P/1 – Vou pedir para você falar o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Shinji Yonamine. Nasci dia 17 de julho de 1950 na cidade de Aracatuba – São Paulo.
P/1 – Os seus pais são de Araçatuba?
R – Não. Meu pai veio para o Brasil em 1934, com 13 anos.Minha mãe sim, é nascida em Três Lagoas, no Rio Grande do Sul.
P/1 – Seu pai veio da onde?
R – Tanto a minha família paterna quanto materna são de Okinawa, no Japão.
P/1 – Seu pai e seus avós maternos nasceram em Okinawa, é isso?
R – Isso mesmo. Minha mãe é Brasileira.
P/1 – E você sabe o que os seus avós faziam em Okinawa?
R – O meu avô materno acredito que era da cavalaria no Japão. Da parte do meu pai, o meu avo tinha um navio de transporte, um veleiro, que transportava carvão.
P/1 – Os seus avôs paternos foi quem veio para o Brasil, ou apenas o seu pai?
R – Meus avós que vieram.
P/1 – Em que ano?
R – Da parte da minha mãe, vieram em 1917, mas eu não sei o motivo nem o que ele fazia. Da parte do meu pai, o meu avô tinha dois veleiros. Um dia ele foi transportar uma tora de madeira para a reforma do castelo imperial Shurijo, em Okinawa, e trincou o barco. O outro, o furacão que passou por Okinawa jogou o barco entre as pedras e sofreu avarias. Nesse período veio um parente de nome Nakamoto, com os filhos já trabalhando no Brasil e falou: “é melhor vocês virem para o Brasil”. Como o irmão dele, o segundo, havia ido para o Peru, ele resolveu vir para o Brasil, isso em 1934. Vieram para o interior de São Paulo, mas com o desbravamento de matas e tudo mais, dava muita malária, que o japonês fala mareta, mareta. E o meu avô com seis anos de permanência no Brasil veio a falecer. Na ocasião, o meu pai estava com 19 anos já e oito irmãos, sendo que quando eles vieram, eram em cinco. Meu pai e mais dois irmãos e duas tias minhas. Posteriormente nasceram mais três aqui no Brasil
P/1 – Tudo isso em qual cidade?
R – No interior de São Paulo, em Borborema, nesses locais ai. No final se estabeleceram em Araçatuba. Isso porque em 1950 meu pai plantava algodão e nessa ocasião morriam muitos agricultores japoneses por causa do veneno. Como o irmão da minha mãe era médico, aliás ele era um dos primeiros formados em medicina na colônia japonesa, que se formou em 1939, ele comentava que caso caísse com intoxicação por veneno, para salvar a vida tinha que tirar o sangue, e meu pai misturando o veneno; ele aspirou o veneno e veio a perder o sentido. Ele veio carregado. Minha mãe tirou umas três ampolas de sangue e salvou ele, só que ele não conseguia mas sentir o cheiro do veneno, nem comer comida gordurosa. Enfim. Toda a família mudou para Araçatuba. Posteriormente ele vendeu essa propriedade, que hoje é a prefeitura e delegacia da cidade. Tanto é que a rua que é a saída da prefeitura de Araçatuba era a porteira do sito de casa, e atrás da delegacia, tem uma casa meio torta com relação a rua, que é a casa que meu pai fez. Meu pai acabou vendendo a chácara e montou a pensão em 1952, mais ou menos.
P/1 – Ai você já tinha nascido?
R – Sim.
P/1 – Deixa eu voltar só um pouquinho, com o seu pai conheceu a sua mãe?
R – Foi apresentação. Tanto é que, como o meu avô, de certa maneira, vivia separado da minha avó, estavam batalhando para que meu tio terminasse a faculdade, e meu pai veio pedir em casamento a minha mãe, e minha avó permitiu. Naquela época existia muito miai, que é o olhar. Tinha alguém que fazia o papel de intermediário, o padrinho, que fazia a apresentação. Eu acredito que como o meu avô no Japão fazia cavalaria, minha avó tinha um orgulho de ser descendente de samurais, meu pai, por mais que não tivesse estudo, era um caipira, minha avó acabou dando a minha mãe para casar com meu pai. No caso, a minha mãe já tinha estudo, dava aula de corte e costura. Só mais estudou mais porque naquela época a ideia dos velhos era a seguinte: “para quê dar estudo para a filha? Ela vai ser filha dos outros!”. Então ficavam para fazer serviço de casa. Minha mãe ouviu essa conversa entre meu avô e um primo dele, e ela ficou bloqueada com esse partente, que não deixo que ela desse continuidade no estudo. Eu acredito que por essa coincidência, do meu pai ser dito descendente dos nobres, ditos samurais de Okinawa, e a minha mãe também, coincidentemente acabou facilitando o casamento.
P/1 – E como eles se conheceram?
R – O meu avô materno era administrador da fazenda Dona Ida, em Araçatuba. A dona Ida era uma viúva sogra do Ulisses Guimarães. A filha da dona Ida é a dona Mora, que faleceu com o Ulisses na queda do helicóptero. Pelo fato da dona Ida ser madrinha da minha mãe, ela a presenteou com uma casa. Minha mãe vendeu essa casa para ajudar a pagar os estudos do meu tio no Rio de Janeiro.
P/1 – E como ela conheceu o seu pai?
R – Em Araçatuba.
P/1 – Ela já tinha se mudado para Araçatuba?
R – Já. De Três Lagoas, vieram para Araçatuba. Meu avô era administrador na fazenda dona Ida. Só que foi endossante de compra de algodão de vários patrícios e tomaram vários prejuízos. Ele como fiador, teve que arcar com essa divida e acabou indo para São Paulo, então meu avô e minha avó viviam separados. Ela no interior e ele na capital.
P/1 – Mas quando eles casaram, foram morar em Araçatuba?
R – já moravam.
P/1 – E você nasceu em Araçatuba?
R – Sim.
P/1 – Quando nasceu, vocês moravam na pensão ou no sitio?
R – No sítio.
P/1 – Dos irmãos você é o primeiro?
R – Meu pai morava com a mãe dele e só tinha uma Irma casada, então eram sete irmãos. Quando o meu avô morreu, minha tia mais nova tinha acabado de nascer, tinha um ano praticamente.
P/1 – E você nasceu em que ano?
R – Em 1950.
P/1 – E é o primeiro filho?
R – Primeiro filho e primeiro neto.
P/1 – E tem quantos irmãos?
R – Somos em três irmãos. Eu sou o mais velhos, depois tem o segundo que é arquiteto, e o terceiro.
P/1 – Até quantos anos você viveu nesse sítio?
R – Foi rápido. Logo passamos para a pensão do lado da rodoviária antiga de Araçatuba. Nisso, meu pai e sua família a tinham em sociedade. Como a minha avó dizia ia para a casa dela era o segundo, a partir do momento que os irmãos dele ficaram maiores, ele e minha mãe vieram para São Paulo. Nessa ocasião vieram para o mercado da quarta parada.
P/1 – Quanto tempo seu pai teve a pensão?
R – Ele ficou pouco tempo porque ele logo veio para São Paulo.
P/1 – E você lembra dessa pensão?
R – Lembro porque minha avó tinha pensão e eu ia para lá.
P/1 – Como era?
R – Era dessas pensões do interior. Bem modesto. Minha avó sempre fez este tipo de trabalho.
P/1 – E você ficava lá brincando? Ajudava?
R – Encontrava com os primos, assim. Na verdade eu tenho mais lembranças quando eu vim para São Paulo, com18, 19 anos. Como o meu avô materno ficou doente, meu pai, que tinha uma banca no mercado da quarta parada, assumiu a banca na região da Rua Vinte e Cinco de Março, na rua Cavaleiro Basílio Jafet.
P/1 – Mas você veio para São Paulo com 18 anos?
R – Não não, três anos.
P/1 – Ah, eu entendi 18.
R – O que eu estava dizendo é que a lembrança de Araçatuba é depois da maior idade porque o meu pai tinha um box no mercado da Cantareira, e constantemente nós íamos visitar os agricultores. Nos recebíamos quiabo de Araçatuba, da várzea do Tietê, ai aproveitava e ia visitar os meus tios, que estavam em Araçatuba.
P/1 – E porque seus pais decidiram vir para São Paulo?
R – Por esse fato, da minha avó dizer que o herdeiro da casa seria o segundo filho. E esse irmão do meu pai dizia ao meu pai “olha, você não está vendo que a mãe não quer você aqui? Porque você não vai para São Paulo? O seu sogro está lá”. Então ele veio e começou a trabalhar no mercado da quarta parada, mas meu avô tinha um box de venda por atacado no mercado da Cantareira, e quando ele ficou doente, chegando até a falecer, meu pai assumiu o box.
P/1 – O que ele vendia no box?
R – A principio, como existia uma comunidade muito grande na região da (rodovia) Fernão Dias, a maioria Okinawa, que plantava chuchu e criava porcos, a minha avó, junto com meu pai, foi pedir para que eles mandassem mercadoria, como uma referência para dar continuidade ao trabalho que era do meu avô. Demos continuidade e posteriormente fomos para o CEASA (central de entrepostos e armazéns de São Paulo).
P/1 – Em qual bairro você morava?
R – Morávamos no mercado da rua Cavaleiro Basílio Jafet, mesmo.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Uns quatro anos.
P/1 – E você se lembra dessa casa? Qual casa de infância você se lembra mais?
R – Me lembro dessa casa na Basílio Jafet, era tipo uma casa que alugava os quartos. Então os meus pais viviam em um quarto que aproveitava a cozinha da dona da casa, e os outros quartos eram de solteiros, ela alugava as camas. A casa até era dividida por um muro com a casa da vizinha, eu conversava com o vizinho por esse muro, né. Depois fui morar na Antônio Pais, travessa da Rua Mauá e depois, até eu completar os meus trinta anos, na rua Pajé.
P/1 – Mas qual casa você ficou mais tempo?
R – Na da Rua Pajé. Fui para lá com uns nove anos. É uma lembrança muito marcante porque a Rua Vinte e Cinco de Março tinha comércio de libaneses, na época com tecidos, e todas as ruas com paralelepípedos. Hoje é uma rua de chineses. Ainda hoje a gente se lembra daqueles bebedouros de carroça. Na Rua Pajé tinha aqueles carros F-51. Quando morria um japonês tinham aquelas cruzes no para-brisa. Quando era casamento, o carro ficava todo enfeitadinho com uma flor branca e os taxistas não deixavam a gente nem encostar para não tirar o brilho do carro. Isso do lado direto da Rua Pajé, voltado para o mercado, do lado esquerdo era aluguel de caminhão. Em frente ao mercado da Cantareira existia o aluguel de carroça, a rua era de duas mãos, de paralelepípedo e passava o bonde nas duas mãos. No final da Cantareira, tinha o bonde, que ia para o Jaçanã. Tinham os bondes abertos e fechados, que subiam a Rua São Caetano. Eu comecei estudando o pré com seis anos na igreja São Cristovão, e o grupo na Rua Prudente de Moraes. Já um pouco grandinho, eu pegava o bonde e descia em frente a estação da Luz, e entrava na estação pra ir pegar coquinho. Enchia o bolso e ficava chupando na escola. A maior lembrança eram aqueles lanches que tinham. Ou de carne louca ou canjica, que eles vendiam, ou a sopa de feijão.
P/1 – Como era na sua casa? Se falava japonês ou okinawense?
R – Entre o meu pai e minha mãe, mesmo que minha mãe fosse nissei – nascida aqui no Brasil, eles falavam o dialeto de Okinawa. A Rua Pajé era metade comercial, metade residencial. Nessa parte comercial existia uma escola de japonês, foi ali que, por uns seis anos, eu aprendi japonês. O estudo dali que me deu base para que posteriormente eu prestasse uma bolsa de estudos para ir para o Japão.
P/1 – Quais que eram as suas brincadeiras de infância?
R – Primeiro jogar futebol nas ruas de paralelepípedo. Quando a policia vinha, saia todo mundo correndo. Talvez nem corressem atrás da gente, mas só pelo fato de ser polícia já assustava. Outras são brincadeiras de rua, como “mãe de rua”. Ficava um moleque no meio da rua e os outros tinham que passar pulando só em um pé. Se aquele que estivesse no meio encostasse naqueles que pulavam, tinha que ir pro meio da rua e ia tentar pegar os outros. O outro era de pegar de poste em poste, a pessoa ia lá e, se fosse pego, ficava como prisioneiro. Também brincava de esconde-esconde. Uma das coisas que era diferente, quando tinha obra civil, que tinha areia, você ficava na areia brincando, ou se não, ia no parque Dom Pedro pegar peixinhos nas poças que tinham lá, nos tanques. Nessa época, o rio Tamanduateí era todo gramado na lateral, existia um tabuleiro. Você ficava lá escorregando e voltava todo preto para casa.
P/1 – Com quantos anos o senhor entrou na escola?
R – Nessa época tudo em São Paulo era perto. Fui a escola São Cristovão com seis anos anos. Depois grupo escolar Prudente de Moraes.
P/1 – E você gostava de ir a escola?
R – Ah sim. Era um padrão. Íamos a escola em muitos amigos. A rua Antonio Pais era uma vilinha, e muitos daqueles meninos e meninas daquelas vilinhas e prédios lá, estudavam comigo na igreja São Cristovão. Depois fomos todos para o grupo escolar. Em São Paulo existe hoje a Liberdade como bairro japonês, mas existiu o mercado Cantareira, com um grande número de okinawanos. Você vê tintureiros japoneses na Lapa e okinawanos na Freguesia do Ó. Você vê uma grande comunidade japonesa em Mogi das Cruzes, e uma grande comunidade okinawana em Suzano. Então existia esse diferencial. Na minha idade existia o pessoal mais velho, que já trabalhava no mercado e iam brincar na liberdade. Quando chegou na minha fase, começaram os bailes e bringas. A nossa sorte é que, por mais que o pessoal da Liberdade fosse briguento, não encostavam a mão em nós porque se não eles apanhavam dos grandes. Éramos protegidos pelo pessoal.
P/1 – E você tem alguma lembrança das professoras?
R – Ah sim! Tem a professora da igreja São Cristovão. Tinha a professora Alice, do terceiro ano do grupo, que morava aqui no Paraíso, ela falava tanto do Paraíso. Tem uma outra, que eu esqueci o nome. No ginásio, tinha o professor guerra. Enfim.
P/1 – Porque esses professores marcaram?
R – Porque eram muito acessíveis.
P/1 – Quem exercia autoridade na sua casa, seu pai ou mãe?
R – Olha, como eu sempre falo, a mulher é dona da espiritualidade, e o homem a razão. Então autoridade era do pai. Ele teve uma educação bem rígida, e minha mãe era a que se virava. Se hoje nós temos alguma coisa, foi graças a minha mãe. Ela era intuitiva. Meu pai falava: “olha, tem um negocio assim” e ela falava “compra!”. Ele ia lá em pum! Os imóveis que a gente tem, foram adquiridos graças a minha mãe. Na primeira propriedade nossa, o rapaz queria que meu pasi fosse endossante de uma dívida dele. Ai minha mãe falou “não. Pergunta se ele não quer vender o sítio dele”. Ele tinha duas propriedades, uma de três alqueires e uma de dois, a de dois era herdada do pai. Não era melhor vender a propriedade do que ter o meu pai com endossante? Posteriormente meu pai comprou a propriedade dele e de outras pessoas.
P/1 – Ele conseguia fazer dinheiro com o negócio dele?
R – Olha, o marcado da Cantareira,assim como o CEASA, você vê que não tem muito japonês, por conta dos altos e baixos. Você tinha que emprestar dinheiro para o lavrador, não tinha condição de cobrar juros e o fiado era tudo na base da boa, então todo box tinha uma pilha de chegues sem fundo e dividas para cobrar. A minha mãe era quem corria. Se faltava dinheiro ela pedia dinheiro para os parentes. Tem até uma prima dela, que mora na Rua Cantareira, que ajudou muito a gente. Ela fazia um serviço que você nem pode imaginar. E fazia isso criando os três filhos dela, comprando a casa, indo para o Japão passear, para o peru, tudo isso vendendo alho na feira. Minha mãe apresentou este serviço a ela quando ela chegou do Japão. Ela descascava alho e vendia naquelas caixinhas. Vendia também orégano, nos moscada. Carregava a caixa na cabeça e ia para a feira. Posteriormente o filho mais velho dela, que se chamava Nabi, comprou um caminhãozinho. Eles ajudaram muito a gente.
P/1 – Vocês tiveram algum tipo de formação religiosa?
R – Olha, no Japão existem dois caminhos: o espiritualista e o religioso. Okinawa é espiritualista, diferente do Japão continente, que é budista, ligado a religião. A religião é uma hierarquia vertical e como toda religião, é uma instituição. Você pode ver que o comportamento de Japão e Okinawa é diferente. As pessoas no Japão são cheias de abaixar a cabeça, por conta da reverência à hierarquia, entendeu. Okinawa tem o primitivo, essa função espiritualista, que vem das mulheres. Por esse motivo não existem espíritas homens, são sacerdotisas e espíritas mulheres. O espírita faz essa função de amparo familiar. O Okinawano considera que o espírito não morre, continua vivo e mais tarde retorna para o seio da família, para sua raiz. A casa do mais velho da família vai se tornando o centro do clã familiar. Então essa relação com a ancestralidade é muito profunda.
P/1 – Então a sua família era espiritualista?
R – Isso mesmo.
P/1 – E existia algum templo?
R – Era a própria casa. Tanto é que o budismo, xintoísmo e catolicismo não vingaram em Okinawa. Lá, por conta da adversidade da natureza, as pessoas se aproximaram, criando um espírito de solidariedade. Tanto é que o túmulo da família, que é encostado no morro, não é de uma família, é do clã familiar. Mesmo que você não tenha filhos, alguém estará rezando no túmulo do clã familiar. Muitos imigrantes que vieram para o Brasil, por ser filho mais velho, pedia para que suas cinzas fosse levada de volta para o Japão. Existe a urna funerária, que é sentada como se estivesse no útero da mãe, e existem as casas do tronco familiar. Por exemplo, um tronco familiar de sete gerações, se você somar todos integrantes dessas sete gerações, dá 127 pessoas, pertencentes a um único clã. Ou seja, quase que toda a vila é parente. Por isso que eu digo, o budismo é uma hierarquia vertical, ele só está vendo você, no espiritismo não. Então nós temos cara de japonês, sangue de japonês, mas no Japão, não somos japoneses, somos descriminados. O próprio japonês quando saio do Japão, já não volta no mesmo contexto. Em Okinawa não, você pode ser preto, branco, o que importa é o seu sobrenome. Essa ancestralidade permanece viva, sendo a casa do pai o grande santuário. Quando o catolicismo entrou em Okinawa, o Okinawano não virou católico, mas quando entrou no Japão, o japonês virou. Por quê? Porque você trocar Buda por Cristo, é trocar um por um. Mas em Okinawa o santuário é a própria casa, todas as pessoas ligadas vão até lá rezar para os antepassados. Como você vai tirar esses santuários e colocar um só, para Cristo ou Buda? O próprio xintoísmo em Okinawa, você não precisa ir a um templo, você vai para o bosque, os bosques sagrados que tem em cada vila. Já no xintoísmo japonês você é obrigado a sustentar um monge, e Okinawa não tinha dinheiro para sustentar esse pessoal, então a religião se originou em uma forma mais primitiva. O imigrante Okinawano vindo para São Paulo, se tornou católico, mas esse católico sem deixar a tradição espiritualista de lado.
P/1 – Então na sua casa aqui em São Paulo vocês rezavam para os ancestrais?
R – Rezava fazendo o pai nosso . Os avós não estavam nem ai, bastava rezar para os antepassados que estava bom.
P/1 – E comida, tinha alguma coisa típica na sua casa?
R – Olha, Okinawa tem uma comida muito mais natural do que no Japão, não usa muito sal e conservas e se come carne de porco, muita alga e peixes. NO Japão come-se apenas o pernil do porco, em Okinawa come-se tudo, de cabo a rabo. Se você pegar um cabrito, faz uma sopa, igual o índio brasileiro. Quando aquele índio no Rio de Janeiro matou aquele Frances, ele não fritou, ele cozinhou, né. O okinawano faz a mesma coisa. Até o couro do cabrito se aproveita. Cozinha tudo e faz um sopão. Então a comida brasileira foi bem aceita no meio okinawano.
P/1 – Você trabalhava com o seu pai? Tinha desejo de se formar, fazer alguma coisa?
R – Eu trabalhava sim. Tanto é que me formei em engenharia a noite, em Mogi das Cruzes. Desde quantos anos você trabalhava? AH, desde o começo! Desde o ginásio eu já lançava as notas que vinham dos lavradores. A minha casa ficava cheia de gente, que vinha fazer o acerto de contas. Tanto é que você vê as minhas fotos, e eu estou sempre sem meia. Minha mãe não tinha nem tempo de colocar. Ela acordava as duas da manhã, abria o mercado da Cantareira e trabalhava até dez da manhã. Chegava em casa e já tinha gente para fazer o acerto das contas. Ainda tinha que fazer o almoço. Muitas vezes meu pai viajava para o interior para buscar mercadoria e ela ficava sozinha, para dar conta de tudo. Ela foi muito batalhadora, junto com o meu pai.
P/1 – E você ajudava?
R – Ajudava. Lançava notas e tal.
P/1 – Você tinha algum desejo de se formar?
R – Ah sim! No começo eu ia fazer medicina, como o meu tio. Mas em 1970 o meu pai assumiu uma papelaria na rua Senador Guedes, com um sócio do meu tio. Ai teve que assumir a papelaria, ajudar o CEASA, sítio. Então não tinha sábado e domingo. Se eu fosse num baile e voltasse as quatro da manhã, seis horas, sete horas eu já estava saindo para visitar lavrador com o meu pai. Isso fez com que eu tivesse convívio com as dificuldades da vida. Visitava as casas de pau a pique do lavrador, ou ainda umas que tinham em Indaiatuba, feitas com caixa de leite pasteurizado. A própria evolução da cidade, através do parque Dom Pedro, bonde, carroça.
P/1 – O que o senhor fazia para se divertir quando era adolescente?
R – Como eu convivia muito com o meu pai, até os 20, 21 eu não fazia muita coisa. A partir disso, reencontrando aqueles velhos amigos que moravam na Rua Antônio Pais, comecei a frequentar o JAAP (Juventude Alegre da Antônio Pais). Nessa época eram os anos 70, com Beatles e coisa e tal, e eu comecei a frequentar os bailes. Nessa época havia muita briga. Eu nunca arrumei briga, era o mediador. Isso fez com que esse papel viesse acompanhando toda a minha vida até agora. Além da minha atividade como engenheiro e comerciante, eu passei a participar como dirigente da associação na comunidade de Okinawa.
P/1 – Com quantos anos você entrou para a associação?
R – Em 1978, na inauguração, como eu era engenheiro.
P/1 – Vamos voltar só um pouquinho. O que é a JAAP?
R – Um grupo de futebol, de bailes, né.
P/1 – Onde eram os bailes?
R – Era no Clube Para Todos, na praça Marechal Teodoro, tinha na Sociedade da Cultura Japonesa, na Casa de Portugal, no Clube Rachaia, no Clube Atlético Ipiranga, onde tinham grandes carnavais.
P/1 – E o senhor já tinha namorada? Tinha se apaixonado por alguém?
R – Ah sim! Porque ali era o seguinte, enquanto o pessoal ficava bebendo para arrumar briga, naquele bar na Senador Queiroz, eu e mais uns dois amigos íamos lá no salão negociar o convite. Falava: “olha, nós vamos ficar com cem convites. Quanto custa? Dez reais? Faz por cinco, por seis”. Ai, quando vinham os briguentos, que mais ficavam na porta do baile cozinhando, vendíamos o convite mais barato, e para alguns, mais caro. Quando o pessoal entrava no baile, tinha aquele briguento que não pagava de jeito maneira, então eu dava o convite de graça e lá dentro eles pagavam pinga com groselha, pinga com limão. Era até bem divertido porque com pinga com groselha, quando o pessoal começava a vomitar, lá pela uma hora, achava que estava vomitando sangue . E olha que quando tinha briga, ninguém conseguia entrar para apartar. E eu e mais uns amigos conseguíamos. Ninguém dava cadeirada na gente, nem jogava garrafa, porque nós éramos aqueles que quebravam o galho na porta, fazíamos isso e aquilo, isso durante a minha juventude. Foi uma base que me fez criar uma base muito grande entre as pessoas. Aproveitei muito bem.
P/1 – Porque você decidiu fazer engenharia?
R – Como eu assumi tanto o CEASA quanto a papelaria, o que aconteceu? Não tinha mais tempo. Já tinha fugido da ideia de fazer medicina. Na época, o único lugar que tinha engenharia noturno era em Mogi. Então acabei fazendo engenharia lá.
P/1 – E porque engenharia?
R – Foi uma opção. Desisti de medicina e falei: “ vou fazer engenharia que é melhor”.
P/1 – Mas você já conhecia algum engenheiro?
R – Não não.
P/1 – E como foi o período da faculdade?
R – Eu era do noturno, então ao invés de fazer em quatro anos, fiz em seis. Era primeiro a engenharia operacional e depois o complemento da engenharia normal. Fiz estágio na construtora Veloso de Castro e quando fiz este estágio, tive oportunidade de prestar concurso para ir para o Japão, na província de Okinawa. Passei e fiquei dois anos na província de Okinawa. Fiz estágio por um ano na universidade federal, e fiquei mais um ano e meio como estagiário. Interessante que lá em Okinawa eu acabei conhecendo a minha esposa e casando em meados de 1982.
P/1 – Como você conheceu ela?
R – Ela também dava aula de espanhol e de japonês para os estagiários. Nos conhecemos e em meados de 1982 voltamos para o Brasil. Mas antes disso visitamos toda a Europa.
P/1 – E como foi esse período de estágio?
R – Eu fui comprar um guarda-chuva para o meu pai, para a nossa loja no CEASA. A nossa loja era do lado direito da Rua Senador Queiroz, do lado da bolsa de cereais. De frente existia a loja de um amigo meu, chamada Arine. Esse amigo tinha feito japonês comigo. Eu atravessei a rua e estava lá o pai e a mãe dele. Eu encontrei com os pais dele e perguntei para ele se o período que esse meu amigo ficou no Japão valeu a pena, porque quando eu perguntei ao meu amigo ele não sabia dizer se tinha valido ou não. Eles disseram que valia sim, que era assim, assado. Na ocasião eu namorava uma menina japonesa e já era formado engenheiro. Esse amigo falou “olha, você é diretor da associação Okinawa, não está sabendo desse exame de bolsa?” eu falei: “ah, o pessoal lá fala tudo em japonês, não to sabendo de nada!”. Ai ele me disse que faltavam dois dias para encerrar as inscrições, que estava bom para eu ir lá me informar. Fui perguntar na associação, para um secretário chamado Nakaraha, que me falou que eu tinha que prestar o exame, que mesmo com a língua japonesa ainda meio ruim, eu deveria largar de ajudar o meu pai e ir para lá, rodar o Japão todo, passar pela Europa, pelos Estados Unidos e depois disso sim, eu poderia casar, que a minha vida iria mudar. Eu pensei “trouxa por trouxa, deixa eu prestar esse exame!”. Prestei, passei e de 1978 a 1980, que era para eu ir para o Japão, eu era apenas um diretor ouvinte, convidado, e participava do departamento e jovens. Até para mim foi bom, tinha interesse em conhecer melhor a cultura japonesa e os pais porque no Brasil existia um diferencial: os japoneses da província falam a língua de Okinawa. É considerado um pouco diferente do japonês. E eu não entendia isso. Quando conhecia uma menina, logo a mãe já falava, “olha, você Okinawa, Okinawa San”. Porque japonês tem esse costume, né. Esse San é como uma reverência, como senhor, mas ao mesmo tempo quer dizer produto da terra. Ou seja, quando os pais ouviam isso, ficavam loucos da vida, era como se fizesse pouco caso. E participando da comunidade, você vai entendendo uma série de coisas, o que eram os acontecimentos dentro da colônia, a formação as associação Okinawa.
P/1 – O senhor ainda tinha parentes em Okinawa?
R – Tinham as irmãs dos meus avós e as cunhadas deles.
P/1 – Ai você teve contato com eles lá?
R – Tive. Foi até bom, porque eu fui um dos únicos a conhecê-los.
P/1 – Como foi a formação da associação aqui no Brasil?
R – A imigração japonesa aqui no Brasil foi de 871 imigrantes, sendo que 335 eram de Okiwana, 42%. Só que tudo o que acontecia de errado, era culpa do Okinawano. O imigrante japonês veio para o Brasil em 1908, quando chegou, em junho, a produção de café já tinha ido embora, a colheita já estava no final. As pessoas já vieram sem dinheiro, e o pessoal de Okinawa, quando veio, deixou o dinheiro com o chefe da delegação, que gastou o dinheiro para pagar as taxas de embarque. Chegando no Brasil, esse pai da imigração, achando que o Brasil já iria pagar a passagem, não teve como devolver o dinheiro para os imigrantes. Chegando nas fazendas, todos os bichos que entravam na unha do imigrantes, as comidas, diferentes, costumes diferentes e sem dinheiro, os imigrantes começaram a debandar. A fugir das fazendas. Em seis meses da chegada, sobrou apenas 191 pessoas. Só que a culpa caiu tudo sobre o imigrante de Kabashima e Okinawa, os dois do sul do Japão. Falavam que eram eles que fugiam. Então por um bom período, o imigrante de Okinawa não pode vir para o Brasil, a não ser que algum parente chamasse. Então o que acontececeu: aqui no Brasil, somos 10% dos imigrantes. Na Argentina e no Peru, são cerca de 70% da comunidade japonesa. Embora hoje se considere que metade dos imigrantes okinawanos espalhados pelo mundo estejam no Brasil. Como diziam que o okinawano fazia o povo japonês passar vergonha, que saia das fazendas e ia vender verduras descalço e tudo mais, foi criada a associação Brasileira Okinawana em 1926.
P/1 – E você entrou em que ano?
R – Em 1978, na inauguração da cede central, porque antigamente era no mercado da Cantareira, na Rua Pajé. Depois mudou para a Rua Senador Queirós. Depois venderam, e mudou para a Rua Tomás de Lima, na região central. Apesar de que no centro de São Paulo, a comunidade okinawana praticamente não existe, mas é lá o burburinho de toda a comunidade japonesa. Então a cede da comunidade foi estabelecida na liberdade, sendo que em São Paulo temos 22 associações.
P/1 – E porque você decidiu entrar para a associação? Seu pai fazia parte?
R – Meu pai nunca fez parte. Só começou a participar quando eu comecei.
P/1 – E porque você decidiu participar?
R – Para entender o meu pai, o comportamento dele e dos outros, e depois a gente vai entender que é tudo igual! Cabeça dura! . Você fala de um jeito, e eles vão tudo ao contrário. É o choque cultural.
P/1 – E o que a associação fazia?
R – Ela tem danças de Okinawa, toma uma manifestação cultural e representa a comunida de Okinawa nesse intercambio Brasil-Okinawa. E dentro da comunidade japonesa, essa cede central é quem representa.
P/1 – Depois vamos voltar neste ponto porque o senhor chegou a ser presidente de lá, não foi?
R – É. Havia uma pressão muito grande em cima dos jovens. Antigamente eram só os velhos, o departamento feminino de senhoras e jovens. A gente era obrigado a ir de terno e só se falava em japonês. Em 1980, como eu sofri muita pressão, durante dois anos e meio eu fiquei pensando no Japão em como organizar a sociedade de descendentes aqui no Brasil. Em 1982, quando eu voltei, o presidente da região central me indicou para a presidência, dessa vez já oficialmente sob indicação. Ai, o presidente da associação me pediu para criar o departamento dos jovens, reorganizar, na verdade. E pensei: “dessa vez eu não vou fazer de jovens, vou fazer de meia idade”. Existe um diferencial no comportamento das pessoas, e existe um grupo isolado, que é o grupo de meia idade. Esse grupo é o seguinte: o imigrante aqui no Brasil, depois de trabalhar na lavoura, tomava um banho esperando a mulher fazer a comida e descarregava um litro de pinga. No final da noite perdia a cabeça querendo voltar para o Japão, mas em dez anos, já tinha feito dez filhos. Se as pessoas vieram com 17, 18 anos, aos 45 já tinha filhos de 24, 23, 22, 21, tinha mais de dez pessoas na casa trabalhando. E quem era o porta voz do pai? O filho mais velho, que já estava casado. E os outros filhos, falavam com o pai com sim e não, não se envolvia muito. Então começou a se criar um paralelo na família, entre pais e filhos, e quem fazia esse papel, era o filho mais velho, que deixou de estudar, para fazer com que os mais novos estudassem. A partir do momento que os netos começavam a nascer, os velhos saiam para a rua para ver o que os outros estavam fazendo. Ai começa a se criar o Tanomoshi, um grupo de 10, 15, 20, todo mundo traz o dinheiro e essa pessoa não paga juros os as despesas. Todo mundo ajuda e todo mês uma pessoa é auxiliada. É uma ação solidária entre amigos. Também, posteriormente, a associação foi criada para dar amparo a comunidade. E o que aconteceu? A principio essa comunidade ficou só na mão dos velhos, muitas vezes isso acontece até hoje. O sócio as vezes não é o filho neto, e sim o vovô. Então o vovô sendo sócio, os outros filhos não precisam ser. Nesse aspecto, o filho que estava estudando e queria participar da sociedade ouve do pai ou do avô que não ia participar, porque precisava estudar, porque para eles, quem participava da sociedade, era burro como eles, que precisavam fazer coisas para os outros. Então esse pensamento não deixava a participação dos filhos na sociedade. Quando eu voltei do Japão disse que haveria necessidade de chamar esses nissei idealistas que eu só encontrava em casamento, enterro e aniversário. A outra nova proposta era fazer uma reunião de homens e mulheres junto, porque se fosse um casal, por exemplo, e só o marido fosse, a mulher não ia gostar que ele saísse depois das reuniões para tomar uma cervejinha, por exemplo. Agora, se ambos começam a participar, essa atividade começa a ser mais efetiva e é muito mais fácil você puxar as pessoas para participar da sociedade, criando-se um grupo, que hoje é a base da sociedade Okinawa, que são os nisseis que hoje participam da diretoria da associação. Então até 1980, os diretores da associação de Okinawa eram aqueles que vieram antes da guerra de 1945. Depois de 1980 até 2005, foram os que vieram pós guerra, a partir de 1957. Então aquilo que os filhos mais velhos deveriam assumir, vieram jovens imigrantes do Japão para o Brasil. Esses jovens sabiam ler e escrever e tinham, prioritariamente, a função de assumir a diretoria da associação de Okinawa. E eu, participando de 1978 até agora, quando chegou 2005, pela primeira vez um nissei assumiu a presidência da associação Okinawa, que é meu amigo, e ficou de 2005 a 2010. E eu, o que aconteceu? Era presidente do centro cultural Okinawa de Diadema em 2005. Como as duas associações trabalhavam em conjunto, em 2006 eu peguei e falei para o meu amigo para juntarmos as duas. Então, a partir de 2009, 2010, foi feita a integração. Não desmanchamos a sociedade, mas o sócio da associação de Okinawa é o sócio do centro cultural, sendo a presidência também em comum. Então a partir de 2008, 2009 e 2010, o meu amigo ficou como presidente, e agora, em 2012, assumi eu. Meu amigo, vem me prestigiando desde a época de 1978, Jorge Taba.
P/1 – E como foi o período da bolsa no Japão?
R – Foi muito intenso. Como desde a inauguração da associação Okinawa eu convivi com a diretoria e ajudava todas as autoridades japonesas que vinham para a associação aqui no Brasil, quando eu cheguei lá, tinha amigos em todo lugar. Eu nem precisava marcar hora para encontrar com o governador e com o prefeito, ia lá no gabinete e entrava direto. Tanto é que eu chamei uns 150 amigos que estudavam em outras províncias do Japão para vir conhecer Okinawa, através dessa facilidade que eu tinha. Isso fez com que o meu interesse aumentasse muito mais.
P/1 – Mas você foi estudar a cultura ou fazer estágio de engenharia?
R – Fiz dois anos e meio de estágio em engenharia.
P/1 – E foi bom o estágio?
R – Ah sim! Fiz ótimo. A minha família tem uma empreiteira lá em Okinawa, então tem muitas obras que eu ajudei a fazer.
P/1 – E a viagem pela Europa, como foi?
R – Essa viagem foi mais conhecimento, né. Quando a minha mulher se formou, ela saiu para a China e pegou o trem trans siberiano, e cortou toda a Europa. Foi parar em Paris, de lá foi para a Espanha e fez graduação em espanhol, na universidade de Madrid. Ela tinha umas amigas lá. Então aproveitamos a vinda para o Brasil e fomos para a Espanha. Lá deixamos as malas e saímos rodando a Europa. Depois voltamos para o Brasil.
P/1 – E ai terminou a faculdade.
R – Não, a faculdade eu já tinha terminado. Já estava até trabalhando.
P/1 – Você estava trabalhando aonde?
R – Na construtora Veloso de Castro, na paulista. Fazia construção de casas. Tinha um amigo que abriu uma consultoria, e eu fui ajudar ele, Antonio Maria de Gonçalves Carvalho. Então, o que aconteceu, em 1983 eu assumo a diretoria, em 1990 fui indicado a embaixador da boa vontade. Só que eu não parei ai. Rodei no encontro com todas as comunidades Okinawa. Tinha encontro em Los Angeles, Paris, Tailândia, foi para lá fazer esses encontros.
P/1 – E vocês falavam em Okinawês?
R – Japonês, inglês, espanhol com os latino americanos. E em 1995 fui indicado embaixador da boa vontade porque uma vez, esqueceram o governador no hotel. Como existiam duas comunidades, o centro cultural e a comunidade Okinawa, uma pensando que o outro ia levar o governador para jantar, acabou ninguém levando, e esse atual presidente, Jorge Taba estava no hotel, pegou, ligou e avisou que o governador não tinha lugar para jantar e me convidou para levá-los. Peguei a comitiva dele e levei para o terraço Itália, ai mostrei a cidade de São Paulo e disse, “olha, essa cidade deve aos imigrantes, e nós, da comunidade de Okinawa, devemos muito aos nossos avós, que através da história e sentimento okinawano permanecem na comunidade”. E ai disse que na Argentina existem 18 nisseis mortos pelo governo militar, que sumiram, até hoje ninguém sabe aonde foram parar, no Peru, tinha um general que era okinawano, alguns ministros, nos Estados Unidos também, então falei: “governador, porque não juntar os nisseis de todos os países, cada um falando a sua língua?”. E ele disse: “pode deixar que eu vou fazer”. Ai, em 1988 ele me disse que em dois anos o projeto ia sair. Então o Jorge e eu fomos indicados embaixadores da boa vontade. Foram 15 indicações no primeiro encontro. Então eu comecei a pegar amizade com os americanos, havaianos, e em 1995 foi indicado embaixador da boa vontade o Bob Nakazoni, secretário de desenvolvimento na cidade de Honolulu. E em 1997 em resolve fazer uma conferência mundial lá no Havaí. Como em 1994 eu participei da inauguração da comunidade Okinawa da Argentina, veio o embaixador lá de Los Angeles, ele viu o Brasil e disse, “olha, o Brasil é o melhor lugar do mundo para o Nikkei porque vocês pensam que os Estados Unidos é bom, mas lá todo mundo trabalha de empregado. Aqui no Brasil vocês são pequenos comerciantes, mas são independentes. É mais fácil ser cabeça de sardinha do que rabo de tubarão, vocês tem mobilidade e a família é calorosa. Nos Estados Unidos, o jovem completa maior idade e sai do convívio familiar. O pai para conversar com o filho precisa marcar hora. No Brasil não, os netos convivem com os avós, isso torna a relação mais quente”. Em 1997 como esse havaiano começa a fazer esse encontro, esse norte americano pediu para levar os norte americanos. Então eu convidei os ex bolsistas da Bolívia, do Peru, da Argentina, e levei mais sete empresários do Brasil. Quando eu cheguei, o norte americano me disse que tinha lá alguns empresários japoneses, mas que ninguém tinha essa imagem da integração mundial, e que o próximo encontro deveria ser no Brasil. E fomos lá! Se na época eu tivesse trazido a discussão para a diretoria do Brasil, até hoje não teria resolvido. Eu tinha levado o presidente da Transkuba, de ônibus, os empresários de confecção e auto peças. Em 1998, com 90 anos da imigração japonesa no Brasil, teria uma comemoração e eu integrei as duas coisas. Aluguei o anfiteatro do banco América do Sul, na Avenida Brigadeiro Luis Antônio, pedi uma colaboração para os donos da Pan, os ônibus consegui com a Transkuba, pedi para que as pessoas ajudassem no jantar e nas recepções e acabei fazendo o encontro. Foi formado o AWOBA, Award World Business Association, com 22 cedes no mundo. Em 1999 foi feita em Los Angeles, comemorando também 90 anos de imigração por lá. Em 2000 foi em Okinawa, em 2001 em Tóquio, em 2002 na Bolívia, 2003 no Havaí, 2004 na Argentina, em 2005 em Osaka, onde eu assumi a presidência internacional. Presidi o congresso da AWBA no Peru, em 2006, 2007 em Pequin e em 2008 fizemos no Brasil, junto com a comemoração centenária da imigração Okinawa no Brasil. Ai eu já era presidente do centro cultura e presidente internacional. Em 2009 e 2010 fiquei como vice presidente da associação e em 2011 e 2012, assumi a presidência da associação. Nesse período eu representei o Brasil no centenário de imigração em São Francisco, Los Angeles, 90 e 100 anos da Argentina, 50 anos da Bolívia, 100 anos do Peru, todos os cinco encontros mundiais que tiveram com o Japão eu estive como palestrante, e a minha satisfação foi nesse último encontro, representando a associação de Okinawa no Brasil, levando 1200 pessoas a Okinawa, foi a maior delegação.
P/1 – É mesmo?
R – É. Ai fui convidado a fazer o encerramento do encontro mundial. Neste encerramento, quebrando a cabeça sobre como fazer o meu discurso falei, “Sade de uma coisa? Vou fazer no dialeto de Okinawa”. Nem o okinawano consegue mais falar esse dialeto, por conta da aculturação do Japão. O pessoal ficou tão emocionado que até choravam, depois todo mundo veio me abraçar.
P/1 – E o que eu você falou?
R – Cumprimentei as pessoas e falei: “hoje este estado está no mundo, e tudo isso conseguimos a uma coisa só, o sentimento Okinawano. Eu tenho certeza que cada um, que veio de tão longe, ao pisar nesta terra, sentiu uma emoção tão grande, em saber que estava voltando para a sua terra natal. E é por isso que eu sinto que essa terra é a terra dos Deuses, onde existem os espíritos dos nossos ancestrais. Eu gostaria de coração, agradecer primeiramente ao governador de Okinawa, toda a comissão organizadora, os prefeitos, autoridade e moradores locais que, tão calorosamente, nos receberam aqui. Então, em nome da comunidade eu queria brindar. Teve uma pessoa que falou: “pô, você disse que aqui é a terra dos Deuses, até parou de chover!”. Então foi interessante. E como a partir de 1983 eu sempre fiz as palestras por todo o Brasil, fiz duas palestras na Argentina, duas na Bolívia, duas no Peru, uma em Los Angeles, fora as do Brasil. Fiz dentro de um transatlântico que foi para o Rio, com todo mundo lá, apresentando a cultura de Okinawa. Depois, o que eu considero uma realização grande, foi a minha ida, como presidente da associação de Okinawa, levando a bandeira trazida pelo primeiro imigrande, que é o avô do meu tio. Ele fez uma bandeira japonesa com pano e desceu do navio com aquilo. Tá tudo enferrujado. Eu levei essa bandeira para o Japão a pedido desse imigrante e olha, fizeram exposição e tudo mais, ai tive que fazer palestras. Fiz na cidade de Uruma, em Nago e ai, fui fazer também no museu nacional de Okinawa. Lá estavam os havaianos, e até a apresentadora acabou chorando, porque eu fiz o memorial de Diadema para preservar essa memória. Em 2007, quando teve aquele encontro na China, eu aproveitei e fui para Okinawa por conta própria, e como a minha relação com a comunidade é antiga, o chefe do departamento de relação exteriores me recebeu e eu disse que queria montar um memorial no Brasil. Hoje aqui, muitos estão jogando os santuários da família fora, desfazendo dos túmulos ou entregando nos centros budistas, enfim. Não sei o que pode acontecer, mas no futuro, vamos sentir essa necessidade. Foi isso que eu contei lá no museu.
P/1 – Onde fica o museu?
R – No Japão, mas eu estou montando o memorial aqui em Diadema. Esse memorial é o seguinte, como muitos nisseis estão se desfazendo do santuário da família, eu montei um histórico. Antigamente as sacerdotisas eram mulheres. Então a mulher tem uma força muito grande porque o homem precisa da espiritualidade da mulher para se fortalecer. O homem esquece de tudo, quem lembra é a mulher. E o homem solteiro também não faz nada, precisa da mulher. E a mulher precisa ter uma referência, que fortalece a sua espiritualidade, e isso fortalece a família. Antigamente elas se rezavam em casa. Hoje, criaram-se instituições religiosas que te tiram de casa, mas o que acontece: antigamente se puxava com a enxada e fazia agricultura. Tomava-se café da manhã, almoço e jantar junto. Hoje inventaram o carro e o telefone, melhorou a mobilidade, você começou a trabalhar mias longe e deixou de fazer as refeições junto. De repente o mundo atual virou materialista, e começamos a colocar tudo na balança. E tudo que é material é fluido. Quanto vou ganhar? Qual a vantagem que vou levar? Você vê a diferença entre os nossos avós e nós, né. Havia doação, mas hoje, é melhor você chamar um feirante do que um doutor para jantar. O doutor come e não põe a mão no bolso para pagar, mas o feirante é o primeiro a dizer “deixa que eu pago”. Ele não tem tanto poder aquisitivo quanto o doutor, mas ele tem essa coisa de se doar. Então as rezas que antes eram feitas em casa, passaram a ser feitas nos templos, as comidas passaram a ser feitas em Buffet. Você já não conversa comas pessoas, apenas manda e-mail. Tanto é que a venda de cartões de natal diminuiu. De repente, você conversa com o mundo, mas está perdendo o que está perto. Está acontecendo o isolamento das pessoas. No futuro, a volta a família vai ser necessária.
P/1 – Então esta é uma discussão muito forte na sociedade Okinawa?
R – Sim. E para integrar esse futuro, estamos fazendo o memorial para preservar a história.
P/1 – E esse projeto de captação de depoimento está dentro disso.
R – Isso. Então, estamos levantando o nome de todos os primeiros imigrantes, os patriarcas. Depois os memoráveis, aqueles que fizeram por voluntariado, como presidentes de associações, e os destaque – aqueles que se destacaram na comunidade, porém ganhando, né. Prefeitos, deputados, né.
P/1 – E quem é que mantém a associação?
R – Temos sócios e também por doações.
P/1 – E o governo de Okinawa dá algum dinheiro?
R – Não.
P/1 – E você foi remunerado por esta atividade?
R – Pelo contrário, eu pago. Por exemplo, eu vou fazer um evento, eu como presidente, sou o primeiro a pagar. Porque as pessoas veem com quanto cada um ajudou. Por exemplo: “ah, ele ajudou com quinhentos, eu também vou ajudar com quinhentos”. Não é porque você é diretor que você vai ficar no “bem bom”. Eu fui para o Japão, para os Estados Unidos, tudo do meu bolso. Quando vamos em um jantar, a sociedade não paga nada, cada um paga o seu, mesmo porque, se pagar, acabou o dinheiro.
P/1 – Então em paralelo a isso, o senhor manteve o seu emprego de engenheiro?
R – Isso mesmo. Engenheiro e assessor político.
P/1 – Você manteve o emprego naquela construtora?
R – Depois eu fui para outra. O meu pai faleceu e eu comecei a assumir o serviço dele.
P/1 – O seu pai tinha o que?
R – Box no CEASA. Quando ele faleceu, em 1987, eu entreguei para o antigo funcionário da empresa, para ele dar continuidade.
P/1 – E a papelaria?
R – O meu tio continuou e depois ele fechou. Porque veio a loja Kalunga e as grandes empresas deixaram de comprar em papelaria, compram tudo lá. Naquela época da alta inflação, o meu pai vendia mercadoria mais barato que a fábrica. Quando a mercadoria chegava, ficava com o valor baixo, ai a Kalunga colocava uma margem de lucro menor e saia vendendo por ai. Por isso os pequenos comércios fecharam. Principalmente para nós, que trabalhávamos na Rua Senador Queirós, tínhamos impressos fiscais para pagamento de impostos, e hoje não precisa mais de impresso, sai tudo da internet.
P/1 – E vocês se desfizeram dos negócios do seu pai e foram trabalhar do que?
R – Fui assessorar o Jorge Taba, que virou vereador em São Paulo.
P/1 – Você trabalhou na câmara municipal?
R – Isso. E depois do Jorge, fui assessorar o Ivo, que virou vereador e depois deputado federal. Ai em 2009, começou a dar problema na minha vista e eu aposentei, mas continuei trabalhando na associação Okinawa. Principalmente agora, que a minha vista começa a dar problema, foi o tempo que entreguei o cargo de presidência ao Jorge Taba.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho, quando você volta dessa viagem com a sua esposa, vocês vêm para São Paulo e vão morar aonde?
R – Primeiro na Rua Cantareira, depois na Rua Bento Vieira, no Ipiranga.
P/1 – O senhor teve filhos?
R – Uma filha.
P/1 – Em que ano?
R – 1985.
P/1 – E hoje, o que ela faz?
R – Hoje ela trabalha na construtora (pausa), como chama? É aquela que tem maior numero de empreendimentos imobiliários, que na Mooca está fazendo um conjunto residencial grande grande grande...
P/1 – E ai o senhor referiu em um momento que era a sua primeira esposa. Você casou de novo?
R – Sim.
P/1 – O senhor se separou?
R – É.
P/1 – E o seu cotidiano hoje é envolta dos assuntos da associação?
R – É. Quero terminar esse memorial, né. Para manter o objetivo, criar um alinhamento, é a nossa pretensão. Então lá na associação, montei esse departamento de meia idade com bolsistas. Hoje estamos mandando estudantes para o Havaí.
P/1 – Porque na universidade do Havaí?
R – Porque esse meu amigo, que é o Bob Nakazone, ele recebeu uma herança do pai dele e investiu tudo em educação. Como Okinawa era de domínio norte americano e o governo prestigiava o jovem que estudava nos Estados Unidos, onde o ponto de referência era Havaí e depois passou a ser o continente americano. Com a volta de Okinawa ao Japão, em 1972, ele deixou de ter isso, só que com a ida de Bill Clinton a Okinawa, ele reestabeleceu essa bolsa para o Havaí, chamando “bolsa Obuchi”, nome daquele primeiro ministro japonês. E esse meu amigo com essa herança e mais um dinheirinho, abriu esse leque a America do sul.
P/1 – Olhando a sua trajetória de vida, se o senhor tivesse que mudar alguma coisa, você mudaria?
R – Não. Olha, tudo que eu pensei na vida eu consegui. Rodei o mundo por toda comunidade Okinawana, né. Fui para o Japão mais de quarenta vezes, participei dos grandes eventos no Japão, Estados Unidos, America do Sul, então onde você for, na comunidade Okinawana do mundo todo, se perguntar pelo meu nome, todo mundo me conhece. Isso me engrandece muito. E fazendo este trabalho político, eu aprendi muito com a comunidade chinesa. Através da comunidade eu sempre colaborei no hospital das Clinicas e Santa Casa. Muitas vezes o pessoal recorre a gente e a gente encaminha as pessoas, ajudamos muito a sociedade.
P/1 – Tem algum hino em Okinawa?
R – Não. Tem uma música representativa de Okinawa. Então é o seguinte: essa música canta o amor de mãe. Diz que você quando criança pinta a unha com aquela flor vermelha, eu não sei como se chama no Brasil, e da mesma forma que você pinta a unha, deve-se pegar o conhecimento da sua mãe e tingir o seu coração. A estrela do céu você consegue contar, mas o ensinamento da sua mãe você não consegue. O barqueiro sai do mar e a estrela faz o seu caminho, mas você é o caminho da sua mãe. Então essa musiquinha é a mais representativa de Okinawa. Então, Okinawa é o seguinte, desde 1300 começou a fazer intercâmbio através da China, como pais tributário da China, e era fraco, um pequena ilha. Então em 1400 a população foi totalmente desarmada e fazia o intercâmbio usando esse apoio da China, levava cera, porcelana para o sudeste asiático e de lá trazia as especiarias, pimenta, arroz, batata doce, cana de açúcar da China e algas marinhas do Japão, e fazia esse intercâmbio. O Japão estava fechado para o mundo por conta das guerras de samurai. Então o instrumento representativo de Okinawa é a viola de Okinawa, feita com três cordas e couro de cobra. Diferente da viola japonesa, que é remanescente desta de Okinawa, o sanchi japonês você toca, tem tem tem tem tem. O de Okinawa, você é obrigado a cantar. Nesta de tocar e cantar, você descarrega todos esses fluidos que você tem. Então a viola é tocada em momentos de tristeza e de alegria. A edícula principal da casa, onde você deixa as coisas principais da casa, em Okinawa você deixa a viola. Na China é o livro. No Japão, a espada, esse é o orgulho japonês, o domínio. Então a relação de Okinawa com outros países aconteceu sem o uso de arma, tanto é que não se trabalhava com escravos. No período da minha avó, as pessoas vinham todas tatuadas na mão, onde se sabe que aquela tatuagem também representava o local onde a pessoa morava. Através daquela tatuagem você sabia se a pessoa era do sul, do norte ou do meio de Okinawa. Isso porque? Se marcava as mulheres casadas. Essa mulher quando imigrou para o Brasil, era considerada mulher do submundo. Além disso, o Okinawano tem a pele mais morena e é mais peludo. O japonês é branco, sendo que seus primitivos são considerados as pessoas do norte de Okinawa. Então o que acontece, esse também foi um fator de deescriminação por parte do japonês. Em 1608, 1609 quando o Japão começa a abrir as portas para o comercio internaiconal, o pessoal de Kagoshima olha o okinawa, viu que ele não usava armas e o domunou. E na época só não matou o rei do Okinawa, porque se não, não poderia fazer comércio com a China. Então manteve o reinado de Okinawa como uma marionete. Em 1870 acabam os samurais e Okinawa foi incorporado como província japonesa, e a família real levada a Tóquio. Então Okinawa neste tempo, sofreu muito, por exemplo, a segunda grande guerra, quem foi para sacrifício foi Okinawa, onde foi a segunda batalha mais sangrenta. Sabe aquela ilha pequena? Demorou 90 dias a batalha lá. Morreram 254 mil pessoas. Então o que aconteceu: se Okinawa tivesse levantado a mão por um mês de batalha ou menos, ou a tropa americana tivesse desembarcado no continente japonês, hoje as ilhas não seriam do Japão. Por quê? Os americanos vieram até Okinawa, os Russos chegaram, só que eles ficaram de devolver e até hoje não devolveram. Tiraram a população russa e nunca mais vão entregar aquilo para o Japão. Quando Kagoshima invadiu Okinawa em 1608, Okinawa começou a entrar em decadência, primeiro porque em 1500 os navios portugueses já começam a chegar a Ásia. Pra você ter ideia, em 1410, mas ou menos, Okinawa tinha 44 pontos de referência comerciais, por todas as regiões. Uma dessas, por exemplo, como ponto de entrada na China. Tanto é que como a minha família e descendente de samurai, mas samurai de Okinawa, o nosso nome na verdade não seria Yonamine, seria Ko. Então seria Sun Ko, com um radical só, como se fosse passaporte para entrada na China, os antigos mercadores. O Japão aproveitou dessa relação de Okinawa e China para fazer comércios. Por exemplo, sobre o domínio de Kanoshima, houve uma pressão para acabar com a cultura de Okinawa, mas essa pressão não conseguiu porque veio a segunda grande guerra e o americano reergueu esse conceito cultural. Mas Okinawa, com vontade de retornar ao Japão, manteve a educação japonesa. Em 1972 voltando sobre o domínio japonês, a elite de Olinawa começou a mandar os filhos para estudar no Japão, isso porque de 1964 a 1990 ele teve um crescimento muito grande. Estudar no Japão e assimilar a cultura japonesa quebrou esse círculo e houve uma miscigenação. As pessoas de Okinawa começaram a casar com pessoas de outras províncias. Então aquele entrosamento da comunidade passa a ficar mais enfraquecido.
P/1 – Quais são os maiores sonhos do senhor?
R – Como membro de Okinawa, acredito em sacerdotisas e espíritos, como o Brasileiro. O pessoal de lá, 50% vai no médico e 50% no espírita, o brasileiro também. Vão numa benzedeira aqui, outra ali, sabe lá o que vai melhorar. Numa dessas, até uma cunhada do meu avô me levou em uma cartomante que disse que eu teria três fases na vida. Hoje, passado estes trinta e poucos anos, eu começo a reparar, eu tive uma fase muito boa até os 30 anos, né. Depois aconteceu esse negócio na minha visão e eu estou preparando um livro sobre a espiritualidade e as tradição de Okinawa, que todo mundo está esperando porque não entende as coisas. Até estava querendo entrar em contato com a comunidade Judaica para sentir essa coisa que é característica de Okinawa e do Judaismo e hinduísmo e tudo mais. A exemplo disso, outro dia eu estava assistindo um filme sobre o pico da neblina, lá tem um espírito muito aprontão. O nome dele é Maku, que na língua de Okinawa, todo muleque que apronta eles falam que é Maku. Existem coisas que os maias fazem, como a exumação, a visita aos túmulos, que é igual a de Okinawa. O que eu tenho feito afinal, é mostrar que não é nada diferente. Quando eu fui fazer aquela palestra, tentei explicar o que o japonês não consegue. Por exemplo, são 12 apóstolos de cristo, 12 tribos judaicas, 12 símbolos chineses, tudo é 12. E ai o que acontece, o ciclo da vida é de 12 em 12 anos, e o japonês sempre acrescenta um. Porque? São 9 meses de gestação, porém, nos três meses após o nascimento, as pessoas não a tiravam de dentro de casa, porque a medicina não estava tão evoluída. Então no centésimo dia, fazia um aniversário e apresentava a sociedade. E cem dias com nove meses é um ano. E por isso que as pessoas falam que quando o bebê nasce, ele já tem um ano. Aos 13 anos, a menina já está virando mocinha, o judeu faz aniversário de maior idade e Okinawa faz uns bolinhos vermelhos, como símbolo do ciclo menstrual. Então doze vezes dois são 24, com mais um, 25, onde começam os casamentos, com mais 12, 37, onde está aumentando a família. Quatro vezes doze, é quarenta e oito, com mais um, quarenta e nove, começa então o período crítico. Faz aniversário para os pais para espantar os maus fluidos. É onde começa colesterol, diabetes, pressão alta, câimbra, mais 12 anos, 61, mais um, 62, onde a família está mais estável e faz grandes festas, é quando começam os casamentos dos netos. Mais doze, são 73, com mais um 74, onde começam aumentar os netos e com 87 vêm os bisnetos. Então, o que acontece? 12 também é o mês do ano. O ano tem quatro estações, com três meses para cada. Você tem duas vovós, dois vovô, seu pai, sua mãe e você. Olha aqui, esse dedo é mais cumprido. Qual é a nossa relação com a vida? Nós protegendo os nossos filhos e nossos netos, juntamente com nossos pais e avós, nós protegemos a nossa família. Então veja, quando você vai em um vovô pedir a benção dele, tem 97 ancestrais protegendo essa família. Então o pessoal de Okinawa faz oração aos antepassados do dia primeiro ao dia 15. Um dia para cada ancestral. Me parece que o judeu acende o candelabro de sete velhas também do dia primeiro ao dia 15. Sendo que nesse período é a transição da lua nova para a lua cheia. Então, por exemplo, 64 dividido por 4 é 7, sete é o que? O Branco? Você não pega as cores do arco-íris e mistura para dar o branco? Até diz “ai, deu um branco na minha memória”. O que então você fez? No branco você não perdeu a memória, você perdeu a referência. Então na hora que você faz uma referência, você cana Liza o seu pensamento. Como se você polarizasse uma luz. Em Okinawa você soma essa média de sustentação e tem 33, sendo esta a linha de evolução do ser humano. Primeiro, missa de 49 dias. 49 dias páscoa, volta sete semana e é o carnaval. 49 dividido por sete, é sete: seis semanas para formar o corpo e na última define-se se é homem ou mulher. E 49 também é 13. Tanto é que os índios Borôro, do Mato Grosso colocam o corpo em uma urna funerária, como se tivesse com o feto dentro da mãe, e os índios do Marajó, que deixam até dentro da água para dissolver a carne. Com 49 dias eles fazem a exumação. O enterro também. O pessoal de Okinawa tem o costume de ir para a casa do falecido acender incenso. Quando volta, joga-se sal. Aquela casa que estava vazia, se enche de energia positiva, porque um monte de parente vai para a casa. Surante três dias a família vai ao túmulo, só que, durante três dias, Maria descobriu que o Cristo sumiu. E durante 49 dias, sete semanas se faz uma missa, né. E outra, 49 é treze. 12, 13. Doze horas, zero hora, treze horas, uma hora. Um, zero, o binário do computador.
P/1 – Que loucura!
R – E através desse binário você começou a controlar a luz, a radio difusão, comunicação, até voar. Você olhava a lua daqui, achando que tinha um santo lá e pensava, eu quero ir até lá! E o homem foi para a lua, só que aquela lua que era maravilhosa e brilhante aqui, ficou toda cinza. Cheia de poeira, barro. Ele não encontrou nada. Andou de um lado para o outro, disse “um pequeno passo para o homem, um grande passo para a humanidade”, fincou a bandeira americana e quando olhou para o céu e viu a terra, viu o quanto éramos pequenos perante a grandeza da terra. O que ele pensou? Sai lá da terra, pensando que tinha um santo na lua, vi aqui, estou longe e descobri a minha santa na terra, como se chama essa santa? Mãe. E essa coisa que quando o camarada está no hospital e começa a ver vulto, olha, tem coisa ai. A coisa chega no pé dele e diz: “olha, a avó está ai e veio lhe buscar”. Qual é o último pedido da que a pessoa faz antes de morrer? Pelo amor do pai. Por exemplo: Cristo três, a razão ficou zero. Faz 2 mil anos que acredita-se que cristo existiu. Porque? Porque ele tinha um nome. Se ele era nada, ele não existia. Até cachorro, animal, passa a existir a partir do momento que se cria essa referência. Você fala, eu não acredito nisso! Então porque você tira fotografia hoje? Você tira uma foto para criar uma referência, não é? Ai Cristo morreu, ficou zero. Por causa desse doze, o zero, a espiritualidade, acredita-se a 2 mil anos que cristo existiu. Esse zero tem relação com sete também.! Porque 47 dividido por sete. Quando deu os 49 dias da formação do ventre da mãe, a primeira coisa que você começou a ouvir foi a batida do coração as sua mãe, que veio te acompanhando até você nascer. Na hora que você nasceu, ela te deu a luz
P/1 – Só um minuto. Com isso o senhor está resgatando o que?
R – O pensamento de Okinawa, mostrando que não tem nada que ver de diferente de outras culturas.
P/1 – Mas é incrível porque você pode expandir para qualquer lado.
R – Então por exemplo, na hora que a sua mãe te deu a luz, ela te apresentou Deus. Ele está aqui, e não do outro lado. A religião vende a morte, mas você tem a vida, sua mãe te deu a vida, então antes de morrer, o que você pede? “Pelo amor de Deus, me leve para casa”. Se a família não perceber, ele morre falando que quer ir para casa, mas não fala que vai morrer. Porque o seu compromisso com Deus é com a morte, e não com a vida. E aonde tem esse sinal que vem te acompanhando até você nascer? Aqui, ó, nos seus descendentes, na lembrança deles, onde o coração bate na mesma sintonia que você ouve dentro da mãe. Então, quando caiu aquele avião da Gol lá no amazonas, os índios descobriram o avião. Você vê a matéria na televisão. O que os índios pediam? Que as famílias fossem até as matas fazer o resgate espiritual das famílias que ali morreram. Ai você pensa, pô, mas o índio é xamã, porque ele não faz esse resgate? Porque precisa alguém na família que tem a mesma sintonia que o coração da pessoa que morreu para fazer a oração e resgatar. Interessante que isso tudo é universal. Tudo é uma forma de fazer resgate. Então estes costumes é o que venho contando para os nisseis, para dizer que a parte mais importante é a família. Então porque criar esse memorial? Porque um dia você vai voltar, e para te dar a sustentação espiritual,vai precisar daquilo que hoje você não dá valor, que é a família. E nessa hora, você vai precisar de argumento para mostrar: “olha, esse aqui é o seu primeiro avô. Essa é a sua família. Sua origem está em tal lugar”. Então este resgate, é o que pretendemos fazer no memorial.
P/1 – Vai dar certo, nós vamos ajudar.
R – E então, porque você não pede para levar para a igreja, se o padre fala que ali é a casa de Deus? Porque Deus fez a relação de pai e filho. O nosso santuário é a nossa casa.
P/1 – O que o senhor achou de dar este depoimento aqui para o museu da pessoa?
R – É importante porque eu acredito que a gente contando essas coisas, criamos uma interação. Hoje, contando para você sobre essa cultura que nós temos, muita coisa você pode chegar e ter essa troca, reconhecendo que tem dentro da sua comunidade este tipo de cultura ou aquele, e você vai resgatando tudo isso.
P/1 – O senhor gostaria de deixar registrado mais alguma coisa?
R – Não. Até falei demais .
P/1 – Foi ótimo. Eu gostaria de agradecer a presença do senhor aqui.
R – Muito obrigado.
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