Meu pai costumava definir "angústia", "expectativa ruim", "ansiedade ácida", "aflição" pela palavra "gastura". Há algo em torno de dois anos, passei por uma "gastura" assim. Fiquei preso num elevador (eu e mais onze pessoas), por uma hora e dez minutos. Graças a Deus, conseguimos manter aquela eternidade no real espaço de uma hora e dez minutos. Onde era para nos esgoelarmos de desespero, conseguimos fingir que estávamos calmos, a partir da brincadeira e da gozação. Só que, até hoje, tenho pesadelos com o acontecido. Fingindo calma e auto controle, vivi a "desgraceira" psicológica da claustrofobia. Apresento, abaixo, o caso:
"18 horas, fim de expediente nos Correios. Vigésimo primeiro andar. Chega o elevador. Comigo, somos doze passageiros. Ajeitamos-nos, a porta do elevador se mexe e trava. “- Já vai começar, meu Deus!” – resmunga o ascensorista. Fechamos a porta no braço. Mal o elevador começa a descer, ouve-se um ranger grave e longo, como quem geme de dor. A luz se apaga. O elevador para. “ – Tudo acontece com o pobre!” – o ascensorista se desola. Janete, “gordinha”, surta, e em desespero grita: “- O sangue de Jesus tem poder!” No escuro, tira os sapatos, esmurra a porta; alucinada, empurra um e outro, busca uma saída. Falatório, berros chamando o zelador, resmungos, espraguejamentos. Emudecemos. Dez minutos de silêncio cadavérico – só Janete segue esmurrando a porta, zonza. Dona Carina (aposentada, 80 anos), inventa uma piada: “- Liga não. Já foram buscar o mecânico em casa”. Reagimos desesperados: “- Em casa???” Uma outra colega, em prantos: “- Meu marido vai me matar! Não é culpa minha, gente! Vocês estão de prova!” Dona Carina, cruel: “- Calma. O mecânico mora só à duas horas e meia daqui! Daqui a pouco ele ta aí!” Janete perde o juízo de vez, começa a afrouxar a roupa. É contida a força. Conseguimos evitar uma nudez traumatizante, constrangedora e inesquecível. Soa um...
Continuar leitura
Meu pai costumava definir "angústia", "expectativa ruim", "ansiedade ácida", "aflição" pela palavra "gastura". Há algo em torno de dois anos, passei por uma "gastura" assim. Fiquei preso num elevador (eu e mais onze pessoas), por uma hora e dez minutos. Graças a Deus, conseguimos manter aquela eternidade no real espaço de uma hora e dez minutos. Onde era para nos esgoelarmos de desespero, conseguimos fingir que estávamos calmos, a partir da brincadeira e da gozação. Só que, até hoje, tenho pesadelos com o acontecido. Fingindo calma e auto controle, vivi a "desgraceira" psicológica da claustrofobia. Apresento, abaixo, o caso:
"18 horas, fim de expediente nos Correios. Vigésimo primeiro andar. Chega o elevador. Comigo, somos doze passageiros. Ajeitamos-nos, a porta do elevador se mexe e trava. “- Já vai começar, meu Deus!” – resmunga o ascensorista. Fechamos a porta no braço. Mal o elevador começa a descer, ouve-se um ranger grave e longo, como quem geme de dor. A luz se apaga. O elevador para. “ – Tudo acontece com o pobre!” – o ascensorista se desola. Janete, “gordinha”, surta, e em desespero grita: “- O sangue de Jesus tem poder!” No escuro, tira os sapatos, esmurra a porta; alucinada, empurra um e outro, busca uma saída. Falatório, berros chamando o zelador, resmungos, espraguejamentos. Emudecemos. Dez minutos de silêncio cadavérico – só Janete segue esmurrando a porta, zonza. Dona Carina (aposentada, 80 anos), inventa uma piada: “- Liga não. Já foram buscar o mecânico em casa”. Reagimos desesperados: “- Em casa???” Uma outra colega, em prantos: “- Meu marido vai me matar! Não é culpa minha, gente! Vocês estão de prova!” Dona Carina, cruel: “- Calma. O mecânico mora só à duas horas e meia daqui! Daqui a pouco ele ta aí!” Janete perde o juízo de vez, começa a afrouxar a roupa. É contida a força. Conseguimos evitar uma nudez traumatizante, constrangedora e inesquecível. Soa um timbre agudo de cornetas de uma cavalaria. É o celular de Evandro (motorista operacional): “- Alô? Fala alto! Eu, quem, cara? Zé? Ah, Z! Olha, avisa pro chefe que eu tô preso no elevador. Pra não me dar falta e... Cai a ligação. Chegamos a quarenta minutos encarcerados. Calor, suor, Janete esmurrando a porta, o elevador range em mi maior, balança. A gritaria é inevitável. O elevador parece zombar de nós. Num cantinho, enxugando a testa, Edgar delicadamente reclama: “- Gente! Vou perder minha novela por causa desse elevador maluco! Vocês têm noção? Eu tô passado, sabia?” Dona Carina refina sua ironia: “- Bom, quem sobreviver aqui, pelo menos terá garantido um ótimo atendimento médico dos Correios. O nosso melhor benefício, fala sério! Sim, porque o serviço médico em Londres é horrível. Lá tem o “Suplicious Under the Sky!” Edgar recolhe o lencinho: “- O quê, gente? Como assim, dona Carina?” (Ela traduz): “S.U.S”, de Londres, claro!” Silêncio. Numa hora dessa, é melhor não responder gozação inoportuna! Além de Janete, a loucura e o desespero já espreitam a todos nós. Janete escancara de vez. Senta e abraça minhas pernas, suando e balbuciando coisas incompreensíveis - talvez palavrões em Húngaro, ou num dialeto esquimó, de trás pra frente. Volta o celular de cornetas de Evandro: “- Alô? Zé? Cara, tô preso no... O quê? O chefe não acredita em mim? Zé? Alô...” A ligação torna a cair. Ele ameaça jogar o celular na parede. Xinga um palavrão digno de receber voz de prisão. Felizmente, ninguém prestou atenção. Uma hora de cárcere. O elevador parece se divertir; range, estala, parecer cantar - não sai do lugar. Parece pirraça! Forçamos e surge um vão na porta, de uns quarenta centímetros. Ninguém ali, visivelmente, tinha cintura pra passar naquele vão de quarenta centímetros. E também, o vão dava para uma parede. Enfim, um bombeiro grita: “-Tudo bem aí? Janete, num salto: “- Tô agonizando, moço!” A outra soluça: “- Avisa pro meu marido que não tive culpa! Foi o elevador! Todo mundo aqui ta de prova”! Dona Carina completa sua ironia, para o bombeiro: “- Trouxe cerveja, meu camarada?” Uma hora e dez minutos e o cárcere flutuante chega ao fim. Em terra firme, somos saudados com palmas, berreiro e lágrimas; beijos no bombeiro. Janete ora e choraminga aos céus: “- Deus, você é o cara!” Evandro dispara pra evitar a falta. Edgar, gestual, reclama: “- Não, gente, perdi minha novela! Têm noção? ”- O ascensorista: “- Perdi a hora da janta! Tem noção?” Trêmulos, respiramos. Dona Carina, como boa empregada-atriz que é (pertence ao grupo de teatro dos Correios), continua dissimulando o seu medo evidente. Eu...bem, eu fui surpreendido por minha esposa, com um “bico” enorme. Me viu, virou-se e saiu. Fui atrás, tentando explicar aquela insólita claustrofobia postal. E ela quis ouvir? Mais fácil entender um elevador maluco do que uma esposa desconfiada!
Recolher