar com você, vou embora. Vou embora com ela”. O irmão dela soube também que ele era pai de família, foi atrás para querer fazer mal para ele. Ele foi embora com essa menina, carregou a menina. A menina era bem novinha, e foi embora.
P/1 – Qual o nome dele?
R – Ele é Ivaldo… Ivaldo. Mas, vou te falar, credo. Não sei como pode abandonar três, quatro filhos, por causa de uma mulher. Não entrava na minha cabeça isso. Aí que ele se tornou tudo, mas nós vivíamos bem. Antes de ele fazer isso, nós vivíamos bem. Ele sempre com a esperança de vir uma menina, Nossa, a gente vivia muito bem. Depois não deu certo mais.
P/1 – E como foi depois que ele foi embora, dona Ercília?
R – Ah, eu fiquei uns tempos em casa, fui vendendo tudo, eu era bem de vida. Ele tinha carro, tinha um caminhão pick-up, com o qual ele trabalhava, e eu tinha tudo dentro de casa. Tudo. Eu fui vendendo. Até pia eu vendi para dar comida às crianças. Fui vendendo tudo. Eu vendia corte de roupa, porque as roupas dele e dos meninos ele fazia em alfaiate, ele não gostava de compra pronta nem nada, então ele mandava fazer. Aí tinha uns cortes de pano em casa, inclusive os meus, os das crianças, eu vendi tudo. Fui vendendo tudo para poder dar comida. Eu fiquei uma fase sem ter comida em casa. Aí eu pedi para um comerciante que estava perto de casa, eu falei: “Se o senhor me vender, para os meninos não passarem fome, eu vou arrumar um serviço, eu pago o senhor. A primeira coisa que eu vou fazer é vir aqui pagar o senhor”. Ele me vendeu, esse homem. Aí eu fiz uma compra, comprei até leite de lata para os meninos, tudo, e procurando serviço. Até que eu consegui serviço. Consegui numa fábrica de chocolate, na Evellyn, Lá eu trabalhei seis anos, nessa fábrica. Graças a Deus foi tudo bem. Tirei o menino da escola, que ele estava no terceiro ano, ele cuidou dos pequenos até eu consegui firmar a trabalhar para pagar uma pessoa para olhar. Até que eu arrumei uma pessoa para olhá-los, os dois pequenos, e os outros dois, que eram maiores, iam para a escola, vinha, ficava aqui só em casa. E eu vivia em casa também, que eu vinha nove horas, eu vinha meio-dia...
P/1 – E nessa época, a senhora estava morando aonde?
R – Eu morava mesmo nesse lugar em que eu estou agora, só que eu morava em outra rua. Só mudei de rua.
P/1 – É que a gente pulou então uma parte da história, que é: como foi a decisão de vir para São Paulo?
R – Então... Aí, graças a Deus, foi tudo bem.
P/1 – E em que momento a senhora decidiu sair de lá para vir para São Paulo?
R – De lá de Campinas? Então... Eu o conheci lá, o namorei lá oito meses, depois a gente veio para São Paulo porque a família dele era daqui; então nós viemos para cá, fui morar no Rio Bonito. No Rio Bonito, eu morei três meses, depois mudei para esse lugar lá. Só mudei de rua. Porque eu morava na rua Ana Maria, agora eu estou na rua Oito, em outro lugar melhor, entendeu? Porque depois que ele foi embora, eu não quis ficar mais lá na casa em que ele me deixou. E eu vendi tudo também, ficou só a casa. Aí eu entreguei a casa e fui morar nesse lugar em que eu estou até hoje, tem trinta e cinco anos que eu moro lá.
P/1 – E antes dessa mudança, eu queria que a senhora falasse como foi vir para São Paulo. Qual foi a primeira impressão da cidade?
R – Ah, eu não queria, porque eu não gostava. Inclusive, hoje eu ainda não gosto daqui. Moro aqui, mas eu não gosto. Não sei por quê, mas não gosto daqui. Por causa dessa temperatura. Na época em que eu vim era muito frio, porque eu vim em 1974. Nossa, era muito frio demais. E não tinha sol quase. Como agora: está sol, de repente já vira, e é aquele frio, é garoa, é tudo. Eu gostei por um ponto: que lá, eu trabalhava só em farmácia e casa de família. Não conseguia emprego em empresa. Agora aqui, o primeiro serviço meu foi em empresa. Então, nisso daí, eu gostei um pouco. Mas eu não gosto muito daqui, porque eu sou uma pessoa, principalmente agora que não saio só, que eu tenho medo. Eu não passo pelo Centro. Posso contar... Se eu vim uma vez, duas, para médico. Aqui no Centro eu não venho. Porque, sei lá, eu tenho muito medo de sair aqui em São Paulo. E o pior é que eu não vejo sair também, sabe? Foram criados ali junto, moram todos ali perto de mim, casados. Um mora em cima da minha casa, o outro... Todos moram ali, todos na mesma rua, os casados.
P/1 – E, dona Ercília, por que vocês foram morar lá?
R – Nessa casinha em que eu estou?
P/1 – Na anterior ainda, quando a senhora chegou a São Paulo. Por que aquela região? Chama Rio Bonito, a senhora comentou?
R – Rio Bonito.
P/1 – Por que Rio Bonito?
R – É o nome do lugar.
P/1 – Não, não, não. Eu digo: por que vocês escolheram morar lá?
R – Porque a família dele morava lá. Então a gente foi direto. Inclusive, eu fui morar com uma cunhada minha, era uma casona grande a casa dela e ela me cedeu dois cômodos e um banheiro, e eu fui morar lá. Só que eu fiquei três meses só, que não dá certo cunhada com cunhada morando junto, não dá certo não. A gente arrumou essa casa ali onde eu moro, que era na rua Ana Maria. Ele veio pagar aluguel ali, mudei para cá.
P/1 – E como era o bairro na época?
R – Esse que eu moro? Era bom. O bairro era Jardim Ubirajara, não sei se já ouviu falar. Então... Eu morava ali. Ainda moro, que só mudei de rua. E eu gostava dali. Adorava ali. Não era mais quarto e cozinha, eram três cômodos: tinha a sala, cozinha, tinha quarto, tinha uma área grande, sabe, na casa. Nossa, eu gostei demais de morar ali. Ali eu fiquei bastante tempo, até quando ele foi embora. Quando ele foi embora, eu falei: “Não vou ficar aqui só”. E o aluguel era mais caro. Daí eu fui para essa casa onde eu estou hoje.
P/1 – Você quer fazer alguma pergunta sobre o bairro, Pilar?
P/2 – Sim. Como vocês faziam muita vida, vizinhança, os vizinhos compartilhavam à tarde, se juntavam na casa, alguma coisa, ou não? Ou é dentro de uma comunidade, cada um fica na casa e não tem muita relação assim?
R – Não. Eu sou muito ruim de fazer amizade. Nossa, eu sou ruim demais. Então eu não tinha muita amizade com os vizinhos. Até hoje não sou de andar na porta de ninguém. Se encontra no portão: bom dia, boa tarde. Às vezes a gente fica, até troca umas conversinhas, mas eu sou muito difícil. E meus filhos foram criados assim também, então eles são assim também, não são de andar em casa de ninguém. Tem os casados, cada um na sua casa, não tem esse negócio de ficar... E, sei lá, eu gosto do meu jeito, entendeu?
P/2 – Dessa intimidade, dessa privacidade.
R – É. Que eu falo, às vezes, para os meus meninos... Esse meu menino que mora, ele ficou viúvo, então foi morar comigo com essas duas criancinhas. Aí ele fala: “Ah, mãe, a senhora deveria sair, conversar um pouco, ir à casa de fulano, não sei o quê”. Eu digo: “Para quê? Imagina. Eu estou te incomodando? Eu não estou te incomodando, eu sou assim, fui criada assim”. E eu não gosto de andar na casa de ninguém, não. Às vezes, a gente conversa ali no quintal. Que tem duas vizinhas lá, às vezes se encontram ali, então eu converso. Mas no mais é bom dia, boa tarde, pronto, não tem esse negócio.
P/1 – E nessa época, como ficava o seu contato com a sua família?
R – Nessa época em que eu morava ali? Olha, a minha família ficou toda em Campinas. Inclusive, o meu irmão ainda mora lá. E minha mãe também. Eu não ia para a casa da minha mãe, nem minha mãe vinha para a minha casa. Porque minha mãe ficou morando sozinha depois que os filhos se casaram. Ela morava sozinha. E eu não podia ir para lá porque a situação não dava para ir. Meu irmão não vinha também em casa. Meu irmão começou a vir em casa bem depois. Mas ele não vinha, não. E agora, esses tempos agora, que ele veio de novo. Mas é assim... Nós fomos criados assim, de não andar para a casa de ninguém. Então ele também não é de andar em casa de ninguém, eu também não sou de andar. Sei lá, você sabe que tem hora que é bom ser assim? Porque, às vezes, a gente vai para a casa de uma pessoa, no fim você escuta coisa que você não se sente bem. Então eu falo para os meus filhos isso. Eu falo para ele: “Você está criando seus filhos errado”. Porque esse casalzinho de netos que eu crio, é um de cinco anos e outro de dez. E eles __01:26:42_, e brincam com os moleques e vão para a casa não sei de quem. Falei: “Você está criando errado esses filhos seus”. Falou: “Como errado, mãe? No tempo da senhora era uma coisa, hoje é outro tempo, não é assim”. Falei: “Ah, mas é errado. Essa menina aí, olha, com cinco anos...”. Ela é grandona, se você a vir, você pensa que tem sete anos, ela é bem grandona e fortinha. Falei: “Você já a solta agora, quando você quiser pôr freio, você não vai aguentar mais. Você não vai conseguir pôr cabresto. Cabresto você tem que pôr de pequeno”. Ele fala: “O quê, mãe? Isso aí é o tempo da senhora”. Ele fala isso. E os meninos acabam de comer, já vão para a casa dos outros brincar. E brincam lá no quintal, sabe? Brincam lá no quintal deles. Eu digo: “Oxe. Eu, hein?”.
P/1 – E, dona Ercília, a senhora comentou que em um momento a sua mãe foi morar com a senhora.
R – Ahã.
P/1 – Como foi isso?
R – Ah, foi no tempo em que eu estava só com as crianças. Ela ficou doente lá em Campinas, eu tive que ir para lá, fiquei lá uma semana com ela, depois eu a trouxe para cá. Falei: “Ah, mãe, é melhor a senhora ir para casa. Lá tem o quarto, o meu quarto, eu divido o quarto com a senhora, e tem o quarto das crianças. Então, a senhora vai para casa”. Aí eu a trouxe para morar comigo. Ela morou comigo bastante tempo. Depois Deus a levou também, aí fiquei sozinha de novo.
P/1 – Mas como foi receber a sua mãe na sua casa?
R – Eu adorei morar com ela, sabe? Nós nos dávamos muito bem, ela gostava dos meninos. Eu já ia trabalhar sossegada, tranquila, que ela ficou boa, graças a Deus. Ela veio aqui para São Paulo, ela melhorou, engordou, tudo. E ela ficava em casa e eu ia trabalhar. Eu adorava isso. Depois que ela ficou doente de novo, que ela caiu e quebrou a bacia, ficou internada. O médico falou que ela não ia andar mais, mas com... Acho que foi um mês, quase dois meses, ela levantou da cama e andou, e ficou andando. Ela morreu assim, graças a Deus, indo para a igreja e tudo. Andou. E o médico falou que ela não ia andar mais. Ele colocou três pinos nela. E ela andou. Um mês e pouco, nem dois meses. Falei: “Deus é muito bom”. Porque Deus viu que eu não ia também acho que ter capacidade de cuidar dela na cama e as crianças, porque tinha meus meninos ainda sem casar, em casa. Só tinha o mais velho que era casado, os outros três eram todos dentro de casa. E graças a Deus.
P/1 – E receber a sua mãe, já depois de adulta, na sua casa, mudou alguma coisa na relação entre vocês duas? Teve alguma conversa que tenha sido marcante nessa época com ela, ou alguma lembrança?
R – Acho que não. Eu a tirava muito para sair, assim, dia de final de semana. Porque ela não conhecia nada, foi... Então ela veio, ela não conhecia nada aqui em São Paulo, eu a levei ao shopping, para ela conhecer o shopping, sabe? Eu arrumava o cabelinho dela, fazia coquinho, que ela gostava. Chegava fim de ano eu comprava roupinha para ela, tudo. Nossa, ela era superfeliz, ela adorava aqui. Meu irmão veio ver: “Olha, mãe, vim buscar a senhora”. Ela falou: “Vou nada. Não vou mais embora, vou morar com a Cila”. Não quis ir embora com ele. Eu acho que foi um período muito bom. E ela gostava das crianças, as crianças também gostavam dela, brincavam. Ela parecia criança depois que acostumou. Ela brincava de pega-pega com as crianças, e brincava de carrinho, de jogar carrinho para eles. Ela foi ficando já mais velhinha, ela morreu com oitenta e cinco. Quando ela morreu. Então as crianças gostavam dela. Até hoje, às vezes, meu filho fica vendo foto e chora. Fala: “Nossa, que saudade da avó, mãe, de ela brincando aqui com a gente”. Ela brincava. Eu fazendo comida, falava: “Ah, meu Deus, vá brincar para lá para a sala”. Ela ficava brincando de jogar carrinho para eles, eles jogavam para ela, outra hora de pega-pega, esconder, olha... Eu sei que ela gostava de morar comigo. E eu gostei também. Nossa, foi uma fase muito legal. Acho que o que eu não tive em, assim, mocinha, adolescente, eu tive agora, depois. Porque eu arrumava as crianças, a arrumava, e vinha para o shopping passear, que é aqui em Interlagos. Levei-a ao Shopping Boa Vista, em Santo Amaro, para ela conhecer. E ela gostava, falava: “Nossa, só você mesmo para fazer isso comigo, porque se eu morasse em Campinas...”. Porque em Campinas tinha shopping também, ela não conheceu o shopping de Campinas, meu irmão nunca levou. Nunca a levou para sair, disse que tinha vergonha. Veja se pode. Eu não, eu não tinha vergonha não, eu a arrumava tão bonitinha, e ia junto. Agora não, eu fico... E meu irmão veio em casa esses dias atrás, acho que um mês, um mês e pouquinho que ele esteve na minha casa, ficou uma semana em casa, eu falei: “Nossa, engraçado, você tinha tanta vergonha da mãe, não sei por quê. Se fosse para sair comigo hoje, você teria vergonha?”. Ele falou: “Não. Você não. Que você sabe conversar, você sabe tudo. A mãe não sabia conversar, nem nada”. Eu falei: “E daí? Não tem nada a ver”. Falei com ela, mas no fim ele acabou chorando. Falei: “Vamos parar com essa conversa, porque já foi, então chega”.
P/1 – E, dona Ercília, no fim, ela faleceu de quê?
R – Assim, acho que foi a idade mesmo, coração fraco. Ela começou com ‘sororoca’ de madrugada, daí eu chamei o SAMU para levá-la lá para o hospital, por fim ele demorou, eu pedi para o vizinho. O vizinho a levou, aí já a entubaram. O médico falou: “Ela não vai passar de hoje”. Eu falei: “Nossa, não acredito”. Falou: “É”. Fiquei lá com ela o dia todo, foi de manhã. Ainda ela voltou. Quando eles a entubaram, ela voltou, ela falou: “Você não vai me deixar aqui não, não é?” Eu falei: “Não. Não vou deixar a senhora aqui”. O médico falou que ela não ia passar daquela hora. Quando foi nove horas da noite ela faleceu, naquele dia mesmo. Eu falei: “Nossa, como pode a pessoa estar ali brincando, conversando, e, de repente, acontece isso?” Nossa, os meninos até hoje falam: “Mãe, tem hora que eu penso que vó não morreu não, foi enterrada viva”. Eu falo: “Oxe, você é doido?”. Falei: “Aqui em São Paulo não tem isso, não”. É, mas é assim mesmo.
P/1 – E como foi? O que mudou em casa depois disso?
R – A gente achou muita falta. Quando eu vejo as crianças... Que ela brincava com eles. Eles choraram muito, Nossa. E ela pediu para mim que queria ser enterrada em Campinas. Ela falava: “O dia que eu morrer, você me leva para Campinas, eu não quero ser enterrada aqui”. Porque ela falava: “Você vai me enterrar no cemitério no meio dos bandidos e eu não quero”. Ela falava isso. Ainda liguei para o meu irmão lá, meu irmão arrumou, ajeitou tudo lá e a funerária veio buscá-la. E foi enterrada em Campinas, do jeito que ela pediu. Levei-a para lá. Que lá eles tinham os túmulos lá comprados e eu não tinha aqui. Não tinha e não tenho. Aí ela foi para lá. Foi do jeito que ela quis. Mas não é fácil, sabe? A gente passa por cada coisa: é marido, é mãe, Nossa, credo. Eu espero agora de eu ir, meus filhos me enterrarem. Não quero enterrar ninguém mais.
P/1 – Dona Ercília, eu posso vir já para o momento atual? Ou tem alguma coisa nesse meio tempo que a senhora ainda tem que contar para a gente?
R – Não, acho que não. Você pode fazer as perguntas que você quiser.
P/1 – Se lembrar, a senhora fala, está? Se faltar alguma coisa a partir do que eu for perguntar agora. Eu queria saber como é a sua rotina hoje.
R – Ah, hoje eu só cuido de neto. Cuido da minha casa e dos netos. Não sou de sair, que eu não gosto de sair. Só. Só dentro de casa. Agora, quando eu trabalhava era diferente. Saía de manhã, vinha à tarde, era bom. Tenho muita vontade ainda de trabalhar. Tenho vontade demais, mas os filhos não deixam também. Eles não deixam, não. Eu arrumei um bico lá num restaurante, inclusive meu filho trabalha com marmitex, esse Vanderlei, aí eu arrumei num restaurante, outro, para lavar a louça, essas coisas. Oxe, meu filho não deixou, não. Trabalhei um dia só, ele não deixou: “Não, mãe, a senhora não vai trabalhar mais não. A senhora está doida?”. Falei: “Mas o que tem trabalhar? É tão bom trabalhar”. Você passa a hora que você nem vê. Não é? Do que ficar em casa escutando só grito de neto e tudo.
P/1 – E eu queria que a senhora falasse por que a senhora cria esses dois netos.
R – Ele ficou viúvo. Eu peguei o menino quando ele nasceu, porque ela tinha três meninos, aí ela falou que se viesse menino de novo, ela não ia querer o menino, ela ia dar para ele. Veio menino e ela não quis o menino. Aí ela deu para mim, eu estou criando o menino. Depois Deus a levou, a outra menininha estava com três meses. Aí eu criei, veio para dentro de casa com os meninos. Ele veio para casa com a menininha e eu estou criando. Hoje ela tem cinco aninhos. Você vê, ela queria tanto uma menina, no fim a menina veio e ela não pôde criar. E ela falava: “Ah, essa menina minha vai ser uma princesa. Você vai ver como eu vou criá-la”. No fim, Deus a levou. E ela não criou nada. Você vê como são as coisas.
P/1 – E, dona Ercília, como foi acompanhar a família crescendo, começando a ter neto?
R – Isso foi meio chato (risos), porque logo o primeiro filho meu, o mais velho. Nossa, quando ele arrumou essa menina, não prestou. Mas, fazer o quê? Tive que aceitar. Mas até hoje ele vive em casa, tudo, ele é legal para caramba, vive muito bem com a mulher, não briga, nem nada, teve duas filhas. Nunca soube que eles discutiram, nem brigaram, nem nada.
P/1 – Quantos netos a senhora tem hoje?
R – Eu tenho doze netos e dois bisnetos. Tenho quatorze com tudo.
P/1 – Dá para lembrar o nome de todo mundo, dona Ercília?
R – Ô.
P/1 – Dá?
R – Ainda lembro o nome de todo mundo.
P/1 – Dá para falar agora?
R – Ô.
P/1 – Fale para a gente então, o nome de todo mundo.
R – Eu tenho quatro aqui em Minas, que são todas mulheres: Bruna, Camila e Larissa, que são da minha filha mais velha. E a outra é Lorena, é uma só, da outra filha. É Lorena. Quatro netas. E já tem um bisneto lá, que é da Bruna. Ela casou, tem um menininho, aí eu tenho um bisneto. E aqui são: a Paula, Ana Paula, a Ana Heloísa, que são do meu filho mais velho; e o Bruno e o Augusto, que são do Vanderlei. E agora esses dois: Nícolas e Nicole, são os que eu crio. E a bisnetinha, que é Brenda, tem seis aninhos ela.
P/1 – Eu não costumo fazer isso, mas eu quero que a senhora... Se a senhora quiser, que recado a senhora daria para os seus netos?
R – Que recado?
P/1 – Que recado a senhora gostaria de deixar registrado para falar para os seus netos?
R – Sei lá. Sei lá, eu adoro todos os netos meus. Nossa, eu tenho paixão por eles. Principalmente esse Bruno, eu o criei até sete anos, sete, oito anos. Ele morou comigo, que a mãe trabalhava. Nossa, eu sou apaixonada por ele. E o irmãozinho dele também, o Augusto. Adoro o Augusto. Mas, Nossa, eu sei lá, adoro todos os netos. Tem a Paula. A Ana Paula é a minha vida, que é a filha mais velha do meu filho mais velho. Nossa, eu a adoro. E a Heloísa também. A Heloísa é bonita que você precisa ver. Vou mandar uma foto dela para você ver a coisa mais linda que ela é. E ela gosta. Ela me chama de vovó. É vovó para aqui, vovó para ali. Eu falei para ela que vinha aqui, ela falou: “Ai, avó, não vai, não”. Eu falei: “Por quê, filha”. Ela falou: “Nossa, a senhora vai passar mal, avó. Não vai, não”. Eu falei: “Não vou, filha, passar mal. A sua avó fala mais do que a boca, então o que tem ir lá para conversar um pouco?” Ainda ontem ela foi lá, falou: “A senhora vai mesmo, avó?” Eu falei: “Eu vou”. Falou: “Ai, avó, então Deus acompanhe a senhora, para a senhora ser feliz lá”. Falei: “Você vai ver, eu vou ser”.
P/1 – Falando nisso então, como foi para a senhora hoje contar a sua história?
R – Eu estou achando bom, porque é coisa lá do sítio, coisa da roça. Nossa, eu adoro essas coisas da roça. Inclusive, a minha filha mora no sítio, essa de Minas, mas meu genro não gosta muito de trabalhar não, sempre é ela que cuida de casa, que o sustenta e tudo. Eu chego lá, digo: “Ah, mas se eu fosse mais nova, eu ia viver dessa terra aqui. Ia plantar, ia colher, ia vender” – falo para ele. Ele fala: “Não, mas eu tenho problema de coluna, não sei o quê. Eu não posso”. A outra vez que eu fui, eu ajudei minha filha a plantar milho, e feijão, e mandioca. Ela escreveu para mim, mandou foto, falou: “Olha, mãe, estou comendo o milho que a senhora me ajudou a plantar. Vem para cá para a senhora comer do milho, precisa ver como é doce esse milho”. Eu falei: “Ah, guarda aí que eu vou aí para nós fazermos pamonha”. Fui para lá. Nossa, muito bom. Ensinei-a a erguer, porque lá tem umas mangueirinhas assim, então dá aquela sainha e arrasta no chão. Falei: “Olha, esses galhos que estão no chão, você põe escora para levantar, porque dá manga, o mosquito vem e põe bicho nas mangas, daí não prestam. Mas você o ergue”. Plantamos umas varinhas assim, enganchamos na saia dela e erguemos tudo para cima. Cada manga desse tamanho assim que deu lá, umas mangas-espada. Ele falou: “Nossa, eu já vi que a senhora entende de sítio, viu, dona Ercília?”. Eu falei: “Lógico que eu entendo. Eu queria morar aqui para você ver se esse sítio não andava”. Ela comprou semente de alface, de couve. Eu ainda fiz umas leiras lá, cercamos por causa de galinha, que ela tem galinha, cercamos com tela. E não deu alface? Deu. A leira deu alface. Precisa ver que coisa mais linda. Ela mandou foto para mim. Falou: “Olha, mãe, a verdurinha que a senhora me ajudou a plantar”. Ainda hoje ela fala: “Mãe, vem para cá, vem morar comigo”. Digo: “Vixe, é ruim eu morar aí. Agora eu não quero, não. Agora eu não aguento mais não para morar aí”. Mas eu vou para lá, fico até meses, três meses. Esses tempos eu fui, fiquei quatro meses lá, antes da mulher falecer. Depois, agora, está com dois anos que eu não vou lá. Já fez dois anos. Mas ela manda as fotos, manda tudo.
P/1 – Dona Ercília, a gente está chegando ao fim, eu tenho mais uma pergunta para fazer. Mas antes, a senhora quer contar alguma coisa que ficou?
R – Não, acho que eu já falei tudo.
P/1 – Pilar, pode?
P/2 – Eu tenho duas perguntas: uma, gosto muito de saber que sua mãe tenha enviado duas cartas para você, para a senhora quando você ficou sozinha. Desculpe falar “você”.
P/1 – Não, tranquilo.
P/2 – Eu respeito muito. A senhora sabe ler?
R – Não.
P/2 – Quem leu para...
R – Meu filho. Meus filhos.
P/2 – E o que a sua mãe escreveu nessas cartas? Que ela tinha saudade da senhora, que ia buscar?
R – Isso. Que ela tinha saudade demais e que ela queria conhecer os meus filhos, que ela não conhecia. Porque quando foi embora, eu caí mesmo de uma vez, daí não pude ir lá levar os meninos para conhecer. Então ela veio conhecer quando ela veio passear em casa. Ela veio passear, ficou uma semana e voltou. Depois foi quando ela caiu doente, daí eu a peguei para morar comigo. Fiz o quartinho, porque ela falou: “Não, mas a sua casa é pequena”. Eu falei: “Ah, mãe, nós dividimos o quarto. Eu divido o quarto meu com a senhora”. Aí ela concordou. Ela veio. Nossa, mas ela chorava muito na carta. Eu tenho ainda guardada essa carta em casa. Está velhinha.
P/2 – E aquelas cartas que sua mãe enviou quando... Porque eu entendi que a sua mãe tinha vindo para cá e deixou a senhora com uma tia para lhe separar do seu irmão, que o seu irmão estava... E a senhora falou que tinha recebido duas cartas.
R – Duas cartas.
P/2 – Essas cartas, a senhora tem?
R – Não. Essas não.
P/2 – (risos) Seria demais. Mas também ela só queria mostrar o amor.
R – É. A minha tia leu para mim. E pelo jeito ela chorava muito nas cartas. Mas foi demais. Depois que eu tive meus filhos, tudo, ela também não conheceu. Ela mandou a carta, inclusive acho que eu tenho até lá, ainda, essas cartas. Mas foi bom demais quando ela veio, que conheceu. E os meninos gostaram muito dela, que ela era muito brincalhona. E depois ela veio para morar, os meninos consentiram, tudo: “Ah, mãe, traz a avó para morar conosco. É tão bom a avó aqui”. E como foi bom mesmo. Foi ótimo ela morar comigo. Então eu não tenho mais, da parte dela, não tenho mais ninguém, nem tia... Só tenho uma prima.
P/2 – De quem era, da sua mãe ou do seu pai, a senhora falou que o avô ou avó era alemão.
R – Minha mãe.
P/2 – O pai da sua mãe?
R – É. Era alemão.
P/2 – E a sua mãe tinha alguma coisa que tivesse herdado desse alemão? Porque alemão não é brasileiro e, na roça, ainda menos. Tinha alguma coisa que, na família, você falasse: “Esse é alemão”.
R – Ela era muito branquinha, a minha mãe. Ela era bem branquinha, do cabelo bem amarelo. Bem amarelinho o cabelo dela, loirinha, sabe? Ela era tão branquinha que era vermelha. Então ela era filha de alemão, os pais dela. Ela mesma que falava, que eu não conheci. Que ela perdeu os pais nova também. Mas, então, aí meu irmão falava que eu não era irmã dele não, que eu era neguinha.
P/2 – O irmão é loirinho? Não?
R – Não, é um pouco mais claro. Ele parece índio. O cabelo dele bem liso. Ele é mais velho do que eu acho que três anos, ou quatro anos que ele é mais velho que eu. Ele não tem um fio de cabelo branco, essa vez que ele veio em casa. E não pinta, não. Ele falou que uma coisa que ele não vai usar é pintura no cabelo. Não tem não, menina. Ele parece índio, o cabelo dele. É bem escorrido, sabe, o cabelo dele. Falei: “Nossa”. Mas meu pai era moreno. Pai era bem moreno, puxei para o pai. Bem altão, bem morenão, sabe? Mas meu irmão falava que eu não era irmã dele, não. Essa minha irmã, ela mora aqui em Mococa, ela é tão branca que tem aquelas pintas, sabe?
P/1 – Sardinha?
R – Então nós brigávamos, eu digo: “Oxe, mil vezes eu preta desse jeito, do que ser branca, sardenta desse jeito” (risos).
P/2 – (risos) Muito bom.
R – É. Ela falava. Ainda falo. Até ela: “Nossa, Ercília, acho tão engraçado, porque você é morena, você não mostra a idade”. Porque eu vou fazer agora em junho, 73. “Eu estou aqui, então eu vou fazer cinquenta...” – que ela falou, porque ela é dez anos mais nova que eu – “E eu estou muito mais velha que você”. E está mesmo. Está bem mais velha do que eu.
P/2 – A pele morena...
R – É. Eu falo: “Olha, por isso que é bom ser morena”. Eu falo para ela, preta: “Por isso que é bom ser preta, porque preto não mostra a idade” (risos).
P/1 – Mais alguma coisa, Pilar?
P/2 – Sim, uma última coisa. Não sei se é triste. Como seu pai sabia que ele estava indo embora? Alguma vez a senhora pensou nisso? Porque eu fiquei bem chocada que ele soubesse mesmo que estava indo embora.
R – Até hoje eu fico pensando nisso. Às vezes eu penso: como ele estava sabendo que ele ia embora? Porque ele nos chamou, dividiu todas as coisas que tinha. Para mim, ele deu uma charrete com quatro cavalos; para o meu irmão, ele deixou a carroça com quatro burros e as plantas; para minha mãe, ele deu as galinhas - tinha setenta e cinco cabeças de galinha no terreiro - e os porcos. Tinha o mangueirão, tinha o chiqueiro de porco. E ele dividindo assim. Tinha quatro carros de milho no paiol para vender. E ele falando. Falou: “Não, eu estou indo embora, então você cuide da sua irmã” – falando para o meu irmão – “Cuide bem dela, não deixe ninguém ficar judiando dela, batendo nela, não”. Ele: “Está bom, pai”. Está bom, mas foi a primeira coisa que ele fez foi bater. Mas batia mesmo de verdade, era com pau. Eu vivia toda marcada. De pau, era pontapé assim, sabe? Nossa, Deus me livre, eu sofri muito na mão do meu irmão depois que pai morreu.
P/2 – E agora a relação com o seu irmão melhorou?
R – Melhorou. Depois que ele virou evangélico, melhorou. Hoje ele é presbítero de igreja. Hoje. Ele ficou bom, pediu desculpa, perdão, tudo, tanto para mim, como para mãe. Que ele era ruim para a mãe também. Ele era bravo. E hoje ele é outra pessoa.
P/1 – Então eu vou fazer a última pergunta. Eu queria que a senhora falasse para a gente: quais são seus sonhos, dona Ercília?
R – Nossa, sonho, eu sonho muito. Inclusive, essa casa minha é pequena por causa dos netos e o filho que voltou. Porque uma coisa é a senhora morar sozinha, com os filhos todos casados, outra coisa, de repente, é encher a casa. Então, minha casa é muito pequena. O maior sonho que eu tenho é ter uma casa. Minha. Poder vender ali onde eu moro, que é minha mesma, e comprar uma maior, que tenha quarto para as crianças, que tenha o meu quarto. Porque a menina fica comigo, ele fica com o menino lá, com o filho dele. Porque não coube nada dele dentro da minha casa, que minha casa já era cheia. Então ele não trouxe nada, só trouxe os filhos. Eu tinha vontade…. O maior sonho meu é... Eu falo para ele isso, falo: “Olha, filho, o maior sonho meu é ter uma casa que tenha o seu quarto, nem que você divida com o menino, mas que tenha o seu quarto”. Agora, eu não. Eu fico na sala. A sala, eu pus a cama, fico na sala com a minha neta e dei o meu quarto para ele, para ele ficar com o menino lá. Porque ele ficou doente também por causa da perda da mulher. Ele ficou variado, perdeu o serviço, ficou desempregado. Agora que ele está trabalhando. Vai fazer três meses que ele está trabalhando. Ficou muito tempo desempregado. E eu ali, caindo com tudo, e tendo paciência com ele também, que ele ficou variado da cabeça, precisou passar por psicólogo e tudo. Fazer tratamento com psicólogo. Mas agora, graças a Deus, está bem. Agora eu falo para ele: “Agora você está bem, você está trabalhando, a gente tem que se virar, tem que mudar. Vender isso aqui e comprar uma casa maior. Ou você pretende ir embora, sei lá?”. Ele falou: “Não, mãe. Não quero ir embora, não. Vou embora para ficar com as crianças? Como eu vou me virar? Enquanto a senhora puder dar uma mão, eu vou ficar por aqui mesmo”. E não está namorando, não está nada. Vai fazer dois anos que a mulher foi embora. Está só. Eu falo: “Ai, meu Deus”. E eu doida que ele arrumasse uma namorada, casasse, levasse os filhos, para me deixar sozinha em casa de novo (risos).
P/1 – (risos).
R – Porque a minha casa são três cômodos: sala, cozinha e o quarto. Agora, esse monte de gente em casa, não dá certo não.
P/1 – Não dá certo. Dona Ercília, eu queria agradecer imensamente a presença da senhora. Foi um presente escutá-la hoje.
R – Ah, obrigada.
P/1 – Muito obrigada mesmo.
R – Obrigada a vocês também de eu sair, dar esse passeio. Porque para mim é um passeio vir para cá. Eu não saio, só vivo lá naquele pedacinho ali, sabe? É na casa dos filhos, é em casa. Oxe, não tem para onde ir. Então, para mim, eu fico agradecida também.
P/1 – Muito obrigada, dona Ercília.
R – De nada.
FINAL DA ENTREVISTA
Recolher