P/1 – Bom, Marcia, vamos começar com você dizendo o seu nome completo, a sua data de nascimento e o local onde você nasceu.
R – O meu nome é Marcia Maria de Freitas Fernandes, eu nasci em Niterói, no estado do Rio em 16 de julho de 1961.
P/1 – E você mora hoje…?
R – Eu moro em Niterói e trabalho no Rio de Janeiro e trabalho no Rio de Janeiro, na Fundação Oswaldo Cruz.
P/1 – E você… e como que era Niterói na época da sua infância, você tem alguma lembrança de como era o local? Qual era o bairro?
R – Eu morava num bairro chamado Barreto em Niterói e era como se fosse uma pequena cidade, o meu pai era comerciante, então, nós conhecíamos os outros comerciantes da localidade, tinha uma pracinha e a gente ia àquela praça e tinha… e pulava carnaval nessa praça e funcionava meio cidade pequenina, embora fosse um bairro da cidade. Eu tenho boas recordações desse tempo.
P/1 – A escola era próxima?
R – Era. Era um colégio chamado Colégio Floriano Peixoto, que já não existe mais, ele era em frente ao prédio onde eu morava.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho. Tenho um irmão mais velho e uma irmã mais nova.
P/1 – Qual é o nome deles?
R – O nome do meu irmão é José Manuel, ele é português e ele, atualmente, é piloto da Azul e tem a Katia, que é mais nova, e ela é nutricionista. O meu irmão mora em São Paulo e a Katia também mora em Niterói, como eu.
P/1 – Você tem alguma lembrança marcante da sua infância que você goste de contar, de lembrar, alguma coisa que aconteceu?
R – Olha, eu tenho assim… eu sou uma pessoa muito ligada à lembranças, eu tenho essa coisa de memória muito forte, né, eu teria inúmeras coisas pra contar. Agora assim, não sei se é porque eu tô aqui nessa coisa do Correios, né, nós somos… a nossa família é portuguesa, eu sou a primeira brasileira a...
Continuar leituraP/1 – Bom, Marcia, vamos começar com você dizendo o seu nome completo, a sua data de nascimento e o local onde você nasceu.
R – O meu nome é Marcia Maria de Freitas Fernandes, eu nasci em Niterói, no estado do Rio em 16 de julho de 1961.
P/1 – E você mora hoje…?
R – Eu moro em Niterói e trabalho no Rio de Janeiro e trabalho no Rio de Janeiro, na Fundação Oswaldo Cruz.
P/1 – E você… e como que era Niterói na época da sua infância, você tem alguma lembrança de como era o local? Qual era o bairro?
R – Eu morava num bairro chamado Barreto em Niterói e era como se fosse uma pequena cidade, o meu pai era comerciante, então, nós conhecíamos os outros comerciantes da localidade, tinha uma pracinha e a gente ia àquela praça e tinha… e pulava carnaval nessa praça e funcionava meio cidade pequenina, embora fosse um bairro da cidade. Eu tenho boas recordações desse tempo.
P/1 – A escola era próxima?
R – Era. Era um colégio chamado Colégio Floriano Peixoto, que já não existe mais, ele era em frente ao prédio onde eu morava.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho. Tenho um irmão mais velho e uma irmã mais nova.
P/1 – Qual é o nome deles?
R – O nome do meu irmão é José Manuel, ele é português e ele, atualmente, é piloto da Azul e tem a Katia, que é mais nova, e ela é nutricionista. O meu irmão mora em São Paulo e a Katia também mora em Niterói, como eu.
P/1 – Você tem alguma lembrança marcante da sua infância que você goste de contar, de lembrar, alguma coisa que aconteceu?
R – Olha, eu tenho assim… eu sou uma pessoa muito ligada à lembranças, eu tenho essa coisa de memória muito forte, né, eu teria inúmeras coisas pra contar. Agora assim, não sei se é porque eu tô aqui nessa coisa do Correios, né, nós somos… a nossa família é portuguesa, eu sou a primeira brasileira a nascer aqui, o meu irmão veio de Portugal com três anos, chegou aqui nesse lugar aqui onde existe, onde funciona aqui a exposição, que é o Cais do Porto, né, o navio, naquela altura, atracava aqui e a família chegou ao Brasil em 1960 e no ano seguinte, então, eu nasci. Meu pai já tinha vindo antes e assim, essa coisa de carta, de Correios tinha um peso imenso pra nós, porque tinha gente que tinha ficado em Portugal, a família do meu pai tinha ficado em Portugal e a família da minha mãe tinha vindo para o Brasil. O meu pai estava aqui, então, as cartas eram, naquela ocasião, a única forma que a gente tinha de enviar e de receber noticias. Então, a minha infância inteira foi marcada pela chegada do… o carteiro era uma figura que causava um certo frisson, né, então quando a gente… eu sabia que era o carteiro que estava tocando a campainha, naquela época, abria-se a porta com mais tranquilidade (risos) e eu pegava uma carta e eu ia entregá-la a minha mãe, eu sabia que aquilo ia… aquele dia ia ser um dia diferente, né, a rotina era quebrada, porque chegava a carta. Eu sabia que aquilo tinha um imenso poder e a minha mãe, abria então, a carta, ela se sentava, abria e começava a ler, às vezes, ela lia em voz alta para que a gente ouvisse, às vezes, não e as reações eram as mais variadas possíveis, né? Às vezes, ela ficava muito feliz e às vezes, eram noticias que causavam um enorme pesar, e ai, ela chorava e a gente sabia que se a noticia não fosse boa, se sucederiam dias pesarosos, né, ficaria triste. Mas, a gente percebia que a carta era alguma coisa que modificaria os ânimos da minha mãe, modificaria tudo, né, poderia trazer coisas muito boas, né, e na maioria das vezes, eram noticias tranquilas, mas às vezes, também eram noticias ruins. E a minha mãe, quando ia escrever a carta, também tinha… era… tinha um ritual, né, ela tinha um cuidado de… dela se sentar num momento propicio, ela não escrevia aquilo… né, e eles tinham uma forma de começar a carta que era meio protocolar, né: “Querida Conceição”, ou “Querida Laura”, que eram as minhas tias de lá, “Espero que essa carta vá encontrar todos em plena saúde, nós por aqui vamos indo e tal…”, então aquele começo era meio que protocolar e dali, ela ia escrevendo, né, e ai, eu percebia que a fisionomia dela ia modificando, né, conforme ela escrevia e ela ficava meio que tomada por um transe, né, naquela escrita, né? E a minha mãe passou essa coisa da memória pra mim, porque durante três anos, como o meu pai veio primeiro para o Brasil, e ela só veio três anos depois, ela e meu pai se corresponderam muito, né, e o verso das fotografias têm explicações e tem dedicatórias, né? Então assim, o Correios, sei lá… essa coisa da carta, pra mim, é extremamente importante. Eu ainda troco cartas com uma amiga, que mora no Ceará, ela diz que quando ela morrer, eu não vou ter mais com quem trocar cartas, talvez não e quando em 1977, nós mudamos de Niterói para São Paulo, ficamos lá três anos e depois, voltamos, esse período em que eu me transferi de Niterói pra São Paulo, eu fiz amizades com pessoas, né, e ai, eu troquei cartas com essas pessoas e eu me dei ao trabalho de guardar esse acervo, né, eu tenho essas cartas guardadas até hoje, não sei se um dia eu vou ter tempo de abrir todas e rememorar e…
P/1 – Eu ia perguntar exatamente isso. Você tem as cartas dos seus pais?
R – As dos meus pais, infelizmente, a minha mãe não guardou, infelizmente, não.
P/1 – E da família lá e cá, tem?
R – Pois é! Eu tive assim… eu andei já atrás de conseguir, não, eles não tiveram… eles guardaram só as fotografias, mas assim, os selos, os envelopes, assim, a carta em si, infelizmente a gente não tem. Eu guardei as minhas, obviamente, porque não tem o mesmo valor, né, é de um tempo mais recente, talvez daqui um tempo vai ter (risos)
P/1 – Tem também.
R – Mas é isso, Julia, não sei…
P/1 – E você acha que isso te influenciou pro resto da vida, essa relação com a carta, com a correspondência?
R – Eu acho que sim…
P/1 – Que fez uma pessoa diferente, nesse sentido?
R – É, eu hoje, obviamente que eu uso e-mails, né? Mas, eu assim, é claro que a gente não vai regredir, os e-mails estão ai, não vão acabar nunca mais, mas eu acho que assim, aquela frase… o Saramago tem uma frase que eu não consigo reproduzir, mas o Saramago fala que na carta, você ainda pode pôr um perfume, você ainda pode mandar uma mecha de cabelo, você enfim, que até me até me lembrou um pouco a frase do Mauricio de Souza, que também é bastante pertinente, mas eu tenho uma relação muito forte com a materialidade do envelope, do selo, da caligrafia, que a caligrafia é uma marca extremamente pessoal, então, gosto imenso, marcou a minha vida imensamente, meus filhos já não se relacionam mais…
P/1 – Não tem…
R – Não, eu tenho gêmeos de 16 anos, eles não…
P/1 – Quando a sua mãe escrevia para Portugal, você participava, você fazia algum tipo de intervenção, algum desenho, alguma coisa que você queria falar, mandar noticia sua?
R – A mamãe é assim, uma pessoa muito formal, né, ela nunca me deixou desenhar na carta, não. o que eu percebia é que eu tinha muita curiosidade em saber o quê que ela tava contando, né, porque eu percebia que ela ficava muito tomada, né, naquele processo de escrever e ai, eu dizia: “O quê que você tá contando? O quê que você vai dizer?”, e eu tinha uma certa… eu queria saber se ela ia falar de mim na carta, né, mas ela acabava falando da família mais… de forma mais generalizada. Essa coisa de desenhar, não, ela não… talvez até pelo estilo dela, assim, mais rigoroso, né, (risos), ela não deixava eu desenhar.
P/1 – E a sua profissão hoje, você trabalha com?
R – Eu sou assistente social. Eu trabalho na Comunidade Manguinhos, porque trabalho na Fundação Osvaldo Cruz. Assim, eu percebo que como eu faço muito relatório, eu emito pareceres sociais, então, e como eu ouço no meu trabalho, a história que o outro me traz, eu percebo assim, que as narrativas são extremamente… me seduzem, né, ouvir as pessoas é um trabalho que me encanta muito e tenho uma certa preocupação na forma como eu escrevo aquilo que me foi narrado, pra tentar ser o mais fidedigno possível. Eu não sei se isso tem a ver com as cartas, né?
P/1 – Me lembrou um pouco “Narradores de Javé”.
R – (risos)
P/1 – Já viu o filme?
R – Não, não vi, já ouvi falar, mas ainda…
P/1 – Ele faz essa compilação também, e é ótima, é ótima! E você está fazendo… você falou que esta fazendo uma outra faculdade, né?
R – É, eu tô fazendo uma…
P/1 – De quê?
R – Eu tô fazendo uma nova graduação, que é Museologia, e ai, na Museologia… é assim, eu tô me deleitando, né, porque toda essa minha… eu não sei, esse pendão meu memorialista, minha mãe diz que eu sou a guardiã da memória da família, né, eu guardo as fotografias, eu guardo louça, eu guardo alguma peca de roupa que tenha alguma significação maior, e assim, a Museologia, eu encontrei um bando de gente que pensa (risos) eu acho que tá me dando assim, um prazer imenso, é o que eu digo, depois dos 50, você começa o segundo tempo da sua vida, né, e ai, no segundo tempo, eu penso em embrenhar ai pela área da memória (risos).
P/1 – E por quê que você veio ao evento?
R – Porque nós estamos fazendo uma disciplina de filatelia, professor Cicero, né, então, ele sugeriu que nós viéssemos e porque assim, os selos… quando eu ia com mamãe ao… à agencia dos Correios, colocar a carta, eu achava os selos bonitos, né, assim, naquela época, passava-se a goma, a colinha e tal, e eu gostava do efeito que aquele colorido fazia no envelope e quando as cartas chegavam, eu e o meu irmão, tínhamos assim, a… mamãe deixava a gente tirar o selo, ele guardava e a gente tinha uma curiosidade de ver que selos viriam nas cartas, né?
P/1 – Algum selo te marcou? Que você lembre, que você tenha guardado, por algum motivo?
R – Quem guardou… quem guardava mais era ele, mas assim, o que me marcava era que vinham as cores da bandeira portuguesa, vinham com ícones e depois que eu fui entender, né, vinha uma guitarra portuguesa, vinham garrafinhas de vinho, vinha coisas que assim, que eu só achava bonito na época, e depois, mais tarde é que você vai entender o quê que… então assim, eu acho que a minha percepção da cultura lusitana passava um pouquinho também por ai, porque até então, tudo o que eu tinha de material de Portugal eram as cartas. Eu nasci aqui, né, o meu irmão nasceu lá, mas ele veio com três anos, então assim, as cartas eram um pedacinho de Portugal que eu consegui segurar nas mãos. Mais tarde, depois de adulta, eu consegui ir a Portugal e ai, eu conheci mesmo, mas…
P/1 – As pessoas das cartas, né?
R – Exatamente. Conheci as pessoas das cartas, conheci o local…
P/1 – Você imaginava como eram essas pessoas, pelas cartas?
R – Sim, sim! O tempo inteiro, o tempo inteiro, o que eles escreviam, o que a minha mãe lia, às vezes, a gente lia, eu e o meu irmão, a gente, às vezes, se divertia um pouco, porque vinha na escrita o sotaque, a forma como eles escreviam, né, então, a gente lia e carregava um pouco no sotaque, a gente se divertia um pouco com aquilo e tinha a questão do português do Brasil e o português de Portugal, então, às vezes, a gente: “Mãe, o quê que é isso?”, ai ela explicava pra gente, então assim, a carta é uma coisa que pra mim, é extremamente marcante, é extremamente assim (risos)…
P/1 – E o quê que você achou de falar isso um pouquinho pra gente?
R – Achei uma delicia (risos). Achei um deleite, porque assim, o Correios é uma instituição que me passa uma coisa extremamente boa, né, é uma instituição que aproxima, eu acho que cartas são conteúdos extremamente importantes, eu acho que as cartas são poéticas, enfim, eu achei muito bom poder falar aqui (risos).
P/1 – Nós que agradecemos a sua…
R – Ok.
P/1 – A sua disponibilidade, obrigada.
R – Ok (risos).
P/1 – Espero que continue contando essa historia.
R – Ok (risos).
P/1 – Tá bom?
R – Obrigada vocês.
FINAL DA ENTREVISTA
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