P/1 – Obrigada por ter aceito o nosso convite, Célia. Pra começar eu gostaria que você dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Tá, é Célia Yoshi Hara, sete do dois de 1957, São Paulo, capital.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Hara Yoshi (Torokite?), (Tokie Tesuka Torokite?).
P/1 – Eles nasceram no Brasil mesmo?
R – Então, minha mãe é nascida no Japão. Meu pai já não, é de Ribeirão Preto, São Paulo.
P/1 – E você sabe alguma coisa de como eles se conheceram, quando é que ela veio pro Brasil?
R – Pelas conversas, pelas histórias, minha mãe veio pequena do Japão, com cinco anos de idade, e se instalou em Bauru, na área rural. E meu pai a conheceu, porque ele foi fazer um curso, parece que foi de plantação de algodão e foi fazer estágio na fazenda lá dos meus avós e aí se conheceram. História mais ou menos assim.
P/1 – Nossa, então eles eram novinhos quando se conheceram?
R – É, acho que sim. É que na época, né? Acho que sim, acho que eram novos. Eu sou a última filha.
P/1 – Qual é que é a atividade profissional dos seus pais?
R – Meu pai é falecido, minha mãe é da casa, do lar.
P/1 – E seu pai trabalhava com agricultura? O que seu pai trabalhava?
R – Meu pai era corretor de imóveis, trabalhava com imóveis.
P/1 – Com imóveis?
R – Isso.
P/1 – Ah, tá. Quantos irmãos você tem?
R – Eu tenho mais três, eu sou a caçula.
P/1 – Qual é o nome, assim, na escadinha?
R – Na escala?
P/1 – É.
R – É a Neide a mais velha, a Gilda e o Sérgio. São os três acima.
P/1 – A gente vai falar um pouquinho da sua infância, tá? Você cresceu em São Paulo mesmo?
R – Isso, eu nasci e... Sempre aqui em São Paulo.
P/1 – E você lembra da sua casa quando você era petitica?
R – Pequitica? Não cresci muito, mas tudo bem....
Continuar leituraP/1 – Obrigada por ter aceito o nosso convite, Célia. Pra começar eu gostaria que você dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Tá, é Célia Yoshi Hara, sete do dois de 1957, São Paulo, capital.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Hara Yoshi (Torokite?), (Tokie Tesuka Torokite?).
P/1 – Eles nasceram no Brasil mesmo?
R – Então, minha mãe é nascida no Japão. Meu pai já não, é de Ribeirão Preto, São Paulo.
P/1 – E você sabe alguma coisa de como eles se conheceram, quando é que ela veio pro Brasil?
R – Pelas conversas, pelas histórias, minha mãe veio pequena do Japão, com cinco anos de idade, e se instalou em Bauru, na área rural. E meu pai a conheceu, porque ele foi fazer um curso, parece que foi de plantação de algodão e foi fazer estágio na fazenda lá dos meus avós e aí se conheceram. História mais ou menos assim.
P/1 – Nossa, então eles eram novinhos quando se conheceram?
R – É, acho que sim. É que na época, né? Acho que sim, acho que eram novos. Eu sou a última filha.
P/1 – Qual é que é a atividade profissional dos seus pais?
R – Meu pai é falecido, minha mãe é da casa, do lar.
P/1 – E seu pai trabalhava com agricultura? O que seu pai trabalhava?
R – Meu pai era corretor de imóveis, trabalhava com imóveis.
P/1 – Com imóveis?
R – Isso.
P/1 – Ah, tá. Quantos irmãos você tem?
R – Eu tenho mais três, eu sou a caçula.
P/1 – Qual é o nome, assim, na escadinha?
R – Na escala?
P/1 – É.
R – É a Neide a mais velha, a Gilda e o Sérgio. São os três acima.
P/1 – A gente vai falar um pouquinho da sua infância, tá? Você cresceu em São Paulo mesmo?
R – Isso, eu nasci e... Sempre aqui em São Paulo.
P/1 – E você lembra da sua casa quando você era petitica?
R – Pequitica? Não cresci muito, mas tudo bem. Então, sempre foi na Zona Sul, em Jabaquara. Sempre, nasci e cresci em Jabaquara.
P/1 – E como é que era a casa?
R – A casa era térrea. Jabaquara, na época, parecia interior. Então era brincar na rua, brincadeira de rua. Os irmãos eram mais velhos. A imagem que eu lembro de infância é essa.
P/1 – Era grande a sua casa?
R – Não, era pequena.
P/1 – E como é que era o dia-a-dia na sua casa? Seu pai saía pra trabalhar, sua mãe...
R – Isso.
P/1 – Como era isso?
R – Como é que era? Faz tanto tempo, deixa eu lembrar (risos). Então, eu lembro que eu gostava de brincar, gostava de desenhar, de fazer origami. Gosto até hoje. o que mais? Tinha umas plantas no quintal, gostava de... E sempre gostava de inventar coisas... Ah, fato interessante também. A gente sempre foi de classe não-rica, classe média baixa, e acho que desde criança sempre me incomodava com as crianças mais pobres, eu sempre gostava de ajudar. Acho que era uma marca já.
P/2 – E você lembra como você ajudava?
R – Como eu ajudava? Ah, de umas formas... Eu sempre gostei de inventar e se eu tinha uma bicicleta, emprestava a bicicleta... Tudo bem que voltava toda quebrada, mas eu gostava de dividir.
P/1 – E isso era uma coisa comum na sua casa ou era uma coisa sua?
R – Não, acho que a minha família é solidária, mas eu acho que é uma característica mais minha. Meu irmão já foi pra área de exatas, é engenheiro. A outra irmã, com artes. Na área social foi só eu mesma que fui pra esse lado.
P/1 – Quando você era pequenininha, você estudou naquele bairro mesmo?
R – Estudei. Eu morei... Até agora moro na região...
P/1 – Sempre na mesma casa?
R – É, sempre morei.
P/1 – E você lembra quando você... Aliás, você falou do origami, você lembra o primeiro contato que você teve com origami, quem te ensinou?
R – Eu acho que foi algum parente. Não me lembro bem quem, mas alguém.
P/1 – E como é que foi a escola? Você lembra quando você entrou, a primeira vez?
R – Ah, é ansiedade. Eu não fiz pré-escola, eu fui pra primeira série direto. Então é um mundo diferente. Foi uma situação de ansiedade. Quem são aquelas pessoas e tal. Mas acho que é o típico.
P/1 – De escola pública?
R – De escola pública. Aí eu estudei quatro anos lá, depois fui pra outro colégio, era a época de ginásio.
P/1 – Você lembra o nome da escola?
R – É Ângelo Mendes de Almeida, eu acho.
P/1 – Nossa.
R – É, _____. (risos)
P/1 – A escola existe ainda?
R – Existe.
P/1 – Era grande a escola?
R – É, pra uma criança de sete anos...
P/1 – Tudo é grande.
R – Tudo é grande, né? Mas eu até voto, atualmente, lá na escola que eu estudei. Então ele ficou pequeno. Mas é uma escola do bairro. A característica de escola daquela época era diferente de agora, porque na minha época quem ia pra escola particular era quem não... Sabe aquela coisa? Ah, o pai tá pagando pra passar de ano. Então, naquela época, a escola pública tinha um papel realmente, era o poder público que tinha que dar conta. Então era uma escola boa, no geral.
P/1 – Tinha escolas até que tinha vestibulinho pra entrar.
R – Isso. É, tinha. Naquela época... Bons tempos.
P/1 – E dessa época de escola tinha uma professora predileta?
R – Predileta?
P/1 – Ou o que você mais gostava de fazer, uma disciplina que você mais gostava?
R – Você diz do ensino fundamental? Assim, da escola no geral?
P/1 – Ah, porque você fez duas escolas, né?
R – É, na época era primeira à quarta, depois era o ginásio, agora é o fundamental dois, depois, ensino médio. Mas Matemática nunca foi o meu forte, não. Sempre gostei mais da área de humanas mesmo. História ou talvez Geografia, Desenho.
P/1 – Humanas mesmo.
R – Humanas, não tem jeito, não.
P/1 – E que lembrança você guarda dessa primeira escola? Marcante.
R – Da primeira escola?
P/1 – É.
R – Hum, ai... Tomar sorvete (risos).
P/1 – Tomar sorvete? Era na escola mesmo ou era quando voltava?
R – Quando voltava. Era muito bom, sempre bom.
P/1 – E como é que você ia pra escola? Era pertinho?
R – Era perto de casa, isso.
P/1 – Você ia com um grupo de amigos?
R – Era com amigos. Naquela época dava pra andar tranquilo na rua.
P/1 – Você tinha um grupinho?
R – Isso, tinha sempre as amigas que moravam perto, a gente ia e voltava tranquilamente.
P/1 – Ia e voltava pra escola?
R – Isso.
P/1 – E o caminho era legal? Porque, Jabaquara... Devia ser diferente...
R – Naquela época?
P/1 – É.
R – É, parecia uma cidadezinha de interior, muitas casas com jardim, cachorro na rua, era uma outra situação, mas era prazeroso ir e vir, era tranquilo.
P/1 – Aí você fez o que seria o ginásio nessa escola?
R – Não, fui pra outra.
P/1 – Como era essa outra escola?
R – A outra já era da quinta série pra cima. Na época era o ginásio e tinha o colégio. Então já era uma outra dinâmica. Acho que foi um momento do grupo, de você se integrar com outros grupos. Eu fui me identificando mais na área que eu tô agora, aquele grupo de sempre inventar coisas, de reunir. Acho que foi um momento de descoberta.
P/1 – Você sentiu um choque quando você mudou de escola?
R – Não, foi tranquilo.
P/2 – Muita gente mudou pra mesma escola?
R – Não, acho que foi um momento de ruptura, cada um foi pra um canto. Aí lá eu fiz outros amigos, e foi tranquilo.
P/1 – E como você costumava se divertir nessa fase?
R – Nessa fase de adolescência?
P/1 – Isso.
R – Então, a gente tinha um grupo, principalmente no colégio, agora ensino médio. Eu acho que era uma fase de muito idealismo. Foi da época de oitenta, começo de oitenta, coisa assim. Acho que era um momento ______ político, momento que o jovem era muito participativo, muitos sonhos, vontade de ajudar as pessoas. E lá tinha um grupo muito coeso nesse sentido, lideranças. E aí eu sempre estava junto com essas pessoas, eu nunca fui de uma liderança, tá à frente, mas eu gostava sempre de fazer acontecer. Foi um momento bacana de reencontro.
P/1 – E você lembra de alguma atividade que o grupo tava...?
R – Ah, a gente sempre fazia, sempre inventava, de conhecer projetos sociais, na época era orfanato. A gente sempre fazia alguma coisa pra levar pra um orfanato, reunir os grupos de estudo. Era um momento interessante mesmo, de conhecer... A gente sempre tinha assim, conhecer outras profissões. Todo mundo em crise. "Ai, o que eu vou fazer?" "Ah, fazer Psicologia, fazer isso, aquilo." Sempre a gente inventava uma forma. "Ah, eu conheço alguém que faz isso" "Ah, então vamos chamar pra conversar, pra gente saber como é que é o negócio". Acho que foi uma fase bem bacana da minha vida.
P/1 – E você chegou a visitar esses orfanatos?
R – Ah, ia. A gente sempre inventava, sempre ia.
P/1 – E como foi a primeira visita?
R – Às vezes, a gente até cabulava a aula pra ir visitar. E a gente ia visitar, ia sempre, levava uma atividade de integração com as crianças.
P/2 – Vocês bolavam da cabeça de vocês?
R – Bolava da cabeça da gente, ia lá e fazia, juntava...
P/2 – Você lembra de alguma?
R – Ah, a gente inventava sempre. Era Natal, a gente fazia, arrecadava dinheiro com os amigos, fazia festa pra arrecadar dinheiro. E é muito interessante, alguns amigos ainda... A gente se fala e eu acho que esse idealismo, cada um ainda continua, cada um na sua, no seu segmento. Um é médico, mas ainda traz uma recordação de: "Lembra daquela época?” “Ah, mas eu faço alguma coisa". Acho que esse momento marcou muitas coisas na vida da gente enquanto jovem. Coisa que eu acho que falta hoje. Acho que o jovem hoje falta um pouquinho de... De sonhar um pouquinho, acho que faz bem, né?
P/1 – E você sentiu uma facilidade pra tá interagindo com as crianças? Era tranquila essa relação?
R – Era, era tranquilo, era gostoso, porque eles eram muito carentes de afeto. E existia uma troca, nós enquanto jovens, na época, e essas crianças. E era muito interessante, mesmo na época a gente sempre se questionava. Eles não tiveram a oportunidade, não no sentido de ir lá e dar alguma coisa, aquela coisa piegas. Era uma coisa bem interessante. E acho que esse momento gravou muito a minha trilha, mais pra frente é o que eu quero fazer.
P/1 – Você lembra de alguma situação em particular, de você tá conversando com uma criança?
R – De querer, "Ah, me leva pra casa". Assim, é uma coisa que incomoda. O porquê as pessoas estão lá e você, em outra situação.
P/1 – E tinha isso, entre vocês do grupo, vocês conversavam sobre isso?
R – Conversávamos isso. E a indignação. A única coisa que difere é que hora de nascer, um nasceu lá, outro cá.
P/1 – Mas é tudo igual, né?
R – Mas é tudo igual. É a oportunidade, né? _______
P/1 – Isso foi formando mais ou menos a idéia onde você queria atuar?
R – É.
P/1 – E aí você foi terminando o colégio e... Como é que foi isso?
R – Isso, fui terminando o colégio, aí chega aquela coisa: o que vai fazer? Pelo meu irmão, principalmente. _______ japonês, vai pra área de exatas ou pra área de biomédicas. Mas não era a minha, não. Não era o que eu queria fazer. E aí eu falei: "Bom, o que eu vou fazer?" E aí eu conheci a irmã de um amigo meu que era assistente social. Falei: "Ah, eu acho que é isso". Aí eu fui fazer. Fiz esse Serviço Social. Aí eu tentei o vestibular nas duas, na USP e na FMU. Aí passei no Serviço Social. Fiz o primeiro ano, depois, no ano seguinte, tentei...
P/2 – Onde que você fez o primeiro ano?
R – Eu fiz o Serviço Social na FMU e a Pedagogia na USP. Aí no segundo ano, aí fui tentar a Pedagogia, passei, aí fiz as duas juntas.
P/1 – Você fez as duas faculdades?
R – Isso.
P/1 – Como é que era? Você fazia uma de manhã, outra à tarde?
R – Isso, outra à tarde e trabalhava final de semana (risos). E dava aula também.
P/1 – Peraí, mas, até então você não estava trabalhando, né?
R – Isso, não.
P/1 – Até o colégio, não.
R – Não, só dava aula particular. Assim eu consegui só estudar.
P/1 – Ah, você dava aula particular. Do que você dava aula?
R – Mais de reforço escolar.
P/1 – Ah, é? Quando você estava no colégio? Não, depois?
R – Terminando o cursinho.
P/1 – Quando você estava fazendo o cursinho?
R – Isso.
P/1 – Mas foi uma iniciativa... Como é que foi?
R – Iniciativa minha, é. Pra ter os trocados, pra eu não ficar pedindo, ficar dependendo. Então era bom.
P/1 – E era em casa mesmo?
R – Não, eu ia na casa das...
P/1 – E como você conseguia os alunos? Como era isso?
R – Ah, contato, conhecidos. Eu sempre me virei (risos).
P/1 – Mas você dava aula do quê, de reforço?
R – De reforço escolar, Matemática, mais Inglês, Geografia. Mais reforço mesmo, estar junto com o aluno.
P/2 – De várias matérias?
R – É, foi bem interessante.
P/1 – Quando você escolheu a sua área, pra sua família foi tranquilo? Ou o seu pai ou sua mãe tinha uma idéia...
R – Não, não. Tranquilo.
P/1 – Tá, não falou assim: "Não, você vai fazer tal coisa"?
R – Não, não.
P/1 – Não tinha isso. De manhã você fazia que curso?
R – Então, na verdade, durante vários anos, eu fiz as duas faculdades. Aí eu fazia Pedagogia à tarde, e à noite Serviço Social.
P/1 – Ah, você trabalhava de manhã?
R – E de manhã estudava, dava aula.
P/1 – Aí você falou que trabalhava no final de semana também.
R – É, teve uma época que eu fazia estágio.
P/1 – Estágio em...?
R – Em Pedagogia.
P/1 – Mas era uma escola?
R – Não, era um trabalho comunitário, na época.
P/1 – Que trabalho que era esse?
R – Na época, era um projeto lá da USP, que era do... Ai, que grupo que era? Não, não era da USP, não, era do Serviço Social, porque a proposta era implantar serviço social escolar. Era em comunidade escola. Isso há muito tempo atrás.
P/1 – Mas esse estágio era em uma comunidade?
R – Era em uma comunidade.
P/1 – E que comunidade você foi?
R – Era na Zona Leste, eu acho.
P/1 – Pra você é bem diferente da região do Jabaquara, né? É outra coisa.
R – Isso. Mas tinha metrô, a gente se virava aí.
P/1 – É? E você lembra quando você chegou a primeira vez na comunidade?
R – Na comunidade?
P/1 – É.
R – Como é que foi?
P/1 – A impressão, como é que foi?
R – Ah, eu sempre gostei de comunidade. Eu acho, assim, me identifico muito. Então eram lideranças comunitárias que tinha lá. E eles, na época, era a associação de bairro. E eles precisavam se organizar, eles faziam intervenções na comunidade, rua de lazer, essas coisas. E aí...
P/1 – Ah, a época da Rua de Lazer...
R – Da Rua de Lazer, era.
P/2 – O que era?
P/1 – Ah, teve uma época, eu lembro porque eu fui criança, brinquei muito na rua (risos). Assim, nessa época, paravam a rua. Ia num bairro uma equipe, às vezes era ligado à prefeitura, não sei.
R – Isso.
P/1 – E aí, uma rua num determinado bairro fechava. E aí tinham várias brincadeiras, tinham monitores. Eles levavam tinta, a gente pintava a parede.
R – Isso. Era muito bom, não era?
P/1 – Muito, muito bom. E isso em vários locais.
R – Eu acho que revitaliza.
P/1 – Vários bairros acontecia ao mesmo tempo.
R – Era a Secretaria de Esporte. Tem tantas idéias simples.
P/2 – Iniciativa pública, né?
P/1 – É, então você pegou essa... Foi esse trabalho?
R – Foi.
P/1 – E você, como estagiária, qual era a sua função nisso?
R – Trabalhar com as lideranças que organizavam essas ruas de lazer, era a associação...
P/1 – Mas o que você fazia? Você conversava, você propunha?
R – Também. A gente organizava, planejava, fazia trabalho com as lideranças, mobilizava as outras associações.
P/1 – Uma coisinha, porque você era jovenzinha nessa época. E esse pessoal da liderança de bairro já é mais velho, né?
R – É.
P/1 – E como é que era essa relação?
R – Eles gostavam, porque era, no caso, o universitário indo. Então tinha aquela do acolher que eles buscavam. Diferente, não era o poder público que ia lá. Então eles acolhiam muito bem, eles queriam. Porque, inclusive, essas associações optavam por ter o trabalho do universitário lá. Então era muito gostoso.
P/1 – E essa sua experiências foi durante quanto tempo?
R – Acho que foi um ano e meio.
P/2 – Todo final de semana?
R – É.
P/1 – Sempre na mesma comunidade?
R – Um ano e meio, não. Acho que era um ano. Foi um ano.
P/1 – Na mesma comunidade?
R – Isso.
P/1 – E você interagia também com as crianças? Brincava?
R – Também. Também tinha, fazia um pouco de tudo.
P/1 – E você lembra de alguma situação?
R – Ai, faz tanto tempo (risos). Tanto tempo...
P/1 – Algum caso que tenha ocorrido nesse interagir aí?
R – Não, eu lembro muito assim, no último dia. Foi muito... Porque você se apega às comunidades no geral. Acho que foi difícil, acho que foi minha primeira experiência em comunidade, então tem um vínculo grande. O que eu gravo daquela comunidade foi o último dia, que foi chato, foi triste, digamos assim, porque eu acho que foi a primeira vez que foi a minha atuação nas comunidades. Depois, aí eu fui fazer outros estágios, aí já... Mas talvez tenha me gravado isso daí, da despedida.
P/1 – Você lembra qual comunidade que era? Da Zona Leste, que bairro?
R – Vila Carrão. Isso, acho que foi. Vila Carrão.
P/1 – Depois, ainda estudando e fazendo estágio, aí você foi pra onde?
R – Aí terminei uma faculdade...
P/1 – Só uma coisinha, esse estágio era remunerado?
R – Não, não.
P/1 – Você ia como voluntária?
R – Isso.
P/2 – Mas, nada?
R – Tinha uma bolsa, bolsa... Mas não era remunerado, era mais transporte, essas coisas. Aí eu acho que terminei uma faculdade, tranquei uma, terminei...
P/1 – Qual você trancou?
R – Tranquei a USP, porque dava pra esperar. Aí terminei o Serviço Social, fiz estágio, depois retornei pra terminar. Aí comecei a fazer estágio em Serviço Social. Fiz estágio numa comunidade de base comunitária, lá no Jabaquara. Acho que foi a minha grande escola. Comecei como monitora, com crianças de sete a dezessete, apoio socioeducativo. E eu lembro que era um barracão, lá na Vila Fachini, na Zona Sul. Era um barracão. E quando eu cheguei lá, acho que só tinha uma criança. Não, tinha quatro crianças.
P/2 – ___________ da comunidade inteira?
R – É. Porque assim, aí começou a ter... Sempre existe um preconceito. Então começou a ter um preconceito das crianças que estavam, começou a evadir, evadir, eu cheguei lá, estagiária...
P/2 – Como assim um preconceito?
R – Na época que tinha esses projetos sociais, eles achavam que lá eram os meninos que não tinham nada o que fazer. Então os outros começam a se afastar. Naquela época que não tinham tantos projetos sociais.
P/1 – Os pais achavam que não era legal?
R – É, aí depois foi esse desafio de começar esse projeto. Eu era estagiária, e aí, a gente começou...
P/1 – Era da prefeitura?
R – Não, não. Era ligado à igreja. Mas a gente tinha convênio com a prefeitura. Aí começou a fazer a divulgação na comunidade, ir de porta em porta, fazer contatos, explicar o que era. Eu sei que nessa instituição eu fiquei, acho que uns oito anos. É, como estagiária, depois eu me formei, aí continuei lá. Lá foi minha grande escola.
P/1 – Nossa, oito anos é uma vida.
R – Foi uma vida, né?
P/1 – Conta um pouco mais desses oito anos.
R – Então, aí começou nisso, de um barracão...
P/1 – Assim, dificuldades.
R – É, num barracão, aí tinha poucas crianças. Aí depois foi uma amiga minha também fazer estágio lá. De porta em porta, conhecer a comunidade, falar com as pessoas que não era bem aquilo, enfim. Aí foi crescendo, crescendo, fazendo atividade com a comunidade, evento. Foi crescendo, crescendo e aí a gente conseguiu cumprir a meta, 180 crianças, noventa de manhã, noventa à tarde, com fila de espera. Depois eu me formei, e na instituição eles queriam, o padre queria montar um centro de atendimento... Na época falava menor, porque antes do ECA... Aí ele me contratou como Assistente Social, na época. Eu fui implantar esse centro de atendimento ao menor. E eu coordenava dez espaços. Então a gente tinha várias creches, na verdade eu era coordenadora de uma. Depois eu fui ser a coordenadora do Centro, então eram dez.
P/2 – Ah, ele expandiu a atividade desse primeiro lugar?
R – Não, já tinha vários. Eu era de um, depois na hora que eu fui pro centro, aí fiquei, eu e mais um amigo meu, psicólogo, a gente coordenou os dez. Porque a instituição tinha dez unidades na região. Na Febem, implantei um projeto na Febem.
P/1 – Deixa eu entender só um pouquinho antes. Quais atividades que vocês desenvolviam lá?
R – Era apoio socioeducativo. É como o Virando o Jogo, agora. Complementação à escola, de sete a quatorze anos...
P/1 – Era leitura também?
R – Isso. Na época a gente tinha outras linguagens. Eles iam pra escola, outro período iam pra lá, depois tinha artes, artesanato, grupo de orientação, reforço escolar, educação física. Agora tem um modelo diferenciado, que é mais leitura escrita. Eram mais ou menos essas cinco linguagens. E eles iam pra escola, voltavam pra lá. Aí depois eu fiquei na mesma instituição durante oito anos. E aí na coordenação. Aí foi a coisa de implantar projetos.
P/1 – E você lembra de algum que se destaca?
R – Lembro. Teve um que se destacou muito na época, lá na Febem. Eu implantei um projeto na Febem.
P/1 – Por meio dessa instituição?
R – Por meio dessa instituição. Foi uma experiência fantástica, na época.
P/1 – O era o projeto?
R – O projeto era assim: tem uma unidade educacional, a Febem tinha as unidades de triagem e educacional. E no Jabaquara tinha uma unidade educacional. Era uma unidade monstruosa, pra cem crianças. A coordenadora, na época, era a Maria Sillas Ziliotto, uma cabeça fantástica, bem inovadora. E a coordenadora da Febem também. E o meu diretor, também tinha umas idéias bem malucas. A gente topou essa empreitada, de “vamos ocupar espaços públicos”. E a gente tinha que ampliar o atendimento, porque tinha uma demanda grande pra atender. E aí a gente foi bater nas portas lá, fizemos um movimento de mães. E a gente foi lá e conseguiu o espaço físico. Então, a gente implantou lá, creche, na verdade, era um espaço que a Febem fez pra colocar bolas e a gente adaptou pra uma creche pra cem crianças, maravilhoso. O outro a gente atendeu 250 crianças em apoio socioeducativo, complementação à escola. Conseguimos levar pra lá as salas de aulas...
P/2 – Junto com a unidade dos internos?
R – Isso. E foi muito bacana, por quê? Porque você integrou crianças internas com as externas. Então experiências maravilhosas...
P/2 – Eles faziam atividades junto?
R – Sim. Então, começou a tirar aquele estigma. Foi uma das melhores experiências profissionais.
P/1 – Como foi convencer as famílias dos que não estavam internos? Porque esse estigma é forte.
R – Foi. Foi através de "Vamos conhecer". Foi todo um preparo. O que a gente fez? A diretora de lá tinha uma cabeça muito inovadora e lá tinha uma proposta, na época, dos internos, de conhecer a comunidade. Então o padre tinha um trabalho de comunidade-base, o que ele fez? Ele preparou as famílias comunitárias pra acolhida. Então no final de semana algumas meninas internas da unidade iam passar uma tarde na [casa] de alguém da paróquia. Então, começou a tirar aquele estigma, sabe? De menina interna.
P/2 – Era de menina?
R – Eram meninas. Acho que foi o primeiro ponto.
P/1 – Isso existe ainda hoje?
R – Não, isso não existe mais.
P/1 – E esse profissionais, você que selecionava? Porque pra trabalhar com a creche e tudo.
R – Era sim. Era tudo que a gente fazia.
P/1 – E era tranquilo, também, o pessoal pra ir pra Febem?
R – Tranquilo, tranquilo.
P/1 – Porque eu sei lá... Da mesma forma que você chama: "Eu vou trabalhar com as crianças da Febem", a gente pensa um pouco.
R – Mas acho que foi um todo, sabe? Acho que foi a metodologia que a gente fez primeiro. Precisamos? Precisamos. Vamos envolver a comunidade? Vamos. E a hora que a comunidade quis... Então, nós precisamos expandir nossa atuação, nós temos espaço? Não temos. A gente tem como alugar? Aí eu fiz comissão. "Vamos ver quanto custa um aluguel?" Então, as mães iam lá. "Não, não dá pra gente alugar". "Beleza. Dá pra construir? Então, vamos pesquisar, tem espaço público pra gente construir?" Elas iam. "Não, não tem". "Então tá, vamos dar uma olhada, o que pode acontecer aqui?" Aí elas viram. "Tem lá a Febem que é grande", já tinha um contato. "Vamos lá ver como é o negócio?" Então, assim, foi um... Eu acho assim, todo projeto social é fazer junto, você tem que envolver a comunidade, porque se não... "Então, vamos lá conhecer?" "Vamos". Então fomos lá. E como a diretora tinha esse olhar de tirar extra-muro, então foi um casamento. Acho que todo projeto social tem que começar assim, a metodologia, as etapas, têm que ser muito bem cuidadosa, porque uma palavra mal dita é maldita, uma etapa que você pula, você quebra. E o respeito à comunidade, porque a hora que ele percebe que aquilo faz sentido pra ele, ele compra a idéia, ele vai. Então isso é fundamental. Acho... Qualquer lugar, só muda o endereço. E foi uma experiência... Tem até um material que, tinha muita vontade de sistematizar essas coisas. Infelizmente foi aquela Febem que na gestão do Covas, foi quebrada. Nossa, deu um apertão no coração. Porque aí você vê todo um trabalho que você fez. Mas enfim, foi.
P/1 – É que você falou de eventos também. Você lembra de eventos que você promovia? Algum em particular?
R – Com essa Febem?
P/1 – Isso.
R – Ah, sim, vários. Eu acho que o fazer junto, ele é a maior dinâmica, como diz Tião Rocha. As coisas não precisam ser cartesianas. Eu acho que quando você chama a comunidade pra uma rua de lazer, quando você chama a comunidade pra fazer junto um evento, dia do fazer a diferença, não sei o quê, ele participa, ele é co-autor daquilo ali. E nós fizemos vários lá na época da Febem. E chegou a um ponto que teve uma festa que as meninas internas fizeram, uma festa, e chamaram a comunidade. E elas começaram a se arrumar pra receber a gente. Então é quebra de paradigma, é o ser humano. Tudo é quem é que tá. E lá, quem tá lá é funcionário público, não tá nem aí com a menina. A menina é um puro, um mero... Então, eu acho que é isso. E hora que você mistura, você faz aquela mistura de... Aí a coisa funciona. Adolescente não sabe, é o adulto que faz. Adolescente não sabe quem é interno, quem é não é interno. O estigma existe aí fora. Então cada coisa muito bacana, depoimentos... Outro dia encontrei uma ex aí, menina, que... Então é muito legal quando você vê as sementes virarem algumas coisas que deram certo.
P/1 – Você tem um exemplo pra gente?
R – Deixa eu ver. Até encontrei. Porque, na época, também, nesse mesmo projeto, a gente fez o profissionalizante lá. E tinha uma proposta da secretaria absorver, que agora é o Jovem Aprendiz, que o Raí tá tocando aí, porque na época já era uma proposta. E a gente encaminhou dez primeiros jovens pra Secretaria. Aí outro dia tava andado e uma menina, já terminou a faculdade, tá com trinta anos, não sei o quê. E terminou a faculdade, então vira e mexe a gente se tromba com pessoas que deram certo por aí. Acho que é oportunidade. O Raí sempre fala, acho que é bem isso mesmo. É criar oportunidade. Aí assim, quem tá no momento certo, aproveita. Acho que não parte da gente também, insistir. Acho que se você propicia, se dá oportunidade às pessoas preparadas, naquele momento, se não é naquele momento, num outro momento. Então foi uma fase bem bacana na minha vida.
P/1 – Bom, você tinha acabado a faculdade, fez esse trabalho.
R – Isso. Eu fiz esse trabalho, fiquei oito anos.
P/1 – Você ficou bem absorvida por isso.
R – É, eu sempre vou de cabeça mesmo. Aí foi uma experiência interessante porque eu fui pro Japão, na época.
P/1 – Que ano mais ou menos foi isso?
R – Foi noventa. Acho que foi. É, por aí, mais ou menos.
P/1 – Mil novecentos e oitenta?
R – É, 89. Acho que foi.
P/1 – Foi a primeira vez que você tinha ido?
R – Foi.
P/1 – E como foi a experiência?
R – Foi muito engraçada, porque eu sou terceira geração. E aí você não sabe bem, porque terceira geração não é nem lá nem cá. Aqui você não é brasileira e lá você não é japonesa. Então você fica alguma coisa estranha. E como é que foi? A minha irmã mora lá em Tóquio. Ela trabalha com arte, tinha ido pra lá. E aí chegou uma hora, já tava oito anos nessa instituição, nesse trabalho todo que eu falei. Falei: "Ah, eu acho eu quero conhecer alguma coisa diferente", aí eu falei: "Eu vou". Aí eu pedi as contas e fui. Fiquei, eu acho que uns seis meses lá.
P/2 – Ah, você foi pra ficar um tempão.
R – Fui. Aí eu fiquei seis meses lá.
P/2 – Você fala japonês, não?
R – Não, eu sou japonesa fajuta.
P/1 – E como foi isso?
R – Não que minha irmã fala bem, mímica, inglês um pouquinho, qualquer coisa. Aí tinha umas amigas que estavam lá, conheciam brasileiros que... E na época não tinha brasileiros. Mas foi uma experiência bem interessante lá.
P/2 – O que você fez lá?
R – Ah, mais passei. Trabalhei tanto, assim...
P/2 – Mas trabalhou um pouquinho?
R – Não, não. Trabalhei tanto no Brasil que eu fiquei lá com minha irmã, passeando um pouco. Porque lá mulher não trabalha, né?
P/1 – Ah, é?
R – É, é difícil mulher tá no mercado. Agora minha irmã dá aula.
P/1 – Ela continua lá?
R – Continua. Ela não volta mais. E aí eu fiquei lá, fiquei uns cinco meses pra lá, tirei umas férias mesmo. E foi bem interessante. De você tá lá, e é muito engraçado, porque na época não tinha brasileiro lá. E é uma coisa engraçada, porque você pensa em português, você olha, você vê que as pessoas têm a mesma cara que você que é japonesa. Você fala diferente, você pensa diferente. É muito engraçada essa dinâmica.
P/2 – Você tem a forma meio parecida, mas o conteúdo completamente diferente.
R – É, o conteúdo, é. É muito engraçado. Então foi uma descoberta, foi um mergulhar das raízes.
P/1 – Mas você chegou até conhecer outras pessoas, além de estar num grupo?
R – Do circuito?
P/1 – Isso.
R – Ah, conheci pessoas que gostavam da cultura brasileira, que já tinham vindo pra cá. O pessoal da (Jaicon?).
P/1 – Pessoal da onde?
R – É uma organização de intercâmbio estudantil. E foi uma experiência interessante.
P/2 – Fiquei curiosa, porque você resolveu sair depois de oito anos, além de querer novos ares e tal. Como é que você tava se sentindo dentro da antiga instituição, oito anos lá, como é que é? Você lembra porque você acabou decidindo dar essa virada?
R – Essa virada? Eu tava meio... Eu não sabia se eu queria até morar lá, porque minha irmã tava lá, mas eu falava: "Não, no primeiro momento eu vou pra conhecer. Depois, se eu resolver ficar, seria a segunda parte". Mas foi assim, de conhecer as minhas raízes mesmo, a oportunidade, minha irmã já não tava querendo ficar tanto tempo lá, já tava meio cansada do Japão. Falei: "Deixa eu ir agora, porque de repente ela volta e eu não vou ter onde ficar. Daqui a um ano eu resolva ir, eu não vou ter lá apartamento..."
P/1 – Mas você achou que já tinha cumprido um ciclo lá na instituição?
R – Eu achei, isso. Eu achei que eu tinha cumprido um ciclo, porque assim, eu não gosto muito de rotina. Eu gosto de inventar. E lá já tinha implantado várias coisas. Aí falei: "Ai, eu acho que eu preciso". Aí foi. Aí depois eu fui pra lá, fiquei. Depois eu voltei pra cá, aí depois eu fui trabalhar na Fundação Julita. Lá fiquei...
P/1 – Fundação...?
R – Julita. Lá, acho que quase nove anos.
P/1 – Aí também, como é que é?
R – Eu sou antiga (risos). Vai acabar todas as fitas do menino.
P/1 – Essa associação também trabalha com criança?
R – Criança. Sempre trabalhei com a questão da criança e adolescente.
P/1 – Mas como é que foi a sua ida pra essa Fundação? Você mandou um currículo?
R – Aí eu voltei pra cá e falei: "Bom, o que é que eu...". Meu foco sempre foi criança, adolescente, mesmo. Aí eu peguei e... Foi currículo? Acho que foi currículo. E foi também uma experiência maravilhosa, lá na Julita. Fiquei nove anos. Aí eu fui pra lá. Lá é uma fazenda, tem uma história maravilhosa.
P/2 – Onde que é?
R – Fica em Campo Limpo.
P/1 – No bairro de Campo Limpo?
R – Perto do Centro Empresarial. Aquela... Ah, eu acho que sou apaixonada por todos os lugares (risos). Lá tem uma história maravilhosa, A Fundação Julita foi a instituição que eu fiquei antes de ir pra Gol de Letra. Tô chegando na Gol de Letra.
P/1 – Não, fica tranquila.
R – Então, e lá eu fiquei dez anos, e era um sítio, 47 mil metros quadrados. E a história é muito bonita, da Fundação Julieta. Julita é o nome da esposa do Antônio Manuel Alves de Lima, que... Assim, eu com a mania de querer conhecer as histórias. Eu cheguei lá, na hora que eu cheguei, bateu, né? Um lugar que tem uma energia muito bacana. Parecia que você tava no meio do mato. Até lembro como se fosse hoje, tem uma casa, são casinhas, lá. É um terreno grande, tem casinhas. Acho que vou mandar as fotos pra vocês terem. E lá você entrava numa sala, tinha as duas fotos, do Antônio Manuel e da Julita. Eu não sabia. Cheguei lá e vi aquelas duas... Aqueles dois seres olhando pra mim, falei: "Meu Deus, onde eu estou?". Aí fui conhecer a história. E é muito bonita, porque assim, ele é do século passado, Antônio Manuel, e ele, pelo histórico, foi Secretário da Agricultura, um cara muito cabeça, inovador. E ele perdeu a esposa dele com menos de quarenta anos. E ele era jovem. Depois que ele perdeu a esposa dele, ele se trancou com ele mesmo. E aí esse espaço que é hoje a Fundação Julita, ele transformou pra ela. Fez Fundação Julita.
P/1 – Em homenagem a ela.
R – Em homenagem a ela. E ele era espírita. E aí ele foi buscar, por várias formas, querer saber, porque foi não sei o quê. E aí ele recebe várias mensagens dela e assim, arrepiante, mensagem... Tem livro... Aí eu fui descobrir livros. Tem livros de poesias. (pausa)
P/1 – Só pra gente ter registrado que a gente tava conversando daquela primeira instituição que você trabalhou oito anos.
R – Isso, o nome, Obras Sociais Nossa Senhora das Graças.
P/1 – E aí você tava começando a falar da história da Julita.
R – Isso, a Fundação Julita. Então, aí a história é mais ou menos assim. Ele fez a Fundação em nome dela, ele deixa todo aquele, eram 47 mil metros quadrados, perto do Centro Empresarial. Aí ele transforma e depois eu fui descobrir uns livros, eu tenho até o livro, um xerox do livro dele, onde ela escreve poesias pra ele, ele escreve pra ela, fantástico. Naquela época, em quarenta e pouco, ele escreve sobre energia solar, um cara super visionário, incrível. E acho que foi missão mesmo. Sabe aquela coisa que você fala: "Puxa, como é que eu vim parar aqui?". E na época que eu cheguei lá eram quinze crianças. Então tinham um __________ lá dentro e só tinha quinze crianças. E aí eu implantei a creche. Eu sempre com mania de... Aí eu implantei uma creche lá e eu coloquei o nome da creche de Maria Isabel, era a filhinha deles que tinha morrido quando ela tinha três anos. Aí eu fui descobrindo o histórico que eles tinham perdido...
P/2 – Nossa, ele perdeu a mulher e a filha?
R – Isso, os dois perderam a filhinha com três anos, depois de um tempo ele perdeu a mulher. É muito engraçado porque aí eu fui conhecendo um pouquinho do Antônio Manuel através dos escritos deles. Aí eu fui nas bibliotecas, achei artigo dele no jornal, ele escrevia. E, assim, ele era super irreverente, ele criticava o governo. Acho que era uma pessoa maravilhosa, eu ficava muito feliz porque eu pude depois, um século depois, colocar em prática os desejos dele. O estatuto social era super inovador. E aí começou todo o processo. Implantei a creche, aí tinha apoio socioeducativo, trabalho com terceira idade.
P/1 – Era mais amplo, então, o público?
R – Era, lá era. Também aquele espaço físico, a gente implantou... Tinha a proposta de implantar uma fazendinha rural lá, com a proposta de sustentabilidade.
P/2 – Mas você entrou lá pra cuidar... Qual é que era a sua função lá?
R – Era a coordenação.
P/2 – Coordenação Social?
R – Isso.
P/1 – Esse público vinha da onde?
R – Do entorno.
P/2 – Da favela Monte Azul?
R – Perto. O Monte Azul era nosso parceiro. Tinha uma rede e tal.
P/1 – As pessoas que iam até lá pra se inscrever, como é isso? Ou a Fundação ia pra comunidade?
R – Não, ele tava bem dentro da comunidade. Não era tanto como a Gol de Letra, que é dentro, mas era... O entorno chegava, a pé, na boa. Aí foram dez anos, quase dez anos lá.
P/2 – Essa coisa que você falou da missão que você sentiu lá, que era uma missão. Você já sentia isso, um pouco, na primeira instituição que você trabalhou?
R – Também, é. Coisa de... Eu acho assim, quando você tá num lugar eu acho que a missão institucional tem que ter a ver com a sua missão de vida. Eu acho que, claro, separando o profissional do pessoal, mas acho que as duas coisas têm muito a ver. Porque se você se identifica com a missão institucional, você veste a camisa, existe um fluir, a sua prática vai junto aquilo que é. Eu acho que a pior coisa é quando você tá num lugar onde você olha pra uma coisa e tem que fazer outra. Acho que é horrível. E foi muito gostoso. Aí foram esses... Com idoso... Aí, quando eu saí eram mil pessoas.
P/1 – Nossa.
R – Mil, porque aí tinha educação infantil.
P/1 – É muita gente. Como que eram as atividades ali?
R – Então, quer dizer, eram 47 mil metros quadrados, aí tinha a creche. A creche a gente começou com cem, depois foi pra duzentos. Depois tinha o apoio socioeducativo, tinha manhã e tarde.
P/1 – Esse apoio socioeducativo...
R – Era igual o Virando o Jogo. Complementação...
P/1 – Mas você tinha um projeto pra isso?
R – Isso.
P/1 – Você que elaborou? Tinha uma equipe?
R – Isso. Tinha uma equipe. Aí ficava assim, aí tinha as coordenações de área, de programas. Coordenador de Educação Infantil... Aí tinha Terceira Idade, tinha MEI dentro do espaço. Então era bem bacana, era uma bagunça gostosa lá.
P/1 – E era público?
R – Não, era particular, fundação.
P/1 – Era fundação. Então as pessoas se inscreviam, elas pagavam?
R – Não, não, gratuito.
P/1 – Como é que é isso, gratuito?
R – Parceria com o Poder Público.
P/1 – Ah, isso que eu queria entender.
R – É, mas você vê, é interessante.
P/2 – ______ lugar se mantinha.
R – É, foi bem interessante também.
P/1 – E tem algum causo de lá?
R – Ai, tantos causos. Deixa eu ver... Aí, tem vários. Tem... Ah, uma das meninas... Então, a gente sempre fazia atividade, tinha o Amarildo, era o coordenador. Então a gente sempre fazia atividade com a juventude. E foi muito interessante, outro dia eu fui pro Centro Empresarial... Não, eu tava no Arrastão, a menina que era uma jovem, aí eu encaminhei pra trabalhar lá, ela terminou a faculdade, agora tá na área de Comunicação da empresa lá, que eu encaminhei, que é a... Ai, esqueci. Lá no Centro Empresarial. Daqui a pouco eu lembro. Então tem esses casos que deram certo. É muito prazeroso você se deparar com as pessoas depois. E aí foi muito bom.
P/1 – Você continuava morando na Jabaquara, é isso?
R – É.
P/1 – Porque é meio distante, né? Como é que você...
R – É, as periferias lá.
P/1 – Era tranquilo?
R – Tranquilo. Pelo menos é Zona Sul, né?
P/1 – É. Ah, é Zona Sul, verdade.
R – Menos mal.
P/1 – E você, nesse meio tempo, pelo seu depoimento eu sinto você totalmente absorvida por essa atividade mesmo. Você tinha uma atividade em grupo que você saía?
R – Ah, tá, amigos?
P/1 – Isso.
R – Sempre, normal. Gostava dos amigos, sair com os amigos. Na época, acho que fazia curso de ikebana também. Então, sempre dá tempo pra fazer tudo,
P/1 – Conseguia conjugar isso.
R – Dava. Levava os amigos também para as atividades, então sempre...
P/1 – Ah, seus amigos, eles também estavam _______.
R – É, tem que tá, né?
P/1 – Era o mesmo meio.
R – É, porque as conversas começam, né? Pessoal de empresa, não sei o quê. As conversas não batem, então tem que tá mais ou menos na mesma área, senão, o que é legal pra você, não é... Então geralmente as pessoas se atraem.
P/1 – E namorados, nessa época?
R – Também. É.
P/1 – Dava tempo?
R – Dava. Dá tempo (risos). Ah, ná época, também... Acho que foi nessa época. Ah, também editei um livrinho de origami, é.
P/1 – Como foi isso?
R – Tem uns livrinhos de origami que eu editei, acho que tem uns quatro livrinhos de origami. Mas eu não sou boa de origami. É só que eu sou ___________, eu começava a praticar e depois surgiu a oportunidade, aí eu publiquei. Teve o lançamento na Bienal. Acho que foi nesse períodozinho também, foi bem legal.
P/2 – Mas as atividades que você propunha nas instituições que você trabalhou até aqui, você chegava a inserir a questão do origami como atividade?
R – Não dava, porque eu trabalhava na gestão. Mas sempre a gente influencia, porque eu acho que é legal. A ikebana, eu fiz um tempinho, mas também não sou boa na ikebana. Mas sempre é legal a filosofia, trazer pra dentro do cotidiano, da tranquilidade que o ikebana propõe. Sempre dava um jeito de inserir no dia-a-dia, ter o espaço de ikebana.
P/2 – O que é da filosofia do ikebana? É da tranquilidade...
R – É, que assim: tem o passado, o presente, o futuro. Então o ikebana sempre tem a parte mais alta, o meio. É, é bem...
P/2 – Aí, é o que? Como é isso?
R – As flores. Então tem aquele vaso, aí tem o hanadomê, é onde você espeta as florezinhas. Aí depois... Cada galho tem uma função, aí sempre tem o presente, passado, futuro. Aí tem a flor que é mais aberta, que significa o mais idoso, a flor menorzinha, que é a criança. Aí você compõe, é bem interessante.
P/1 – Ah, então quando faz o curso, já é dado essa...
R – Já é. Aí tem toda... É bem interessante.
P/1 – Nessa Instituição Julita você levou à sério a filosofia do ikebana, porque você atuou com criança, com jovem, com idoso.
R – É, foi tudo lá.
P/1 – Não, é?
R – É.
P/1 – Fez um ikebana lá?
R – Foi (risos). Fiz um ikebana social lá. É, foi legal, foi bacana.
P/1 – E na Fundação, você ficou nove anos lá, não é?
R – Isso.
P/1 – E depois como é que foi a saída?
R – Então aí sempre assim. Foi muito interessante porque uma vez veio um rapaz com uma criança no colo... E assim, eu atendia muita gente durante o dia, eu não... Primeiro que eu sou esquecida, mas... Muito menos lembrava de quem era. E aí ele veio e falou: "Ah, então, dona Célia. Eu vim trazer o meu filho pra você ver". Um bebê. Eu falei: "Ai meu Deus do céu". Falei: "Gente do céu, acho que a minha missão aqui acabou" Porque já é um menino que eu atendi e trouxe o filho. Aí eu acho que assim, o que eu tinha que fazer aqui eu já fiz. E sempre assim, sempre aquela coisa, eu queria inventar e já tinha feito várias coisas. Mas quando você tá aqui dentro, você não fala: "Eu quero sair", eu acho que você faz uma auto... Você fala: "Eu quero, mas não quero”. Mas a hora que veio aquele menino lá, que já era um rapaz, eu falei: "Gente, eu acho que eu tenho que plantar em outros locais. Aí não. Eu acho que eu vou". Aí comecei a mandar currículo. Mas daqui de dentro, falando: "Não, agora eu vou".
P/2 – Você tava com vontade de mudar?
R – É. Aí eu mandei o currículo pra alguns lugares... Aí a Sônia entrou na minha vida (risos). Aí depois eu fui fazer um processo na Fé e Alegria, que a Sônia trabalhava. A Sônia London.
P/1 – Ah é?
R – É, ela era...
P/2 – O que é a Fé e Alegria?
R – É uma organização ligada à igreja também. A Sônia era a coordenadora. E ela precisava... Ah, lembrei! A minha conhecida era coordenadora de uma unidade da Fé e Alegria e ela ia pra Espanha, aí ela falou: "Ah, então, por que você não manda o seu currículo?" Eu acho que eu mandei meu currículo, acho que foi assim. E depois a Sônia me chamou pra participar do processo. Aí eu fui participar, não sei o quê. E tinha eu e mais uma outra, que era minha amiga também, eu não sabia. Enfim, aí depois, pra Fé e Alegria deu, essa outra menina ficou. Eu falei: "Ah, tudo bem". Falei: "Não, acho que é pra eu ficar mais um pouco na Julita". Aí depois passou um tempo, aí a Sônia me ligou "Ah, como é que tá? Você tem intenção ainda de se desligar da Julita?" Falei: "Ah, eu tenho" "Então vamos conversar um pouquinho. Eu tô numa instituição..." E eu entendi golden, nem imaginava que instituição é essa, Gol de Letra.
P/1 – Mas espera só um momentinho antes da Gol. E os refugiados?
R – Foi depois.
P/1 – Ah.
P/2 – Eu tava curiosa com isso também.
P/1 – Então tá bom.
R – Aí depois... Aí fui na Gol de Letra, lá na Monte Alegre.
P/1 – Então na época tinha o prédio lá na Gol...
R – Isso, na Monte Alegre, era sede. E tava em reforma lá, no Tremembé.
P/1 – Você lembra quando foi isso?
R – Em 99.
P/1 – Início, né?
R – Início. Comecei lá em, acho que abril, mais ou menos. Porque foi inaugurado em agosto. E teve um processo de...
P/1 – Isso.
R – Então, aí eu fui lá. Desligada, não sabia quem sou, onde estou.
P/1 – Mas você nunca tinha ouvido falar de Gol de Letra?
R – Não, não.
P/2 – Tinha acabado de abrir também.
R – É. Ainda por telefone eu ouvi golden, né? Eu falei: "Golden, será que?... Aí eu fui lá, eu vi um monte de fotos de jogador, falei: "Nossa, o pessoal aqui é animadinho, o pessoal gosta de futebol" (risos). Aí eu falei com a Tina, na época. E eu não sabia que a Tina... Lembro até, engraçado, a Sônia: "Ah, então, é do Raí e Leonardo, mas não é o Leonardo cantor", ainda brincou. Falei: "Ah, então tá". Aí depois ela falou: "Você topa? Como é que é?" Eu lembro até hoje que a Sônia me mostrou, tinha um mapa. Eu vi e falei: "Gente eu tô lá embaixo, é a Zona Sul. Zona Norte..." Falei: "Mas tudo bem". Eu sempre vou pra longe, com a exceção do primeiro emprego.
P/2 – Nossa, mas, você ia de Jabaquara até...
R – Quatro anos. É. Aí depois eu falei: "Bom". E aí ela falou: "Ah, então se você topa, tal, não sei o que". Aí bateu. Depois eu falei: "Gente do céu, que responsabilidade". Depois, aí caiu a ficha que instituição que era aquela, qual era a dimensão, que tamanho que era tudo isso, a primeira de implantação. Falei: "Gente!".
P/2 – Como foi? Nos primeiros meses você ia pro escritório, você tava numa fase de planejamento?
R – Isso. Foi. Mas logo depois eu fui pra... Acho que eu fiquei um mês e meio, mas ou menos, no escritório.
P/1 – O que era esse planejamento? Porque vocês já estavam discutindo alguma coisa de metodologia? Se discutia isso?
R – Aham.
P/1 – Sei lá, pedagógico, não sei se já discutia alguma coisa? O que se fazia?
R – Então, porque foi assim: eu me desliguei da Instituição e fui. Aí foi até interessante que no primeiro... Antes de entrar eu fui lá, de final de semana, cheguei até a ir lá. E foi assim...
P/1 – Até Vila Albertina?
R – É. Porque eu tava em fase de semi-aceitar. Eu tava vendo o tamanho da coisa. Porque foi muita responsabilidade. Nossa. E aí eu fui lá ver, mas acho que o mesmo sentimento que bateu. Nossa, eu acho que vai dar pra fazer uma coisa bacana aqui, porque eu vi a escola lá, quietinha.
P/2 – Sabe porquê que eu fiquei curiosa? Porque você já tinha vindo de duas instituições que você ficou durante muitos anos, que você fez coisas muito grandes. E quando você chegou na Gol de Letra você sentiu também que era uma grande responsabilidade? Por quê?
R – Muita responsabilidade por conta da visibilidade, principalmente. Eu acho que a minha prática lá tinha que ser condizente com a postura do Raí (risos). E tem o assédio, tem tudo. E fora que eu não podia deixar de ser o que eu sou por conta de tudo isso. Então isso pra mim era muito forte. Era uma responsabilidade com aquela comunidade. Era a prática lá, toda aquela teoria, aqueles sonhos, tinham... Não adianta você falar de uma coisa e a coisa ser outra lá. Mas enfim, aí eu toquei, falei: "Bom, vamos ver o que dá, né?". Aí fui, primeiro dia de trabalho foi lá na sede. Aí eu falei: "Gente, o Raí. Aí meu Deus, é aquele...". Tá, tudo bem. Falei: "Imagina, acho que nunca vou falar com o chefe do chefe do chefe". Aí eu vou lá. Mas o Raí é super presente. Primeiro dia de trabalho, aí o Raí tava lá. Falei: "Meu Deus do céu! Não é que ele vem mesmo?". Aí foi o primeiro dia do meu trabalho. Chovia muito. E aí a Sônia falou: “Ah, então você vai visitar a obra com o engenheiro e com o Raí". Falei: “o Raí, é aquele?" (risos) E aí eu fui. Primeiro dia de trabalho... Aí eu fui lá pra Vila Albertina e entrei... Como se fosse hoje... As paredes todas quebradas, cimento, areia. Tinha a sala, o Raí falou: "Olha, ali vai ser sua sala". Aí eu olhei assim, tinha um monte de areia. Eu falei: "Raí, pra quando é que você quer isso?" (risos) Ele falou: "Ah, a gente tá prevendo inaugurar em agosto". Eu falei: "Tá, eu tenho quantos meses? Então tá, vamos lá" Aí foi toda a reforma.
P/2 – ___ pra planejar tudo.
R – É. E aí foi. Eu fiquei um tempo lá, na sede. Aí a Sônia foi me passando as coisas, tinha o pessoal do Cenpec, tinha o Jabu que já tinha feito o diagnóstico inicial, o Cenpec já tinha feito a intervenção com a comunidade, levantando as lideranças locais.
P/1 – O pessoal do Jabu?
R – O Jabu.
P/1 – O que é o Jabu?
R – O Marcelo Jabu.
P/1 – Ah, o Marcelo Jabu.
R – Então, aí ele já tinha feito o levantamento com a comunidade, as lideranças locais, as organizações, enfim, tava tudo... Aí logo eu fui pra campo, porque eu falava: "Ah, gente. Eu preciso tá lá. Preciso tá lá em campo. Tendo um canto, eu me instalo". Eu lembro que a primeira mesa, eu peguei lá uma porta e virei e virou a nossa mesa. Aí eu falei: "Eu tenho que tá lá", porque tem que acompanhar a construção, tem que acompanhar a comunidade, tem que ter alguém lá pra falar pela Gol de Letra. A Sônia fala: "Tranquilo. Alguns dias você vem pra cá, outros dias você vai pra lá". Aí depois a Tina me falou: "Olha, tem uma amiga minha que eu gosto muito, é uma pessoa muito especial, mas fica a seu critério. Ela é Marilena, um coração enorme. Uma pessoa muito batalhadora. E eu quero que você converse com ela. Vê, se você falar que tudo bem, tudo bem".
P/1 – Pra ela te ajudar?
R – Isso. A Marilena, a gente se conheceu e a gente se deu bem, falei: "Vamos, olha... Vamos, mas vamos fazer um planejamento, vamos ver". E a gente se deu super bem, trabalhando. Ela é uma figura. Então a gente tem um monte de aventuras que a gente fez por lá. E foi pegar no pesado mesmo.
P/2 – Você já estava indo pra Vila Albertina?
R – Pra Vila Albertina. Aí foi o contato com as lideranças, em uma das salinhas a gente já falou: "Marilena, vai ser nosso QG", era uma garrafa...
P/1 – Só vocês estavam indo lá?
R – Eu e ela. Falei: "Aqui vai ser nosso QG, vamos virar uma porta, aqui é a nossa mesa".
P/1 – É porque estava arrumando e ao mesmo tempo você indo lá?
R – Isso. "Aqui é nosso escritório, vamos virar uma porta...". O café a vizinha trazia, uma aguinha, e pauleira lá.
P/1 – E o contato com a comunidade, vocês que faziam?
R – Isso.
P/1 – Mas vocês iam nas casas ou as pessoas iam até lá?
R – Então... Na verdade a gente fez mais o contato com as lideranças locais.
P/1 – E como é foi isso?
R – A gente marcou a primeira reunião com as lideranças que o Cenpec já tinha levantado. E a gente fez uma roda de conversa, aí o Raí estava presente, foi bem assim. Eu falei: "Olha, gente... Então, quem somos nós..." Objetivamente, acho que essas respostas têm que tá claras pra eles. Quem somos nós, o que nós queremos aqui, nós precisamos de vocês. O que a gente pode fazer junto, ponto. Porque existiam mil fantasias. "Ah, não. É o jogador que quer fazer bonito aqui", a comunidade: "Ah, quem são esses?" Ah, não sei o quê. E a gente assim: "Vamos construindo juntos". E foi bem bacana a reunião. "Vamos responder essas quatro perguntas". E foi bem aí. O Raí muito tranquilo, sempre né? E aí as pessoas começaram a acreditar na gente, porque existia muito... Aquela escola ficou quatro anos fechada. Muitas pessoas queriam aquele espaço. Aquele espaço... Ela foi fechada por falta de crianças, por questão de exclusão social, não tinha por quê... Lá era o centro dos que não “prestavam”.
P/2 – Aquele entorno?
R – Aquela escola, em especial.
P/2 – Porque era uma escola que atendia que série?
R – Eles tinham ensino fundamental. Primeira à quarta.
P/2 – Aí tem o médio. Não, primeira à oitava.
R – Primeira à oitava. Isso, verdade. Desculpa. Primeiro e segundo... É. Então tinha um monte de coisas. E aí se deparava com lideranças, interesses, lideranças querendo botar lenha na fogueira, gente querendo questionar. E eu acho que "estamos aqui pra somar". Ponto. E foi bem bacana. Acho que o pessoal depois dessa reunião começou a ter o vínculo. E eu acho que sempre falava: é a postura da gente, muito de tá junto, tranquilo... Porque não é uma organização grande que vem aqui pra ditar normas pra eles. Acho que isso tinha que estar muito claro.
P/1 – Mas quando vocês estavam nessa fase de planejamento, vocês já foram fazendo conversas ao mesmo tempo com a comunidade pra identificar as necessidades, como é foi isso?
R – Na verdade, pra identificar as necessidades não daria porque já estava certo que seria esse programa. Então se você levanta minha expectativa pra pesquisar o que eles querem... Porque já estava focado que era o Virando o Jogo e que era de sete a quatorze. Senão, você levanta uma expectativa que depois você não consegue. Então a gente começou com esse programa.
P/2 – Você sabe... Quando você entrou já tinha a idéia do programa?
R – Já, já tinha. Porque tinha feito um diagnóstico que existia uma necessidade. Mas não teve um grupo focal, uma pesquisa participativa pra chegar nisso. Já tinha.
P/1 – Você chegou e já tinham percorrido um caminho, né?
R – Já tinham percorrido. Aí eu penso assim: Depois que a gente estava instalado, a gente podia fazer o processo de escuta. Então existia esse programa, mas que outras coisas podem acontecer? Aí sim, né? Aí a gente começou a fazer esse trabalho. Aí foi, no caso, acompanhar a construção, a reforma, trabalhar com as lideranças, redes, fazer o processo de seleção, critérios, elaborar o projeto pedagógico. Aí tinha o Cenpec ajudando. Então foi fazer isso. Fora tinha a mídia também que tava em cima. Então, o que comunicar, como comunicar, por que comunicar, como eu encaro quê. Isso tinha muito claro, porque tinha mídias e mídias querendo saber. E o que falar também. Era perigoso. Na época, também, o Leonardo estava sendo convidado pra ser o técnico. Então foi tudo muito... Neném, recém... Neta do Raí. Você tinha que ter muita coerência no que você vai falar pra não falar alguma coisa que... Porque muitas vezes as pessoas ligavam, iam, começando uma conversa pra depois querer saber outra coisa. Então foi pisar em ovos mesmo, em todos os momentos. Mas enfim, aí foi...
P/1 – Deixa eu tirar uma dúvida, porque na pesquisa que nós fizemos existia uma proposta inicial de que tivesse uma creche...
R – Isso.
P/1 – E depois isso parece que foi abandonado e daí que ficou pra criança de sete a quatorze anos.
R – Eu não tava nessa época. Eu sei que tinha um espaço pronto pra criança pequena. Aí depois ele não... Quando eu cheguei já era claro que era o Virando o Jogo, agora, eu não sei qual foi a...
P/1 – A mudança, né?
R – A mudança. Não sei se foi feito, porque já tinha algumas creches da região. Aí tá, depois do espaço físico organizado, a gente com uma relação bacana com a comunidade, aí a gente foi fazer o processo de implantação de fato, a inauguração. Aí teve a inauguração que foi muito bacana. Tava um frio medonho, agosto, um frio. E chovia, chovia, chovia muito. Não tinha teto, foi na quadra, ainda não tinha teto. E a gente morrendo de medo, porque o pessoal ligava da França, não sei o quê, e não tinha teto, a gente não sabia quem vinha. Olha, não sei, foi por Deus mesmo. Na hora abriu um buraco lá em cima, veio um sol, secou... Não choveu. Eu sei que não tava chovendo. Eu não sei. Chovia o dia inteiro. Choveu no dia anterior. E foi um sentimento muito gostoso.
P/2 – Todo mundo foi?
R – Foi bastante gente. Foi um sentimento muito gostoso, era a gente correndo contra o tempo. Faltam quinze dias, faltam quatorze. Cadeira que não chegava, não sei quem não chegava, o (Di?), que é o beatbox, ele foi um dos primeiros meninos, e ele ajudava a carregar cadeira... Aquele que tava no workshop da gente. Foi muito gostoso. O último dia, a Tina lá, no dia anterior, ela com vassoura, limpando. Aí no dia seguinte a gente relaxou, porque a gente correu contra o tempo e deu tudo certo. Chovia um dia antes. E aí depois foi inaugurado...
P/1 – Mas foi divulgada essa inauguração?
R – Foi. Sempre a mídia. E aí a gente, também, sempre assim: "Vamos dar um espaço pra comunidade". Porque é deles. Enfim, aí a gente inaugurou.
P/2 – Ficou aberta a Fundação nesse dia? Como que foi?
R – Foi. Deixa eu ver? Foi, acho que foi. Depois a gente deixou espaço pra visitação, aquelas coisas. E sempre assim, trabalhando com as lideranças. Convite pras lideranças, espaço pra eles, eu sei que deu tudo certo. O Raí tava doente, na época, gripe e tudo, a gente não sabia se ele ia conseguir. Ele ficou até internado, na época. Com gripe. Mas deu tudo certo. Aí ele foi pra inauguração, a Tina também. Foi muito tranquilo. Depois foi o processo de divulgar. E a gente tinha muitas crianças querendo entrar e cem vagas, eram inicialmente cem vagas. Aí foi a seleção do pessoal. Selecionando pessoal, a equipe. Tinha o pessoal do Cenpec ajudando, tinha o pessoal da Escola Célia Helena, tivemos também o workshop de preparação do grupo. E aí, bom, como é que a gente vai fazer? Eram muitas crianças e poucas vagas. Eu envolvi os educadores, chamando os educadores, falei: "Olha, a gente tem pouca vaga e vocês vão participar do processo". Aí acho que se você envolve todo mundo no processo, fica mais fácil. Eu sou dessa... Então foi bem legal, a gente chamava pequenos grupos. Aí o educador falava do projeto, porque eu acho que é fundamental das mães saberem o que é isso. Então a gente falava do projeto, falava dos critérios, falava das atividades, falava da dificuldade de vagas, o educador falava, depois os educadores fizeram as entrevistas sociais de todos. E depois, aí eu discutia com eles pra gente ter o critério de coerência, de quem que a gente achava que tava em mais alta vulnerabilidade, pra ser incluso no projeto.
P/2 – Esse era o critério maior, né? ________
R – Isso. Da vulnerabilidade, questão econômica. E foi legal que a gente discutiu com os educadores, né?
P/2 – Como era estruturada a Gol nessa época? Como eram as áreas?
R – Na época não tinha áreas, só tinha um programa. Aí eu era coordenadora desse programa, era o Virando o Jogo. Não tinha área, desenvolvimento institucional. Era assim, era a Rosa, a Tina, o Luciano, lá na sede e eu ficando lá. Mas teve um episódio muito interessante nessa fase aí de seleção. Porque lá tem o tráfico, né? PCC, tráfico, não sei o quê. E aí o meu porteiro era da comunidade, ele veio com um bilhetinho, falou: "Dona Célia, olha, aqui tá o nome. Me entregaram aqui, agora, o nome de uma criança que ele é filho do PCC e acho que é importante ele tá". Aí falei: "Meu Deus do céu. Tá. Um, dois, três, o que a gente faz com isso?". Aí eu chamei a equipe, chamei todo mundo. Porque tem aquela coisa que você falou, sempre aquele estigma. Os educadores estavam lá, mas não sabiam dessa realidade. Aí eu chamei todo mundo, falei: "Seu Antônio"... Com o bilhetinho fechado ainda. Falei: "Seu Antônio, é o seguinte: Primeiro, dentro das suas atribuições... Eu tô aqui pra ouvir. Se alguém quiser conversar comigo, tudo bem. Mas existem critérios. A sua responsabilidade não é trazer, porque, se não, depois o senhor não vai dar conta de trazer de tantos". Aí eu rasguei o bilhetinho, joguei no lixo e falei pra todo mundo. Falei: "Gente, ó, se essa criança estiver dentro dos critérios, ela cá vai estar, se não tiver, não vai estar. E eu não quero que esteja estigmatizada por ela ser de PCC, seja lá o que for. Então, ela não vai ser nem acolhida e nem rejeitada por conta de ser o que for". E joguei o papel. Falei: "Seja lá o que for". Aí depois o Raí me ligou. "Célia, fiquei sabendo aqui, pelo amor de Deus fique... Tá tranquilo? Como é que é isso?". Aí eu falei o que acho que tem que ser. Falei: "Ó Raí, é o seguinte, meu chefe é você. Se nesse momento você abre precedente pra, seja lá o PCC, sei lá, o poder paralelo que for, a chefia vai ser outra. E a gente vai ser testado a todo momento. Então ou a gente tem uma postura agora, ou depois você tá danado." Então, acho que foi Deus mesmo. Porque deu certo.
P/2 – Depois não teve nenhuma represália?
R – Não. Se não, se você abre, tem estigma, se você... Olha, deu tudo certo. Mas tremi nas bases. Isso não tinha no livro de faculdade. E aí? Mas porque realmente, é bom-senso, né? E assim, 99% tá ligado, direto ou indiretamente. E foi, porque se fosse abrir precedente, amanhã viria um segundo, um terceiro, um décimo.
P/2 – Ia virar escola dos filhos do PCC.
R – Pois é, né? Foi uma coisa... Aí a gente conseguiu. Foram cem.
P/1 – Essas entrevistas a que o pessoal, educadores, estava fazendo eram só ali mesmo. Eles não iam nas casas, não tinha ainda esse negócio de ir na casa e ver como é que era a situação?
R – Não.
P/1 – Era só oralmente...
R – É, porque nós fizemos um mapeamento. Se mora lá perto, é de alta vulnerabilidade. E em relação à visita domiciliar, eu tenho algumas críticas em relação... Acho que visita, você tem que ser convidado. E a gente não era. Se eu fosse naquele momento, eu não ia ser convidada. Eu ia estar vistoriando. Eu não tinha um vínculo com aquela comunidade.
P/2 – Tava chegando ainda?
R – E se eles moravam lá perto, eles estavam precisando. É direito da criança. Enfim, aí a gente conseguiu lá botar os cem. Começou. Sempre, a cada dia, "Ah, por que não eu?" "Gente, infelizmente a gente vai começar com cem. Depois a gente vai caminhar". Aí foi. Os primeiros dias... E era muito interessante...
P/2 – Eles tinham aula de quê, no começo, Célia?
R – Tinha arte... Tinha a parte de leitura escrita, Artes, Teatro, Dança, Música.
P/2 – Esporte...
R – Esporte.
P/2 – Sempre teve essa filosofia?
R – Teve, de complementação à escola... E sempre aquela coisa no começo,, nós não somos escolinha de futebol. Então sempre. A mídia muito em cima, em cima, em cima, direto. O Raí sempre protegendo. "Olha, se você acha que a mídia faz sentido agora, você pode aceitar. Se não, não". Muita gente querendo em cima da idoneidade do Raí. Então, sempre... Nossa! A todo momento gente querendo... Época da eleição, você tinha que falar: "Raí, por favor, toma cuidado com quem você tira foto, porque você não sabe essa foto pra onde vai". Então, assim, o começo foi muito de dar identidade.
E as mulheres. As mulheres... Porque era muito interessante aquela comunidade, porque ela é pequenininha. E eu vejo, a minha experiência que eu tive naquela comunidade, a questão da exclusão mesmo, porque quando você tá num lugar onde todo mundo é pobre, é tranquilo essa articulaçã, porque todo mundo tá num mesmo patamar. Na região Norte, lá na Gol de Letra, na mesma rua você vê as camadas sociais. Um pouquinho mais pra lá tem uma casinha melhor, do outro lado da Vila tem uma casinha pior. Pra lá tem um pedaço que... Nossa, tem uns pedaços lá que são... Não sei como moram as pessoas lá dentro. Eu acho que aquela comunidade tem uma característica peculiar. Tem a questão da exclusão, eles sentem na pele. Porque tem a Serra da Cantareira, onde tem as mansões. Lá a Gol de Letra vê as mansões. As mansões vêem aquela parte feia. Eles são rejeitados, eles andam lá embaixo, na rua, eles são olhados diferente. Tem uma outra baixada que são casas boas. Eles são olhados diferente. Acho que isso é a pior coisa, dos jovens, das mulheres se sentirem rejeitadas. Fala tanto da autoestima, mas realmente, a baixa autoestima é uma coisa complicada. E elas sentiam na pele. E era muito engraçado porque a primeira vez que eu entrei lá, eu vi aquelas mulheres lá. E lá é muito frio, serra é muito frio. As crianças, mês de julho, eles têm problema, muito, pulmonar. As crianças têm muito problema pulmonar. E o pulmão aqui tem muito a ver da afetividade, tem toda uma questão aí. E as mulheres eram muito submissas. Então elas tinham uma característica engraçada, diferente. E foi muito interessante que, aí eu falei: "Não, gente. A gente tem que trazer". Porque eu sempre... Não adianta trabalhar só com a criança, tinha que trazer a família e a comunidade. Se não, não dá certo. E foi a primeira vez que eu fiz a... Foi o Gol de Cidadania, foi o nome que a gente deu, foi bem legal. Gol de Cidadania pelos direitos... Aí tinha pelos direitos da mulher, da família, do idoso, nanananá. E das mulheres, nós fizemos.
P/2 – Era muito ________?
R – Era.
P/1 – Isso foi quanto tempo depois que vocês tinham _______?
R – Foi no ano mesmo.
P/1 – Foi no mesmo ano?
R – No mesmo ano, não. Foi em março do ano seguinte.
P/1 – Teve a ver com o Dia Internacional...?
R – Dia Internacional da Mulher. É, porque aí, eu vi assim, tem muitas mulheres aqui, a gente tem que trazer essas mulheres. E aí a gente fez o Gol de Cidadania para Direito das Mulheres, em março. Pensado com elas. E assim, a metodologia do Gol de Cidadania era sempre informar, refletir e propor. Então tinha que cumprir isso. Você informa sobre a temática, você reflete com eles o que aquilo tem que a ver com a realidade deles e o grupo propõe alguma questão concreta sobre aquela temática e propõe uma intervenção, ou para as políticas públicas, ou pra Gol de Letra mesmo.
P/2 – Foram vários eventos temáticos ou foram em um dia?
R – O primeiro Gol de Cidadania para o Direito da Mulher, eu acho que foi em uma semana que a gente fez. Foi muito gostoso. Acho que foi uma semana ou quatro dias. Aí eu chamei os parceiros locais. Aí nós trabalhamos, nesse Gol de Cidadania, saúde da mulher, direito da mulher, mulher e beleza, nananá. Cada dia tinha uma temática. Encheu aquela auditório. Elas nunca tinham participado de alguma coisa assim, porque elas eram chamadas pra escola, sempre pra ouvir reclamação do filho. Então na hora que elas foram chamadas pra elas, elas... Foi muito gostoso. Elas foram pra lá.
E aí foi o primeiro Gol de Cidadania que a gente fez, a gente trouxe as mulheres pra dentro da unidade e aí foi muito interessante, porque elas despertaram. Elas sentiram lá um espaço de acolhida. Aí no final fui fazer lá a avaliação: "O que vocês acharam, vocês gostaram?". Como a proposta, a metodologia do Gol de Cidadania era informar, refletir e propor, aí nas propostas... E eu não esperava essa. Elas falaram: "Não, a gente não quer mais se separar". Isso foi tão forte. Eu falei: "Bom, e aí?" Porque não tava previsto o trabalho com família, com mulheres. O foco era... Aí eu falei pro Raí: "Aí Raí, é um filho que não dá pra abortar. Elas querem." E aí virou o grupo Mulheres em Ação. Aí elas colocaram o nome no grupo, Mulheres em ação. E o Raí brincava: "É, Celinha, mulheres em ação e homem em reação". Porque elas estavam ficando sabidas de tudo, querendo voltar a estudar. Muitas voltaram a estudar. Tem algumas hoje que já terminaram a faculdade. Você viu aquelas que estavam naquele dia, né? Elas têm, uma faz Serviço Social, Pedagogia.
P/2 – Mas foram agentes?
R – Foram. Tem muitas que foram agentes. A Sandra, que foi do (Bertázio?), fez Pedagogia.
P/2 – Mas o embrião do Agente Social foi a Mulheres em Ação?
R – Isso. E o dos jovens.
P/1 – Que até então, só tinha as crianças?
R – Isso.
P/1 – E aí começaram essas atividades das mulheres?
R – Isso. Aí foi a partir de um Gol de Cidadania. Aí no final, na avaliação, "E aí, como que é?", "Ah, não, a gente não quer se separar. A gente quer continuar" Aí falei: "Bom, o que a gente fez?" Não tem previsão orçamentária, nem nada, mas, a gente não tem custo.
P/2 – Mas as crianças também. Era até quatorze anos, né?
R – Isso. Aí foi A Cara da Vila. Tem um livro maravilhoso da Cara da Vila também. O Pitti deve ter falado. Tem um capítulo sobre Mulheres em Ação no A Cara da Vila. O Alexandre deve ter. Pede pra ele trazer.
P/2 – Precisamos ter esse livro.
R – Tem. Tem um capítulo do Mulheres em Ação que eu escrevi. Lá tem um pouquinho do histórico.
P/1 – Deixa só eu entender. Então tinha crianças de sete a quatorze anos, as mulheres, mas o livro A Cara da Vila são dos jovens acima de quatorze anos?
R – Isso. Depois que veio o programa A Cara da Vila, foi o projeto que a Sônia (Mais?) que trouxe. A idéia era conhecer a vila através de algumas linguagens, o Teatro, a Dança, tal, tal, tal. E a leitura escrita amarrando tudo isso.
P/2 – Mas a Sônia continua lá, desde o começo? _____________
R – Desde o começo. Na época, ela era da Fundação Abrinq e depois ela foi indicada pra ser a consultora, pra poder conceber o projeto.
P/2 – Mas quando você começou a atuar ela não tava diretamente lá?
R – Não, ela ficava mais no escritório dando as dimensões macro, institucionais. Aí foi muito interessante com Mulheres em Ação, porque aquela comunidade é um ovo, e foi muito interessante que depois você começa a resgatar a história daquelas mulheres. Então era, sabe briguinha de quando era adolescente, de namorado, depois os filhos não gostavam. Tinha uma rivalidade, uma briga muito grande naquela comunidade. Através do trabalho com as mulheres a gente conseguiu resgatar, estar junto, respeitar a diversidade, vamos esquecer porque é besteira, era coisa tão besta, quando você vai ver a história, coisa boba. E elas começaram a ter identidade de grupo, de mulheres. E era muito engraçado que aquela Região Norte, as mulheres que tinham liderança, elas eram muito facilmente usadas pra trabalhar pra políticos. Você vê umas cartas muito engraçadas que tem, porque elas eram... Mulheres de liderança, elas eram pagas por cabo eleitoral, e lá era o local de malufistas. Então era o coronel, aquele coronel super... Que é da Região Norte. Então era um... E a hora que elas começam a se verem quanto pessoas, atuantes... Aí tudo que acontecia eu mandava elas... Tem algumas mulheres, a Marlene... Várias delas, elas foram fazer o Curso de Promotoras Legais.
P/2 – Como é isso?
R – Curso de Promotoras Legais é um curso feito pela Promotoria que trabalha lideranças pra saber os direitos das mulheres. E depois elas podem ser multiplicadoras nas suas comunidades. Aí elas foram fazer, no dia da formatura o Raí foi junto, a gente foi junto. Lá a gente formou dez. Então qual era a proposta do Agente Comunitário? Qual era a concepção? O Alexandre vai trazer, também, várias coisas. Era alguém que morava na comunidade, a partir do entendimento da sua comunidade podia fazer uma intervenção, prática de mudança pra sua realidade local. Então essa concepção foram eles que fizeram. E eles se viam nisso enquanto Agente Comunitário. E foi muito legal, porque eles participavam de tudo, a gente decidia juntos, eles iam fazer curso de capacitação fora. As ações todas que nós fizemos dentro, foi o Dia de Fazer a Diferença, foi mega, foi... Nossa! Não sei como deu certo. Foi maravilhoso. Eles que fizeram juntos. Então sempre a construção coletiva. Eu vou mandar o DVD, vou ver o que eu vejo com Alexandre da gente gravar pra vocês. E sempre era assim, a nossa metodologia é registrar, através de escrita, através de vídeo. O Alexandre foi um menino que se encontrou através do vídeo. O Cidão era um outro, era Agente Comunitário, ele também se encontrou através da Dança. Ele foi participar do (Bertázio?), agora ele está fazendo jornalismo. Outro dia eu fui vê-lo. Então você percebe vários potenciais lá.
P/2 – Então essa proposta de agente comunitário tava nascendo aí, não tinha nada. Você lembra como foi essa formulação desse...
R – Do agente comunitário?
P/2 – É, porque é um outro projeto, né?
R – Isso. Porque foi o seguinte: quando foi o aniversário de dois anos da Gol de Letra, eu fazia o trabalho de parcerias, locais... E sempre assim, quando tinha alguma coisa, tinha uma possibilidade... A Odontoprev foi um contato que foi passado, depois a empresa não só ajudava, mas sempre participava junto com as coisas. E aí a Johnson & Johnson... Foi a Johnson & Johnson? Acho que foi a Johnson... É. Eles ajudaram a gente no aniversário de dois anos. Foi no Gol de Cidadania também, com brindes, essas coisas. Aí eu fiquei sabendo que eles patrocinavam projetos. Aí eu falei desse projeto de lideranças, e tava dentro do foco deles, aí eles toparam. Eu escrevi o projeto pra assumir toda a área social, na época. Então a área social que não tinha patrocínio... Porque Virando o Jogo tinha patrocínio. A área social que era essa proposta dos agentes, dessas ações foi bancada pela Johnson & Johnson. Então eles pagavam toda a... Eu, os profissionais, mais os agentes comunitários, mais todos os gastos que a gente tinha nas ações de mobilização social, a Soma Ações. Então foi bem legal. Aí começou... Era uma das propostas do Raí, mobilizar aquela comunidade, era trabalhar aquela comunidade pro empoderamento, pra autonomia. Então foi uma das estratégias.
P/2 – Foi aí que surgiu a área social dentro? A área mesmo, enquanto área social? Porque antes não tinha.
R – Então, na verdade, a área social... Tinha um voluntário nosso, o Marco Queiroz, maravilhoso. E ele fez um planejamento estratégico pra gente. Então, na verdade, não tinha área social, eu era coordenadora de um programa. Aí ele foi elencando os objetivos institucionais e ele viu que várias estratégias de ações tinha acontecido e que fundamentava uma reorganização institucional pra ter uma área. Porque um dos objetivos da Gol de Letra, que era a mobilização institucional, tava conseguindo atingir o seu objetivo através das ações de intervenção comunitária, então ele trouxe esse modelo. Aí eu fiquei super feliz, porque é onde eu me identifiquei mais também. Eu sou pedagoga, mas a minha área mais é social, é de implantar projetos. Aí deu pra gente caminha um pouquinho pra essa rede.
P/2 – Mas você assumiu a coordenação social?
R – Social. Isso.
P/2 – E quem é que ficou no __________ pedagógico?
R – Aí tinha o Nelson, era o Coordenador Geral e Pedagógico. Eu fiquei na Coordenação Geral da área social e ajudei a implantar a de Niterói. Depois, Niterói foi inaugurada. A idéia era ter um modelo mais ou menos similar, com área social. E lá também foi feito Gol de Cidadania. Começou também a mesma metodologia.
P/1 – Deixa só eu voltar um pouquinho. Bom, o que a gente tá vendo... Então tá sendo implantada essa área, as mulheres estão atuando... E como surgiu a ideia, não sei se foi paralela, mas essa idéia de trabalhar com o jovem acima de quatorze anos? Como é que pintou isso? Como é que nasceu o projeto A Cara da Vila?
R – Então, A Cara da Vila, na verdade, foi a Sônia que, ela teve o contato com... Eu não lembro bem qual foi a ONG que tinha a proposta de trabalhar com o foco do jovem. E tinha aquela inquietação do jovem, eles não queriam ir embora, completar quatorze anos, eles não queriam ir embora. E teve essa possibilidade de trabalhar no sábado. Aí a Sônia que concebeu esse projeto e começou A Cara da Vila. Na A Cara da Vila, a gente conseguiu puxar os jovens das escolas públicas da região, o Alexandre era um dos jovens. E aí começou toda aquela questão deles se integrarem através de uma oficina.
P/2 – Você fala da escola pública porque até então a Gol de Letra tá ali no bairro, né? Aí vocês estão indo pras escolas? Como é isso?
R – A gente começou, também na época dos agentes, a gente fez um fórum de escola. O que estava acontecendo? As crianças gostavam mais de ir lá do que da escola. E começou a ter aquela rixa. "Ah claro, vocês gostam de ir lá porque lá é só pra brincar". Porque eles começavam a questionar qual é era postura do educador, do professor e qual era a nossa postura. E aí a gente começou a aproximar da escola, "Vamos trazer, vamos trazer pra um chá, vamos bater um papo. O que a gente pode fazer juntos?" Porque, na verdade, aquelas crianças eram rejeitadas na escola. Quando a escola fechou as crianças que lá estavam elas desceram o morro e foram pra aquelas escolas da região. E aquelas escolas da região da Zona Norte eram escolas que formaram a nata. Eram escolas muito tradicionais, daquela época que escola pública funcionava.
P/2 – E ainda tinha essa... Ainda funcionavam as escolas públicas?
R – Tinha, tinha ainda um pouco disso, porque a Região Norte, aquele pedaço, foi na época da crise, um pouco. O pessoal de classe média mais ou menos não tava conseguindo, tinha muito desemprego. Sabe aquele começo do pessoal da classe média ficar um pouquinho desestruturado? E como as escolas eram boas, então tinha muitos que iam pra escola pública. Na Região Norte, aquelas escolas ainda têm a característica diferente da Zona Sul, que é complicado. Então as nossas crianças eram estigmatizadas nessas escolas, eram as crianças do morro. Aí a hora que elas desceram o morro elas começaram a sofrer um pouco de "quem são esses?". E a pior coisa é a exclusão. Então as mulheres se sentiam excluídas das escolas porque elas iam lá pra receber bronca, levar bronca dos filhos. Então a Gol de Letra foi uma quebra de... Mexeu muito com a comunidade local.
P/2 – Esse fórum de escolas, quem participou desse fórum?
R – As escolas da região.
P/2 – Mas iam os pais, ia a Direção, o que era?
R – Não, a gente começou a trabalhar mais com os diretores.
P/1 – Os diretores.
R – Isso. Pra eles conhecerem... A gente não conseguiu ir um pouco mais avante, do jeito que a gente queria, por conta que... A própria resistência da escola. A escola tem ainda um olhar muito estranho pro social, eles têm. Mas houve essa intenção, pelo menos nos eventos a gente chamava algumas escolas, alguns professores, em especial, se mobilizavam. Então a gente tinha um bom contato. Se não com a direção direta, com algum professor líder que gostava das crianças, e ficavam junto com a gente em algumas ações.
P/2 – Voluntários?
R – É. Às vezes um Gol de Cidadania ou o professor ia com um grupo de crianças lá, participar. Então de ter uma integração maior.
P/2 – Bom, eu tô vendo uma evolução através de você. De projetos, pessoas participando. E como é que foi esse processo? O Nelson ainda não tava, né? Você pegou a entrada dele?
R – O Nelson tava. É, eu peguei o começo do Nelson.
P/2 – Mas quando você entrou, ele já estava, não?
R – Não, o Nelson foi pra lá, 2001, por aí. É, acho que foi mais ou menos em 2001.
P/2 – 2001... Teve uma mudança? Porque a gente conversa com algumas pessoas da Gol, eles colocam como um marco, que teve uma quebra, alguma mudança alí. Você localiza isso, você identifica isso?
R – De concepção?
P/1 – Ou é gestão ou é ampliação de projetos, eu não sei. Isso é uma coisa que a gente tá... Se você puder ajudar. Porque o Sóstenes comenta muito isso, que teve uma mudança ali.
R – Então, o que eu percebo... O Nelson veio pra contribuir, ele veio de uma experiência bem interessante, de Salvador, onde as ONGs têm uma visão mais de jovem protagonista. E aí ele veio trazer essa contribuição pra organização, acho que solidificou, deu um suporte pra gente na parte social. E depois teve um pouco de uma quebra do pedagógico-social, na época. Aí tinha uma consultoria que trabalhava mais com as questões pedagógicas. Não sei se tinha um olhar muito claro do que estava acontecendo do social. Eu sei que teve um... Agora que a gente, depois de muito tempo, consegue ter uma visão externa, assim. Teve.
P/2 – Você tava lá?
R – Eu estava lá.
P/2 – Como nasceu essa quebra?
R – Essa quebra?
P/2 – É. Do pedagógico com o social. Por que nasceu essa quebra, essa ruptura?
R – Ah, eu vejo mais a questão de concepção, porque, por exemplo, eu sou pedagoga e eu sou assistente social. E eu sei que a área educacional é resistente no sentido de achar... Do quadradinho um pouquinho... E essa proposta do social é mesmo da família dentro do espaço, da família participando junto, da família contribuindo. O que é a minha leitura, que eu vejo, porque aí a parte da estrutura das atividades pedagógicas não conseguia enxergar essa evolução do social.
P/2 – Achava que era falta de... Sei lá, desvirtuar um pouco o foco? Enfim, qual era...
R – Não sei se seria bem desvirtuar, mas de repente, sair da caixinha... Não sei.
P/1 – De que forma isso apareceu nas atividades? Essa quebra. Dá um exemplo pra gente. O que mudou?
R – Porque, por exemplo, uma coisa concreta, a gente tinha os agentes comunitários pedagógicos. E a gente tinha os agentes comunitários sociais, são esses que eu te falei. Tá. E começou, na base, acontecer algumas coisas. Porque os agentes comunitários pedagógicos eram tarefeiros, então eles só cuidavam de criança. E os agentes comunitários sociais, a proposta era outra, era pra manter integração com a comunidade, discutir o que é comunidade, tal. E a gente sempre falava: "Vocês não são tarefeiros, vocês estão concebendo a proposta junto. Quando vocês fazem uma atividade, vocês sabem o porquê estão fazendo e o que isso tem a ver com a comunidade". Não é chegar lá, "Olha, então tá, você vai lá e você vai visitar aquela criança". Isso é uma tarefa. Agora, não, "Você não vai visitar uma criança, você vai fazer um processo de acolher". É questão de concepção, né? Aí acho que começou a ter alguma coisa nesse sentido.
P/2 – O trabalho dos agentes comunitários pedagógicos era mais interno na Fundação?
R – Também.
P/2 – Era suporte do educador? Como é que era essa ______?
R – Era, eles ficavam como se fossem assistentes dos educadores. E aí... Uma coisa simples, eles começaram a se questionar. Porque eles queriam mais do que aquilo, eles queriam participar de uma outra forma. Enquanto, vamos supor, uma atividade social, digamos assim, um Gol de Cidadania. É uma atividade social. A concepção era tirada junto com a equipe dos agentes. Eu não chegava e falava assim: "Olha, agora vocês vão lá e vão fazer isso, isso e isso". Não. Tinha que falar: "Olha, porque é que nós vamos fazer isso". Era uma construção coletiva. Então a metodologia é diferenciada. O fim, o produto de uma coisa tinha uma construção, começo, meio e fim. E as pessoas se viam naquilo. Não sei se eu fiz...
P/1 – Como que isso foi sendo mudado? Isso que eu não entendi no processo. Porque uma coisa tava antes, com todo aquele trabalho pedagógico, com as crianças. Aí surgiram as agentes, não é? Não tinha atrito, não tinha uma diferença de atuação até então, não é? Esse início.
R – É.
P/2 – Mas tinha integração?
R – Tinha. Então, deixa eu ver. Olha, eu sei que o Nelson tinha uma visão interessante. Depois ele saiu, e talvez tenha sido pós-saída, que, aí, o pedagógico foi pensado de uma outra forma. Teve o projeto dos Agentes Comunitários, vamos supor, essa concepção, esse projeto que eu falei. O trabalho...
P/2 – É o FAC?
R – Isso. O FAC foi uma das coisas que foi polêmico na construção. Por exemplo, o FAC pra mim são esses, vamos supor, esses agentes comunitários sociais que têm toda uma... Qual era a idéia do agente comunitário social? Era a gente cada vez mais empoderar aquelas lideranças, mulheres e jovens, pra que eles conhecessem a comunidade local, pra eles se instrumentalizarem de alguma forma. As mulheres iam pra as passeatas, por luta pelos direitos da mulher, nánáná. Pra eles se empoderarem, pra que eles transformassem aquela comunidade, que eles tivessem acesso à educação, pra que, daqui a uns dez anos... Dez... Dez já foram. Uns quinze anos, você saia de lá, a formação fica. Então não preciso estar lá. As pessoas se empoderaram daquilo. Quando a gente concebeu o programa Agente Comunitário, era isso. Então, vamos supor, Agente Comunitário de Esporte, ou Agente Comunitário nánáná. O que a gente quer? Não é só fazer jogar. Jogar é uma forma. [Mas] o que a gente quer? A gente quer que eles... Porque a gente tinha uma proposta do esporte, FAC Esporte. Era o que? A gente pegar e mapear os espaços públicos... Você brincou em Rua de Lazer. Nós tínhamos a proposta, junto com o poder público de implantar duas Ruas de Lazer. Já tínhamos brigado com o sub-prefeito. Então, por exemplo, só pra ter uma idéia de concepção, na nossa concepção, o Agente Comunitário Esportivo era você trabalhar aquele grupo, pra ele poder identificar quais são os espaços de esporte, pra eles terem uma noção que Esporte é um direito, que eles pudessem ver "Não, olha. Eu posso ter o que? Uma Rua de Lazer. Eu posso ter, melhorar o"... Mas não o jogar. O jogar é uma estratégia, é uma forma. Mas atrás desse jogar ele tem que entender que Esporte é um direito, tantantan. Não sei eu fiz entender. Então por exemplo, o Agente Comunitário da Educação, não é só a ação de ir lá e brincar e limpar a criança, isso daí pode até acontecer. Mas antes, eles têm que saber que Educação é um direito. De repente, até, eles se encontrarem enquanto um futuro educador, fazer uma faculdade de Pedagogia. Na Formação e no FAC, a gente sempre privilegiava, um momento de formação e o momento de planejamento e um momento de fazer.
P/2 – Mas os agentes comunitários pedagógicos faziam essa formação também?
R Aí, eu não sei que...
P/2 – Tinha a mesma formação que os agentes sociais?
R – Não. Eu não participava.
P/2 – Não era junto?
R – É. Eles começaram a sentir a diferença. Por exemplo, o agente comunitário social tinha que ter formação. Então eu fazia a formação, ou trazia gente de fora ou a gente ia pra fora. Tinha que ler, tinha que escrever, assistia filme, achava ou não achava, por quê? Eles planejavam. Dentro do Agente Comunitário tinha os mobilizadores sociais que eram aqueles que falavam mais, eles tinham que ir pra comunidade mobilizar. Tinha os que faziam as ações sociais, aquele que era mais planejado, não sei o quê. Tinha os visitadores sociais. Eles tinham coisas práticas de fazer em cima da característica dele. Um é mais falante. Uma não sabia escrever, mas ela era uma ótima mobilizadora. Aí eu botava junto com uma que escrevia. Existia essa concepção, porque a gente achava que era muito forte. Eles tinham que planejar, sim. Exigia mesmo. Vai fazer um evento? Nós vamos fazer. Então a gente fazia...
P/2 – Só pra entender melhor, a gente acaba ficando na coisa dos eventos que acabam marcando mais. Mas a rotina dessa área social, como era mais ou menos?
R – Não tinha rotina (risos). Não, tinha, assim, os agentes comunitários ficavam vinte horas com a gente. Acho que eram vinte, na época. Então eles tinham vinte horas. Eu fazia grupo, metade manhã, metade à tarde. Uma vez por semana tinha um encontro de todos os vinte. Eles tinham que privilegiar um dia, todo mundo junto. Nesse dia todo mundo junto é o dia de formação. Nesse dia de formação a gente discutia texto, fazia visita a alguma Instituição. Enfim, era o dia de formação. Tinha que ter. Aí a gente privilegiava o dia de planejamento. Planejamento e avaliação. Vamos planejar a semana, vamos planejar o mês, o que nós queremos fazer nesse mês?. E avaliar. Fizemos? Fizemos. Foi bom? Não foi bom.
O que pode melhorar? Escrita. Lá era uma sala que a gente colocou vários computadores, eles tinham aula, até, assim, um que sabia mais ajudava a registrar e eles faziam os arquivos, faziam a escrita. Você viu, né? Sempre a gente incentivando. Tinha os grupos, aí por exemplo, tinha o Virando o Jogo. Algumas mães a gente achava que tinha condições, elas iam fazer a visita, mas não a visita social, no sentido de psicólogo nem nada, mas dela ir pro posto de saúde fazer visita nas casas das crianças que precisam. Então tinha os agentes de saúde da região, elas faziam essa integração de, vamos supor, uma criança está faltando muito, o agente social ia lá. Era essa dinâmica que acontecia. Aí tinha... Que mais? Era tanta coisa... Elas tinham formação, tinham planejamento, tinham essas ações. Mas a gente sempre discutia… Não é o evento, porque evento é evento. O evento tinha que cumprir uma função, porque não pode ser uma coisa prazerosa, né?
P/2 – Todo mês vocês faziam evento?
R – Não. Ah, também tinha, vamos supor, muita gente queria conhecer a Instituição, então tinha o Dia da Visita. Tinha sempre assim, eu apresentava. Ou eu ou o Edu. Edu era nosso voluntário, o Eduardo. E aí sempre tinha o agente comunitário, eles falavam quem era a Gol de Letra. Eles tinham uma dinâmica toda de rotina, das atividades, de acompanhamento das famílias, contato com os recursos da comunidade, ir no posto de saúde e ver o que está acontecendo, quais são as campanhas que o posto tem. Vão fazer murais de saúde preventiva, vão arranjar folheto lá e cá, vão fazer os espaços pra poder divulgar. Aí, o que tinha mais? É, acho que é...
P/2 – Peraí, só uma coisa, existe uma diferença entre o agente social e o agente comunitário? Tem uma diferença?
R – Agente comunitário... Tem agente de saúde, porque é o programa da prefeitura.
P/2 – Que não é da Gol de Letra?
R – Não.
P/2 – Não, acho que é agente comunitário social e agente pedagógico.
R – Isso. É a FAC, Formação de Agente Comunitário. Aí tem os seguimentos.
P/2 – Tá, entendi, mas o FAC eram os jovens, ou não?
R – O FAC tinha jovens... O social tinha jovens e adultos.
P/1 – Jovens e adultos, que tinham aquelas mães e tal.
R – Isso, eram as da Mulheres em Ação. Algumas que se destacavam dentro do perfil. Aí elas eram incorporadas para o programa de agente comunitário.
P/1 – Deixa só eu voltar num evento que comentou, do Dia de Fazer a Diferença, pareceu uma coisa marcante a primeira vez que teve.
R – Foi, foi bem bacana.
P/1 – Você poderia falar um pouquinho sobre isso?
R – Do Dia de Fazer a Diferença?
P/1 – Como foi? Porque você teve que ter contato com outras entidades, né?
R – Foi. Foi o trabalho de rede, porque a gente fez o primeiro... A Sônia que trouxe essa proposta, é uma proposta mundial, é um dia... É a Sife que programa, é um dia que o mundo inteiro para pra fazer uma ação solidária. Aí a gente topou o primeiro ano, aí foi tranquilo, a gente fez com... Eu tinha um mês pra poder organizar, não tinha agente comunitário, foi só entre nós. E a gente fez uma ação simples, interna, na comunidade, foi bem bacana. Como se fosse uma atividade interna da instituição. Foi tranquilo. Aí a gente topou fazer o segundo ano, e fizemos um trabalho com a Rede.
P/2 – Não existia ainda a Rede?
R – Não.
P/2 – Então, foi uma... Foi assim, a Gol de Letra que deu uma...
R – Foi. Aí veio essa idéia, a gente chamou as empresas parceiras, nós chamamos as escolas, as ONGs. Mostramos as propostas, eles toparam. Aí a gente começou a fazer os segmentos, quais são as áreas, área de saúde, tal, tal, tal. Aí todo mundo foi mobilizando. Acho que foi um crescente, foi. Aí a Saúde topou, o posto de saúde, a creche topou, as empresas entraram. Eu sei que...
P/2 – A Rede Vila Albertina tá ligada a essa ação? O surgimento dela?
R – Não. Ela foi como decorrente. Acho que foi uma... A partir dessa atividade, aí foi se fortalecendo, até chegar a um ponto e falar: "Vamos... É legal a gente ter uma Rede". Porque a idéia da Gol de Letra não é ela ser tudo. Muitas vezes as pessoas, acho que queriam ajudar a Gol de Letra e aí a proposta do Raí é sempre assim, quer ajudar porque quer alguma coisa em troca. Então: "Você quer ajudar mesmo? Tá. Você quer ajudar a Vila Albertina? Então você não quer ajudar a organização X, Y, Z, que atende a região?" Aí você vê se o cara quer ajudar mesmo, porque se quiser, continua. Se não quiser, por conta de ser a Gol de Letra... Aí a Rede começou assim. A gente foi...
P/2 – O Dia da Diferença tem todo ano?
R – Isso. Acho que é o último domingo do mês de outubro, coisa assim.
P/1 – Queria perguntar uma coisinha. Teve problema, no início da Gol de Letra, você que inclusive pegou o início, da comunidade confundir o papel da Gol de Letra, no sentido, assim, é uma entidade assistencialista, ou não. Chegou a ter esse tipo de confusão inicialmente? Da comunidade ta esperando mais. "Ah, vem aqui pra nos ajudar", e não, "Vem aqui que eu também vou participar". Não sei se ficou claro.
R – Ah, eu acho que num primeiro momento sempre tem essa coisa, né? Mesmo porque, a maioria das organizações tem esse... E por conta de ser uma organização com o Raí atrás. Então sempre fica aquela coisa: "Quem são vocês? O que vocês querem? Será que é só isso? O que tem por trás?". Então teve, acho que no começo. Mas à medida que você trás a comunidade lá dentro pra poder discutir com você e ver que a Gol de Letra não é o fim, mas é o meio, então começa a... Mas claro, acho que toda organização... Você tá numa região de alta vulnerabilidade, carência.
P/1 – Você lembra de alguma situação, vamos supor, as próprias entidades confundindo um pouco isso?
R – Não. Eu pensei que fosse pior. Mas acho que foi assim, a postura que a gente chegou de não querer ser melhor, porque se você entra, também com uma postura de nós sabemos, aí fica uma relação de poder. Você sabe, você pode mais.
P/1 – É porque, às vezes, tem uma entidade nova, tudo bem, o Raí... Assim, as pessoas aparecerem lá mais pra pedir, né?
R – Olha, poderia ser pior, mas eu acho que até que foi tranquilo (risos). Acho que foi tranquilo.
P/2 – E o projeto da biblioteca, também. Você pegou esse projeto?
R – Foi.
P/1 – Como é que foi isso?
R – A Sônia (Mais?) que tocou. Foi bem legal. A Sônia trouxe um pessoal pra fazer a formação. E a gente percebeu mesmo que através da leitura, os jovens foram se descobrindo. O Alexandre que você vai entrevistar amanhã, ele se descobriu como o programa da Fundação Abrinq... Da leitura. Aquele da Biblioteca Viva?
P/2 – Tinha o projeto da biblioteca comunitária, né?
R – Isso. Mas ele foi formado pela Abrinq. E ele se descobriu como agente comunitário, como alguém da área social, através da biblioteca. Inclusive, depois pede pra ele te contar uma das propostas... Olha pra você ver, a concepção do agente comunitário. O grupo de agente comunitário social, junto com o Alexandre, que tinha essa questão da biblioteca muito... Eles montaram uma biblioteca na comunidade. Todos os livros que chegavam na Gol de Letra, que não... Passava por um crivo, a gente ganhava muito. Eles arranjaram uma salinha numa ONG lá perto e eles montaram. Estante velha... Então, era essa a concepção de agente comunitário. Ia pipocando. A hora que a gente via, falei: "Não, beleza. Não tá servindo? Vai servir pra alguém". Eles montaram uma biblioteca com os livros, um acervo...
P/2 – E foi essa ideia que foi pra Gol, essa ideia dessa biblioteca, pra lá?
R – Não, foi uma das...
P/2 – Eu queria entender o surgimento, porque...
R – Ah, da biblioteca?
P/2 – É, porque a biblioteca da Gol parece que inicialmente era interno, pra o pessoal da própria Gol.
R – Isso.
P/2 – Como é que foi a idéia de...
R – Não. Ela fazia parte da grade curricular das crianças, então as crianças participavam da biblioteca como atividade interna. Mas ela também era aberta pra comunidade externa. Sempre foi.
P/2 – Mas desde o início?
R – Desde o início, isso. O que eu tô falando é assim, um outro pólo. Uma salinha lá na comunidade Vila Albertina que com os livros velhos lá, os agentes comunitários montaram uma biblioteca, essa que é a questão do protagonismo mesmo.
P/2 – A multiplicação, as ações.
R – Multiplicação. Isso. Então foi bem legal.
P/2 – E o Fórum Social que você chegou?
R – Era uma das formas também, dentro daquela questão dos agentes comunitários. Eles tinham o espaço de formação, e os espaços de formação eram múltiplos. E aí o Raí trouxe o pessoal da França que queria conhecer o Fórum. E eles foram visitar. A ida ao Fórum foi um espaço de formação. Nós identificamos o grupo dos agentes, quem queria, poderia e tinha o perfil. E aí foram. Foram três jovens e duas mulheres, e eles tinham tarefa. Eu tenho lá registrado, você vai ver, tá um barato. O registro tá maravilhoso, de vídeo. Diário de bordo, ele tinha diário de bordo. E aí a proposta, todas essas formações que eles faziam, externas, eles iam, mas com a tarefa de chegar e multiplicar. Tinha que trazer relatório e multiplicar pro grupo. E aí o pessoal do vídeo trouxe através do registro, através do vídeo. As mulheres escreveram, enfim. E foi muito legal.
P/2 – Em que ano foi isso?
R – Foi dois mil.
P/2 – Foi o primeiro Fórum?
R – Foi. Lá no Sul.
P/1 – Em Porto Alegre. Acho que foi o primeiro.
P/2 – Foi em dois mil? Nossa, a instituição tinha um ano.
R – Acho que foi. Dois mil, 2001. Foi o primeiro Fórum, lá em Porto Alegre. Então abriu a mente deles, eles começaram a perceber que o mundo não era Vila Albertina, isso é fundamental.
P/2 – Porque tem uma coisa... Você tá colocando a Gol de Letra pra fora. Também tem esse lance?
R – Isso. Tem isso também.
P/2 – E eles trazem...
R – Isso. E foi uma das formas de formação também, do que tá acontecendo no mundo aí.
P/2 – E tem muito isso, eu vejo lá, que nem as cartinhas. Essa metodologia de registrar, de escrever, também é a dinâmica da formação.
R – É. E sempre que eu falava pra eles: "Todo lugar que vocês vão, vocês olham pra coisa e, o que isso tem a ver comigo?". Porque tem uma intenção, se não fica um evento. Eu vou pro Fórum, mas eu estou indo pro Fórum enquanto representante, vocês vão multiplicar e tem uma função de ir lá, se não vira turismo. E eles tinham muita responsabilidade, nesse sentido de trazer esse teor, de trazer sempre o eco pra Vila.
P/2 – Como é que foi essa volta deles? (pausa)
P/2 – Você estava falando dos meninos que voltaram do Fórum, né?
R – Depois vocês vão ver o vídeo. Mas eles chegaram... Nossa, eu fiquei surpresa. A visão de mundo que eles trouxeram. Não tinha dimensão que eles conseguiriam captar a mensagem.
P/2 – E essa mensagem, como é que ela foi passada pra comunidade? Teve uma ocasião, uma reunião? Como foi isso?
R – Foi mais pro grupo interno. Foi pros educadores, pros agentes comunitários. Eles montaram um vídeo. E aí depois, foi a experiência mesmo. E eles também fizeram entrevistas com algumas pessoas super interessantes lá. Eles eram super críticos, vieram com... De igualdade, de filosofia mesmo. E eles começaram a entender o que a Gol de Letra queria com aquilo tudo, de democracia.
P/2 – Nossa, perfeito, porque o lema do Fórum Social é Um Outro Mundo é Possível.
R – Um Outro Mundo é Possível.
P/2 – Casa, né?
R – Casa. Então era muito... Cada dia era uma caixinha de surpresas. Eu ficava muito feliz. E a qualidade do vídeo, a mensagem. Teve um vídeo que o Alexandre fez, que o Raí, até, eu acho que chorou, nesse dia. Foi um vídeo quando foi a Torre Gêmeas. Maravilhoso.
P/2 – O que ele falava nesse vídeo?
R – Ah, da questão do tempo, da questão do poder. E o Alexandre é uma cabeça, ele é muito introspectivo. Ele tem um arquivo. Ele me deu esses daí, quando eu saí, eles fizeram uma coletânea e me deram de presente. Mas o Alexandre deve ter um monte de coisa, ele tem muita coisa. Muita coisa.
P/2 – E a temática social aparecia, ele começava a pontuar isso nos vídeos?
R – Muito. Temática social, a crítica. O vídeo do Dia de Fazer a Diferença foi ele que fez. E depois de feito, depois de acontecer o Dia de Fazer a Diferença, a gente foi refletir sobre aquilo, não era ações pontuais, aquilo era cidadania, era o direito. Então a gente sempre tinha uma discussão em cima disso.
P/2 – Célia, só pra eu me situar um pouco, você ficou na Gol de Letra de dois mil até quando?
R – 99, 2000...
P/2 – Ah, 99 até?
R – Acho que quatro anos, 2002.
P/2 – De 99 a 2002?
R – É. Eu peguei um pouquinho o Sóstenes. Pouco só. E depois… Aí eu saí. Acho que foi 2002, isso.
P/2 – O que você sentiu que mudou na comunidade, depois que a Gol tá lá? Porque você pegou desde a implantação. Até o momento que você saiu, o que você sentiu que mudou? Que impacto que teve na comunidade?
R – Ah, impacto? Nossa, foram tantos. Eu acho que, primeiro, a segurança que a gente tinha de transitar. Lá era um espaço do bem. Porque tinha estigma de ser um lugar violento. Acho a questão de ser um local não-violento, das pessoas estarem mais empoderadas, das mulheres estarem com autonomia, o retorno à faculdade, a descoberta de talentos. Você poder estar com aquela porta aberta e as pessoas entrarem. Dos grandes bandidos serem nossos amigos (risos). Então são coisas que são do dia-a-dia. E o que eu achei bem bacana, não ficou aquela coisa, pelo menos, que é uma organização... Tudo bem, não é uma organização de base comunitária, isso é claro, mas ela tinha a característica de organização de base comunitária nas relações humanas. Então acho que isso mudou bastante, principalmente a autoestima das pessoas. A pessoa estava mais empoderada, tava mais feliz.
P/2 – Você acha que essa mudança até física, também ocorreu na comunidade?
R – Ah, sim.
P/2 – Como? Assim, um exemplo.
R – As mulheres estavam fisicamente... Elas se produziam pra ir... Tudo era um ritual. E a gente ia muito pra (Acesso?). Então, era muito engraçado. As pessoas convidavam o Raí, o Raí aceitava e falava assim: "Ah, mas eu vou levar mais pessoas, tudo bem?" O pessoal claro que não vai falar não pro Raí. Aí falavam “sim”. O Raí me ligava, falava: "Ah, então tá. Vamos levar cinquenta crianças". A gente catava o ônibus e ia pra eventos, pra coisa. Então eles tiveram acesso. E uma coisa que sempre o Raí... Assim, não são crianças que... "Ai, coitadas". Não. Eles transitavam pelos locais, sem ser coitados nem ser... "Estou no meu direito". Então era muito gostoso. Eu acho que essa segurança elas começaram a... A gente percebia.
P/2 – A gente tá caminhando aqui, depois, pra finalizar. Mas antes da Nádia começar, eu só fiquei curiosa sobre o teu olhar em relação aos trabalhos que você fez antes e quando você foi pra Gol de Letra. Você sente uma diferença de trabalho, uma diferença de concepção da Gol de Letra, em relação ao trabalho com a comunidade, comparando com os outros trabalhos que você tinha feito, que salto que você deu na sua carreira profissional em relação a isso? Você acha que tem uma mudança de tipo de trabalho? Quais são?
R – Eu acho assim, sempre falo, a Gol de Letra, acho que foi um dos lugares que eu fui mais feliz em termos pessoal, em termos profissionais, de colocar em prática. Eu acho que o Raí sempre me deu total liberdade de acreditar. E eram umas coisas bem malucas, ele sempre aposto, "Vai". E essa autonomia, às vezes, te dá mais responsabilidade. Então o que eu vejo de modelos? Eu acho que essa intervenção comunitária, que nas outras organizações que eu trabalhei foi a primeira organização que eu trabalhei que estava totalmente dentro da sua comunidade local. As outras estavam na comunidade de alta vulnerabilidade, mas a gente não era vizinho de parede. Vocês foram lá, né? Lá a gente estava dentro. A gente era um corpo dentro. Você pode ser um corpo um pouquinho mais longe, você não faz parte. Lá a gente fazia parte. Eu entrava lá dentro, as pessoas: "Bom dia". Dava impressão que estava na sala ao lado. A gente entrou na casa dessas pessoas. Aquela escola, ela tá encravada dentro. É como se fosse a casa delas. Então me propiciou uma experiência muito interessante que eu nunca tinha tido. E o avanço que deu, acho que é a essa possibilidade de eu estar participando de uma organização que estava encravada lá dentro. A gente fazia parte, a gente era mais um cômodo daquela comunidade. Eu acho que a metodologia, essa abertura que foi me dada, de tá implantando um modelo que eu acreditava enquanto social, enquanto escuta, enquanto protagonismo. Eu tive apoio. Era uma instituição grande, mas ao mesmo tempo eu tinha poder de decisão, no sentido assim: "Olha". E, às vezes, organização grande... Eu tô agora numa organização grande, mas eu não tenho essa flexibilidade, porque tem trâmites, tem não sei o quê. Lá, não, a gente pensou, fez, que de certa forma é bom. Muito gostoso, muito prazeroso, você faz. Infelizmente, não deu, eu acho que iria começar um momento, tanto é que eu tenho essas coisas que era um desejo de sistematizar essas idéias, é uma coisa que sempre...
P/2 – As cartas, você está falando?
R – É, o trabalho mesmo, em si. De fazer alguma coisa, de fundamentar um pouquinho essa prática, que eu acho que todos os lugares foi mais ou menos a mesma linha metodologia, que foi implantada e que deu certo. E essa visibilidade foi uma coisa que deu certo, tá tendo foco de se ampliar e se olhar como modelo. Tanto é esse exemplo desse trabalho que vocês estão fazendo, porque vai ter uma outra dimensão essa mesma prática numa organização que não tem essa visibilidade, ela morre lá, né? Eu trabalhei numa outra organização como consultora e também fiquei na gerência durante dois anos, depois que eu saí da Gol de Letra, é o Arrastão. Maravilhosa. Ela faz coisas maravilhosas, muita coisa bacana, mas ela não tem essa possibilidade, como a Gol de Letra, de dar eco, de falar como pode ser, de ser exemplo pra outras organizações.
P/2 – Porque ela é menor?
R – Porque não tem acesso, não tem possibilidade de divulgação. Queira ou não queira, a Gol de Letra tem um espaço na mídia, tem um espaço de interlocução com outras organizações, de respeito. Acho que isso que difere. Não sei se eu respondi...
P/2 – Acho que sim. Eu fiquei curiosa porque você foi pra Fundação Gol de Letra como coordenadora de um projeto, aí você ficou até quando como coordenadora de projeto?
R – Acho que uns dois anos. Depois eu fui pra área social, eu coordenava a área social. Acho que dois anos, um ano e pouco.
P/1 – No seu trabalho foi muito diferente? Você sentiu uma diferença muito grande quando você mudou de área pra atuar?
R – Ah, eu fiquei mais contente.
P/1 – É?
R – É, porque a coordenação de um programa te limita mais, só pra aquelas crianças ou, quando muito, um trabalho com família, mas... Então teve uma outra dinâmica mesmo, no modelo enquanto coordenador de um programa, era mais das atividades pedagógicas ou de trabalhar formação com os educadores, ______ as crianças. E a área social, acho que te dá uma abertura maior pra contextualizar essa criança, essa família, essa comunidade, dentro de um âmbito maior. Então acho que foi um salto pra mim, pessoal.
P/2 – Para a Instituição acho que também, né? O esforço de contexto mesmo.
R – É.
P/1 – Eu sei que eu vou ser meio repetitiva, mas o que você acha que você lembra, seriam os fatos, casos, mais marcantes que você viveu nesses anos que você trabalhou na Gol de Letra?
R – Na Gol?
P/1 – É.
R – Ah, um foi esse que eu falei, do bilhetinho. Isso me marcou bastante. O Dia de Fazer a Diferença, no final do dia, da gente sentar com o grupo que pensou, ver que deu certo. Da gente perceber que a gente conseguiu unir o grupo. Uma experiência interessante também são os momentos do Raí estar sempre junto, acho que uma coisa que eu não esperava. Uma pessoa muito tranquila. Uma pessoa muito presente. De conhecer o lado humano, porque ele colocava muito isso na postura dele com as crianças, com a comunidade, de respeito. Acho que cada atitude dele, assim... Eu falava: "Poxa vida, o mundo vale a pena". Então, isso aí é uma coisa que marcava muito. O que marcava muito também eram as rodas de conversa com os agentes, sempre eu aprendia com eles. Ai, são tantas coisas.
P/1 – Porque esses agentes traziam coisas que eles viviam, né? Que eles iam visitar.
R – Sim. Sempre a...
P/1 – E você lembra de alguma coisa que eles trouxeram, que você ficou...
R – Dos agentes?
P/1 – É.
R – Ai, tanta coisa. Cada dia era uma coisa diferente. Mas o que me deixou muito contente foi um dia que a gente foi discutir a concepção de agente comunitário. E a gente construiu juntos. Então foi bacana. E a hora que a gente conseguiu conversar quem são eles, a gente conseguiu chegar numa concepção, aí a gente terminou a reunião, eu falei: "Gente, e aí? Quem são vocês?". E eles falaram, sem ler, sem coisa, porque foi introspectivo, entrou neles. Foi o Kiko, até. Foi o Kiko, foi um dos agentes comunitários. Isso aí foi bem bacana, porque você vê a pessoa se ver na coisa. Aí faz sentido pra ele. E aí foi, que eu acho da educação, porque a hora que as coisas começarem a fazer sentido pro educando, seja lá ele jovem, adulto, agente comunitário, ele incorpora. ___________ crítica que eu faço é essa. A escola que aí tá não faz sentido pra eles, por isso que ele é chato, ele exclui, ele não faz sentido, a teoria com a prática. É Paulo Freire, né, gente? Paulo Freire dá pra se vivenciar todos os dias, não precisa ser um teórico lá. Tião Rocha, dá pra vivenciar todo dia, a coisa não dá pra você falar, não precisa você: "Olha, agora vamos aprender. Agora vamos fazer". Não, a coisa ocorre a teoria e prática junto. Então eu acho que isso é o grande... E era muito prazeroso. Foram muitos momentos.
P/2 – E como você avalia a sua trajetória na Gol de Letra?
R – Ah, como eu falei. Acho que foi uma das organizações que eu mais consegui ser feliz. Era prazeroso, chegava, a gente não tinha hora. Um dia o Alexandre dormiu lá, eu queria bater nele, ele virou a noite editando. Tanto... Quando aquilo fazia sentido. Então era muito gostoso. Pra mim foi muito interessante. E é legal, eu fiquei muito contente de ter sido lembrada, de preencher esse pedaço de informações, de coisa, de história. Então acho que foi bem bacana pra mim.
P/1 – Se você pudesse traduzir a Gol de Letra em algumas palavras, como é que você traduziria?
R – Tem uma frase lá, do Raul Seixas (risos), foi a frase que marcou muito, a Tina muito falava. Tina, Raí... Foi uma frase que a gente colocou lá no dia da inauguração, aquela: “Sonho que se sonha só é apenas um sonho, sonho que se sonha junto é...” Uma coisa assim, não me lembro bem. Sabe aquela sonho que se sonha só? E aí foi uma frase que a gente tirou juntos, não sei como foi que surgiu. E foi que a gente fez uma faixa e a gente colocou no dia da inauguração.
P/2 – Na inauguração foi colocada essa faixa?
R – Foi. Foi colocada essa faixa. E, assim, tenho um carinho grande. Quem sabe a gente, com o Alexandre… A gente não conseguiu reunir essas pessoas pra ler as cartas. Eu acho que a Gol de Letra tem uma caminhada bacana. Agora, eu não sei como é que tá, porque eu perdi um pouco o contato, eu preciso voltar. O Sóstenes sempre fala: "Vem tomar um café, vem conversar, não sei o quê". Preciso, gosto muito deles. Tenho um carinho muito grande e tal. Mas eu acho que, assim... Eu acho que a história não pode ter agora uma outra história. A história é um contínuo. Então, acho que a gestão que agora está, é resgatar um pouquinho o que deu certo. Traz essas pessoas. Tem tanta gente boa aí que teve um momento bacana, que pode, agora... É um outro momento. Acho que é um outro momento, é uma outra... Com as coisas que deram certo, de repente... De incorporar, Mulheres em Ação não tem mais, é uma coisa que eu fico...
P/1 – Ah, quando você saiu ainda tinha?
R – Tinha. No último dia eu chamei, paguei um almoço pra elas, chamei a Olga, falei: "Meninas, olha, vocês continuem". Dei um suporte pra Olga, não sei quê. "Mulheres têm que..." É o alicerce. Eu fiquei chateada mesmo por não tê-las mais.
P/2 – Por que será que acabou?
R – Não sei.
P/1 – Só uma coisa, já que a gente tá falando de coisa que acabou e eu esqueci de perguntar um negócio, você falou que tinha participado da abertura em Niterói.
R – Isso.
P/1 – Como foi isso?
R – Então, eu participei de um processo de seleção da assistente social lá. E depois, algumas atividades lá, planejamento, diagnóstico. Aí depois quando eu saí, eu não...
P/1 – É porque fechou Niterói e abriram o Caju.
R – Isso.
P/1 – Isso você não pegou?
R – Não.
P/1 – Ah, tá. Mas lá era diferente, um pouco da...
R – É, o modelo diferente, é.
P/1 – Como era o modelo lá?
R – Quando eu estava era uma casa do Leonardo, numa região rica. E aí foi um ônibus que eu tinha captado aqui (risos), de uma empresa parceira e a gente mandou pra o Rio e lá eles faziam... Pegavam as crianças e iam pra lá. Era um outro modelo. Aí, tinha oito comunidades.
P/2 – Nossa, bem diferente.
R – É. Então, era um outro modelo.
P/1 – Que depois foi revisto isso, né?
R – É.
P/1 – Aí, o Caju se aproximou mais da idéia da Vila Albertina.
R – Ao modelo.
P/2 – É, porque está inserido na comunidade...
P/1 – Tem alguma coisa que a gente não te estimulou a falar que você gostaria de deixar registrado?
R – Deixa eu ver...
P/2 – Eu fiquei curiosa de saber porque você saiu.
P/1 – É. Boa pergunta.
R – Então, foram várias... Não lembro bem. Acho que um dos motivos é Zona Norte e Zona Sul, mas até aí... Não sei o que. Talvez, concepção, que...
P/2 – Foi ficando...
R – É. Eu acredito nisso que eu falei. Não que eu não tivesse apoio pra ir mesmo... Mas eu não sei. É uma coisa engraçada. Às vezes, eu me pergunto também. Porque... Tava... O Sóstenes, pena, né? Ele tava entrando, já tinha decidido sair. Acho que é uma pessoa que eu daria bem trabalhando. Não sei. Eu não sei se eu tava visualizando um modelo que tava chegando do qual eu não acreditava muito.
P/2 – Você acha que estava começando a mudar?
R – É, talvez.
P/1 – Isso em 2002, né? Que você falou.
R – É.
P/2 – Mudar pra que lado?
R – Visão de escola.
P/1 – Como é visão de escola?
P/2 – Descreve um pouquinho.
R – Atividade fechada das crianças, a falta de integração pedagógico-social. Acho que alguma coisa... E aí, eu acho que foi isso, depois eu recebi a proposta de implantar um projeto no Morumbi. Aí trabalhei no (Iceia?), depois eu trabalhei com refugiados e agora estou nos (baristas?). Então, não sei. Talvez fosse... Também, de repente, todo mundo ficou... Sabe aquela coisa que você sabe que tem fogo, fogo, fogo e depois você vai pensar friamente e fala: "Bom, onde é que foi o fogo?". Então não sei. Não sei exatamente, se você falar: "Qual foi o motivo?" "Foi isso". Foi concepção, foi um pouco ida e vinda. Acho que algumas idéias. O FAC foi uma coisa que esse era o que eu acreditava e para que estavam sendo criados outros dos quais eu não... Então, já que a gente vai discutir junto, era uma coisa que eu não acreditava que era aquilo. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O FAC que eu conheço é esse, os agentes são esses. Eu acho que a comunidade tem que ter um espaço aqui, dessa forma. Então não sei. Acho que foi um conjunto. E talvez um momento, também, que eu estivesse passando. Sei lá, enfim...
P/2 – Sempre é um conjunto de coisas, né?
R – Sempre é um conjunto de coisas. Mas eu tenho boas lembranças. Acho que todo mundo, se... O Alexandre, tem o Fernando também, que foi meu assistente e tá na Vivo agora. A gente foi trabalhar depois, juntos também. O Alexandre também. Enfim, a gente tinha muitos sonhos. E a gente achava que a Gol de Letra era... A gente ainda... Quando a gente se encontra, a gente fala: "Poxa, lá era onde a gente ia colocar todos os nossos sonhos em..." Porque a gente tinha apoio. O Raí apoiava, ele era doido, era isso que ele acreditava, de uma comunidade. Ele sempre falava: "Daqui a um tempo, os jovens que a gente tá atendendo vão ser esses que vão se empoderar desse espaço".
P/2 – Por que você acha que teve essa vontade de mudar? Porque é engraçado que a gente...
R – Você sabe que eu não sei? (risos).
P/2 – Porque a gente fica tentando entender a partir da fala de vocês que estão vindo pra entrevista. Ah, esse caminho que a Instituição percorreu. E engraçado, porque você fala desse apoio do Raí, que me parece que até hoje é ele, continua sendo o mesmo Raí, com esse mesmo olhar. Então porque a Instituição foi mudando um pouco de...
R – Eu não sei. Ou talvez a pessoa que poderia conduzir, que não o Raí, não foi de uma... Não sei. Eu sei que foi um...
P/2 – Você achou uma questão mais de gestão?
R – De gestão ou... Sabe? As coisas poderiam ter sido mais negociadas, eu não sei se... Não sei.
P/1 – Mas acharam naquela época que era necessário uma mudança de caminho?
R – Não. Por exemplo, quando eu falei que ia sair, o Raí não queria que eu saísse. Não foi... "Não, repensa, tal, tal, tal" Mas assim, eu sempre trabalhei... Eu sou muito assim das coisas que eu acho, entendeu? Por exemplo, fui trabalhar num lugar de empresário, mas, a hora que você tem que fazer aquilo que você não gosta muito, falei: "Não. Gente, eu prefiro ganhar pouco, eu não estou aqui pra...". Sabe aquela coisa de autonomia? Eu não sei se é idealismo. Eu não sei quais foram as outras entrevistas, mas acho que fica um... É um buraco. Um...
R – É?
P/1 – É. Tem um lance, a gente sente que tem uma quebra aí, no lance de gestão e que todo mundo identifica esse período, ele é falado. E que depois é tentado se resgatar, voltar um pouco. Eu acho que existe um pouco isso. Eu não sei se você tem...
P/2 – O que detonou a necessidade de mudar o caminho nessa época? Porque acho que é uma coisa a se descobrir. Porque eu acho que talvez, ah, a instituição talvez tivesse quatro anos e começou a se olhar e falar: "Bom, será que a gente tem que mudar alguma coisa?" Não sei se teve essa vontade.
R – Eu não sei, você sabe?
P/2 – Ele tinha planejamento anual lá, não?
R – Tinha planejamento estratégico.
P/2 – Eu acho que era legal conversar também com o Sóstenes _________ pra cá.
R – Então, eu não sei. Existe um buraco.
P/2 – É.
P/1 – Só pra entender, quando você estava saindo, o Sóstenes estava entrando, né?
R – Estava.
P/1 – Ah, então, pra gente poder pegar...
R – Eu fiquei eu acho que um ano com o Sóstenes.
P/2 – É bem nessa linha.
R – É, Sóstenes foi bem tranquilo. Eu não sei, existe um buraco. Eu acho que todas as entrevistas, acho que deve. É chato falar, né? Vai filmar ainda.
P/1 – Não, tudo bem.
R – Mas existe alguma coisa. A gente não sabe identificar. Se você falar assim: "Olha, o que é de fato? Exemplifica". Acho que, de repente, foi uma má condução na gestão ou...
P/1 – Na época, o Nelson saiu na mesma época, ou ele continuou?
R – O Nelson saiu antes.
P/1 – Ele saiu antes?
R – É, ele era meu coordenador, então, não sei se ele não soube conduzir ou se foi radical. Eu não sei como é que foi.
P/1 – Entendi.
R – E talvez radicalismo, talvez... Não sei. Eu não sei o que aconteceu. Foi pra cima. E o que eu queria mais era continuar na forma que a gente estava fazendo e que tava dando certo.
P/2 – E eles queriam mudar um pouco?
R – Sabe que eu não sei? Assim, mudar... Não é mudar...
P/1 – Assim, os valores, a missão continua, mas o lance é a coordenação, não é? Uma coordenação...
R – Eu acho que foi uma gestão mal conduzida.
P/1 – É isso?
R – É. Eu acho que eu falaria essa palavra. Acho que uma gestão mal conduzida. Eu acho que entrou muito no emocional. Eu sei que teve eco lá embaixo. E eu mais queria fazer minhas coisinhas, entendeu? Eu tava assim... Mas, diretamente, as coisas vão...
P/2 – Acho que talvez tivesse um eco de cima e vocês estavam no meio. E um eco de baixo que era a assistência social da base, do social com a base do pedagógico.
R – Pois é. É, pode ser.
P/1 – Não teve um corte também? Teve um processo de demissões também. Foi nessa época?
R – Qual? Que época?
P/1 – Porque eu sei que teve um período...
P/2 – Niterói.
P/1 – É. Foi Niterói? Porque teve um processo de demissões também. Não sei se as pessoas saíram ou foram demitidas. Se tem a ver com a gestão que você tá colocando.
R – Saíram algumas pessoas. Tinha uma equipe muito interessante lá. Tinha pessoas interessantes. Foi um momento muito dourado, foi muito bom. Muito prazeroso. Mas acho que foi má condução mesmo, de algumas coisas que poderiam ter sido... O Raí é muito tranquilo. Acho que ele sempre tentou... Eu não sei exatamente quais foram as emoções que entraram aí, mas sei que espirrou nas bases. E foi chato, porque a população... Depois entrou uma turma nova, a Olga era coordenadora de um outro programa da região, eu pedi pra que fosse ela porque ela já conhecia a comunidade, pra não ter essa coisa. Eles gostavam dela. A população, a comunidade. Eles tinham um vínculo muito forte comigo, mas acho que você tem que dividir o que é pessoal, o que é profissional. Então eu fiz essa intermediação com ela. No dia que eu saí, olha, passar o bastão, porque eu acho que... Pra ter essa coisa de não-ruptura, porque uma coisa, não pode misturar os canais. Claro que cada um tem uma forma de gerenciamento, porque você coloca o seu lado pessoal. Cada um é de um jeito, na forma de condução, de trato, tralalá. Mas tem que ser uma coisa institucional. Eu fiz muita questão na hora que eu saí de fazer essa passagem, de alguém que já tava da rede, ela era da rede. Mas eu não sei como está a área social agora, nesse momento. Eu não sei se continua essa concepção que a gente acreditava. Eu acho uma unidade social, uma organização social, a alma é o social, é socioeducativo, mas é social. Ela cumpre uma função social. Ela é educativa, mas... É o macro, né? Qual é a função daquele espaço pra aquela comunidade, pra aquela criança, pra aquela família? Isso aí foi muito minha bandeira, da Rede... Eu fico, eu não sei... Até é interessante que mexe, porque faz tempo. Dez anos, né? Seis anos. Mas acho que, pena. Acho que poderia ter sido conduzido de uma outra forma. Acho que poderia... Foi muita emoção, não sei como é que... É uma pena, porque queira ou não queira tem uma ruptura.
P/1 – Às vezes essa ruptura serve pra repensar e crescer.
R – É.
P/1 – Eu acho que você deixou sua sementinha lá. Porque a impressão que a gente tem que o social tá forte.
R – É, eu acho legal também essa... De você sempre retroalimentar, você estar trazendo, estar trazendo a história, trazendo o novo, fazer esse diálogo do novo e do antigo, enfim.
P/1 – É aprendizado, né?
R – Ah, é (risos). E é muito interessante, agora eu estou em uma instituição que é Marista, onde o Raí estudou. Olha como o mundo é pequeno. É assim. E a história do fundador, que é da Revolução Francesa, nossa. Agora que eu entendo a forma, como a educação tem eco, né? A postura dele, nossa, é muito engraçado.
P/1 – Da onde vem, né?
R – Da onde vem.
P/1 – O pensamento, né? Formação.
R – Muito engraçado. Eu tava conversando com ele outro dia, eu falei: "Nossa, Raí. Agora eu sei o porquê". Muito engraçado. Eu falei: "Olha, o mundo é redondo".
P/2 – Que legal (risos).
P/1 – Bom, agora a gente está fechando mesmo...
R – Ufa! (risos) Coitado, ó o rapaz ali.
P/1 – O que você acha da importância desse trabalho da memória que a gente tá fazendo? Como você avalia?
R – Ah, nossa. Eu acho fundamental. Eu acho um salto. A metodologia... Eu tô participando de uma outra, a forma como vocês estão conduzindo, a metodologia. Aquele workshop, participativo. Depois o espaço de cada um, depois a construção coletiva. Nossa, eu acho assim... Um país, uma organização, qualquer coisa, sem memória não tem sustentabilidade. Eu acho que vocês estão resgatando e de uma forma muito bacana, isso que eu acho. Eu acho que vai servir pra organização, pras outras organizações. E o material que eu tô deixando a vocês é um filho mesmo. Eu acho que vai ajudar bastante vocês. E vocês estão de parabéns.
P/1 – E o que você achou de estar aí sentada, sendo entrevistada?
R – Não, primeiro eu achei que ia ser uma conversa. Detesto falar na câmera, mas foi tranquilo, não doeu. Foi tranquilo. E foi legal. Acho que resgatar a história é muito bom. É muito bom. E eu agradeço vocês pela oportunidade.
P/2 – A gente é que agradece.
P/1 – É, a gente é que agradece. Muito obrigada.
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