Correios – 350 anos aproximando pessoas
Depoimento de Moacyr Viggiano
Entrevistado por Rosana Miziara
Florianópolis, 25 de junho de 2013
HVC_021_Moacyr Viggiano
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições
História de vida
P/1 – Seu Moacyr, o senhor pode começar falando o seu nome, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Moacyr Viggiano, nascido em Inhapim, Minas Gerais, em 1930.
P/1 – Seus pais são de Inhapim?
R – Meus pais são de Inhapim, a minha mãe é de Divino do Carangola e o meu pai do Inhapim.
P/1 – Os seus avós são de Inhapim, por parte de pai?
R – O meu avô é italiano, um é italiano, o outro é de Divino do Carangola, os avós paternos, não, avô materno e avô paterno.
P/1 – O avô paterno é que veio da Itália?
R – É.
P/1 – Seu avô e sua avó vieram de lá? Ou não só seu avô?
R – Os dois vieram de lá.
P/1 – Da Itália?
R – Da Itália, de Torraca, da cidade de Torraca, que fica na província de Salerno.
P/1 – Quantos anos eles tinham quando eles foram para Inhapim?
R – O meu pai foi para Inhapim ele devia ter uns 45 anos mais ou menos.
P/1 – Por que eles mudaram? Vieram para o Brasil?
R – Naquela época... É uma discussão muito grande o porquê que os italianos migraram para o Brasil, é porque aquela época lá estava muito difícil a vida lá, principalmente, em regiões que tinha falta de comida. Então, eles se dispersaram, e o meu avô foi parar na... Foi para França, independência da França, depois ele veio para o Brasil.
P/1 – O que ele fazia lá?
R – Meu avô era caldeireiro, caldeireiro faz tacho, faz alambique, faz matéria de cobre, trabalha com cobre, metal branco, metal amarelo e com o níquel também. Então, o meu avô fazia isso aí, e o meu pai foi o único dos filhos que herdou a profissão.
P/1 – Seu avô, ele tinha quantos filhos? Seu pai, além dele tinham quantos? Eles eram em quantos?
R – Meu avô tinha 11 filhos.
P/1 – Os 11 nasceram lá na Itália?
R – Não, todos nasceram aqui.
P/1 – Ah, o seu pai também nasceu aqui?
R – Meu também nasceu aqui.
P/1 – Mas ele veio com a sua avó já casado de lá?
R – Não, ele não veio, casou-se aqui, ele veio para cá e conheceu a minha avó, que também era italiana, que morava em Barbacena, Minas Gerais, casou-se com ela e foi para Inhapim, onde eu nasci, mas quando ele foi para Inhapim o meu tio mais velho já era nascido.
P/1 – Mas fala uma coisa, ele veio para o Brasil, para que lugar que ele foi?
R – Ele foi para Barbacena.
P/1 – Por que ele escolheu Barbacena?
R – Porque lá tinham outros italianos, porque a minha avó veio primeiro que ele, que o meu avô.
P/1 – Mas eles se conheceram aqui.
R – Se conheceram aqui.
P/1 – Lá?
R – Lá em Barbacena.
P/1 – E, aí, o seu pai nasceu em Barbacena?
R – Não, o meu pai nasceu no Inhapim.
P/1 – Por que ele mudou para Inhapim?
R – O meu avô?
P/1 – É.
R – Porque meu avô ele era meio cigano, comerciante, chegou lá, estabeleceu-se lá. E lá no Inhapim ele começou a trabalhar na profissão dele e também comercializar, tinha comércio. A melhor casa de comércio daquela época era dele, inclusive a rua chama Carlos Viggiano, a rua que ele estabeleceu o comércio dele, até hoje está com o nome dele lá.
P/1 – Ele fazia o que nesse comércio, vendia as coisas dele?
R – Vendia, comprava e vendia, comprava cereais, vendia cereais. Naquele tempo era muito comum tropa de burro, inclusive o meu pai teve tropa de burro, meu pai nunca foi tropeiro, mas os meus tios do lado da minha mãe eram tropeiros, e eles que cuidavam da tropa do meu pai. E eles levavam cereais, arroz, feijão, milho, etc. para despachar em Caratinga, que tinha estrada de ferro, era o final da estrada de ferro, e esses tropeiros levavam as coisas para lá, para Caratinga, onde tinha, antes era até Raul Soares, a estrada de ferro ia só até Raul Soares, depois a estrada de ferro estendeu-se até Caratinga, então, eles passaram a levar para Caratinga para despachar para os centros maiores.
P/1 – Aqui ele deixou de ser caldeireiro?
R – O meu avô deixou de ser caldeireiro, mas o meu pai foi que continuou na profissão dele, o meu ficou caldeireiro até...
P/1 – Em Inhapim ele trabalhava como caldeireiro?
R – Como caldeireiro. Nós todos, filhos do meu pai naturalmente, nós todos aprendemos a trabalhar de caldeireiro, eu já fiz tacho, já fiz.
P/1 – E os seus avós maternos? O que o seu avô fazia?
R – O meu avô materno, ele era sitiante, morava num sítio lá no Inhapim, mas ele tinha outra profissão, não era profissão, mas ele era curandeiro.
P/1 – É mesmo?
R – Ele era, chamava Horácio e Horácio Barbudo, ele chamava Horácio Barbudo, tinha barba até aqui e além de trabalhar no sítio, assim, ele era curandeiro também.
P/1 – O senhor ouvia histórias dele, assim, como curandeiro, ele trabalhando?
R – Não, dele propriamente não tem, porque ele morreu eu era pequenininho, mas eu tenho histórias de curandeiro lá da minha terra muito interessante. Lá tinha uma preta velha, Maria da Cruz, Sá Maria da Cruz nós chamávamos. Sá Maria da Cruz é o seguinte, um dia... Ela era filha de escravos e ficou na família, assim, não foi escrava da minha família, ficou na família, assim, como se fosse uma agregada. E a Sá Maria, Sá Maria da Cruz ela ficava, assim, na minha família dos meus pais, ela ajudava um aqui, nasceu um menino lá, ela ia para ajudar ou estava sem lavadeira aqui ela ia lavava para um, um estava sem cozinheira, ela cozinhava. Então, ficou aquela preta velha que ficou da família, inclusive os filhos dela também ficaram como quase tios nossos, quase como tios nossos. E a Sá Maria, um dia o meu irmão Alan, que é dois anos mais novo que eu, que é o macaco da Turma do Pererê, ele enfiou um caroço de feijão no nariz, aí, e ele pequenininho, eu falava: “Alan, faz assim ó (expira)”, ele fazia (inspira) “Alan, faz assim ó (expira)”, ele fazia (inspira), o caroço ia mais para dentro, aí, chegou essa preta velha lá, Sá Maria da Cruz, falou: “Vem cá, menino, busca lá uma pena de galinha lá no quintal”, tinha muita galinha no quintal, “Agora traz um pote de azeite”. Agora você vê a inteligência, analfabeta totalmente, pegou aquela pena de galinha, enfiou no azeite e pôs no lado que estava, aqui ó, que estava o caroço, e pegou aquela pena, sem o azeite já, enfiou do lado de cá, do outro lado, aí, o meu irmão fez “atchim”, o caroço voou (risos). Agora, o interessante disso é que uma preta velha, analfabeta, chegou lá, resolveu o problema, não tinha médico naquela época, na minha terra não tinha médico. Então, isso aí ficou gravado, porque uma coisa assim, não existe isso (risos). E o meu irmão, meu irmão mais velho, que faleceu, exatamente, o dia que chegou o médico lá na minha terra ele foi o primeiro cliente dele, mas o meu irmão morreu, meu irmão mais velho, morreu de moléstia, hoje eu sei que é moléstia reumática, mas naquele tempo ninguém sabia o que é que era. Hoje, depois de médico, pela descrição que a minha mãe fez da doença, então, eu diagnostiquei como moléstia reumática, que é uma doença que dá nas articulações e vai mudando de articulação e depois ela ataca o coração, então, vulgarmente a gente diz que a doença ataca as articulações e morde o coração, porque o coração realmente é o órgão que vai receber a doença e vai lesar o coração e a criança vai morrer disso aí.
P/1 – Seu Moacyr, o senhor sabe como o seu pai e sua mãe se conheceram?
R – Meu pai e minha mãe se conheceram, porque meu avô veio para Inhapim, ele é de Divino de Carangola, Minas também, e ele mudou para Inhapim, lá no Inhapim foi que meus pais se conheceram.
P/1 – Você não sabe como?
R – Não.
P/1 – Nem onde?
R – Não, não sei.
P/1 – Aí, eles casaram e foram morar em Inhapim?
R – Casaram e eles já tinham mudado, meus avós maternos já tinham mudado para Inhapim e o meu avô já estava em Inhapim, eles se conheceram ali e casaram ali.
P/1 – O seu pai trabalhava como caldeireiro?
R – O meu pai trabalhava como caldeireiro. Caldeireiro é uma profissão que hoje não existe mais, mas fazia tacho, fazia alambique para cachaça, fazia tacha para fazer rapadura. E o meu pai, como tinha uma oficina muito bem montada e ele, às vezes, tinha um fazendeiro lá no cafundó do Judas que queria fazer uma tacha para fazer rapadura, ele pegava, o meu pai tinha tropa, pegava uns dois animais daqueles, punha as ferramentas tudo ali e ia para lá, ficava lá trabalhando lá, dois, três, quatro meses. Uma época até que nós já morávamos em Itanhomi, que antigamente chamava Queiroga, lá em Queiroga uma vez o meu pai fazer esse trabalho assim numa fazenda lá muito longe e de repente deu uma chuva, mas uma chuva, ele ficou retido lá mais ou menos uns quatro meses. E lá em casa tinha muita fartura, mas quando o meu pai estava fora acontecia que a gente tinha muita coisa em casa, mas uma época nós passamos praticamente comendo fubá, angu, cuscuz, que essa época que meu pai ficou retido lá, tinha em casa um paiol cheio de milho, o que é que nós fazíamos? Nós meninos pegavam o milho, debulhava o milho e ia lá para o moinho, fazia aquele fubá e trazia, a minha mãe fazia cuscuz, mingau de fubá e a gente... E o meu pai não podia trazer nada, não tinha nem comunicação e dinheiro a gente não tinha para comprar também nas vendas, ficamos comendo cuscuz e mingau de fubá até o meu pai voltar. Quando ele voltou, aí, ele traz mantimentos, porque ele trabalhava nessas fazendas, ele trazia muito mantimento, trazia saco de arroz, saco de feijão, então, aí passava, tinha muita fartura em casa.
P/1 – Quanto tempo vocês moravam nessa cidade?
R – Em Inhapim?
P/1 – Inhapim.
R – Desde que nasci até os 17 anos.
P/1 – Como é que era a casa do senhor?
R – A casa era uma casa antiga, tinha até foto ali. Uma casa antiga e a minha irmã, que virou pintora, ela pintou a casa no estilo que ela era exatamente. Uma casa grande, muito grande, um salão, uma sala imensa, dois quartos assim, mais um outro quarto assim, e mais um quarto do lado de cá, uma cozinha imensa e um quintal que ia até o morro. Ali a gente tinha criação de galinha, de porco, criação de vaca de leite, bezerro, nós meninos montávamos nos bezerros, fazíamos o bezerro de cavalo, amansávamos os bezerros para gente andar a cavalo no bezerro. Mas o meu pai tinha cavalo também, tinha cavalo, tinha tropa, tinha burro, mas aquilo era menino para fazer por farra, a gente montar em bezerro, era farra, mas dava tudo certo.
P/1 – Em quantos irmãos vocês eram?
R – Nós éramos oito.
P/1 – Você é qual? O mais velho? Mais novo? Onde você está nessa escada?
R – Eu sou o penúltimo, não, eu sou o antipenúltimo, abaixo de mim, mais novos que eu tem o meu irmão Alan, que é o macaco, e tem a minha irmã Sônia, que é a caçula. Eu me lembro direitinho quando ela nasceu, lá só tinha parteira, a parteira trouxe, aliás a parteira que cuidou da minha mãe, cuidou de todos nós, nós até chamávamos de tia. Mas eu lembro quando a Tia Jó chegou com a minha irmã mais nova, eu tinha quatro anos, ela chegou e disse: “É um neném que eu trouxe para vocês”, e não esqueci disso, eu tinha quatro anos e ficou gravado, e essa irmã é mais nova que eu quatro anos, mora em Belo Horizonte.
P/1 – A gente estava falando da sua casa em Inhapim.
R – Ah, tá, uma casa muito grande, quintal muito grande, ia até o morro, hoje tem ruas atravessando ali, mas a nossa casa, o terreno ia até o morro. E ali a gente tinha vaca de leite, tinha animais, sela, tinha tudo, galinha, porco.
P/1 – Quais eram suas brincadeiras de infância? O senhor brincava com os seus irmãos, com outros amigos?
R – Primeira coisa bola de gude, a minha mãe disse que eu engatinhava, não sabia nem andar, mas já jogava bola de gude (risos), isso ela contou para mim. Depois disso os brinquedos da gente era a gente mesmo fazia, naquele tempo não tinha negócio de comprar, não. O meu pai nos ensinou a fazer jabolô, você sabe o que é que é jabolô? Diabolô em italiano quer dizer diavolo, diavolo em italiano é diabo, mas o jabolô parece duas, você conhece lamparina? É como se fosse duas lamparinas sem asa, soldada pelo bico, aí, você põe duas varas assim, mais ou menos desse tamanho e uma corda e vai rodando, você já deve ter visto na rua eles rodando isso aí, mas só que não é de lata, o meu pai fazia de lata, nós fazíamos de lata, rodava aquilo, jogava para cima e recolhe aqui e continua rodando, rodando, depois joga para cima, isso eu era craque, desde pequeno que eu fazia e eu mesmo fazia o jabolô e rodava. (risos) Nós, quando a gente era criança a gente fazia também tachinhos para vender, o meu pai fazia tacho grande e nós fazíamos tachinho pequenininho para vender, vendia aquilo, era um dinheirinho que a gente ganhava, porque dinheiro era curto (risos).
P/1 – O senhor aprendeu a fazer tacho quando? Quantos anos o senhor tinha?
R – Eu tinha seis, sete anos. O meu pai fazia alambique, às vezes, vinha um alambique para ele consertar e eu, como era menino, eu entrava dentro do alambique para segurar a coisa para ele bater o rebite lá para fazer as emendas do alambique, tinha que ser um menino, porque tinha que caber dentro da boca ali, onde é o capelo, capelo é aquela parte que a cachaça vem, depois de ferver aqui sai aquele vapor, aquele vapor cai no capelo, que o capelo, então, tem água em volta e essa água resfria aquele gás, aquele gás que está saindo, aí, vira líquido, aí, vira cachaça. O meu pai, como ele fazia os alambiques, então, a pessoa depois mandava para ele a cachaça de cabeça, que chamava cachaça de cabeça é a primeira que saía, mas o meu pai não bebia, então, tinha aquela prateleira cheia de garrafas, assim, que ele ganhava, mas que não bebia. O meu pai era uma pessoa muito inteligente, muito interessante, ele era caldeireiro, mas ele sabia de tudo, tudo, porque ele encomendava livros e revistas. Você imagina, eu tinha seis, sete anos, ele já praticava yoga, ele tinha um livro chamado: “Yoga”, chamava “Hatha Yoga”, escrito por Yoga Ramacharaka, esse era o livro de cabeceira dele e ele praticava yoga em 1937, ele já praticava yoga, você imagina como é que ele era, escrevia. Um dia ele chegou para mim e meus irmãos com uns dez carocinhos de soja, isso eu tinha seis, sete anos, ele falou assim: “Ó, esse aqui é o alimento do futuro” (choro), desculpa.
P/1 – Não, é natural.
R – “Esse é o alimento do futuro, isso dá para fazer queijo, fazer leite”, isso em 1937, quando é que a soja surgiu como fonte de alimento?
P/1 – Recentemente.
R – Pois é em 1937 ele já sabia, já sabia disso, por quê? Ele escrevia, via na revista, escrevia, pedia a semente e inclusive chegou a plantar lá no quintal, mas só para curiosidade. Ele era muito inteligente, ele era muito...
P/1 – E a sua mãe?
R – Mamãe era costureira e aprendeu corte e costura por correspondência, e virou exímia costureira, era a melhor costureira da cidade.
P/1 – Como é que é aprender corte e costura por correspondência?
R – Ah, tinha, sei lá, tinha os métodos lá, mandava, eles mandavam os modelos, fazia aqueles, cortava o vestido assim, assado, estava na revista e cortava, tinha as peças, cortava e ela fez, ela ficou mais ou menos quase que autodidata, virou exímia costureira e costurava para as melhores damas da cidade. Então, chegava na época de festa, assim.
P/1 – Vinha pelo correio?
R – Os modelos vinham pelo correio.
P/1 – Esse curso ela fez pelos Correios?
R – Fez por correspondência, então, a minha ligação com os Correios já vem de muito, de muitos anos (risos).
P/1 – Aí, ela costurava para alta sociedade?
R – Costurava para todos, costurava para a sociedade toda, porque ela era muito boa costureira, em época de festa, assim. Eu me lembro minha mãe, às vezes, ficava até duas horas da manhã, três horas costurando, porque precisava entregar a costura na época certa. E o meu pai trabalhava de caldeireiro, então, a vida da gente era vida de pobre, mas comida tinha muita, com exceção das viagens que o meu pai ficou preso lá, ficou preso na chuva lá, mas fora disso tinha comida à vontade, luxo não tinha nenhum, por exemplo, Natal era roupa, o pai comprava o tecido e a mãe fazia a roupa.
P/1 – Quais eram as festas que você comemorava na sua casa?
R – O Natal, mas o Natal da gente não é esse Natal que a gente vê hoje, não, era só Natal mesmo, aniversário ninguém fazia nada não, vida de pobre mesmo.
P/1 – Quem que exercia a autoridade na sua casa, o seu pai ou sua mãe?
R – Os dois, os dois, o pai conciliador e a mãe brava. (risos) A mãe brava, escreveu, não leu, o chinelo, só batia de chinelo também, chinelada na bunda a gente ganhava toda hora, precisou, ganhou.
P/1 – O senhor escutava histórias, alguém contava histórias para vocês?
R – História, tinha história, mas era história de assombração e tinha história de assombração. Agora, história que eu li depois, quando eu estava no grupo, aí, eu levava livro do grêmio porque nós tínhamos o grêmio de leitura, eu levava para casa, aí, tinha que falar com o meu pai: “O, pai, hoje”, eu levava fim de semana, sábado e domingo eu lia, chegava para o meu pai: “Ó, hoje o senhor me deixa folgado, me deixa trabalhar não” ajudar ele lá na oficina: “Porque hoje eu trouxe livro para ler”. Aí, eu lia sábado e domingo aquelas histórias de carochinha naquele tempo, era menino. Rosa de Tanemburgo foi uma que eu não esqueci nunca, uma história muito bonita e assim era a vida de infância. Um dia chegou lá na minha cidade um circo de cavalinho e naquele tempo eu ainda não praticava, fui batizado na igreja católica, então, teve uma festinha lá e o circo foi lá, de cavalinho, para quem tinha ido a missa, então, eu fui lá na missa, chegou lá os meninos mais assanhados saíram tudo correndo para montar no cavalinho e eu, muito modesto e tal, e fui, não tinha mais cavalinho, rodou, rodou, aí, chegou a segunda vez, a meninada toda e eu lá. Aí, terminou a meninada toda e só eu sem andar no cavalinho, eu já tinha dado o bilhetinho que ganhava, né, aí o rapaz olhou, falou: “Vou fazer uma roda para você, porque você não conseguiu, os meninos não deixaram você, não deixaram vaga para você, né”, aí, fez uma rodada só para mim, aquilo, fiquei numa alegria danada, uma rodada de cavalinho de circo de cavalinho, não sei como chama aquilo, carrossel. Aí, eu fiquei contente, fui para casa.
P/1 – Com quantos anos o senhor entrou na escola?
R – Na escola primária? Sete anos.
P/1 – O senhor ia como? A pé? Quem levava o senhor?
R – Isso aí é o seguinte, quando eu morava na cidade, que eu tive uma época que eu morei na roça, era pertinho, aí, já tinha professora particular, que chamava Dona Baíca, era uma mulatona alta, e essa que começou a ensinar para gente e depois disso aí, a gente entrou no grupo, mas eu entrei no grupo já maior. Aí, com sete anos nós mudamos de Inhapim, que eu te falei que o meu irmão morreu, o meu pai ficou muito chateado com aquela história, e vendeu a casa, aí, fomos para Itanhomi. Lá no Itanhomi a gente, acho que nem tinha escola, estava com sete anos, quando a gente começou a ir na escola foi no Itanhomi, aí, eu tinha sete anos já. E a gente ia a pé, não tinha negócio, todo mundo ia a pé para o grupo, andava aí dois, três quilômetros, morava no começo da rua e o grupo era lá quase no fim da outra rua, mas para gente era normal. E teve um fato muito interessante nessa época, o menino chamava Moacir também, e pegou fogo na igreja lá, e o Moacir queimou todo, ele estava na igreja, queimou todo o corpo, a gente ficou muito impressionado com aquilo, e nós meninos ia lá visitá-lo, que tinha pegado fogo na igreja lá, diziam que era praga de um padre, que expulsaram o padre de lá, diz que ele rogou praga na igreja (risos), isso é coisa de menino, né, claro que isso é coisa de menino, mas isso aí fica marcado, porque fica marcado na vida da gente.
P/1 – O senhor teve formação religiosa?
R – Não. O meu pai nessa época ele já era espírita, mas ele nunca forçou a gente a nada, e como a gente era menino, na escola eles iam na igreja, a gente ia na igreja também, foi quando eu ganhei esse ingresso para ir lá no circo de cavalinho, mas ele nunca forçou nada, mas ele sempre foi espírita e a minha mãe também. Mas a minha mãe, acho que ela era mais agnóstica, depois é que ela virou espírita, ela começou ler, ler, ler, ler, ler. E a minha mãe era criatura muito interessante, porque ela... Os dois eram muito interessantes, a minha mãe lia tanto, uma vez quando eu resolvi estudar Medicina, eu comprei uma coleção de livros do A. J. Cronin, não sei se... Há muitos anos que eu não vejo falar dele, mas era uma coleção de 17 volumes, eu li quatro, ela leu os 17 volumes, enquanto eu li quatro ela leu 17 volumes. É uma história de um médico muito interessante, um médico inglês, que trabalhou na... Isso que me fez, aliás, gostar de Medicina, foi isso, ele trabalhou naquelas minas lá da Inglaterra e conta a história, ele como médico ia atender aquele pessoal das minas lá, muito interessante, tinha 17 volumes. Depois eles publicaram mais um extra, um volume extra e republicaram, aí, eu dei para minha filha Betina, ela leu, depois de grande ela leu: “Pai, muito bom, mas muito água com açúcar” (risos), aquilo para mim era o máximo, mas eu era um rapazinho novo, talvez tenha sido isso.
P/1 – O senhor brincava com quem? Quem eram os amigos da infância? Brincava com os irmãos?
R – Os irmãos e a meninada da redondeza ali, jogar bola de gude, rodar jabolô, era só isso que a gente fazia, chicotinho queimado.
P/1 – Tem algum amigo que o senhor lembra até hoje?
R – Eu lembro até hoje? Tem, há pouco tempo eu, quando eu voltei lá na minha terra, eu mais o meu irmão, o macaco da turma, nós resolvemos comprar uma fazendinha lá, porque a gente estava querendo aposentar, eu ia aposentar e ele também ia aposentar, compramos uma fazendinha lá e lá do lado da nossa tinha uma outra fazenda e o genro do dono dessa outra fazenda era, foi criança no nosso tempo, encapetado que só (risos), brigão, a gente não brigava, não, mas eu tenho um irmão que é meio, o meu irmão mais velho, ele é dois anos mais velho do que eu, ele era meio brigão e ele brigava com os meninos, os outros meninos vinha descontar nos mais novos, vinham, davam murro na gente (risos). Mas esse meu irmão mais velho era muito interessante, ele era moleque, assim, moleque, mas não fazia nada de maldade, mas molecagem ele fazia, aí, tinha uma preta velha lá que fazia benzedura, um dia ele destroncou o braço, foi lá na preta velha e a velha falou assim ó: “Vou passar essa linha aqui, uma agulha com linha, vou passando aqui”. Aí, o meu irmão chamou a turma toda, os amigos dele, que ele tinha uma porção de amigo, eu não tinha, não, que eu era muito sério, e ele levou a turma para lá e a turma atrás aqui e a preta velha fazendo, benzendo o braço dele, ela passava a agulha assim e falava: “Nervo torto”, aí ele, e ele falava: “Negro preto” e os meninos tudo atrás repetindo: “Negro preto” (risos), essas molecagens assim o meu irmão fazia, muito moleque, fazia, depois de grande resolveu fazer mágica e virou uma pessoa muita séria depois.
P/1 – Foi nessa época que o senhor conheceu o Ziraldo?
R – Foi mais ou menos nessa época que eu mudei para Itanhomi, o meu pai mudou para Itanhomi.
P/1 – Por que ele mudou para Itanhomi? Escolheu Itanhomi?
R – Itanhomi. Mudou para lá porque o meu pai, eu falei para você que o meu irmão morreu, ninguém sabia que doença que era, o primeiro médico que foi para lá, que inclusive casou com a minha prima, ele até ficou muito aborrecido, porque ele não conseguiu curar o meu irmão e depois a partir daí virou político e nem exerceu mais a medicina.
P/1 – Por que ele escolheu Itanhomi?
R – O meu pai escolheu Itanhomi, porque já tinha um tio que morava lá, tinha ido antes e fomos para lá e lá em Itanhomi é que aconteceu o caso do incêndio da igreja lá que o Moacir morreu lá. Itanhomi era uma cidade muito pequenininha, no interior, não tinha nem luz, tinha que fazer tudo de dia, e agora o meu pai fazia lamparina, lá em casa tinha lamparina à vontade, porque o pai fazia, e lamparina não sei se você sabe onde é. Quer dizer, punha o azeite lá dentro e o pavio acendia ali, você usava a lamparina. A água para tomar banho, essas coisas aí, o meu pai fazia chuveiro de lata, de lata de querosene, aquelas lata de querosene assim, dessa altura assim, dessa largura, e ele fazia chuveiro daquilo, a gente tomava banho de chuveiro, mas que ele fazia, se não era de bacia. (risos) O meu pai era uma pessoa muito inteligente, sabe, ele, você vê a história da soja em 1937, você imagina.
P/1 – E, aí, o senhor mudou para escola, começou em Itanhomi, lá que o senhor começou a ir para escola?
R – Foi lá que eu comecei a ir para escola, lá no Inhapim eu tinha escola, mas particular, a Dona Baíca, e ela ensinava para os meninos ali, para mim e para os meus irmãos, para o grupo eu fui só em Itanhomi.
P/1 – Foi em Itanhomi que o senhor conheceu o Ziraldo?
R – Não, conheci o Ziraldo foi em Lajão, que eu saí de Itanhomi e fui para Lajão, que hoje é Conselheiro Pena.
P/1 – Por que vocês saíram de Itanhomi? Foi a sua família inteira?
R – Porque não, foi minha família inteira, que o meu pai, meio aventureiro, não deu certo um lugar, foi para outro, Itanhomi era muito pequenininho, aí, nós fomos para Conselheiro Pena, que chamava Lajão e lá o meu pai até comprou uma oficina. Tem um fato muito interessante, que o meu pai era muito cordato, assim, para ele tudo estava bom, não ficava bravo, né, se dava com todo mundo, maçom já naquela época, tinha muitas amizades com os maçons, que são todos irmãos. E o meu pai, então, chegou lá, o meu pai tinha uma tropa de burro, que o meu tio do lado da minha mãe cuidava e o meu pai vendeu a casa cá no Inhapim, chegou lá no Lajão, hoje Conselheiro Pena, ele comprou uma oficina, comprou só as ferramentas, né, e o conteúdo da oficina toda, e interessante que, aí, ele vendeu a casa no Inhapim e vendeu a tropa de burro e comprou aquela oficina. Na oficina tinham várias placas de cobre e cobre era uma coisa que naquele tempo custava três mil réis o quilo, e o meu pai comprou aquela parte, aquela oficina com muita chapa de cobre e o meu pai teria ficado rico com aquilo, porque o cobre foi, estourou a guerra, o cobre foi de três mil réis para 30 mil réis o quilo, então, era dinheiro, o meu pai vendeu uma tropa de burro e uma casa para comprar aquilo e era muito cobre. Mas acontece que estourou a guerra, 1939, e o cobre foi naquele preço, só que o camarada que vendeu para o meu pai aquilo, sabe o que é que ele fez? Devolveu o dinheiro, três mil réis do meu pai, por quilo, e ficou com o cobre todo outra vez, o meu pai não ligava para isso, não, não ligava, não, o meu pai era um filósofo, o mais interessante de tudo isso aí, que o meu pai ficou sem nada, ficou só com a oficina, mas trabalhando, trabalhando, trabalhando. O mais interessante de tudo isso aí, que esse próprio camarada que fez isso, fez o meu pai devolver o dinheiro, botar o preço de 30 mil réis, o meu pai, então, ficou com o cobre, mas pagando o preço atual. Aí esse mesmo camarada que, no fim ficou doente, coitado, pegou um câncer de estômago, ninguém sabia que era câncer naquela época, mas era câncer, hoje eu sei que é câncer, foi obstruindo o esôfago, o câncer foi tomando conta do estômago, foi para o esôfago, ele não conseguia engolir, então, foi para minha casa e o meu pai tratou dele, da mulher dele e da filha, foram tudo para minha casa, esse mesmo cara que fez o meu pai desfazer o negócio de milhões naquela época, cruzeiros naquela época, réis, milhões de mil réis. Porque o meu pai vendeu a casa por três mil réis naquela época e o cobre custava três, não, o cobre, não, foi 30 mil réis, ele vendeu a casa, o cobre custava três mil réis o quilo, foi aquela valorização estupenda, foi para 30 mil réis o quilo. Então, aí, esse camarada, coitado, pegou câncer e foi ele, a mulher e a filha para minha casa, ficaram lá, tratando lá, não tinha tratamento para câncer naquela época, também ninguém sabia que era câncer, hoje eu sei por causa dos sintomas e foi obstruindo. No fim ele ficou, só alimentava de soro, fazia coalhada, o soro, então, não passava nada, até morrer ficou assim, mas o interessante é que ele fez toda essa falcatrua com o meu pai e depois no fim foi morrer lá na casa do meu pai de câncer, sem poder alimentar, e foi ficando magro, foi definhando, definhando, até morrer.
P/1 – Lá você já ajudava o seu pai?
R – Ajudava o meu pai quando ele precisava de entrar nos alambiques, tudo era a gente que fazia, e já fazia alguma coisinha assim também lamparina a gente fazia, porque essas coisas ele fazia e vendia, a gente menino.
P/1 – Foi nessa cidade que o senhor conheceu o Ziraldo?
R – Foi em Lajão, em Conselheiro Pena que eu conheci o Ziraldo. Eu conheci o Ziraldo é o seguinte: o avô do Ziraldo era maçom e o meu pai também era maçom, e quando nós mudamos para lá o Ziraldo já morava lá em Conselheiro Pena, e era costume, as famílias chegavam, as famílias antigas visitavam, né, e chegou lá em casa a mãe do Ziraldo, o pai dele era guarda-livros do Carlomagno, um italiano que tinha lá, que comprava pedras preciosas, cereais e tudo. E, aí, eles foram, foi a mãe do Ziraldo, que á a Dona Zizinha, o Ziraldo e o Ziralzi, só tinha esses dois, só tinha esses dois, foram lá em casa visitar a minha mãe, para conhecer, dar as boas vindas. O Ziraldo mais o Ziralzi foram lá para o quintal e ficaram correndo atrás das galinhas, pegando goiaba nos pés, fazendo a maior farra. Como é que eles foram vestidos? Naquela época o chique era vestir de marinheiro, era uma calça azul, calça curta azul, uma blusa branca e aqui tinha uma pala com várias listras assim, como usavam os marinheiros, era uniforme de marinheiro, então, o chique era usar aquilo, chegou o Ziraldo e o Ziralzi na minha casa com a mãe deles e eles foram lá para o quintal brincar e eles estavam lá com os uniformes de marinheiro (risos), era realmente o chique da época, foi nessa época que eu conheci o Ziraldo.
P/1 – Você estava com quantos anos?
R – Eu estava com sete.
P/1 – Dez não era já?
R – Ah, não, com sete eu saí do Inhapim, eu estava entre nove e dez anos, eu estava com dez, ele com oito, exatamente.
P/1 – E, aí, vocês ficaram amigos?
R – Aí, nós, não, não ficamos amigo ali, não, só ficamos amigos assim, de ficar brincando ali, mas os avós, o meu pai com o avô dele era amigo que era maçom, mas o pai dele sempre trabalhava muito e não se enfrearam muito com o meu pai, não, mas o avô dele sim. Aí, nessa época tinha uma menina lá que tinha bicicleta e ela ia lá, a menina ia estudar com a minha irmã mais velha que eu, e fazer tarefa de escola e tudo, e nessa época o Ziraldo, o Ziraldo já estava com oito anos e eu com dez, nós íamos aprender a andar de bicicleta com a menina, que ela tinha uma bicicleta, aquilo lá, bicicleta lá era novidade, mas a Eunice, ela cresceu demais e a bicicleta era pequena e ela andava naquela bicicleta, mas ela tinha que abrir as pernas para poder tocar o pedal, aí, estava a turma, os meninos tudo lá querendo aprender bicicleta, inclusive o Ziraldo, mas o Ziraldo, já até escrevi isso outro dia aí, ele estava lá para ver as coxas da Eunice, que a menina já tinha o quê? Doze anos, ela tinha doze anos, 14 anos, meninona grandona, e nós tudo menor (risos), aprender bicicleta com ela, mas o Ziraldo ia lá para olhar as pernas da Eunice, ele não ia para aprender bicicleta (risos). Interessante, escrevi isso aí esses dias num depoimento que eu fiz para o Ziraldo, para o aniversário do Ziraldo, uma coisa de infância, mas é muito interessante você relembrar isso aí tudo. Eu tenho uma amiga aqui, que ela agora está em Tocantins, ela formou-se em São Paulo e veio para cá e fez mestrado aqui, e ela vizinha minha, fiquei muito amigo dela e eu contei para ela algumas histórias dessa, ela pegou e me deu um caderno, falou assim: “Ó, vai escrever aqui, chama baú de memórias, você vai escrever tudo isso que me contou aí, você vai escrever aqui”, mas eu nunca tive tempo para fazer isso, então, nunca escrevi, estou começando agora a escrever.
P/1 – E a adolescência, o senhor passou nessa cidade?
R – Eu voltei para Inhapim.
P/1 – Por que vocês voltaram para Inhapim?
R – Porque não estava dando muito certo lá, não, a profissão do meu pai não estava dando muito certo, então, a gente voltou para Inhapim, porque os irmãos do meu pai também tudo insistiram: “Não, volta para cá, volta para cá, volta para cá, porque você agora está aí sozinho lá”, o outro tio que estava lá antes voltou também, então, voltou todo mundo para Inhapim.
P/1 – Como é que foi passar a adolescência em Inhapim?
R – Trabalhando, até terminar o grupo eu trabalhava com o meu pai, na oficina com ele, e depois eu entrei no grupo, depois que eu saí do grupo eu falei para o meu pai: “Meu pai, você arranja um emprego para mim, um trabalho para mim, que eu não quero ficar na profissão sua, não”, via lá o meu pai com aquela dificuldade, caldeireiro. Aí, ele foi lá no comércio, arranjou um lugar para eu ser auxiliar de balcão.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Treze anos, treze anos, então, eu tenho documento até a partir dos 13 anos, isso me valeu muito porque quando eu aposentei eu apresentei o documento que eu tinha lá e contou também o INPS para aposentadoria. De 13 anos, eu trabalhei até 18 anos, 18 anos, quando fundaram ginásio noturno em Caratinga, onde o Ziraldo morava, com 18 anos, aí, eu falei assim: “É a minha chance de estudar”, deixei aquele emprego de balconista e fui para Caratinga, cheguei em Caratinga.
P/1 – Eu perdi, por que o senhor foi para Caratinga?
R – Para estudar.
P/1 – Mas por quê? Caratinga era a cidade mais próxima que dava para estudar?
R – Era a mais próxima que fundou o ginásio noturno, eu fui para estudar à noite, né, porque de dia tinha que trabalhar, né, mas o meu irmão Alan e a minha irmã Lita e a minha mãe já tinham ido, porque eles foram estudar e a minha mãe foi com eles para lá.
P/1 – Para Caratinga?
R – Para Caratinga, e lá o meu irmão Alan estudava no ginásio de Caratinga, junto com o Ziraldo na mesma turma, com o Galileu, agora, eu fui estudar ginásio, mas eu fui estudar noutro ginásio, no ginásio noturno eu fui estudar, e dali que a gente reencontrou, reviveu aquela época de Conselheiro Pena, reencontrou e ficou amigo e está até hoje, mas o interessante dessa amizade do Ziraldo é que...
P/1 – Aí, você já estava o que, tinha uns 15 anos, 12, 13?
R – Aí, com 13 eu comecei a trabalhar no comércio, aí, quando eu fiz 18 anos é que fundaram o ginásio noturno em Caratinga, foi que eu fui para lá e reencontrei o Ziraldo.
P/1 – Com 18 anos o senhor foi para o ginásio?
R – É, com 18 anos entrei para o ginásio, e noturno, e fiquei lá seis meses sem ganhar, sem arranjar emprego, de repente arranjei um emprego no Ministério da Saúde, chegou a Serviço Nacional da Malária e eu fiz o concurso lá. Mas o interessante de tudo isso aí (risos) é que eu fiz o concurso e eu estava no primeiro ano ginasial e o concurso foi em junho, não, foi em maio, mas eu tinha me preparado para fazer o admissão, chamava admissão, hoje ginásio, e estava no primeiro ano ginasial e tinha um conhecimento mais ou menos razoável, e a prova lá, o Serviço Nacional da Malária foi para lá, instituiu o serviço nacional da malária lá do Ministério da Saúde e eu fiz esse concurso e eu tirei a melhor nota, oito, eu e o outro tiramos a melhor nota. Aí, o que eu fiquei sabendo depois, muitos anos depois, aí, eu fui nomeado guarda do Serviço Nacional da Malária e como eu tinha mais ou menos conhecimento eles me deram um cargo diferente, que eu era guarda medicador, eu saí distribuindo, era Arlen, que era o comprimido para malária, eu saí, eu fiquei encarregado de distribuir para o estado inteiro, estado inteiro não, mas minha região, né, Distrito Leste chamava. Aí, eu fui fazer isso aí e, aí, veio uma história muito interessante, que chegou no fim do mês, eu era guarda medicador, tinha que viajar distribuindo comprimido para malária, aí, chegou no fim do mês eu falei para o meu chefe, o Doutor Lassance, o nome dele, um paraense: “Olha, eu preciso trabalhar aqui, eu não posso viajar, eu estou estudando à noite no ginásio”, aí, ele falou comigo: “Ó, eu tenho um lugar para você aqui no escritório, mas o salário é metade do que você ganha”, eu falei: “Mas quanto que é?”, ele falou: “600 mil réis por mês”, eu falei: “Tá bom, dá para mim, eu moro em casa com os meus pais aqui”, a gente já era arrimo de família desde aquela época, então, ajudava nas despesas da casa. Aí, eu falei com ele, ele falou: “Não, então vai trabalhar aqui, mas o salário é 600 mil réis”, “Tá bom, está ótimo, dá para mim, eu estou morando em casa”, aí fiquei trabalhando, aí, de repente fui progredindo lá, passei para estatística, depois da estatística fui chefe da estatística, fui aumentando o salário, no fim eu estava ganhando um conto e duzentos, quer dizer, seria mil e duzentos, hoje.
P/1 – Mas isso aonde?
R – Isso lá no Caratinga já, como amigo do Ziraldo já.
P/1 – Mas o que é que era lá?
R – O lugar que eu trabalhava?
P/1 – É.
R – Serviço Nacional de Malária, do Ministério da Saúde.
P/1 – Lá mesmo que o senhor foi crescendo?
R – É.
P/1 – De guarda, como é que era? Que distribuía o medicamento?
R – Guarda medicador.
P/1 – Medicador.
R – É, chamava guarda de campo, mas eu era guarda de campo, mas a parte de medicação.
P/1 – Entendi.
R – Aí, no Caratinga foi que eu reencontrei o Ziraldo e a gente ficou amigo lá, porque a gente jogava basquete, voleibol junto, e o Ziraldo estudava no ginásio de Caratinga com o meu irmão Alan e a irmã Lita, minha irmã Maria que a gente chama Lita, o apelido é Lita, então, nós voltamos a amizade ali e nessa história jogar basquete, jogar vôlei, tiro de guerra, tudo foi.
P/1 – Ele trabalhava?
R – Quem?
P/1 – O Ziraldo?
R – Não, o Ziraldo era desenhista já, fazia desenho, só desenhava, mas não trabalhava, não, eu trabalhava de dia, fazia o ginásio à noite. Depois, quando nós fomos para Belo Horizonte, fomos todo mundo junto, a turma toda foi na mesma época, que foi fazer o científico e lá em Caratinga não tinha curso científico, então, nós em busca de curso científico e nível superior, fomos para Belo Horizonte, todo mundo em Belo Horizonte continuou com a mesma.
P/1 – Mas os seus pais mudaram ou só foram vocês?
R – Aí, nós fomos só nós.
P/1 – Foi quem?
R – Foi o Alan, eu, o Alan, eu, depois nós viemos buscamos a irmã Lita, Maria, e depois buscamos o meu irmão, o Jurandir, que é o mais velho do que eu, para Belo Horizonte, aí, quando nós estávamos todos em Belo Horizonte, aí, trouxemos a nossa mãe para cá, o meu pai já estava aposentado, que o meu pai já estava cardiopata, teve infarto, não trabalhava mais, então, nós é que mantínhamos a casa, uma época de muita luta, mas muito, foi muito bom. Chegou na época do concurso do Banco do Brasil (risos), essa história aí, essa aí acho que vale a pena contar, mas eu trabalhava dois expedientes, inclusive sábado, chamava semana inglesa, sábado a gente trabalhava até meio dia.
P/1 – No ministério?
R – No ministério e estudando à noite, aí, e chegou na época de fazer o tiro de guerra, tiro de guerra você sabe o que é que é? É uma espécie de exército, mas que você faz lá na cidade sua, desde que tenha o tiro de guerra, aí, comecei a fazer o tiro de guerra. Aí, inventei, trabalhar dois expedientes, inclusive sábado de manhã, fazendo tiro de guerra, e surgiu o concurso do Banco do Brasil, digo: “Vamos fazer o concurso”, aquela loucura, sábado e domingo é estudar para o Banco do Brasil, e foi, foi. Chegou no dia do concurso, 15 dias antes me deu uma desidratação por estresse, também trabalhando o dia inteiro, estudando a noite inteira, sábado e domingo estudando para o concurso do Banco do Brasil, resultado: eu não passei, eu perdi em datilografia, que era o que eu mais sabia, porque eu era datilógrafo lá onde eu trabalhava, mas eu não tinha força, eu saí da cama fui fazer o concurso, não tinha força nem para bater à máquina, nas outras coisas eu passei, mas era, datilografia era, aliás, eu era até formado em datilografia, o meu diploma é mais bonito do que o de médico (risos). Então, eu perdi o Banco do Brasil, aí, continuei estudando o ginásio, chegou na época do científico, nós viemos todos para Belo Horizonte, e depois que a minha família veio para Belo Horizonte. E lá em Belo Horizonte eu comecei a trabalhar no Ministério da Saúde, me transferi, comecei a fazer pesquisa, comecei a fazer pesquisa, mas fiquei... Fui para escola de Farmácia aprender trabalhar com meio de cultura, cultivar protozoário e outros parasitas, leishmaniose, esquistossomose, e fui trabalhar nisso aí. Aí, fui aprendendo na escola de Farmácia, aprendi e me levaram lá para o Ministério da Saúde, para o Instituto Manguinhos, que inaugurou um departamento em Belo Horizonte, eu fui para lá e lá comecei a trabalhar, montei o laboratório, eu montei o laboratório sozinho e fiquei lá e, como eu trabalhava demais, chama-se repique, repique é quando você passava a cultura de trypanosoma cruzi, que é o parasita da doença de chagas, é o principal, é o carro chefe lá do laboratório, eu fiquei chefe daquele laboratório e, como precisava mais alguém, às vezes um me ajudava aqui, mas eu trabalhava, isso aí não me permitiu estudar e eu já queria estudar Medicina nessa época, mas não permitia por quê? Porque eu trabalhava das oito da manhã e não tinha hora de parar, pesquisa você não pode parar, se você parar estraga, e assim fiquei lá até 1957. Em 1957 eu falei: “Ah, não dá para ficar trabalhando aqui, não, não tem tempo de estudar, eu preciso fazer cursinho para o vestibular de Medicina”, aí, surgiu o concurso do correio, eu fiz o concurso dos Correios.
P/1 – Era concurso para quê?
R – Para carteiro, e eu já era chefe de um laboratório de pesquisa, fornecia antídotos para o mundo inteiro, então, você imagina como é que é, eu fui ser carteiro nos Correios por quê? Porque como carteiro eu ia trabalhar seis horas por dia, então, eu tinha mais seis para estudar para o vestibular de Medicina, e assim fui trabalhando nos Correios, foi como comecei a minha saga no correio. Aí, acontece que eu fiz concurso, mas aí teve uma coisa interessante, quando saiu o resultado eu não quis assumir, eu passei em segundo lugar em Minas Gerais, mas eu não quis assumir por quê? Eram só 20 cruzeiros de diferença o meu salário de onde eu estava para os Correios, só que daí um ano os Correios dobrou o salário e você imagina, eu tive a oportunidade de trabalhar seis horas só por dia e ganhar o dobro do salário.
P/1 – Mas, aí, na hora o senhor não quis ir?
R – Na hora eu não quis, mas daí quando foi no ano seguinte o salário do correio foi lá para cima, foi para seis mil e 500 cruzeiros, era o dobro do que eu ganhava cá no Ministério da Saúde, ganhava três mil de salário e 300 de gratificação de chefia, então, três mil e 300, eu fui para o correio para ganhar seis mil e 500, aí eu falei: “Bom, essa é minha chance”, fui para o Rio de Janeiro.
P/1 – Mas depois de um ano dava para assumir ainda?
R – Dava, o concurso era válido ainda por dois anos, aí eu fui para o Rio de Janeiro, cheguei lá no Rio de Janeiro.
P/1 – Era no Rio?
R – Não, fui para o Rio de Janeiro para reivindicar outra nomeação que a primeira eu não fui. Aí, cheguei lá, fui falar com o coronel que era o diretor dos Correios, cheguei lá e levei o meu diploma, que eles davam diploma de aprovação no concurso, aí, o coronel lá chamou a secretária dele, que chama Diva: “Ô, Diva, como é o caso do rapaz?”, ela falou: “É, está muito bem classificado, tem vaga e nós precisamos, é só nomear”, ele falou assim: “Então providencia”, aí, ela disse para mim, a Diva: “Vai, pode ir para casa que o dia que sair no Diário Oficial eu te aviso” (risos), assim, então, que eu comecei a trabalhar nos Correios.
P/1 – Aí, você voltou para Belo Horizonte?
R – Não, eu comecei... Como eu tomei posse fora de época, seria a segunda chamada, eu fiquei trabalhando em Belo Horizonte mais ou menos uns nove meses, até eles arranjar um lugar onde precisava de mim, porque em Belo Horizonte já estava...
P/1 – Esses nove meses você trabalhou aonde?
R – Em Belo Horizonte, de carteiro.
P/1 – Em que bairro, como é que era?
R – Não, era assim, a sede estava ali...
P/1 – Como foi seu primeiro dia, o senhor lembra?
R – O primeiro dia? Eu lembro dos primeiros dias, porque exatamente eu fui entregar carta na casa de uma namorada de um colega meu, do Pedro Vieira, que era da turma do Pererê. (risos) Aí, um dia cheguei lá, aí a gente começou a estudar para o vestibular de Medicina, tal, aí, um dia o Pedrinho chegou para nós, falou assim: “Hoje eu não vou estudar, não, porque eu tenho um compromisso, não sei o que lá”, “Ah, mas não vai estudar?”, “É, eu tenho um compromisso”, “Mas o que que é esse compromisso?” “Ah, não, depois eu explico”. Acontece, eu fui entregar a carta na namorada dele, que a namorada dele tinha uma irmã, que tinha um namorado que estava fora e manda carta. Aí eu falei com ele: “Ah, é, o seu compromisso eu sei onde é que é a Heloisa que você está namorando, você vai namorar com a Heloisa, não vai estudar”? (risos), ele falou: “Como é que você sabe?”, “Eu sei, sou carteiro lá da casa dela” (risos).
P/1 – Mas ela te contou ou você encontrou ele lá? Como é que você ficou sabendo?
R – Não, porque eu conhecia e eu sabia que ele namorava a Heloisa, e a Heloisa morava lá naquela Rua Além Paraíba lá em Belo Horizonte, e eu era carteiro daquela região (risos), eu falei: “Ah, é, eu sei qual o seu compromisso” (risos), mas isso, a gente naquele tempo era muito bom, aquele tempo de Belo Horizonte, que nós fomos para lá, era muito bom.
P/1 – Nesse período o senhor tinha dificuldade para encontrar o caminho, como é que era o percurso, como é que era o trabalho do senhor?
R – Não, é o seguinte, primeiro dia de trabalho seu como carteiro, tinha o chamado, o distrito, era dividido em distritos, o primeiro dia que você ia trabalhar ia um já conhecedor do distrito para te ensinar, primeiro dia, depois no segundo dia, então, você já ia sozinho, distribuindo carta. Aí, depois, como a gente já tinha um nível melhor do que o pessoal, muitos carteiros não tinham um nível bom, não, sabe, então a gente que chagava estudando já, já estava no científico, poxa, científico é o segundo grau hoje, que era quatro primário, quatro ginásio e três científico, depois do científico você podia fazer vestibular, hoje chama segundo grau. Aí, então eles dali me puseram, em vez de entregar carta, me puseram para fazer os edifícios, os edifícios era melhor, porque você já ia de carro, ia de Kombi.
P/1 – Quanto tempo o senhor ficou nessa função de ir a pé? Era a pé que o senhor ia?
R – A pé eu fiquei mais ou menos uns seis meses, mais ou menos.
P/1 – Como que era o uniforme?
R – O uniforme era todo marrom e aquele boné tipo de militar, eu guardei o boné muito tempo, mas depois eu não sei que fim levou, e a roupa era uniforme caqui de carteiro.
P/1 – E a sacola, como é que era?
R – E uma sacola, uma bolsa grande assim de lona e você carregava ali nas costas aquela bolsa e ia distribuindo as cartas. Aí, você organizava as cartas desse jeito, você punha, por exemplo, a rua, eu pegava rua tal, eu fazia as cartas número par tudo e voltava nos números ímpares, então, punha uma atrás da outra, seguia até o fim da rua, chegava no fim da rua e voltava pelo número ímpar e acabava aquela rua, aí pegava outra rua, isso era tudo preparado já dentro da sede do correio, a gente já conhecia o distrito, né, então, fazia assim.
P/1 – Fora a história dessa namorada do seu amigo tem alguma outra história marcante, as pessoas já conheciam o senhor quando o senhor chegava?
R – É, inclusive a irmã da namorada do Pedro Vieira, ela tinha um namorado que morava fora e ela ficava lá esperando a carta dele, e eu ia levar a carta, no fim eu fiz amizade com eles, namoravam, uma namorava o Pedrinho, eu fiz amizade, mas não cheguei a namorar nenhuma delas, não, mas tinha mais umas duas moças lá, ou três, era acho três ou quatro, todas muito bonitas, muito ricas, o Pedrinho muito vivo, só namorava moça rica (risos), rica e bonita, que também ele era um rapaz muito bonito, dançava muito bem. Mas o fato é que eu chegava lá a moça já estava esperando lá a carta do namorado, que eu levava, (risos), isso é um fato muito interessante, que merece até uma crônica, mas isso, aí, quando eu tiver tempo a gente escreve, agora não estou tendo tempo, não (risos), agora estou fazendo é poesia.
P/1 – E, aí, depois disso, depois desses seis meses, você foi fazer edifício?
R – Depois desses seis meses, é o seguinte, como eu não tomei posse na época, eu fiquei trabalhando em Belo Horizonte até eles me mandar para algum lugar onde tinha vaga, onde precisava de gente, que Belo Horizonte eu fiquei extra, né. Aí, surgiu a vaga em São Paulo e Curitiba, aí, eles perguntaram: “Você quer ir para São Paulo ou para Curitiba”, eu pretendia, eu já tinha um amigo em Curitiba e ele falou: “Poxa, vou para lá, lá eu vou até arranjar, como começou a estudar Medicina, eu vou te arranjar para você ficar de estudante, é muito bom”. Aí, eu fui para Curitiba, fiz vestibular em Curitiba de Medicina, que eu já tinha me preparado em Belo Horizonte para isso, mas eu não passei não, passei no oitavo excedente, só tinha 35 vagas, em Belo Horizonte também, 35 vagas, eu fiquei o oitavo excedente e não entrei, aí, nesse meio tempo, eu vim para Curitiba, esse amigo meu e, aí, eu podia escolher São Paulo ou Curitiba, escolhi Curitiba. Chegou lá, preparei para o vestibular, mas não passei, fiz vestibular lá na federal e fiz aqui, porque aqui era federal também, e lá tinha católica, mas era paga, eu não tinha muito recurso para pagar, porque ganhava até bem no correio, mas ainda era arrimo de família também. Então, optei pela federal de Curitiba e federal aqui, e passei aqui na federal, vim para cá, naquele tempo você passava na faculdade você tinha o direito a transferir, e aqui comecei minha saga, trabalhei duas horas.
P/1 – Mas em Curitiba você chegou a trabalhar pelos Correios?
R – Claro, entreguei carta lá em Curitiba.
P/1 – Quanto tempo?
R – Ah, lá foi mais ou menos de 57, julho de 57 até dezembro de 60.
P/1 – Três anos então.
R – Não, um ano e meio, então, não é 57, é 58, 58 até 60, trabalhei.
P/1 – Como foi trabalhar lá como carteiro?
R – Foi muito interessante, porque eu tinha uma curiosidade, como eu era muito amigo de um rapaz lá de Belo Horizonte que estava em Curitiba, e ele então, ele me ajudava a entregar as cartas, aí, pegava as cartas: “Então você entrega da esquerda, eu entrego da direita”, ele também estudando para vestibular de Medicina, ele gostava muito de mim, a gente era muito amigo, hoje ele é médico lá em Belo Horizonte, aí, ele me ajudava: “Vou ajudar você para nós estudar junto depois” e aliviava a minha carga, então, assim eu fui carteiro em Curitiba.
P/1 – Tem algum episódio que tenha marcado? De alguma entrega de carta?
R – A única coisa que eu me lembro, assim, de interessante, é que depois que eu parei de entregar carta eu fui trabalhar interno nos Correios, e eu fui para seção de caixa postal, e eu que manipulava todas as cartas, cartas e outros volumes para o carteiro no outro dia entregar, ali, então, chegou um ponto que eu sabia as firmas todas, eu sabia o número da caixa postal, isso eu guardei muitos anos, depois que eu já tinha, já estava morando aqui, Pedro Demeterco, eu falava: “Caixa postal tal”, eu lembrava, porque eu tinha que manipular, eu tinha que manipular as cartas para o carteiro pegar de manhã cedo e entregar, isso depois que eu já tinha sido carteiro.
P/1 – O senhor, como morava, estava morando longe, a sua família estava em Belo Horizonte?
R – Estava em Belo Horizonte.
P/1 – Você escrevia carta para eles? Como é que vocês se comunicavam?
R – Eu escrevia cartas e mandava coisas, presentes, essas coisas, carta, carta mesmo.
P/1 – O senhor recebia carta também?
R – Recebia.
P/1 – Tem alguma que tenha marcado o senhor?
R – Uma carta não tem, não, mas...
P/1 – Encomenda, alguma...
R – Bom, o correio era uma coisa muito interessante aquela época, ali no Curitiba tinha muito, tinha muito descendente de polonês, alemão não tinha não, tinha pouco, mas polonês tinha bastante, e esse pessoal eles mandavam objetos para cá, para eles, e a gente manipulava aquilo, o mais interessante que eu tenho de Curitiba, que lá era um frio, mas um frio que ninguém aguentava, pior que aqui, que lá no inverno é pior que aqui, menos a serra, a serra aqui é mais fria. Mas ali chamava, a gente ficava trabalhando, manipulando as cartas para as firmas, o carteiro pegava de manhã cedo, ia entregar e ali era só biombos, várias seções, a seção de carta, a seção de volumes, e ali tinha, a gente trabalhava ali e de madrugada era um frio que ninguém aguentava, quando eu trabalhava lá eu passei a trabalhar de noite, passei a trabalhar de noite, porque eu para estudar Medicina eu tinha que trabalhar de noite, que a aula de Medicina era o dia inteiro. Aí, eu passei a trabalhar de noite, o interessante ali é que o último trem, que nós pegávamos correspondência e preparava para os carteiros entregar de manhã cedo, chamava R-1, esse R-1, ele sempre trazia umas garrafas de cachaça lá do interior, que tinha uma firma chamada Malucelli, que fabricava a cachaça, ele trazia e nós ali de madrugada, aquele tempo frio, a gente trabalhando ali, chegava o trem, que era o R-1, era o último trem que nós ia distribuir, preparar as correspondências para os carteiros distribuir no outro dia, aí, ele pegava aquela cachaça e dava para nós lá e nós tomávamos a cachaça, era tão frio, você tomava uma talagada de cachaça assim, aquilo caía no estômago e evaporava de tão frio, você esquentava, mas a cachaça evaporava. Aí, a gente tomava aquela cachaça e ia, fazia um lanche ali pelas duas horas mais ou menos da manhã, duas e meia, ia, continuava trabalhando, trabalhava até as sete do outro dia, aí, folgava o dia inteiro e folgava à noite, aí, você trabalhava noite sim, noite não, então, aí, eu pude estudar para o vestibular de Medicina, aí que eu consegui mais tempo para estudar.
P/1 – Aí, você passou aqui em Florianópolis?
R – Passei aqui, fiz lá e aqui.
P/1 – Na federal?
R – Na federal aqui e na federal lá, então, eu passei na federal aqui.
P/1 – Lá você acabou passando na federal?
R – Não, lá não.
P/1 – Aí, você veio para cá?
R – Aí, eu vim para cá.
P/1 – Você conhecia alguém aqui?
R – Não.
P/1 – Como é que foi chegar aqui?
R – Eu conhecia o rapaz daqui que estudava Medicina lá, que era amigo dos meus amigos lá, hoje ele é dermatologista aqui.
P/1 – Você tinha namorada nesse período?
R – Eu tinha tempo para namorar? Que namorada que quer? É trabalhar de dia, estudar de noite ou trabalhar de noite, estudar de dia, não tinha tempo, não tinha namorada, lá em Belo Horizonte eu arranjei, comecei um namorico lá, mas que hora que eu encontrava com a moça? Ela saía do colégio, eu saía do serviço, às sete horas eu ia para o colégio, ela ia para casa, na saída do bonde ali, ela indo para casa e eu saindo do serviço, aquele namoriquinho de 15 minutos ali, tchau (risos), tinha tempo não.
P/1 – Como é que foi chegar aqui em Florianópolis?
R – Cheguei aqui, eu então já vindo transferido como carteiro, cheguei aqui, não cheguei a entregar carta, não, fui trabalhar na seção de malas, chegava as malas de correspondência, então, a gente conferia tudo aquilo ali, eu fiquei duas horas lá, como estava já estudando Medicina. Aí o pessoal lá: “Não, vamos arranjar um serviço mais limpo para ele” (riso), mala, aquilo é tudo poeira para todo lado. Aí, me levaram para, fiquei duas horas só nesse serviço, e me levaram lá para trabalhar na chefia do tráfego postal e lá eu fazia o seguinte, comecei e tal, falei: “Agora como é que eu vou fazer?”, chegou um ponto que eu falei, juntei os colegas todos da seção, nós éramos cinco, mais o chefe, eu falei com eles: “Ó, eu tenho aula o dia inteiro, Medicina é aula o dia inteiro”, nessa história já tinha perdido um mês e meio de aula, hein, tinha perdido um mês e meio: “A minha aula é o dia inteiro, então, vamos fazer o seguinte: vocês arranjam tarefa para mim, eu vou cumprir essa tarefa de noite”, assim fui fazendo até chegar no quinto ano.
P/1 – Que tarefa que era?
R – A tarefa minha que eu peguei? Todo o arquivo e correspondência, quer dizer, eu ia para lá de noite e fazia até acabar, duas horas, três horas da manhã.
P/1 – Fazia o quê?
R – Arquivo, o arquivo do setor e a correspondência, eu preparava toda a correspondência.
P/1 – Por em ordem?
R – Responder carta, arquivar, essas coisas.
P/1 – Carta de quem?
R – Hein?
P/1 – Não entendi.
R – Não, para seção, por exemplo, recebia seção de tráfego postal, vinha uma carta para lá, ali tinha que resolver o problema e responder por carta, então, era uma espécie, eu era o correspondente da seção do tráfego postal, que tinha o tráfego postal e tinha o tráfego telegráfico, porque eram dois setores totalmente diferentes, outra chefia, outra seção, e eu fiz isso.
P/1 – O Ziraldo já tinha feito o personagem aí?
R – Já.
P/1 – Quando que ele fez o personagem?
R – Quando que ele fez?
P/1 – Quando o senhor era carteiro em Belo Horizonte?
R – É, desde a Caratinga que nós começamos a jogar vôlei junto ali, tal.
P/1 – Mas quando que ele fez o personagem Moacyr, o carteiro?
R – Exatamente em Belo Horizonte, quando eu comecei como carteiro em Belo Horizonte.
P/1 – Ele já fazia sucesso? Como é?
R – Não, o Ziraldo, ele nessa época trabalhava de... Ele já era desenhista, mas ele tinha ido para o Rio de Janeiro, como ele contou, botou os desenhos debaixo do braço, foi para o Rio de Janeiro, mas lá não conseguiu ter sucesso não, aí, ele voltou para Caratinga e de Caratinga, na mesma época, nós fomos todos para Belo Horizonte e, daí, foi que começou, isso foi mais ou menos em 64, é 64 que começou a revista Turma do Pererê.
P/1 – Ele falou para o senhor que ia fazer um personagem inspirado no senhor ou o senhor viu quando já estava publicado?
R – Não, o seguinte, quando ele foi para o Rio de Janeiro, ali nós estávamos, ele foi para o Rio de Janeiro primeiro, depois voltou para Caratinga e nesse período é que ele começou a fazer, e depois que nós fomos todos para Belo Horizonte, daí, é que ele começou a fazer os personagens, e ele para despedir dos amigos, então, ele inventou a história da Turma do Pererê, ele botou os bichos como nome dos amigos, daí, foi que começou, o Moacyr, o Alan, o Galileu e tal.
P/1 – O Ziraldo falou que ele ia fazer o personagem ou ele mostrou para vocês?
R – Não, a gente estava tudo junto ali, já começou fazendo e a gente começou ver as histórias e foi, nasceu assim, sem um programa, quando ele foi despedir dos amigos foi que ele começou a fazer, foi despedir dos amigos é que ele começou a fazer.
P/1 – Despedir para ir para o Rio de Janeiro?
R – Para ir para o Rio de Janeiro, não, para ir para o Rio de Janeiro não, para vir para Belo Horizonte.
P/1 – Para Belo Horizonte. E ele perguntava para o senhor as suas histórias para poder inspirar a escrever o personagem, como é que ele fazia a história?
R – Não, ele sabia que a gente jogava basquete junto, jogava vôlei junto, tiro de guerra junto, fizemos tiro de guerra, tiro de guerra eu já te falei o que é, uma espécie de exército da cidade, porque não podia todo mundo ir para fazer exército nas unidades, então, eles inventaram o tiro de guerra, tiro de guerra era como se fosse o exército, só que você fazia trabalhando, você entrava às cinco da manhã, às oito saía.
P/1 – Mas as suas histórias como carteiro como é que inspiraram ele, como é que ele sabia das suas histórias como carteiro?
R – Ele sabia porque uma das histórias foi a do tal do Pedrinho, que ele namorava e eu fui entregar a carta lá, entregava carta na casa dela, ela ficava esperando a carta do namorado, e o Pedrinho namorava uma delas.
P/1 – E o Ziraldo era amigo e ficou sabendo dessa história?
R – Era amigo, nós era tudo amigo, o Ziraldo, eu, o Pedro, todo mundo.
P/1 – Qual foi a sensação? Porque o personagem é uma tartaruga, por que ele escolheu uma tartaruga para ser o personagem do carteiro?
R – Porque naquele tempo o correio era muito lerdo (risos), demorava a entregar a carta (risos), demorava a entregar a carta, era tudo manual. Então, ele escolheu por isso, tartaruga é muito lerda e eu também muito calmo, por minha vez muito calmo, e demorando a entregar as cartas, então (risos) daí que surgiu.
P/1 – E o seu irmão, seu irmão era o macaco.
R – Era o macaco.
P/1 – Por que macaco, ele era o macaco?
R – Porque nós jogávamos basquete e o meu irmão era magro e alto, magrelo e pulava, pegava a bola em cima, então, aquela coisa toda. E o Ziraldo inventava coisa ali, ele pendurado pelo rabo pegando a bola. (risos) Daí, foi surgindo essa turma. O Pedrinho, ele começou a estudar Odontologia, então, ele ficava cavando os dentes lá (risos), ele virou o tatu.
P/1 – Qual foi a sensação do senhor quando você se viu como personagem de uma história em quadrinhos?
R – Ah, foi muito agradável, mas foi, assim, uma coisa que surgiu assim, sem programar nada, então, e a gente continuou naquela amizade e é interessante que a amizade da gente era tanta que, o Ziraldo liderando tanto, que chegou em Belo Horizonte simplesmente a gente reunia, resolvia os problemas mineiros, os nossos mineiros, do mundo inteiro (risos), aí, o Ziraldo dizia assim: “Amanhã às dez aqui”, geralmente era sábado, sexta-feira: “Amanhã às dez aqui” e fazia, todo mundo estava lá, ele falava assim, no outro dia às dez, dez da noite, hein, da noite, todo mundo estava lá para discutir os problemas (risos).
P/1 – Vocês discutiam o que? Política?
R – Ele era uma liderança impressionante, ele era não, ele é uma liderança impressionante, o Ziraldo, o Ziraldo é muito inteligente.
P/1 – Vocês discutiam o que? Política?
R – Política, escola, arte, discutia tudo isso aí.
P/1 – O senhor tinha alguma atuação política?
R – Não. Política nunca tive. Nós naquela época, o Juscelino foi candidato a presidente da República, então, tinha muita história ali, tinha um jornal em Belo Horizonte chamado Binômio, o Binômio era um jornal criado por estudantes de Direito e eles eram comunistas, naquela época comunista era o máximo por um lado e a negação por outro lado, comunismo naquele tempo era diferente. Aí, tinha o jornal chamado Binômio, sombra e água fresca, para poder parodiar com o Juscelino, que era: “Juscelino presidente, energia e transporte”, então, o Binômio criou: “Sombra e água fresca” (risos), esse Binômio. E a gente tudo era estudante, comendo no bandejão, porque a minha família ainda não tinha ido para lá, e o bandejão era um restaurante criado pelos secundaristas, e tinha os dos universitários e tinha o dos secundaristas, naquela época nós éramos secundaristas e nós íamos lá no bandejão. O bandejão, então, servia comida à vontade, à vontade, e a gente pagava um mil réis, era um mil réis o almoço, almoço e janta um mil réis. Aí, um dia apareceu no Binômio, no jornal o Binômio sombra e água fresca: “Foi encontrado um piolho de cobra no arroz” (risos), aí, embaixo assim: “Me admira não ter encontrado a própria cobra no arroz” (risos), mas para gente tudo era farra.
P/1 – Quanto tempo durou a Turma do Pererê? A publicação da revistinha?
R – Dura até hoje, porque de vez em quando sai outro número, agora, foi mais ou menos, a produção bem grande mesmo foi de 60 a 64, agora, depois disso continuou, de vez em quando saía uma edição nova, assim. Um fato interessante da Turma do Pererê é que qualquer fato diferente ocorrido, assim, com a turma, por exemplo, primeiro quem ganhou o filho foi a mulher do Alan, então aquilo, o menino do Alan, que chama Renzo, mas a Turma do Pererê batizou ele assim: Moacir Alan Galileu Pedro Pimentel Geraldinho Perereira, quer dizer, o sobrenome era o Perereira e todos os pererês ganharam o nome do menino, do primeiro filho, que foi o Alan, do Alan, só que o nome dele era Renzo, mas na história ele foi batizado com esse nome.
P/1 – E, aí, aqui o senhor ficou como correspondente da agência, aqui em Florianópolis?
R – Correspondente da agência dos Correios?
P/1 – É.
R – Não, aqui eu fiquei trabalhando até, como eu falei, como eu já tinha um nível melhor, assim, eu fui trabalhar...
P/1 – Então, o senhor respondia as cartas.
R – Dali eu fiquei duas horas, depois fui para chefia, trabalhar como encarregado da correspondência e do arquivo de toda a parte da chefia do tráfego postal.
P/1 – E foi cursando a faculdade de Medicina junto?
R – Fiquei cursando a faculdade de Medicina e trabalhando à noite nesse serviço. Aí, quando foi no quarto ano, eu já tinha um certo conhecimento de Medicina, porque estava no quarto ano, já conhecia doenças, sabia medir pressão, eu pleiteei com o chefe do serviço médico e o chefe do tráfego postal para eu ir para lá, trabalhar lá no serviço médico, ele falou: “Eu deixo você ir, mas se o diretor arranjar outro para o seu lugar”, eu fiquei até contente, falei: “Pô, sou útil porque você só me solta quando arranjar outro para o lugar”. Aí, eu fiquei um ano ainda, quando chegou no fim do quinto ano, aí, eles arranjaram outro funcionário para ele e me dispensou e eu fui para o serviço de médico. Lá no serviço médico, eu estava no sexto ano, eu já sabia medir pressão, já sabia muita coisa de medicina, porque o meu curso de Medicina, modéstia a parte, foi muito bom, viu, muito bom, todos os professores vieram de fora, contratado no Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, para dar o curso para nós, então, era um curso muito bom, você saía preparado. Então, eu fui para lá, medir pressão, aplicava injeção, encaminhava, o doente chegava eu fazia uma anamnese prévia, já entregava para o médico já, tinha dois médicos naquela época, dois médicos, um farmacêutico e eu, ah, não, e dentista, dois dentista, éramos cinco. Aí, então, eu já preparava tudo, quando o cliente ia consultar com o médico ele já ia com tudo escrito ali, como se faz hoje, às vezes você vai numa clínica aí, eles tomam os dados seu e eu já levava aquilo tudo pronto, aí, quando o médico chegava examinava e receitava.
P/1 – Mas quem que ocupava o serviço? Eram os funcionários dos Correios?
R – Que ocupava o quê?
P/1 – Quem que eram as pessoas que o senhor atendia?
R – Funcionário, tudo funcionário, só funcionário. Aí, depois que eu me formei, aí, eu já passei, eu fiz concurso no DASP, que eu te falei, DASP, Departamento de Saúde Pública, que era o órgão do Ministério da Saúde que formava médicos e especializava os médicos, era no Rio de Janeiro num hospital. Então, ali o DASP, aí, eles faziam concurso quando você tinha, por exemplo, no caso meu, já tinha um outro médico que tinha feito a mesma coisa, quando ele formou ele requereu para fazer esse concurso e ficou como médico, a mesma coisa eu, requeri para fazer o concurso e passei no concurso, tirei dez por sinal, fui aprovado com a nota máxima, aí, fiquei trabalhando lá.
P/1 – Lá nos Correios? Ou você saiu?
R – Nos Correios, nos Correios, fiquei médico dos Correios muito tempo, atendi muito funcionário.
P/1 – Mas eu não entendi essa coisa do DASP, o DASP era para ficar nos Correios?
R – O DASP era o seguinte: era o órgão máximo do Ministério da Saúde, o órgão, ele era um hospital no Rio de Janeiro, ele que deitava todas as normas da saúde para o Ministério da Saúde. Então, o sujeito queria fazer uma especialização, aí, ia para fazer a especialização, formava, qualquer médico, formava, queria fazer a especialização, ia para o DASP do Rio de Janeiro.
P/1 – Você foi para lá fazer a especialização?
R – Não, eu não fui, não, porque eu fui fazer no hospital que eu fiz a Pediatria, ali mesmo eu já fiz a especialização ali.
P/1 – Você se especializou em Pediatria?
R – Dois anos, dois anos.
P/1 – Por que o senhor escolheu pediatria?
R – Ah, eu sempre gostei de criança, sempre gostei, sempre gostei de criança, Aí, o chefe da residência lá inclusive falou: “Ô, Viggiano, não entendi você, você fez Ginecologia Obstetrícia, você ia fazer Ginecologia Obstetrícia, você fez Clínica Cirúrgica, você ia fazer Clínica Cirúrgica, você ia fazer Clínica Médica, você ia fazer Clínica Médica, você ia fazer, agora está fazendo Pediatria”, eu falei: “Eu nunca falei para você que ia fazer isso, eu falei, fiz bem feito porque, poxa, é a minha chance de fazer as coisas bem feito”, que seria o último ano, é só estágio, estágio nas várias clínicas. Então, ele achou que eu ia fazer porque fiz bem feito, modéstia à parte, eu falei: “Não, eu não falei que eu ia fazer, eu fiz bem feito, porque é a última chance que eu estou tendo de ter contato com a faculdade e aprender.” E, aí, quando chegou na Pediatria eu escolhi Pediatria, não teve problema nenhum, não. Tive cinco convites, me formei, modéstia à parte, tão bem enfronhado na Medicina, que eu tive cinco convites para fazer especialidade depois, tive convite para fazer Hematologia, tive convite para fazer Dermatologia, isso tudo aí, eu iria fazer a residência fora e depois vinha como assistente, tive convite para Dermatologia, Ortopedia, Hematologia, Oftalmologia e Parasitologia, tive cinco convites para fazer especialização para depois ficar na faculdade como professor, como assistente, naquele tempo chamava assistente, aí, eu optei por Pediatria.
P/1 – E continuava nos Correios?
R – Continuei nos Correios, não, aí, eu já tinha ido para o Ministério da Saúde, aí, eu já tinha voltado para o Ministério da Saúde. Quando os Correios virou empresa, aí, eu já era médico dos Correios, aí, eles falaram: “Não, aí virou empresa, vocês tem que optar por CLT ou continuar como funcionário público, mas vocês vão pra algum lugar, ninguém sabe para onde”, aí, mas nesse meio tempo eu já conhecia o delegado federal da saúde aqui e ele precisava de um médico lá, aí, ele me requisitou, me requisitou nos Correios, eu já fui direto dos Correios para o Ministério da Saúde, onde eu já tinha trabalhado antes.
P/1 – Como que foi esse período dos Correios se transformar de uma estatal para uma empresa?
R – Aquilo foi uma confusão danada, sabe, porque ninguém sabia como é que ia ficar. Então, nós ficamos ali mais ou menos uns seis meses sem saber o que é que a gente ia fazer, porque virou empresa, aí, chegavam eles: “Não, vocês vão optar para CLT ou vão para outro órgão”, aí, ficou aquela coisa, ficaram seis meses nessa dúvida e nesse meio tempo o Ministério da Saúde, a Delegacia Federal da Saúde me requisitou, porque o chefe lá, que era pediatra, que é também pediatra, ele já era do Departamento Nacional da Criança, aí, quando fundaram a Delegacia Federal da Saúde, aí, ele foi ser o delegado, ele me conhecia, convidou, me requisitou nos Correios para ir para o Ministério da Saúde outra vez, na Delegacia Federal da Saúde.
P/1 – Deixa eu voltar um pouquinho,é nesse período que o senhor trabalhou como médico nos Correios qual foi o fato que mais marcou o senhor?
R – Que mais marcou? É que o meu chefe lá no tráfego postal, que não me deixou ir, porque precisava de um funcionário para o meu lugar, me segurou um ano lá, esse quando ele tinha problema de hipertensão, ele precisava medir a pressão e ele ia procurar a mim, não ia procurar o médico chefe, eu mesmo sendo estudante ainda, eu estava no sexto ano, mas ele ia procurar a mim para medir a pressão dele, controlar a hipertensão dele, não procurar o chefe, não. Isso eu achei interessante, pois ele gostava do meu trabalho, porque primeiro não deixou eu sair, porque não podia sem ter outro para o meu lugar, então é porque eu era útil, depois, em vez dele consultar com o médico chefe ele consultava comigo, que era sextoanista, mas que fazia, atendia ele, com pressão, aplicação de injeção, essas coisas tudo. Então, esse é um fato que marcou muito, eu estava útil onde eu estava trabalhando e continuei útil onde eu fui (risos).
P/1 – Lá no ministério?
R – É, aí, já no Correios.
P/1 – O senhor conheceu sua esposa quando?
R – Eu conheci minha esposa quando eu estava estudando Medicina.
P/1 – Como foi?
R – É muito interessante, porque eu fui a Curitiba para resolver o problema lá da minha transferência, não, foi não, foi depois, eu sei que eu fui a Curitiba resolver não sei o que e ela estudava Odontologia e na volta, como eu era estudante, eu vi o ônibus lá da faculdade aqui e tal, que foi levar os alunos não sei para, sei lá, reunião, congresso, sei lá, aí, eu falei com o motorista: “Eu estou indo para Florianópolis agora, sou estudante de Medicina lá e tal, tem lugar no ônibus para eu voltar junto com vocês?”, ele falou: “Tem, tem bastante lugar então pode ir com a gente”. Aí, estava ela lá, sentamos do lado, aí, ela me fez a seguinte pergunta: “Como é que é a pronúncia?” não: “O que é que é necropsia?”, eu falei: “Necropsia é o termo certo de autópsia, que autópsia é errado, você não pode autopsiar a si próprio, autópsia, examinar a si próprio, então, depois de morto, então, o certo é necropsia”. Aí, a partir daí a gente começou a conversar e ela era noiva (risos), ela era noiva e ficamos ali, ela estudando Odontologia, eu estudando Medicina, e o bandejão era um só, e a gente no bandejão acabava conversando, conversando, um dia ela chegou: “Eu desmanchei o noivado”, “Tá bom, então vamos namorar” (risos), namoramos até quando eu me formei, ela formou antes, ela estudou Odontologia, eram três anos. Aí, ela fez um outro curso, de Pedagogia, para me esperar, então, quando ela terminou o curso de Pedagogia já era Odontóloga, aí, nós casamos e eu terminei Medicina, só casei depois de formado, eu tinha bastante juízo. (risos)
P/1 – Desse tempo que o senhor ficou nos Correios qual foi uma história mais marcante, assim, além de todas essas que o senhor contou tem alguma outra que o senhor acha que a gente deve deixar registrado?
R – Marcante dos Correios?
P/1 – Desde lá, pensando na sua trajetória, desde quando o senhor entrou como carteiro até sair da companhia quando virou empresa.
R – Bom, os fatos mais marcantes foi, por exemplo, virar personagem do Ziraldo, como carteiro, sendo jabuti, porque exatamente o correio era meio lerdo, esse foi um fato marcante, o da namorada do Pedrinho também. Muita rotina, por exemplo, na época que eu era carteiro em Belo Horizonte estava na época da eleição e tinha um carteiro que veio trabalhar interno, como eu fui trabalhar interno também, mas o cara andava numa pinta, parecia, andava mais chique que deputado, e ele era (risos) o cara da noite, sabe, ele trabalhava à noite, mas a noite que ele não trabalhava ele era da noite. Então, contava histórias das namoradas dele, muito interessante, chamava José de Matos, hoje eu posso falar o nome, porque ele já deve ter morrido, ele era mais velho que eu, mas ia trabalhar de carteiro, ele era carteiro, mas trabalhava à noite na distribuição, preparando a correspondência para os carteiros entregar de manhã, mas ele ia, parece que tinha um alfaiate próprio, só ia de roupa, colete, chique para danar, chega lá ele punha o avental e ia trabalhar, a gente trabalhava de avental. (risos)
P/1 – Trabalhava de avental?
R – A gente trabalhava de avental, era interno, na rua era de uniforme, interno não, você podia por qualquer roupa, mas punha aquele avental do correio também, era um avental grande assim da cor, cor caqui também, cor do correio, e isso aí.
P/1 – Quando o senhor foi para o ministério do que o senhor sentia mais falta dos Correios? O senhor sentia falta de trabalhar lá?
R – Sentia falta da superorganização dos Correios, os Correios, quando você trabalhava lá, quando você tinha promoção como carteiro vinha um papel para você: “Você está aqui, faz o requerimento que você foi promovido, assim, assim, assado”, aí, fazia isso aí, era superorganizado, o que não acontecia do Ministério da Saúde, no Ministério da Saúde você não ficava sabendo de nada, correio não, correio mandava para você um requerimento: “Tá na hora de você ser promovido, faz esse requerimento aqui”, imediatamente saía a publicação no Diário Oficial. O correio era muito eficiente, era muito eficiente e trabalhava dia e noite, parava não, o carteiro entrava sete horas da manhã, entregava todas as cartas, quando era edifício era aquele pacote de Kombi e distribuía nos edifícios, e de noite mandava telégrafo, tudo de noite, a noite inteirinha, por isso é que eu tive essa oportunidade de estudar, porque fui trabalhar de noite e estudar de dia, que a faculdade de Medicina é o dia inteiro, aula o dia inteiro.
P/1 – E, aí, no ministério o senhor ficou quanto tempo?
R – No Ministério da Saúde? Fiquei até aposentar, juntando esse tempo dos Correios com o outro tempo de comércio, daí, deu 45 anos de trabalho, aposentei com 45 anos de trabalho, bastava 30.
P/1 – É, nossa! Mas o senhor trabalhava desde os 13.
R – Trinta para mulher, mas para homem era 35, mas médico era 30, mas como eu não fui médico o tempo todo, aí, eu gastei 45 anos, tive filhos, dois.
P/1 – Qual é o nome deles?
R – Dois casais, um casal gêmeos, o mais velho chama Nicola, né, por causa do meu avô lá da Itália, e eu tenho tios que chamam Nicola também, o mais velho, ele hoje é professor de violino lá em São João Del Rei, e está no Rio fazendo doutorado, isso é o mais velho. Depois vem a Betina, que é essa aqui, é formada em enfermagem na Alemanha, mas não quis, chegou aqui arranjou um namorado, casou, tem dois filhos maravilhosos, inteligentíssimos, é a segunda. E os terceiros são os gêmeos, um é advogado em Joinville e a outra é geógrafa, mas não quis lecionar, então, abandonou Geografia, é formada em Inglês também nos Estados Unidos, mas não quis lecionar Inglês, não quis lecionar Geografia, então, está trabalhando aqui de secretária num curso aí.
P/1 – Depois que o senhor saiu do ministério o que o senhor foi fazer, aposentou de vez ou vou exercer?
R – Não, aí, eu trabalhava no hospital, eu continuei trabalhando no hospital.
P/1 – Porque o hospital o senhor já continuava desde lá de trás?
R – Desde estudante, desde estudante eu já comecei a frequentar o hospital infantil.
P/1 – Mas você dava o que? Plantão? Como é que você conciliava com os Correios o hospital infantil?
R – Não, porque aí nos Correios eu passei a trabalhar das quatro em diante e até as quatro eu trabalhava no hospital.
P/1 – Como pediatra também?
R – Como pediatra.
P/1 – Aí, o senhor continuou?
R – Mas nos Correios eu fazia tudo, nos Correios não podia ser só pediatra, não, atendia tudo.
P/1 – Mas enquanto o senhor estava nos Correios o senhor trabalhava nesse hospital também?
R – No hospital desde manhã até às quatro horas, das quatro horas eu ia para o correio e no correio eu trabalhava enquanto tinha gente para atender e fazia visita também, fazia visita médica, quando eu acabava de atender o ambulatório eu pegava os papéis das visitas médicas e ia até de noite.
P/1 – Nos Correios o senhor fazia visita médica?
R – É.
P/1 – Como é que funcionava isso?
R – Funcionava assim: o funcionário comunicava que estava doente, aí, o serviço pessoal mandava uma folha para mim com nome, identificação, residência e tudo, e quando eu acabava de atender o ambulatório, no ambulatório tinha mais gente, o chefe, eu e tinha mais um outro médico, aí, eu ia fazer as visitas, as visitas às vezes até no município, nos Correios não podia morar fora do trabalho, mas eles moravam, fazia vista grossa, Palhoça, municípios próximos aqui, São José, o pessoal morava lá e eu ia fazer, então, tinha dia que eu acabava nove horas da noite, uma visita, trabalhava bastante, mas tinha o privilégio de começar às quatro horas da tarde.
P/1 – Então, o serviço médico incluía visita na casa dos funcionários?
R – Incluía visita. Eu vou falar uma coisa aqui, que eu não sei se é certo eu falar, mas eu fazia visita, mas os outros não faziam, não, os outros davam atestado, o sujeito dizia que estava doente, conhece a história. E nos Correios eu tive muito problema com isso, por quê? Vinha a ficha que o sujeito estava doente, eu ia lá na casa dele examinar e dar o atestado, se ele não estava doente eu dizia que não estava doente, porque o outro médico nosso, um cara de um coração deste tamanho, mas ele não ia visitar ninguém, ele dava atestado e pronto, como ele era o chefe, sujeito boníssimo, excelente médico, caridoso, atendia todo mundo fora do expediente, ele atendia todo mundo, ajudava todo mundo. Mesmo eu depois de formado, às vezes eu ganhava muita amostra de remédio, às vezes eu levava saco de amostra para ele para distribuir para os pobres, porque ele era assim, atendia todo mundo qualquer hora e qualquer lugar, até ele era muito mal falado por isso, mas eu posso dizer que foi um grande médico, porque quando chegava uma criança, que ele não sabia resolver o problema ele mandava lá no hospital para mim, mandava um bilhetinho: “Essa criança aqui”, muitas vezes me mandou meningite, coisa que tinha que ir no hospital para diagnosticar, pneumonia, tudo ele mandava para mim e eu atendia, e ele era o meu chefe, eu atendia com todo o prazer, porque era função minha, não estava fazendo mais nada que a minha obrigação, eu era médico dos Correios e era médico do hospital. Isso é um fato muito interessante, esse médico morreu agora há poucos dias, morreu com Alzheimer, mas era um cara fabuloso, mas esculhambado para danar, para começar ele já chegava assim: “Ô, seu filho da puta, como é que está?” (risos), já chegava xingando você na maior tranquilidade assim, como se estivesse conversando normal, esse é o J. J. Barreto, Julibio Jupy Barreto, (risos). Mas, aí, qual é o problema meu como médico dos Correios? Eu enfrentei muita gente por quê? Porque ele só chegava lá e: “Você quer três dias? Dou cinco dias, vai descansar”, “Ai, eu preciso 15 dias para fazer”, “Ah, leva 30”, ele fazia assim, ele fazia e ninguém implicava com ele, porque ele era realmente um sujeito bom, o consultório dele você chegava lá tinha 50 pessoas para atender, ele atendia tudo, dava atestado, fazia receita, fazia tudo. Então, todo mundo gostava, ele era queridíssimo aqui, tão querido na cidade que um dia os ladrões foram lá na casa dele, roubaram acho que foi uma máquina de costura, sei lá, eles falam isso, não sei se é verdade, mas aí ele nem deu falta, mas daí uns dias apareceu a máquina de costura lá com um bilhetinho: “Doutor Barreto, desculpe, nós não sabia que essa casa era sua, está aqui de volta a máquina” (risos). O Doutor Barreto era uma figura diferente mesmo, ímpar, e ele foi, quando eu formei, mas ele já era meu chefe lá, mas ele me deu um esfigmomanômetro, aquele de medir pressão, ele me deu um parelho daquele de pressão.
P/1 – Como que é o nome do aparelho?
R – Esfigmomanômetro. E eu também já tinha ganhado outro, então, já estava com dois aparelhos, porque o laboratório também deu para todos os alunos um esfigmomanômetro, o laboratório, aqueles vigaristas, esse laboratório, aí, querendo comprar os médicos (risos).
P/1 – O senhor falou que pouco antes do senhor sair do hospital o senhor começou a escrever.
R – Cinco anos antes eu comecei a escrever, comecei a escrever, porque a Betina morava na Alemanha, no JAMB, Jornal da Associação Médica Brasileira, tinha um versinho lá, uma quadrinha, eu escrevi para ela e pus a quadrinha lá do JAMB, do jornal, aí, no mês seguinte eu escrevi, já fiz a minha poesia, minha quadrinha.
P/1 – O senhor já escrevia antes?
R – Não, não escrevia nada, aí, na carta seguinte eu já fiz uma poesia, mandei a poesia, na outra carta mandei outra poesia, e aí comecei assim, hoje eu estou com dois mil e tantos poemas escritos.
P/1 – O senhor lembra do primeiro? Dos primeiros que o senhor escreveu?
R – Os primeiros, agora vai ser difícil lembrar os primeiros, os primeiros foram até sonetos, viu, a minha especialidade é soneto, que eu tenho mil e 600 sonetos escritos e poemas em geral dois mil e tanto, mas os outros são poemas livres. O meu irmão que é poeta, o Alan, é poeta, escritor, já publicou 19 livros, ele, então, eu falei: “Mas como é que faz soneto”, ele falou: “Não, faz assim, a rima tem que ser assim, tem que ser assim”, as primeiras noções de versificação foi o meu irmão que me deu, aí, comecei a escrever, aí, não parei mais (risos).
P/1 – O senhor chegou a publicar algum livro?
R – Eu já publiquei dois, publiquei um, aliás, vou ver se eu tenho um, o primeiro livro não tenho mais, já esgotou.
P/1 – Como que é o nome?
R – “Ecos”, “Ecos – poesia”, mas o segundo até vou arranjar, devo ter, uns três é capaz deter ainda, mas o segundo são médicos que publicaram um livro de sonetos, nesse aí eu publiquei 20, são cinco médicos, cada um publicou 20, então, esse foi publicado pela Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, Sobrames, da qual eu faço parte.
P/1 – O que é Brames?
R – Sobrames, Sociedade Brasileira de Médicos Escritores.
P/1 – E o senhor faz parte?
R – É, eu faço parte, eu vou ver se tem o livro lá, posso parar agora aqui?
P/1 – Hoje qual que é o cotidiano do senhor?
R – Hoje?
P/1 – É.
R – Escrever (risos), escrever e ficar de repouso, porque eu agora estou com hérnia aqui, os médicos não querem me operar, porque eu estou com quatro coronárias entupidas e duas carótidas entupidas, então, a irrigação cerebral está sendo feita só pela carótida esquerda, a direita está totalmente obstruída, eles tentaram desobstruir, mas não adianta, está totalmente obstruída, então, não vão mexer. Então, aqui em cima tem um, aqui dentro do cérebro, tem o chamado polígono de Willis, polígono de Willis é um polígono feito pelas artérias, polígono, cinco lados, claro, mais de quatro, então, as artérias irrigam, essas artérias aqui irrigam o cérebro, daqui sai os ramos, e aqui dentro do polígono tem outras comunicações, então, o que acontece? Por que é que eu estou aqui conversando normalmente? Porque aquelas conexões ali, elas desenvolvem e substitui, o meu lado direito, por exemplo, não tem irrigação nenhuma, mas o esquerdo está suprindo, porque lá no polígono faz aquelas ligações e supre a irrigação do cérebro, é interessante, a medicina é muito interessante, bonita demais, difícil de exercer, mas bonita e agradável, porque quem gosta, gosta, tem muito médico aí que é comerciante, mas não sei porque que foi estudar Medicina, às vezes é porque o pai era ou o tio era, tem hospital. Agora, eu, por exemplo, tem um médico lá em Valadares, casado com a minha sobrinha, que ele também, o pai era farmacêutico, o tio era médico, mas esse aí é um médico que eu nunca vi igual, excelente médico, e é cirurgião, todos os parentes de médico mandam para ele operar, porque ele é eficientíssimo. E esse rapaz é casado com a minha sobrinha e genro da minha irmã, por exemplo, né, a minha irmã é a sogra dele (risos). Aí, ele diz assim, ele chega para mim, ele me chama de Moura: “Ô, Moura, como é a poesia mesmo que você fez da sogra?”, aí, eu tenho que falar para ele todo o dia, a poesia é o seguinte: “Sorriso de sogra/ nem pensar/ há de sobra/ prefiro mordida de cobra” (risos), toda vez que eu vou lá ele fala: “Como é a poesia?” (risos). Mas a vida é muito interessante mesmo, que a minha irmã, essa que é a sogra dele, é a segunda irmã, está com 90 anos, vai fazer, nós estamos em junho, né, dia 25 ela vai fazer 91 anos, totalmente incapaz, nem se virar na cama ela se vira, não enxerga, tem que dar comida na boca, mas é interessante, é a criatura mais bondosa que eu vi na minha vida, a partir dela criou só uma filha, mas ela teve cinco filhos dos outros que ela criou, e só entrega depois de casado e hoje está lá naquela cama, inválida, totalmente inválida, no entanto foi uma pessoa boníssima, boníssima, mas é a vida é essa, ninguém sabe o débito da gente.
P/1 – Seu Moacyr, e a Turma do Pererê, o Ziraldo e os outros amigos, vocês se falam? Como é que é esse contato?
R – Constantemente, nós reunimos, tem foto por aí, mas não sei aonde é que tá, praticamente cada cinco anos, cada dez anos a gente reúne, e o Ziraldo tem uma casa lá na Ilha Grande, não sei se você sabe disso, tem uma casa na Ilha Grande nós geralmente reunimos lá. E lá na Ilha Grande tem um quintal muito grande, cada um de nós plantou uma árvore, então, tudo árvores grandes, então, cada um tem sua árvore lá plantada, quando a gente reúne vai para lá. O Ziraldo, quando ele era casado com a Vilma, a Vilma morreu, ele agora está com a segunda mulher, ele era muito festivo, aliás, ele é ainda, mas é que hoje, o Ziraldo é uma máquina para trabalhar, não sei como é que ele consegue, é uma máquina para trabalhar, mas quando pode a gente reúne, aniversário dele de 70 anos, por exemplo, nós fomos lá no Copacabana Palace, a festa foi lá, a Turma do Pererê vai tudo. Então, todo lugar quando a gente pode a gente reúne. Lá na Mata do Fundão nós fomos várias vezes, aonde plantamos as árvores e chega lá a gente vira criança, sabe por quê? Eu tenho aqui em casa, não sei nem onde é que está, mas está por aí, bilboquê e bola de gude, eu tenho mais de 30 bolas de gude, tem bilboquê, tem jabolô, aquele de jogar, quando a gente reúne a gente vira criança, qualquer idade que seja a nossa nós vamos jogar bola de gude, vamos jogar bilboquê (risos), o interessante é que os velhos lá tudo de mais de 70, tudo brincando (risos). Isso é um fato muito interessante, que isso aí nos mantém unidos, e outros fatos, por exemplo, quando eu estava em Belo Horizonte, eu já era carteiro em Belo Horizonte, a Martha Rocha, você sabe quem foi Martha Rocha? Vocês não sabem quem foi, sabe? Martha Rocha, quando foi miss, segunda colocada no miss mundial, o Miss Universo, e ela foi segunda colocada, porque ela tinha duas polegadas a mais nos quadris, fizeram até uma música: “Com duas polegadas a mais, passaram a baiana para trás, com duas polegadas e logo nos quadris, tem dó, tem dó, seu juiz.” Então, quando a Martha Rocha veio de volta como segunda colocada no Miss Universo, aí, nós fomos, a turma toda do Pererê foi para receber, fazer uma farra no meio da rua, na recepção dela. Aí, de noite nós estávamos todo mundo ali, fotografando tudo ali, tal, quando foi de noite teve uma recepção dela num hotel, Hotel Normandy em Belo Horizonte, era um dos melhores hotéis, aí, o Ziraldo foi convidado, que ele era, já era jornalista naquela época, cartunista, jornalista, e o Ziraldo foi convidado, aí, ele me chamou para ir junto, fui junto, cheguei lá, cheio de repórter para todo o lado e gente importante recepcionando a Martha Rocha. E ela estava lá naquele canto e chamaram aqui no palco, desse lado, e ela passou por ali e eu, apinhado de gente, ela passou, roçou os peitos assim em mim (risos), sabe o que é que eu fiz? Não lavei aquele paletó nunca mais (risos), deixei de lembrança o paletó que a Martha Rocha roçou os peitos (risos). Agora, quando eu vim para o sul, eu engordei demais, aquele paletó, eu era magrinho, pesava 66 quilos, um metro e 80, 66 quilos, então, era magrinho, era um palito, aí aquele paletó, eu vim para cá, engordei, de cara eu engordei dez quilos, e depois eu engordei mais um pouco e o paletó foi guardado aí até há pouco tempo, aí, um dia meu sobrinho veio cá e: “Me dá esse paletó”, “Tá bom, pode levar, já guardei ele demais” (risos).
P/1 – Seu Moacyr, vou fazer as duas perguntas de encerramento, o senhor tem uma vida muito rica, a gente acho que podia passar o dia aqui se a gente explorasse cada pedacinho de história que o senhor contou. Quem sabe a gente não volta para fazer ou o senhor vai lá para São Paulo conhecer o nosso museu. O que o senhor acha dos Correios ter essa iniciativa de está contando a sua história, dos seus 350 anos, através das pessoas que participaram dela?
R – Eu acho isso aí muito interessante, porque nós brasileiros temos essa mania de esquecer as coisas e isso que vocês tão fazendo é uma coisa muito interessante, porque vocês tão dando oportunidade de contar as histórias. Existem inúmeras histórias aí por aí de gente, não vou dizer de gente importante, que eu também não me considero importante, não, me considero um pediatra razoável, graças aos Correios, porque eu só pude estudar Medicina, porque fui trabalhar à noite nos Correios, noutro lugar eu não teria oportunidade. Então, eu agradeço muito, porque eu tive oportunidade de progredir, porque fui carteiro do correio, depois funcionário comum e depois médico dos Correios, então, isso aí é, acho que não tenho, não posso medir o tamanho desse agradecimento que eu tenho pela instituição e pelo nosso Brasil, precisamos rememorar essas coisas todas, que é uma oportunidade muito grande, eu fico muito contente de poder participar disso aí.
P/1 – Como é que foi para o senhor contar a sua história? Rememorar um pouco? Como foi para o senhor rememorar, contar essa história para a gente? Essa experiência de contar a história?
R – Eu falei com você que eu tive uma cliente aqui, era amiga minha, mas no fim eu descobri que ela tinha um problema de depressão e ela chegava toda apavorada, é uma moça que eu ajudei aí, porque ela ficou em situação financeira difícil, ia abandonar o mestrado, eu acabei ajudando ela terminar o mestrado, e ela pegou e me deu um caderno, não sei se eu já falei isso para você, me deu um caderno escrito: “Baú de memórias”. Ela falou: “Você tem que escrever essas coisas que você conta para mim, porque isso aí é muito interessante.” Então, aí é que eu comecei a rememorar, e agora estou com dois contos ali que eu estou escrevendo, acabei de escrever dois, que são, um chama: “O médico no front”, o outro chama, que eu nem dei nome ainda, não dei nome, não, são histórias que eu estou rememorando, se eu tiver tempo vou escrever um livro só de memórias, mas se não tiver tempo não tem importância, tem muita coisa escrita, é só publicar. Mas o fato é que essa história do médico do front é que um médico que foi para o front, morreu lá, e de repente, saiu uma história mais ou menos fantasiosa para alguns, para mim tem significado, aí, um sujeito chegou lá apavorado e falou para o médico atender a filha dele, ele disse: “Não, eu não posso atender”, mas não explicou que não podia: “Não, mas você tem que atender” e arrancou o revólver e fez o médico ir lá, o médico pegou, foi atender, atendeu a menina dele, deu receita, esperou buscar o remédio, aplicou a injeção, fez tudo direitinho. Aí, o camarada foi levar ele em casa e levou e deixou ele na casa, só que ele voltou lá depois, ele não tinha dinheiro para pagar, porque gastou o dinheiro todo ali, a história é essa, toda inventada, gastou o dinheiro com a compra dos remédios, aí se propôs no fim do mês ir pagar a consulta e a visita do médico, mas aí apertou, porque teve que comprar muito remédio e tal. Aí, três meses depois ele recebeu o décimo terceiro salário e foi lá pagar para o médico, chegou lá na casa do médico a casa estava abandonada, aí, a faxineira estava limpando a casa lá: “Eu quero falar com o Doutor Almiro”, “Doutor Almiro? É impossível você falar com ele”, “Mas por quê? Eu preciso falar com ele” e foi entrando para dentro de casa: “O Doutor Almiro já morreu tem cinco anos”, “Mas como? Ele atendeu a minha filha tem três meses”. Quer dizer, aí a história é essa, ele já tinha morrido, mas ele reencarnou no médico, atendeu a criança, voltou para casa e depois ele já tinha morrido há cinco anos atrás, então, culminou com essa história, essa é uma história. A outra história é um tiroteio que teve lá em Cachoeirinha, hoje chama Tumiritinga, que eu morei quando mudei de Lajão, antes de voltar para Inhapim, um tiroteio, que nós fomos assistir o jogo de futebol, houve um tiroteio, pá, pá, pá, seis tiros, um homem saiu correndo e outro atirando, um correndo e o outro atirando, aí, chegou lá, chegou no fim do tiroteio todo mundo para casa, a minha irmã mais velha: “Todos para casa correndo”, o meu irmão saiu correndo para minha casa, outro para minha casa. Eu fui para casa do meu tio, que era mais perto, e quando o meu irmão chega lá na casa do meu tio, o portão fechado, eu entrei e fechei o portão, meu irmão muito moleque, ficou para trás para assistir o desfecho da coisa, aí, quando ele chegou em casa, na casa do meu tio: “Abre o portão aqui, que o homem que atirou vem aí” e tal, aí o homem foi chegando montado num burro, ele falou: “Não precisa correr, não, meu filho, não precisa correr, não, menino, que você não fez mal para ninguém” e foi lá, pegou a barca, atravessou o Rio Doce, atravessando o Rio Doce, aí ele já estava livre, não tinha perigo de ser perseguido. Então, eu escrevi essa história aí, muito interessante, aí, eu conto a história toda, e esse cara que foi atirado, eu fui morar numa casa imensa, que era antigamente um armazém, que era na frente da estação ferroviária velha, que era uma estação de madeira ainda e tal, e eu fui morar nessa casa que era assim, a casa era aqui e para lá tudo era armazém, que o pessoal trazia as mercadorias para despachar no trem, no trem que ia até Vitória, Espírito Santo, e Belo Horizonte, a estrada chamava Vitória–Minas. Aí, quem que vai para lá para um cômodo que tinha lá naquele armazém velho? Vai para lá o homem que foi atirado, ali aquele homem foi atirado ali e ficou aquele homem, ninguém sabia quem era, e nós meninos começamos a rodear ali, o camarada não tinha, era um cômodo assim, não tinha banheiro, não tinha nada, e não tinha ninguém para tratar dele, ninguém sabia de onde veio o homem, sabia que foi atirado lá, recebeu os tiros. E nós meninos começamos, levava um prato de comida, outro levava um café, outro levava um lanche, e fomos fazendo amizade ali, de repente chega lá, isso é história que está no livro lá, isso é real, chega um homem lá e virou para nós: “Vocês aí tem criação de galinha em casa?”, “Tem”, eu falei: “Tem”, “Então, você vai lá, me traz um pintinho assim mais ou menos, graúdo assim”, eu fui lá e trouxe o pintinho: “Você tem pilão em casa?”, eu falei: “Tem”, “Me leva lá”, eu levei, tinha um rancho lá em casa nos fundos que tinha um pilão. Ele pegou aquele pinto, pegou a cabeça do pinto assim, por debaixo da asa, botou lá no pilão, fez aquele mingau e pegou, foi lá no homem que estava baleado, tinha seis tiros, hein, seis balas no corpo e ele falou: “Você vai beber isso aqui”, falou: “Mas não vou beber”, “Vai beber para sair essas balas”, o homem não é que bebeu aquilo, aquele mingau, pena, pé, tudo amassado, aquele mingau, bebeu aquilo tudo. Você sabe que daí mais ou menos uns dois meses o homem foi embora curado? Então, eu conto essa história, isso é real mesmo, aí, quando acabou, quando ele estava em condições, todos os meninos cada dia levando comida, quando acabou a história ele falou: “Onde é que eu posso tomar um banho?”, eu falei: “Na estação velha ali tem um banheiro do lado de fora”, eu fui lá, busquei roupa do meu pai para ele, ele vestiu a roupa, tomou um banho, vestiu a roupa, agradeceu, foi embora, ninguém nunca mais ouviu falar nesse homem, então, essa é uma das histórias.
P/1 – Que bacana, o senhor vai publicar, tem que publicar.
R – Vou publicar.
P/1 – Que pena que acabou, senão a gente podia ficar aqui o dia inteiro, obrigada.
R – Não há de quê.
FINAL DA ENTREVISTA
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