P/1 – A senhora diz seu nome, a data de nascimento, o local, um pouco da sua história.
R –Meu nome é Gregória Roman Oliva, eu sou nascida no dia quatro de janeiro de 1947, logo após a guerra, e meu pai fez questão de me registrar no mesmo dia que eu nasci, porque cada filho que nascia na família, na época, valia cota de açúcar e sal. Então eu nasci nessa época.
P/1 – Nasceu em são Paulo?
R – Nasci em Bilac, região que fica a dez minutos de Araçatuba, interior de São Paulo. Hoje é uma cidade famosa na produção de calçados, inclusive eu tenho parentes lá que vivem exclusivamente dessa mão de obra.
P/1 – Seus pais são de lá?
R – Meu pai é da região da alta araraquarense, você vê que coincidência que certa fase da minha vida, eu fui transferida pra trabalhar em Dobrada, depois em Guariba, e eu fui descobrir que meu pai era nascido naquela região, em Franca. Você já pensou. Então parece que é um voltar à história. E da parte materna, eles se localizaram ali na região de Birigui mesmo, inclusive tenho meus avós, tios e tias enterrados ali no cemitério de Birigui. Vieram diretamente da Espanha, meu pai veio e se localizou em Franca, e a família da minha mãe se localizou em Birigui.
P/1 – Seus pais é que eram de descendência espanhola?
R – De pai e de mãe, os dois da região de Murcia na Espanha.
P/1 – Eles vieram pequenos? Eles se conheceram aqui?
R –Não, a minha mãe foi a primeira filha nascida aqui no Brasil, e meu pai já veio crescidinho da Espanha.
P/1 –Como eles se conheceram, a senhora sabe?
R –Olha, com certeza a família do meu pai veio da região de Franca, residia ali na região. Que é interessante,é uma região que até eu visitei ainda esses dias, chamada Indé. Indé é um cipó, é uma planta. E eles se conheceram ali naquela região e casaram ali, e a maioria, inclusive eu e meu irmão mais novo nascemos ali naquela região. Só que assim, é tão próximo ali de Birigui e Bilac, que hoje pertence mais a Birigui do que a Bilac.
P/1 – A senhora tinha quantos irmãos?
R –Nós somos 12 filhos. Da família e uma adotado, que faleceu. Uma irmã da minha mãe, de parto, e o meu tio já tinha seis filhos, e quando nasce este, que é o sétimo, ela falece e ele se viu desesperado e entregou a criança pra minha mãe. Então este meu irmão, que pra nós era irmão, não era adotado. Ele ficou conosco, se casou com mais de 36 anos e sempre viveu conosco. Então na verdade a nossa família são 13 irmãos.
P/1- Como que era essa casa? Vocês viveram a infância ali? Como era essa infância, essa casa, essa família, os irmãos?
R – Olha, eu não sei porque, mas acho assim que tem coisas na vida da gente, que parece que a gente faz questão de passar um mata borrão em cima e apagar. Eu não me lembro. Eu tenho minha irmã mais velha do que eu, e irmãos também, que têm essa história assim na mente como se fosse um filme passado hoje. Eu pra mim, eu não me lembro dessa parte ali da minha infância, também quando eles saíram ali de Birigui, eu deveria ser, até estes dias comentando com meu irmão, muito pequena. Acho que eu deveria ter uns dois anos, dois anos e pouco. Então o que eu sei, por exemplo, que minha mãe passava muito a historia pra gente. A minha mãe disse que quando eu estava amamentando ainda, e minha mãe ficou grávida do meu irmão, mais novo do que eu, e disse que eu quase morri, porque eu fui acometida por uma diarreia e naquela época não existia médicos ali na região. Então essas coisas. E a pobreza deles era muito grande, porque veja bem, eu sou a sexta dos nascidos, e minha mãe ainda tinha um outro filho adotado e estava grávida já do sétimo filho. Então quer dizer, meu pai trabalhava, nesta região ali. Esse meu irmão que mora ali em Birigui,ele fez questão que eu fosse lá neste lugar, porque pra ele se eu não fosse lá nesse lugar, ia ficar faltando alguma coisa pra ele. Então ali, meu pai tinha um alambique de pinga. De cachaça. Mas era uma pobreza muito grande porque não se tinha recursos pra contratar pessoas pra esse corte de cana, então eu ouvia muito minha mãe contar das dificuldades que eles passavam nesse período aí, de muita pobreza.
P/1 –Aí eles resolveram mudar? Seus pais foram pra Araçatuba?
R – Não, Nós dali fomos pra região de São José do Rio Preto. Assim, o período que eu mais me lembro, nós moramos em uma fazenda, que o dono está vivo até hoje. È, essa minha irmã, que é louca pra voltar ao passado, eles foram visitar. Este fazendeiro está vivo. Então eu me lembro muito dessa fazenda que a gente morou,por dois motivos. Um que era prazeroso morar na sede desta fazenda. Meu pai, por ser família grande, então o fazendeiro tinha recém comprado uma fazenda e tinha uma sede que, se a gente for olhar hoje, era simples, mas na época era uma casa muito grande. Então eu me lembro muito da vivência nesse lugar, porém em contrapartida, o sofrimento era muito grande,porque eu deveria ter uns dez, onze anos de idade e eu tinha uma tia que era irmã da minha mãe e essa minha tia sempre foi problemática com relação à saúde. Eu tive que ficar um ano, mas eu tinha uns dez, onze anos de idade. Mas eu fui morar com essa minha tia pra trabalhar, pra fazer os trabalhos domésticos. Teve uma vez, que eu me lembro, ela ficou internada uma semana. E hoje, sabe, quando eu me lembro disso, me dá um arrepio, me da uma coisa por dentro. Meu tio tinha muito, eles falavam na época “camarada”, eram peões. E você imagina deixar uma menina, eu tinha dez, onze anos naquela época, e deixar uma semana dormindo sozinha na casa. E você vê que naquela época não existia a pedofilia. Porque você imagina, ficar uma semana sozinha na casa, cuidando da casa e sendo uma dona de casa, criança. Ai na volta, quando meu pai foi me buscar, eu fiquei pouco mais de um ano, era o período que eu já estava atrasada pra ir pra escola. E quando eu cheguei, minha mãe, assim que começou a semana, me arrumou bonitinha, pra eu ser matriculada pra ir pra escola e meu pai disse: “Não, ela vai pra roça, pra trabalhar igualos outros”. Era um trabalho muito pesado. Nós carregávamos latas de esterco. (pausa). (choro). Desculpa.
P/1 – Além desse período, que foi um pouco difícil, o que era gostoso,nesse momento que ainda não era adolescência, era infância?
R – Era criança. Era gostoso a convivência, porque, como a gente era família grande, o gostoso era a convivência com os irmãos. Era muito bom. (choro). Como é até hoje. Então a gente brincava, a gente pulava a janela, não existia boneca, nem nada. A gente brincava com sabugo de milho, boneca. (choro).
P/1 – Vocês criavam brinquedos?
R – Nós criávamos, fazíamos cercado pra criar boi . Então era assim, a infância nos dias que a gente não trabalhava, que a gente tava em casa, era muito gostoso! Porque tinha irmão de todas as idades, os jovens, com 18 anos. Abaixo do irmão mais novo do que eu começa a espaçar a idade,mas de mim pra cima a idade era muito próxima uma da outra, tudo um ano, um ano e pouco. Então era muito boa a convivência. Era muito bom, nesse lugar então. Era muito bom, todo mês o fazendeiro levava todos os meeiros pra cidade, pra fazer compra. Então era fartura,meu pai comprava saco disso, daquilo,nada faltava. Na parte da alimentação a gente vivia a fartura, porém a gente trabalhava muito. Imagina, eu tinha dez, 11 anos e trabalhava igual mais irmãos de 18, 19, 20 anos.
P/1 – Como que era o dia a dia dos seus pais? E o trabalho deles?
R – Minha mãe sempre foi doméstica, nunca foi de trabalhar fora e eu observava desde que saí de casa, paraser religiosa, que minha mãe sempre foi muito submissa. Então ela não frequentava um mercado, uma loja por conta própria. Era assim: quando a gente morou uns três anos nessa fazenda ela ia junto pra fazer as compras, mas quem determinava o que ia comprar era meu pai. Ela só era companhia ali, ne? Mas era muito submissa, sempre ficou em casa, nuca trabalho fora. O que ela exerceu de uma personalidade firme foi na educação religiosa. Do meu pai a gente herdou a questão moral, a questão da honestidade, da justiça das coisas, mas a questão daformação religiosa a gente herdou totalmente da minha mãe.
P/1 – Seu pai cuidava da fazenda e sua mãe ficava em casa?
R – Meu pai era especialista em poda de café, veja que com o passar dos anos a gente vai descobrindo. Então ele na fazenda tinha um grau de responsabilidade, que a poda do café era quase que exclusivamente dele né? Então ele era muito respeitado, pelo patrão. Então veja que nossa família, haja visto que meu irmão, minha irmã e meu sobrinho forma atrás e filmaram tudo para o resgate desta vivência nessa fazenda.
P/1 – Então você passou sua infância no cafezal?
R – Passei uma parte no cafezal, a gente fazia a derriça do café. O adubamento era assim: vinha o caminhão, deixava o esterco. Hoje é tudo na base da química, mas na época era tudo na base do orgânico. Então ele deixava num determinado lugar do corredor do café, e a gente levava aquilo com latas, você imagina que trabalho forçado pra crianças. Então a gente levava aquilo numas latas, que ainda existem, de 20 litros, nas costas.
P/1 – Vocês iam de manhã e ficavam até que horas?
R – O dia inteiro. Almoçava na roça, tomava café das três, das quatro da tarde tudo na roça e depois voltava no final do dia para casa.Isso se fazia tudo a pé, não importava a distância que a gente tivesse.
P/1 – E qual era a sensação de ficar no cafezal o dia todo?
R – Sabe que na época, quando chegava a derriça do café, meu trabalho era limpar o tronco de café. Eu era muito miudinha, muito magrinha. Fui tomar corpo depois de 35, 40 anos. Eu era muito magrinha, era elegante. Então o meu trabalho nesse período era assim: a gente limpava o tronco. Porque quando o café tava começando a amadurecer, tinha um trabalho muito pesado, que era de limpar. Limpava porque o café todinho era derriçado no chão. Então a gente limpava os troncos do café. Olha que trabalho louco. Então a gente puxava o café todinho pra fora da saia do pé de café pra depois quando fosse chegar as pessoas pra rastelar o café, que eram outras pessoas que faziam isso, já estar fácil. E não perdia também o caroço do café. E eu me lembro também muitas vezes eu saia gritando, meu pai vinha correndo ver o que era. Cobra! Porque os tatus fazem buracos debaixo da saia do pé de café. Então era um lugar favorável pras cobras se aninharem. Então você punha a mão e a defesa era como se a cobra tivesse pego, a gente saia correndo. Até hoje eu tenho pavor de cobra Porque eu falei assim, que na lavoura, não vou entrar neste detalhe, pois é mais pra frente,mas até os 20 anos eu fiquei na lavoura.
P/1 – E como eram os tempos de repouso, vocês saiam pra almoçar?
R –Era interessante,porque ficava mais ou menos uma hora,pra fazer as refeições. Se procurava uma sombra, de um próprio pede café, de uma árvore. Era gostoso, pois sempre estava com a família. Não era só eu, tinha irmãs mais velhas e o pai estava ali junto. E era outra pessoa que ia lá levar o almoço porque a mãe, você imagina: lavar roupa de seis, sete, oito filhos. Meu irmão caçula já nasceu ali naquela fazenda. Então já tinha uma turma boa. Ela que cuidava da casa, fazia pão semanalmente, pois a família era muito grande. Quando a gente chegava em casa a janta estava sempre pronta. Então era gostoso. Eu sempre falo pras pessoas que não chegou a ser trauma,mas a única mágoa que carreguei até um certo tempo depois ser religiosa, foi por meu pai não ter me deixado estudar neste período que a gente morava nessa fazenda, que era muito pertinho da cidade. Tinha escola nessa fazenda, o proprietário se preocupava muito com a educação das crianças. A professora vinha de São José do Rio Preto pra dar aula nessa fazenda. Então você a importância que tinha. Eu sempre perguntava pra minha mãe: “Qual era o motivo?”. Meus irmãos só não estudaram mais porque não tinham vontade. Porque claro, minha mãe aprendeu ler com meu avô. Meu avô quase chegou a ser padre, então ele tinha uma escolaridade muito boa. Já a família do meu pai, eu sei muito pouco. Ele era muito fechado e falava muito pouco da família dele, ao contrário da minha mãe, que sempre fez a gente ter uma estima pela minha avó materna, pelas minhas tias. Uma coisa muito profunda ela passar isso pra gente. Eu conheci minha avó paterna, uma figura que eu não guardo nenhum sentimento profundo pela pessoa dela. Ao contrario da família da minha mãe, que aprendi a ter uma estima muito grande, como se a gente tivesse conhecido.
P/1 – Você conviveu com sua avó materna? Ela era espanhola?
R – Não. Ela faleceu muito jovem. Minha mãe conta que ela foi acometida de um câncer de estômago e faleceu muito jovem.
P/2 – Nenhum desses irmãos estudou nessa escola?
R – Pelo que me lembro, três ou quatro irmãos iam, nessa época que eu cheguei da casa da minha tia. Meus irmãos estavam indo pra escola. Por isso que minha mãe me arrumou bonitinha e me deu o registro na mão. Porque naquela época você chegava com o registro na escola, e depois a professora anotava os dados e levava pra cidade ou pra outro lugar. Não se bem pra onde ia aquilo. Eu não fui.
P/2 – E éramos irmãos mais novos ou mais velhos?
R – Mais novos. Os mais novos iam pra escola. Minha irmã mais velha também já tinha ido. Eu não me lembro que período que era,quando saiu a lei, no Brasil, que os pais que não levassem os filhos pra escola corriam o risco de serem presos. Então o que me pai fez? Eu não tinha idade pra frequentar escola noturna, e eles mentiram minha idade. Então eu tinha uma vontade que passasse uma autoridade, porque eu ia entregar meu pai. Eu ia. E eu falava assim: “Eu quero que venha aqui. Eu quero que meu pai vá preso,porque ele não me deixou ir na escola”. Olha que revolucionária que eu era. Eu sei que eu impus a mim mesma uma resistência que eu não queria aprender. Eu não queria, e eu não ia aprender. Até que chegou um dia quetinha meu irmão mais velho estudando a noite, tinha outro irmão meu também estudando. Ele deveria ter uns 17 anos, pois me lembro de que o mais velho já tinha completado 18 anos. E a minha irmã, um ano e pouco mais velha do que eu, também ia pra escola à noite. Então eles me empurraram pra ir junto. E aí chegou um dia, que eu me lembro. A professora me pegou por trás, pelos cabelos, chamou meu irmão da outra classe e falou assim: “a partir de hoje eu não quero mais essa menina na minha sala”. Aí eu não fui mais pra escola.
P/1 – E o motivo, a senhora sabe?
R – Sim. Era porque eu não aprendia nada. Eu não queria aprender.
P/1 – A senhora tinha por volta de uns dez onze anos?
R – Sim.
P/1 – E como foram os primeiros dias que a senhora foi pra escola?
R – Eu queria estudar, mas com as crianças. Eu não queria, porque nesse período era só gente jovem, adolescentes que estudavam a noite. Eu não queria porque eu era criança. Imagina que eu era magrinha, eu não era desenvolvida.
P/1 – E como é que ia pra escola?
R – Ia a pé, porque era pertinho. Mas já era na cidade, e não naquela escola ali. Porque na escola da fazenda era só pra criança. Eu queria ir à da fazenda. A gente morava perto de uma cidade chamada Ibiguá. Hoje sei que o nome mudou, mas na época era esse o nome. Morávamos perto dessa cidade.
P/1 – A senhora ficou um tempo e depois mudou de horário?
R – Não. Eu não fui mais pra escola. Meu pai disse: “Não quer estudar vai trabalhar”. E eu trabalhava normal. O dia inteiro ficava na roça, e depois, à noite ia pra casa.
P/1 – E esse período como foi?
R – Eu falo assim: “Não é à toa que eu entrei numa congregação que trabalha tão específico o carisma e a migração”. Mas era engraçado,porque podia estar dando certo a gente conviver nessa fazenda. Aí minha irmã mais velha arrumou um namorado, que a família tinha sítio, tinha as coisas. E meu pai, dali em diante, não quis mais ficar ali. A gente não sabia porque, imagina se ele ia dar satisfação pra filhos de dez, 11 anos. Mas eu sei que eu pai mudou dali, que não era uma região muito distante uma da outra. Aí eu comecei a perceber a necessidade de aprender a ler e escrever, que eu não sabia até então. Aí minha mãe, à noite, rezava o terço.
P/1 – como que era essa noite com sua mãe? Ela contava histórias?
R – Contar história não. Às vezes falava-se muito do que ela sabia do que meu avô contava da Espanha, contava da família dela, dos lugares. Tem lugares que me lembro pouco, mas lembrava de ela contar o que ela sofria. Imagina o que ela sofria por ter uma gravidez atrás da outra. A gente brincava de noite de pegar vagalume, brincava de roda. Sabe, era uma vida de ingenuidade, de pureza. Uma coisa assim: não ter pretensões. Vivia-se do momento a família toda reunida não tinha ninguém fora de casa. Era muito bom. Ah! Sabe o que minha mãe fazia muito pra gente? Minha mãe não sabia escrever, ela foi alfabetizada só pela leitura. Mas nesse período, nessa fazenda, ela pegava livros da vida de santo, na paróquia dessa cidadezinha de Biguá, onde nós morávamos, e lia para nós. Então era gostoso, porque a gente começou a aprender. Eu por exemplo, até hoje sei muitas histórias de muitos santos, porque ela passou isso pra nós.
P/1 – Tem alguma que marcou na sua história?
R – Hoje já não tanto, mas a de Santa Rita, Santa Mônica, a vida de Santo Agostinho. Vixi! Muitos Santos, mas a que mais marcou, até um certo tempo da minha vida. Foi a Santa Rita, muito pelo sofrimento dela, pois acho que se comparava um pouco com a vida da gente, de pobreza, de família, depois de ter o marido assassinado. Tinham algumas coisas que marcavam mais, pela vida de luta igual a da gente.
P/1 Ela protegia quem Santa Rita? Conte um pouco da história!
R – Olha, Santa Rita se tornou monja beneditina e ela é protetora das mulheres, pois, diz a história, que ela tinha dois filhos e um marido alcoólatra e viciado em jogo. Fala-se que ele foi assassinado numa mesa de jogo. Santa Rita pediu com tanta fé a Deus, para que os filhos, dois meninos, fossem levados, caso eles fossem virar assassinos, para se vingar da morte do pai. De fato, conta a história, que eles morreram antes da adolescência. Ela então entrou para convento. Acho que na época era mais liberal do que hoje. Imagina, uma mulher casada, que teve dois filhos e entrou para o convento A história dela é uma história de vida muito linda. Por conta do sofrimento que ela teria enfrentado no convento, prova é que hoje ela seja uma Santa. Naquela época, se exigia tanto das pessoas que entravam na vida religiosa, pra ver se de fato a pessoa tinha vocação. Aquilo que chamavam de prova. Então se exigia até o impossívelda pessoa.
P/1 – Aí seu pai muda de cidade e muda a rotina?
R – Muda de cidade, muda um pouco a rotina. Nós fomos morar em Mirassolândia, eu já era adolescente, aí começam os namorinhos. Me lembro desse lugar assim! Até estes dias eu e minha irmã, mais velha do que eu, recordamos algumas coisas.A nossa casa ficava tão próxima da cidade, e a noite eles colocavam música sertaneja no alto falante da igreja, então se ouvia longe. Nós ficávamos na janela do quarto sonhando, minha filha.Sabe-se lá com que! Com o príncipe encantado. Ela já devia ter seus 15 anos, eu deveria ter 13, era um ano e pouco de diferença. E a gente ficava na janela, sonhando com o príncipe encantado. Aprendíamos as músicas, diziam que os duas tínhamos a voz boa pra cantar. Nesse lugar já era mais leve o trabalho, porque a gente se divertia no final de semana. A gente foi morar numa colônia. Ali tinham muitos jovens, então a gente ia pra cidade. Ficávamos dando volta no jardim, na praça e a gente paquerava. Meus irmãos tiram sarro de mim, pois dizem que sou muito namoradeira. Mas era aquele tempo, que se dizia: “Como jacaré”, pois só olhávamos, e o coração se satisfazia com um sorriso.Não existia esses namoros de pegar na mão, era uma coisa muito platônica.
P/1 – Mas teve algum que marcou?
R – Teve, nessa cidade, se chamava Antônio, e era um menino tão lindinho, lindinho que só vendo. Mas, nessa fase da minha vida eu fui apaixonada platonicamente por um rapaz que morava nessa colônia. Ele devia ter seus 20, sei lá! Ele era já um homem mais velho, só que ele nunca soube disso. Era uma coisa platônica mesmo. Sonhava nesse rapaz.
P/1 –O que a senhora gostava nesse rapaz?
R – Ah, não sei! Ele era alto, muito bonito e de uma família muito boa! Era na companhia deles que a gente ia pra cidade. Era muito bom! A gente trabalhava a semana inteira, mas trabalhava pensando que no domingo... A gente já começava a frequentar bailes, pois nessa época meu pai já deixava a gente ir. Ir pra bailes com os irmãos. Então era gostoso! Eu sou assim, apaixonada por dança. Eu sei dançar algumas músicas, mas eu sempre fui apaixonada. Eu aprendi a dançar, se eu contar pra vocês, vocês vão rir! Aprendi a dançar naquelas barracas pra dança, que se faziam no interior,nessa época. Eram feitas com bambu, levantavam os bambus, os esteios e depois se cobriam com lonas. Era muito elegante! Então era assim: se meu pai fosse levar, e estivesse sentado lá naquele fundo, eu ia dançando até certo ponto e fazia a pessoa, com quem eu estava dançando, voltar, para meu pai não ver! E as minhas outras irmãs não aprenderam, pois tinham medo. É engraçado, às vezes fico pensando, não é à toa que meu pai não quis que eu estudasse, porque se eu tivesse estudado, acho que ninguém ia me segurar! Eu tive algumas atitudes diferentes das minhas irmãs. Minha irmã mais velha ia numa festa de baile e ficava lá sentada, ela não tinha coragem, nem se quer de sair do lugar. Eu não, eu enfrentava, e eu fazia valer a minha vontade. Eu falo: “Engraçado,né? Era uma forma tão camuflada de enfrentar, mas enfrentava.”
P/1 –Mas quando a senhora fazia valer essa vontade, tinha um enfrentamento? Ele ficava bravo?
R – Não, quando ele via,às vezes, ele dava umas repreensões. Quem escondia nossos segredos não eram meus irmãos, era nosso irmão de criação. A convivência com ele era tão boa, a gente manipulava ele, eu e minha irmã mais velha. Então ele escondia nossos segredo. Então, por exemplo: na primeira vez que ele ficou sabendo que eu estava com um namoradinho, foi alguém que contou pra ele que eu estava sendo acompanhada por um moço. Vixi! Ele queria saber quem era.
P/1 – Mas nesse namoro já tinha beijo?
R – Não! Não existia beijo naquela época. Nem beijo nem mão. Nada, nada, nada! Você andava junto, igual a mim e a dona Dalva, hoje, aqui na rua de São Paulo. Se andava junto um ao lado do outro, mas nem... Você imagina nessa época, uma moça que se deixasse tocar por um rapaz. Ela não casava mais. Ela ficava difamada. Era uma coisa muito séria a preservação da família. Muito séria mesmo! Então todo mundo se cuidava. Os irmãos policiavam a gente também!
P/1 – E aí? Não teve esse namoradinho? Esse beijo?
R –Não! De jeito nenhum, que beijo? Beijo foi pouco tempo antes de entrar no convento. E ainda assim, de longe, escondido. Fora disso! Ainda em Mirassolândia. Eu já tinha as paqueras, e não sei porque cargas d’água, eu senti uma necessidade tão grande de ir pra escola.Mas aí já não tinha mais condição de frequentar uma escola durante o dia, pois eu iria enfrentarmeu pai. Aí o que eu fiz? Como nós manipulávamos meu irmão de criação. É uma palavra meio pesada, mas era isso, pois é quando você consegue influenciar a vida de uma pessoa. Eu comecei a conquistar ele, e falar: “vamos pra escola, vamos pra escola”! Até que eu consegui levar meu irmão e a minha irmã, que também era mais velha. Nós três éramos igualunha e dedo. A gente se entrosava, os três, que só vendo! E aí eu fui pra escola de noite. Você imagina que eu fiz o primeiro ano e eu tenho uma lembrança da minha professora, que era uma mulher maravilhosa! Eu nessa época tinha banca examinadora, pra fazer o exame quando chegava o final do ano, e eu passei por essa banca. Veio o, sei lá como falava, o juiz de ensino. Inspetor. Então a gente tinha que fazer leitura, interpretação, pra esse inspetor. Eu passei! Os dois irmãos, que já tinham ido à escola durante o dia passaram com nota muito ruim. E eu tive uma nota que foi uma coisa assim! Aprendi a ler!
P/1 – Como era o nome dessa professora?
R –Olha, pra falar a verdade, eu não lembro o nome. Mas a figura dela é uma figura viva dentro de mim. Era uma pessoa humana, bonita. Era uma pessoa impressionante! E veja, à noite, já estavam todos com 13, 14, 18 anos que iam pra escola. Ela era muito especial.
P/1 – E a senhora aprendeu a ler?
R – Sim, aprendi a ler. E sabe o que eu mais lia nesse período? Não sei de onde chegava e nem como chegava às nossas mãos. Mas eu lia revista e fotonovela e lia com muito afinco. Eu gostava, adorava ter a expectativa do final, pra ver como ia ser.
P/1 – A senhora ia comprar na banca?
R – Não, não comprava. Não sei quem que dava pra gente, sei que eu lia fotonovela.
P/1 – Isso escondido?
R – Sim, escondido!
P/1 – E a que horas? Como que era? E seu pai?
R – Ah! Meu pai não controlava toda a vida da gente. No quarto da gente. Minha irmã mais velha já tinha casado e meu irmão mais velho também. Então, o quarto da gente era da gente. Então a gente lia escondido e , me lembro que muita coisa a gente escondia debaixo do colchão, porque se o pai pegasse não era muito bom não!
P/1 – E na escola, o que a senhora gostava mais de estudar?
R – Então, eu sempre pensava, e penso até hoje assim: a matéria que eu mais gostava, quando eu era criança que eu ficava limpando o tronco do pé de café, era fazer continha de matemática. Quando eu fui pra escola, era o que eu mais gostava e era a que eu tinha mais dificuldade. Olha, eu fiz faculdade com muito esforço. Eu vou chegar lá pra contar pra vocês, mas posso dizer que foi penoso. Não era tanto de aprender o português,mas saber ler. Olhar pra uma revista, um livro e não mais receber mais algo lido pelos outros, mas eu mesma ler e interpretar, fazer minha leitura.
P/1 – Mas e as leituras religiosas tinham na época também?
R – Ainda tinha. Porque minha mãe sempre procurou ter os livrinhos de coisa religiosa.
P/1 – E os outros livros, que não eram religiosos, a senhora gostava de ler?
R – A gente não tinha acesso. A não ser estas revistas, que, pra dizer bem a verdade, não sei de onde vinha. Chegavam na mão da gente, acredito eu, que através das amigas que eram mais evoluídas do que nós. E aí depois que você lê a história não tem mais graça. Então se passa pra frente. Era desse jeito.
P/1 – E o trabalho?
R – O trabalho continuava na lavoura de café. Não mais varrendo o tronco de café, mas na inchada, na derriça do café.
P/1 – Tinham salário?
R – Não! Que salário? Quem via o salário era o pai. O pai pegava, pela venda do café e coisa que era ele que pegava.
P/1 – A família recebia?
R – Era a manutenção da família. Era daquilo que se produzia e se vendia que se fazia aquilo que entrava em casa. Mas dinheiro eu nunca me lembro. Ainda era assim: minha mãe era costureira, mas quem escolhia os tecidos pra fazer roupa pra gente, que já era jovem, era meu pai. Ela não tinha essa autonomia, era ele que escolhia e chegava em casa. De vez em quando eu dou umas cutucadas na minha irmã mais velha do que eu. A gente falava que ela era a queridinha do meu pai Tudo que ela podia fazer, nós outras não podíamos. Nem minhas irmãs mais velhas, nem as outras. Ela podia cortar cabelo, fazer permanente, na época, que era a coisa mais chique do mundo. Os outros não podiam.
P/1 – E vocês tinham uma roupa especial pra esse trabalho? Uma proteção?
R – Tinha. Eu falo assim: “a gente era uma família humilde, mas a vaidade da mulher é inata”. Então a gente usava blusa de manga comprida, um lenço que pegava a frente do rosto e ainda um chapéu de palha. Nessa época não, porque até então, até isso meu pai dominava na gente, ainda usávamos saia, não podia ser calça. Então não se protegia tanto. Mas mais pra frente, a gente usava sapato fechado e usava uma calça comprida, que era minha mãe que fazia. Era própria pra proteger a gente do sol, de mosquitos, de um arranhão. Disso que a gente se protegia. Quem nos via arrumadas no domingo, não dizia que éramos as meninas que estavam lá na roça.
P/1 – E aí eram vestidos que sua mão fazia? Como eram esses vestidos?
R – Ai! Vestidos de Evasê. Porque eu era magrelinha. Vestidos de babado. Nunca vestido sem manga, sempre com manga,porque meu pai vigiava a gente. Teve uma época, que éramos três ou quatro jovens em casa, a gente ia às fazendas catar algodão. Foi aí que começamos a pegar uns centavinhos, porque aí a gente não dava em casa não! A gente ia aos domingos catar algodão,pra gente pegar dinheiro. Chegava no final da tarde dependendo de quantos fardos eram pesados, às vezes até fazíamos umas “trambicagens”.
P/1 – Quais eram as trambicagens?
R –Colocar a bola do algodão verde no meio,porque eles não tiravam. Depois que coloca o algodão dentro de fardo, ele vai direto pro destino dele. A gente colocava umas bolas de algodão verde pra pesar mais. Igual quando a gente trabalhava nesse cafezal, o dono dessa fazenda chegou a falar pro meu irmão, que eu e minha irmã, nessa época já éramos revolucionárias. Ao invés de a gente colocar uma lata cheia em cada pé, a gente punha meia lata, disfarçava, pra gente se dar bem. Porque era muito pesado, então era um jeito da gente se defender. Hoje é até interessante,mas na época meu irmão era muito bravo.
P/1 –Aí vocês eram mocinha já. Aí começam os namoros? Como era essa fase?
R – Essa fase era boa, mas era difícil. Porque não só os pais, mas os irmãos também controlavam a vida da gente. A gente percebia que era meu pai que queria escolher os namorados pra gente, indiretamente. Então, pra acertar o que era bom pra ele, que não era pra gente, era difícil. Por exemplo: a minha irmã mais velha se casou com um filho de uma dessas fazendas que
R– Minha irmã casou com um filho de uma dessas fazendas que a gente foi morar, em Mirassolândia já. Mas, já naquela época, ele devia ter uns 23 anos, e era um rapaz namorador. Ele enganava minha irmã. Ontem fez um ano que ela ficou viúva, mas ela era apaixonada por, eu falo assim: “Uma tranqueira de pessoa”. Eu falo mesmo. Era meu cunhado, mas no período de namoro, eles casaram e ele continuou levando a mesma vida. Por mais de 20 anos ele teve uma amante. Minhas sobrinhas, casadas já, queriam que ela se separasse dele, mas ela não quis. Ele achava que minha irmã ia morrer, e ele ia trazer essa mulher, que era bem mais nova do que ele. Ele vivia boa parte do tempo com ela.
P/1 – Teve filhos?
R– Não. Achava que minha irmã ia morrer e ela ia vir morar na casa deles. Foi ao contrário. Ele teve um infarto fulminante, faleceu e graças a Deus ela ficou! .
P/1 – E o seu primeiro namorado? Como foi?
R– Olha, eu era muito danada. Nós demos um salto, sabe? Porque meu pai morava um ano, dois anos no lugar e já não estava bom. Nessa fazenda, que era do sogro da minha irmã, nós ficamos acho que uns dois anos. Quando minha irmã casou, nós fomos obrigados a sair dali, porque as duas famílias não se entrosavam. Então a gente mudou dali, ficamos em Mirassolândia mesmo, mas em outra fazenda, que era onde tinha outra colônia, que a gente ia pro jardim, que a gente ia dar volta à noite, tinha música. Meu avô, pai da minha mãe era vivo ainda. Ele era assim: apesar da minha família, nesse período, ser uma família pobre, ele vinha todo ano passar o natal com a gente. Então a gente, além de receber as histórias, ele cantava muito bem, as músicas lá da Espanha. Ele também tinha um sonho, que era ver as duas famílias: a família da minha mãe, e a família da minha tia, que não tinha filhos, ir embora pro Paraná. Nessa época, eu já estava estudando, já tinha um outro tipo de sonho. Era pertinho da cidade. Meu pai, influenciado, não sei como, resolveu ir embora. Hoje parece que é tão perto, mas na época era tão longe. Sair da Região de São José do Rio Preto pra ir pro Paraná, morar numa cidadezinha que hoje trocou o nome, mas chamava Araruva. Meu pai ia trabalhar numa fazenda. Aí sim íamos ganhar dinheiro! Porque meu pai não ia mais ser empregado. Meu pai ia pegar de 30 a 40% da colheita, era meeiro. Então ali, nossa! Era muito bom! A gente ia a pé pra igreja. Sabe o que a gente fazia pra não gastar o sapato? A gente colocava um chinelo e ia até o perímetro da cidade. Ali a gente sempre fazia uma amizade, lavava os pés, secava os pés e aí punha o sapato e ia pra missa. Foi aí que eu conheci a pessoa que acho que seria ideal pra um casamento, nesse lugar mesmo. Aí a gente ia pra missa, voltava e a gente ia pra bailes. Aí foi a primeira vez que fui trabalhar fora de casa. Fui trabalhar na sede da fazenda. A dona da fazenda gostava muito de mim. Eles eram de família muito rica. Os parentes, todos moravam em São José do Rio Preto, na cidade. E quando a gente pensou que, como diz o ditado: ” fazer um pé de meia”, no primeiro ano foi uma colheita muito boa. O fazendeiro era dono e morava na fazenda, então eles tinham galinha, tinham porco, todos soltos. E é claro que, se você planta, você vai querer que aquilo seja preservado. Mas as galinhas comiam o milho, quando estava sendo plantado, quando estava dando cacho o arroz, e meu pai se desgostou. Aí foi o pior dos passos que meu pai fez. Não sei se vocês lembram, mas ali pelos anos 59 e 60, que deu a pior seca da história do Paraná. A crise do café começou ali. O meu pai pegou a família e mudou de fazenda. Viemos morar no perímetro de arapongas, nós já moças. Eu devia ter uns 16 anos, minha Irma mais velha do que eu. Sei que, com o dinheiro que tinha sobrado da colheita, pois ele deve ter tido juízo. Ele conhece uma pessoa que o influencia e compra um bar no perímetro urbano já, numa das vilas. Ele gostava de uma bebida. Aquilo foi um pouco uma desgraça pra gente, porque o que a gente fazia na fazenda era pra manter o bar, que era um mercadinho também. Ali ele deu uns passos em falso na vida dele, que prefiro não colocar aqui. Meu irmão que mora em Birigui, era solteiro na época, quase noivo pra casar. Foi ele quem começou a desconfiar do meu pai, porque chegava no horário comercial e ia lá, mas meu pai não estava. Ia lá outra hora e também não estava. Aí eles conseguiram descobrir o que tava acontecendo na vida do meu pai. Esse mesmo cara, que influenciou meu pai, tinha terras no oco do lugar mais horroroso de cascavel. Como ele tinha vendido pro meu paio ponto com tudo que tinha dentro, ele negocia com meu pai pra levar nossa família e a família da minha tia, irmã caçula da minha mãe, pro Paraná. Levar-nos pra cascavel, me desculpe. Nós morávamos praticamente no perímetro urbano de Arapongas. Meu pai foi pra esse sítio, ficou lá por dois, três meses, enquanto a gente ficou trabalhando ali. Já tinha vendido esse mercadinho, pra este mesmo senhor de quem ele tinha comprado, emtroca de 10 alqueires de terra, nesse lugar. Não tinha casa pra morar. Nessa situação, eu me encontrei com um moço que eu conhecia, desde lá de Ibiquá, a gente ia junto pra missa. Comecei a namorar com esse rapaz, que era de família conhecida, tudo. Nisso meu pai inventa de ir embora. Ir lá pro oco do mundo, que era cascavel, que a gente não conhecia, não sabia o que era. Aí, minha filha! Pega nossa mudança de Arapongas, e vem, deixando pra trás meu irmão mais velho e outro irmão meu, que mora em Birigui hoje. Deixamos pra trás. Agente vem pra Birigui, pega a família da minha tia. Meu tio também tinha comprado cinco alqueires de terra. Já era meu irmão de criação, o Emílio, a Carmem e eu. Em troca de nos dar umas terras pra gente morar, nós íamos arrancar feijão desse senhor e limpar a casa dele. Eu tenho um irmão que mora nesse lugar. É dono de supermercado, hoje tem umas 2.000 famílias nesse lugar. Quando eu vou pra Cascavel, eu sempre vou visitar meu irmão. Eu falo assim: “Esse lugar não me deve nada”! Porque assim: “Tinham dois momentos. Enquanto meu pai não construiu casa, a gente ficou trabalhando de graça pra esse cara, pois era como se a gente estivesse pagando aluguel pra ele. E mato. No Paraná existe um mosquito que se chama borrachudo, que te pega a qualquer hora do dia. Então você imagina, o que eu, meu irmão e minha irmã passamos nesse lugar. Em contrapartida, nos finais de semana, no sábado, aquela que era mais velha ficava em casa pra arrumar a casa e passar roupa. Mas no domingo, lá tinha campo de bocha, armazém, às vezes tinha matinê durante o dia, rezar o terço. Esse era o divertimento que a gente tinha, fora os dias de trabalho. E era bom! A gente não conhecia outras coisas. Aí, nessa época, meu namoro com esse rapaz estava firme. Embora fosse distante, a gente escrevia carta. Era um namoro sério. Aí meu irmão, que nessa época ainda estava morando no Paraná, veio nos visitar, e as cartas começaram a se espaçar. Tinha alguma amiga da gente no lugar, que era quem recebia as cartas no armazém do pai dela. Carta pra Gregória, você imagina.. Abriu as cartas e escondeu. Eu fui saber depois de muito tempo que ela ficava com as cartas desse namorado meu, lia as cartas. Com isso também, ele engravidou uma prima e foi obrigado a casar. Aí, como a gente não se via há muito tempo, o namoro acabou. Mas o amor fica. O amor verdadeiro morre com você, mas já não era o mesmo. O povo fala que eu era muito bonita. Então era paqueradeira, arrumei outros namorados. Eu não temia meu pai! .
P/1 – E nem ficou traumatizada com essa história.
R– Não!
P/1 – Qual foi o próximo amor? Teve um outro.
R– Teve, teve!
P/1 – E vocês continuaram morando lá?
R– Foi outro amor, só que eu ainda tinha uma pequena ligação com esse outro, de Arapongas. A gente um dia tava num baile e fomos sentar e meu pai viu. Aí meu pai não deixou por menos. Meu pai chegou pro rapaz e falou que eu tinha namorado em Arapongas. Imagina? . Que menina! Aí nunca mais! Depois, nesse lugar aí, é que minha vida começa a dar uma guinada. Porque a gente já trabalhava no que era nosso, tinha nossa casa no sítio. Já éramos menos. Os mais velhos já haviam casado. Mas de vez em quando passava uma coisa assim... Eu, pra tornar uma coisa clara: “imagine um céu azul e passa uma nuvem”. Passava uma coisa dentro de mim. E se um dia eu for ser religiosa. Eu vou ser irmã. Imediatamente eu falava: “Deus me livre”! Parece que eu sentia uma fobia dentro de mim. Eu sonhava e sonhava alto. Eu queria casar com um homem rico, eu queria viajar e não queria nunca ter empregada. Eu queria cuidar da minha casa, queria cuidar desse homem. Era uma coisa muito possessiva. Aí passava esse pensamento, eu disfarçava aquilo, mas virava e mexia passava esse pensamento na minha cabeça. Mas também nunca fiquei alimentando. Aí, um belo dia, vem, na nossa comunidade, que hoje é uma comunidade pra frente de Cascavel. Vem umas benditas freiras da minha congregação, pra levar moças pra serem catequistas. E aí eu olhei pra aquela freira, ela ta viva até hoje, ela mora em Jundiaí. Quando eu olhei pra aquela Irmã, o mundo dentro de mim desmoronou. A essas alturas eu lembro bem da minha idade. Eu ia completar, no dia quatro de janeiro, eu ia completar 20 anos. Nossa, mas mudou tudo! Nessa época meu pai tinha dado uma roça de feijão pra mim e pra minha irmã, pra gente plantar, colher e o que desse o dinheiro era pra nós. Imagina, eu estava fazendo enxoval de casamento. Minha mãe sempre teve isso. Quando a filha ia ficando mais velha, ia comprando tecido, aprendendo a bordar. Amarrar toalhas, o que hoje é artesanato “finérrimo”. Só que eu não lembro mais como é que faz. Aí eu e minha irmã tínhamos a rocinha de feijão plantada. E com quem eu ia compartilhar isso. Com minha irmã! Mas e o medo de quando eu ia ter que chegar no meu pai e falar pra ele que eu ia sair de casa? Chegou o dia de ir pra cascavel e fazer o curso de catequista.
P/2 – O mundo caiu, mas você contou pra tua irmã? Qual foi a conversa? O que você sentiu?
R– Eu contei! Nossa mudou tudo dentro de mim. Eu já tinha outro pensamento. Não era mais pensamento de um jovem, de um rapaz, mas era uma experiência inédita. Eu falo, pra poder verbalizar isso, é a mesma coisa que você vê um rapaz e ter amor a primeira vista. E digo assim: “ É um amor por Deus, que você não vê.” (choro).
P/1 – Então você recebeu esse chamado. E tomou essa decisão?
R– Aí, meu pai, por um acontecimento, disse que eu não ia pro curso de catequese em cascavel. Aí eu falei pro meu irmão, chamado Pedro: “O pai não quer que eu vá pra cascavel”, e ele disse: “ Mas você vai!”. Porque a liderança da comunidade já era eu. Eu fui, e nesse curso de catequese eu decidi que ia ser Irmã. Aí eu fui falar com a Irmã, essa que tinha ido atrás de jovens pra fazer o curso de catequese. O término do curso ia ser meio dia e depois a gente ia para o centro de Cascavel. Nossa, eu achava que ela ia... E ela fez pouco caso. Falou assim: “Se você quer mesmo, quando chegar no centro da cidade, você vai ver uma freira mais velha. Você vai falar com a superior”. Fora dali, eu nunca tinha visto uma Irmã na minha vida! Falei: “Como é que eu vou fazer”? Mas quando a gente chegou ao centro, eu vi uma Irmãzinha já de idade, mas toda esperta. Pensei: “ Deve ser essa aqui a superiora”. Cheguei nela e falei assim: “Irmã, eu quero falar com a senhora. Eu quero ser Irmã”. Ela olhou pra mim assim: “Quantos anos você tem”? “Eu já completei 20 anos”, pois isso já era comecinho de fevereiro. Ela me mandou ir pra casa, falou tudo que eu tinha que trazer. Falou: “Você vai pra sua casa, conversa com seus pais, e você tem que trazer isso, isso e isso. E você vai vir, eu vou te fazer uma prova, se você quiser ficar, você fica, se não volta do mesmo jeito que veio”, bem com essa linguagem. Aí eu me lembro que cheguei em casa, a gente deixava o ônibus na rodovia e ia descendo montanha pra chegar no nosso sitio. Cheguei em casa umas cinco da tarde, e meu pai estava sentado numa arvore, na sombra. E a gente é de uma família muito amorosa, já cheguei em casa beijando e abraçando todo mundo! E falei pro meu pai: “Pai, eu vim, mas eu não vou ficar mais aqui” eu me lembro que ele só perguntou pra mim: “Onde você pensa que vai?” “Eu vou ser Irmã”. Porque eu era dançadeira de baile, eu era muito alegre, festeira. “Você já pensou o que você vai fazer da sua vida?” “Já”. E eu tinha um namoradinho, viu? E essa Irmã, que já faleceu, a Irmã Clotilde, disse assim: “Oito dias! Que é o tempo de você arrumar seu enxoval e voltar”. E meu pai foi me levar, ele me entregou dentro do convento. (choro). (pausa). E aí ali, a experiência que eu tive que passar... Eu cheguei umas onze horas, onze e meia da manhã, e quando era meio dia eu já estava numa cozinha. Em casa minha mãe era cozinheira, e eu tive que fritar. Nessa época, no interior, Cascavel é uma cidade do interior, não tinham escolas. Então as meninas falavam que queriam ir pro convento pra ser freiras, mas era pra estudar. Porque era uma vida dura. Nessa época, nós éramos no convento, em Cascavel, 33 meninas, quando eu entrei. E dez Irmãs! Porque naquela época eram poucas as professoras de fora, erma as Irmãs que davam aula. E eu tinha, veja bem, voltando lá pra trás, só o primeiro ano de escola. E eu tinha 20 anos. Mas eu tinha feito um primeiro ano muito bem feito, e aí foi uma época queeu nem sei mais se era 62, 63, que veio aquela historia do MEC, que você pode fazer prova, não supletivo, uma prova que via que o aluno tinha capacidade. Então eu entrei numa sala nossa, cheia de criancinhas, pra fazer o segundo ano. Mas pra mim não tinha problema, foi problema pras freiras, que tinham pena de mim. Um belo dia veio a diretora da escola, a Irmã Amélia, que disse assim: “Olha, vai vir um pessoal aí, fazer uma prova com você, de matemática, português”. Eram quatro matérias, só. E me passaram pro terceiro ano, sem fazer o segundo ano. Me acharam gabaritada pra fazer o terceiro ano. Só que na época, veja bem, as Irmãs não tinham empregadas, éramos nós que fazíamos tudo, aquele monte de menina, era difícil. Até que chegou o dia, um dia eu me decidi por causa de um fato que aconteceu, que eu também não vou falar porque envolve as Irmãs da minha Congregação e eu quero preservá-las. Veio lá na sala porque as meninas tal e tal não iam pra aula com o dever feito. E aí a gente foi humilhada, e tal. E eu falei assim: “Eu vou embora! Vou embora pra minha casa, porque na minha casa com o que eu tenho já está muito bom. Mas essa Irmã Clotilde, que era a Superiora, tinha uma confiança em mim que era demais da conta! Essa freira me dava bolsas de dinheiro pra ir no banco colocar pra ela. Veja a confiança que ela tinha pra mim! E eu mal chegada lá!”.
P/1 – Nesse momento em que você sofre e se sente humilhada no convento, você se arrepende e quer voltar?
R – Não, não era arrependimento de querer voltar, era pela situação. Não era só eu, tinham outras meninas. A superior da casa, outras Irmãs, elas percebiam e falavam: “Não, você tem vocação, isso é uma coisa que vai passar!” e aí mudaram de trabalho pra ter mais tempo pra estudar. E aí claro, foi superada a situação. Fiquei dois anos em Cascavel, fiz a terceira e a quarta série em Cascavel. Aí veio uma Madre Providencial, na época, e disse que se eu quisesse, elas gostariam que eu viesse pro Noviciado, mesmo só com a quarta série. Aí a gente já não se sente tão dependente dos pais, porque eles perdem o poder sobre a gente, quem tem o poder sobre a gente é a superior da casa. Eu entrei com 20 anos, já tinha 22 anos, e aí decidi ir. Vim fazero meu período de formação mesmo, especifico da vida religiosa em Jundiaí, fiquei em Jundiaí dois anos e meio, que era um período que eu também digo que foi bom, mas não me acrescentou muita coisa na vida. Me preparando pra vida religiosa, pra assumir uma missão, porque a mestra era muito conservadora e não aceitava mudanças. Eu ainda peguei nesse período uma mudança com uma irmã que veio do Rio Grande do Sul, já não tinha que ajoelhar mais quando quebrava um copo, já não tinha mais aquelas penitencias doidas que a gente fala que serviam pra época, mas não mais pra época da gente! Porque muita coisa eu já tinha vivido com a família, era algo que pra gente não fazia sentido. Aí veio uma outra mestra, foi abrindo um pouco mais, e quando eu fiz meu primeiros votos, quero mostrar uma foto pra vocês, muito engraçada! Nos meus primeiros votos que foi dia 16 de julho de 67, não pode vir familiares, a não ser meu cunhado, esse meu cunhado que já morreu aí, ele foi o único que veio porque quis vir, falou que vinha, mas a mestra não deixou não era pra vir familiares nenhum, não queria nem foto! Mas ele tirou e me mandou, porque senão nem fotos eu teria desse período. E daí eu fiz os primeiros votos e vim morar em São Paulo, ali no Glicério, não sei se vocês conhecem. Fiz minha primeira missão ali, morei ali acho que uns dois anos, e saia dali do Glicério e ia pra Avenida Nazaré, pra começar a fazer o ginásio. Porque as Irmãs tinham essa preocupação, se não estudou, não tinha o ensino completo, tinha que estudar. Aí veio uma Madre Provincial e me transferiu pro Pari. Estudava lá, e ela foi ver que ficava muito longe, uma época que tinha muita violência sexual a noite em São Paulo. Ela com medo da distancia que eu estudava, eu sai do Pari e fui morar no Ipiranga. Morei ali, que ainda existe hoje, é um abrigo de meninos, morei ali uns dois anos. Conclui a sétima série e fui transferida pra outro estado, pra Ituiutaba em Minas Gerais. Lá em Ituiutaba eu já era Irmã, só que nesse período se chama de juniorista, eu era muito jovem, tinha meus 24, 25 anos, eu fui ser formadora. Porque naquela época não se exigia tanto pra quem cuidava de um aspirantado. Estudava a noite, durante o dia administrada o trabalho das meninas, os estudos das meninas que estavam ali pra serem religiosas, no período inicial, pra serem Irmãs. Ali eu morei quatro anos, em Ituiutaba. Era um período que eu estudava, terminei a oitava serie e já estava indo pra Uberlândia, que eu ia fazer faculdade de serviço social. Minha paixão sempre foi nessa área, ali terminei a oitava série e fiz o magistério. Estava tirando carteira de motorista e era juniorista, fui fazer faculdade em Uberlândia. Nós fomos conhecer a faculdade, o Serviço Social prestava serviço pra faculdade de Medicina! Olha que aprendizado eu ia ter na minha vida!
P/1 – Então a senhora passa a juventude toda nessas transições e já com cargos de responsabilidade?
R – Isso, já com cargo de responsabilidade.
P/1 – E tudo do jeito que a senhora gosta?
R – Não, tirando essa questão do estudo, que pra mim foi um período que eu pulei dentro da vida religiosa, pra mim era só amargura. Porque você imagina, todas as Irmãs tinham estudos, e eu só tinha até então o magistério, isso era muito pouco pra mim. Eu via aquelas Irmãs, com aquela desenvoltura, vinha gente da Itália, tinha Irmã que era doutora em teologia! Imagina?! Como eu ia me sentir? Eu me sentia muito mal! A cobrança dentro de mim, e meu pai já falecido, a cobrança dentro de mim era em relação ao meu pai. De vez enquanto eu tinha raiva, ódio do meu pai. Eu dizia pra mim mesma: “Ele me tirou o meu maior sonho, se ele não tivesse cortado as minhas asas, não sei o que eu seria!”, acho que eu seria alguém muito importante. Porque com meus irmãos não teve nada disso.
P/1 – Mas a senhora não sentia falta da vida mundana?
R – Não, que que é isso! Aí eu sei que ela já tinha ido ver faculdade, estava com aquela esperança, vou fazer Serviço Social, estou tirando carteira de motorista, já tinha passado nos primeiros exames! Aí veio a madre: “Olha, você já está velha pra fazer faculdade, só que a sua faculdade vai ser lá na roça!” “Que?”. Como o Carisma da Congregação é o migrante, tinha-se aberto uma missão, quem conhece a barragem, já ouviu falar de Foz do Areia, que é divisa de Santa Catarina com o Paraná. E ela diz assim: “A sua universidade vai ser em Foz do Areia, porque a Irmã que estava lá, por motivos inerentes ao trabalho pediu pra sair, e você vai lá no lugar dela”. Ixi, mas eu chorei! Fiquei arrasada, mas eu fiquei consciente quando fiz o voto de consciência né? E fui. Trabalhei lá, se eu não me engano, uns quatro, cinco anos. Trabalhei em Foz do Areia e depois voltei pra São Paulo.
P/1 – Qual era seu trabalho em Foz do Areia?
R –Lá era só pastoral. Visita as famílias, só trabalho religioso. Inclusive as refeições eram feitas no canteiro da usina, carro pra ir pra onde fosse pra fazer a missão dentro da barragem, tudo a disposição da gente.
P/1 – Era só trabalho de evangelização?
R – Só trabalho de evangelização.
P/1 – E essas famílias eram dos lugares mais diferentes do Brasil?
R – Ah, nordestino de tudo quanto era canto do Brasil, que vinha pra ganhar a vida nas barragens.
P/1 – Como era pra senhora esse trabalho, a senhora já começava a sentir uma realização?
R – Ainda não. Lá em Ituiutaba eu faço meus votos perpétuos, quando você se entrega praticamente definitivamente. Em Foz de Areia, cada uma de nós fechou a comunidade,porque se concluiu a barragem. Então eu voltei pra São Paulo e fui fazer um curso de pastoral catequética, durante um ano. E depois dali, então ela diz assim, em Rosana, agora sim no estado de São Paulo, próximo a Presidente Prudente, numa comunidade com barrageiros. Ali nós iriamos atender numa creche, pra anteder os filhos das mães solteiras, das consequências da barragem. O segundo município mais pobre do estado de São Paulo, que não é muito longe, Teodoro Sampaio, já estamos quase chegando aqui, muito pobre. Quem era governador naquela época, era uma peça muito indesejada. Que era onde ele desencadeava todo o seu desvio de dinheiro, nessa creche.
P/1 – Quem era?
R – Maluf, era o governador! Ali vinham toneladas de alimentos, que se perdia, jogava fora. Porque era desvio de dinheiro. Compra, a Irmã que foi a pioneira nesse trabalho, era quase motorista da mulher do prefeito, de tanta amizade que elas tinham. E nós fomos trabalhar nessa creche! Eu ficava olhando as famílias, pra vocês terem ideia, tal era a submissão, o encabrestamento, que essas famílias vinham de casa tomar o café da manhã. Nessa creche uma ala era creche, a outra era refeitório. Vinham jovens, menina, na época de ter trabalho, eles vinham tomar café ali. Era tudo posto na mesa, não tinham trabalho pra nada! Aquelas mulheres, com aquele bando de crianças, e também os jovens, vinham pra comer aquela comida que o Maluf trazia, que era feita e dada no prato. E aí eu acho que eu fui um pouquinho linguaruda! Um dia eu inventei de falar não sei pra quem, mas eu sei que eu falei que eu não aguentava aquela situação, você imagina? A pessoa não ter direito de levar essa comida, embora fosse tudo pronto, pré fabricado, e fazer na casa dela e fazer do jeito que ela queria, ela podia modificar aquela comida. Não, era ali! E o prefeito da cidade era Malufista. Então você imagina, um município como Teodoro Sampaio, que não era um município pequeno, veio uma usina e construíram um apartheid dentro da cidade, a vila dos engenheiros foi fechada com muros, onde se construíram as mansões dos engenheiros e encarregados, e eles moravam na periferia da cidade, num bairro totalmente construído pra eles. Eu convivia com a pobreza, e com aquelas pessoas nas barragens que eram católicas. Eu era coordenadora de catequese na paroquia então vinha ali, pra ajudar no trabalho da paroquia, então convidavam a gente pra ir na vila dos engenheiros comer. Eu tenho amizade até hoje, com gente que hoje mora em Ourinhos! O desperdício, gente! Vocês não fazem ideia, se fosse fazer CPI, o que era de desperdício de alimento, de bebida, que era tudo do Estado, da barragem, que se desperdiçava, jogava fora por esses engenheiros. Então de um lado a miséria, porque era miséria mesmo. Tinha Teodoro Sampaio, vinha Rosana, uns outros municípios mais pra frente, que o pessoal vivia nas ilhas do Rio Paraná, miséria total.
P/1 – Nessa época a senhora era ligada a alguma pastoral?
R – Não, nessa época não tinha ligação não. Porque na época era assim, se abria uma missão, quem sempre estava na frente pra abrir a missão era a Provincial, que era a chefe maior depois da Madre Geral, então competia a ela abrir uma missão, as Irmãs já iam vendo que tipo de trabalho iam fazer. Como eu só tinha o segundo grau, que é o magistério, e como eu trabalhava na paróquia coordenando a catequese, eu tinha a missão de unir as duas atividades, visitadora das famílias que tinham crianças na creche pra ver se a mãe estava trabalhando e por outro lado a pastoral catequética. Mas ai, quando eu abri a boca falando que eu não aceitava aquele estilo, sabe o que a prefeita me fez? E ela era muito parceira da Irmã que foi a pioneira do trabalho, ela chegou pra mim um dia e disse: “Olha Irmã Gregória, eu acho que seu trabalho é meio fora, não está sendo muito eficiente, como visitadora, a senhora vai ficar exclusivamente aqui dentro da creche”. Mas logo alguém veio buzinar no meu ouvido que era por isso, que eu tinha falado demais. Eu ia ficar confinada dentro da creche! Mas pra mim não tinha problema, eu gostava de criança, era um trabalho gratificante, cuidar daqueles bebes esfomeados que vinham pras mães trabalharem. E eu fiquei ali uns dois anos. E dali a Madre chegou pra mim e disse: “Olha, você vai ser transferida pra uma missão nova que nós vamos abrir na região de Ribeirão Preto”. E aí isso foi no meio do ano, eu comecei a me preparar, porque era uma coisa nova. Ali, até então, eu tinha bloqueado a minha carteira de motorista, e a pessoa que era responsável na região de Ribeirão Pedro disse: “Olha, é importante que as Irmãs que venham pra cá, no começo, que elas tenham carteira de motorista”. E aí eu fui tirar, em Teodoro Sampaio, a carteira de motorista. Quando foi em julho, 25 de julho de 83, as irmãs foram nos levar pra essa paróquia, que é uma cidadezinha chamada Dobrada. O sinônimo do lugar era: vinha um boiadeiro, vinha outro. Aí eles falavam: “Onde nós vamos nos encontrar?” “Na dobrada”, e o nome da cidade ficou Dobrada. Aí eu fui transferida pra lá, e a minha companheira, a Irmã Inês, uma pessoa muito bem preparada, ela trabalhava no colégio em Santo André. E fomos morar nós duas juntas ali. Acho que a responsabilidade da missão, alguma coisa mais que eu comecei a viver interiormente e me cobrando, eu vejo que nada pela visão de fé que eu tenho, acontece por acaso. Nada nada nada! E eu digo assim, a experiência mais bonita que eu vivi, nesse trabalho que eu estou hoje, foi exclusivamente uma experiência de fé. Nesse período em Dobrada, tinha um seminarista e a gente era muito amigo. E um dia a gente estava vendo sentado vendo a capelinha, a nossa capelinha era muito pequenininha, e a gente ali sentado conversando e eu chorando as pitangas: “Ai, porque eu não tenho faculdade” “Mas você não faz faculdade porque você não quer” “Como assim ‘eu não quero’?” “Ó, casa paroquial” onde a gente morava, da praça onde saia o ônibus, era pertíssimo. ”O ônibus sai toda noite, porque você não tenta fazer um vestibular?” “Mas faz tanto tempo já, nem sei quantos anos, dez anos que eu terminei o magistério, eu já esqueci tudo o que eu estudei” “Não, mas você tem que tentar, você só pode dizer que não valeu a pena se você tentar”. A nossa equipe tinha uma viagem programada pra Santos, pra descansar. Eu falei: “Eu não vou. Vou estudar e fazer vestibular”, a Irmã que morava comigo me chamando de louca, ela falava: “E o trabalho aqui, como vai ficar?” “Se eu passar, depois a gente vê”. Antes disso vinha um sonho, sonho mesmo, que era assim: eu chegava num lugar, tinham umas escadarias enormes – é onde minha vida começa a mudar, nesses sonhos – era uma escadaria enorme e eu via tantos jovens, tanta gente subindo aquelas escadas, e pensando: “Que sonho engraçado é esse?”. E você sabe que no dia que eu cheguei na faculdade, quando eu fui pisar o pé na escada, a vozinha dentro da minha cabeça: esse era meu sonho, subir aquelas escadas com aqueles jovens. Aí eu fiz o vestibular, passei o vestibular e fiz faculdade em Jabuticabal. Fiz faculdade de pedagogia. No segundo ano entrei numa crise que queria morrer, entrei numa crise depressiva porque não era ao que eu queria. Eu queria uma faculdade que me desse outra visão, eram uns professores conservadores! Ai meu Deus, eu queria outra coisa! Até um professor de sociologia queria que a gente apresentasse um trabalho, “Irmã, a senhora faz um trabalho tão lindo, faz uma exposição do trabalho que a senhora faz lá”. Quando eu acabei de apresentar o trabalho, que era em slide, ele falou: “Eu não me comprometo com nadinha do que a senhora falou aqui”. Professor de sociologia!
P/1 – Como era esse trabalho?
R – Situação dos migrantes. Mas eles eram pra lá de... Ganhavam o dinheiro pra não fazer nada, escola particular. “Ué professor, o senhor não precisa ficar com medo, pode só olhar o trabalho e me dar a nota”, ele era muito bonzão. “O senhor não precisa ficar com medo não, o trabalho é meu, eu vou levar os slides embora e não vai ficar nada pra trás!” . E aí vinham uns pensamentos na minha cabeça, eram sonhos mesmo, e de repente caiu um livro na minha mão! Alguém tinha esse livro, era: O Poder do Pensamento Positivo. E eu peguei esse livro, eu não li, eu devorei! E a mentalidade era assim, cobrando do meu pai, já, com muita convicção, que ele tinha que me dar aquilo que - eu usava essa palavra pra mim mesma, que é muito pesada - aquilo que o senhor roubou de mim, que era meu direito! Que eu tinha como filha, a única coisa que eu podia reivindicar, porque herança, essas coisas não é direito de ninguém, vai trabalhar depois que você consegue. E eu fui cobrando, fiquei nessa região, em Dobrada, estudando e trabalhando, me formei ali. Ali fechou, fomos pra uma cidade maior, Guariba. Fica a 75 quilómetros de Ribeirão Preto. Ali, nesse trabalho, até então eu não fazia nada mais do que os outros faziam também. Aí ali em Guariba, um padre que é muito amigo meu, que mora hoje aqui em São Paulo, na Igreja da Paz, ali no Glicério, me disse assim: “Olha, vai ter uma capacitação, pra um trabalho pra Pastoral da Criança, e eu gostaria que você fosse fazer” “Vou”. E ali eu deixei minha marca! Eu comecei a sentir o que faltava na minha vida. (choro). (pausa) Comecei a formar grupo de mulheres, e preparar essas mulheres. Eu morei cinco anos em Guariba. Eu consegui com essas mulheres, dando formação pra essas mulheres, cercamos a cidade, os bolsões de miséria! Um trabalho lindo, lindo, lindo! Nós criamos horta comunitária com a população pobre, organizamos uma pequena cooperativa de produção de multimistura que ia pra todos os bairros, e começamos um trabalho que eu falava que eu era o advogado do diabo! Uma associação de mulheres costureiras. Com o dinheiro que vinha com a multimistura, que a gente fazia em grupo, fizemos um investimento, compramos maquinas de costura num espaço fechado, tinha mulheres que faziam modelagem, a ultima revisão era minha, revisava as peças, colocava o preço, e outras que costuravam! Era uma coisa assim, gente, espetacular! Sabe quando você sente, porque eu sempre falo pras Irmãs: “Nós não podemos ser só realizadas enquanto vocação”. Não! Eu hoje posso falar como testemunho, você tem que deixar marca! Qual foi a missão dos nossos fundadores? Por exemplo, Scalabrini, quando ele assume aquele sofrimento dos imigrantes na estação de Milão, ele deixou uma marca, já faz 117 anos! E o padre Marchetti e a Madre Assunta, que foram os co-fundadores de uma Congregação! Você tem que deixar marcas! Esse trabalho ia de vento em poupa, a gente já tinha parceria com a Prefeitura. No dia da festa da vida, pras crianças, eu pegava uma Kombi e distribuía em todos os grupos o que nós colhíamos nessa horta. Pra uma cidade do interior era uma coisa nova. Mudou de padre na paróquia, eu mulher, você imagina!
P/1 – Esse padre era mais conservador?
R – Era, era! Eu convivia com padres jovens. Ah! Um dia eu pego o carro e vou pra Jundiaí pra um encontro de leigos. Quando foi na segunda-feira o homem foi lá na nossa casa cobrar, você imagina a ditadura, o cabresto dentro da Igreja! Ele veio cobrar de mim que eu teria pego os leigos e levado sem licença dele pra Jundiaí pra participar de um encontro de dois. Eu falei: “Eu não sabia que o senhor mandava nas pessoas aqui agora, não?”. Ficou por isso mesmo, cada vez que eu tinha que pegar o carro ele escondia a chave e eu tinha que depender dele lá. Até que a situação ficou tão desagradável, que ele escreveu uma carta pra minha Madre Providencial, ele dizendo em meu nome, que eu estava cansada, que eu era uma pessoa muito difícil de dialogar, que eu era muito individualista, e ela acatou a carta. Mandou me chamar em São Paulo, e eu vim chorando, porque eu sabia que era transferência. Eu nunca, até então, já tinha feito 25 anos de vida religiosa, que eu fiz naquela missão em Guariba. Nunca uma Madre teve que me chamar pra cobrar tal coisa, porque eu sempre fui responsável, sempre fiz meu trabalho, ninguém nunca precisou me chamar.
P/1 – Essa cooperativa que a senhora ajudou a criar, continuou?
R – Sim. Ficava lá, ia depender da Irmã que ia no meu lugar. Aí me transfere pra morar na Zona Leste. Só que eu continuava com aquela cobrança pro meu pai, que já tinha morrido há muito tempo, e os sonhos, eles eram quase que semanais, eu tinha os mesmos sonhos. Mudava o jeito da casa, eu nunca fui atrás de interpretação, mas era muito forte.
P/1 – O mesmo sonho de antes?
R – O mesmo sonho de antes, eu sonhava com casa. E vai, vim pra São Paulo, ai ela contou várias coisas, preparei essas lideranças, tive tempo de seis meses pra preparar essas lideranças em Guariba. Era pra eu morar na Zona Leste, a mala mais pesada já estava lá, no Jardim Elba, “Tudo bem, vou morar lá e trabalhar com o povo da favela”. Não conhecia favela, conhecia a realidade de Guariba, mas não era favela. Aí pedi pra fazer um curso de um mês em Curitiba, no CEBI, “A Leitura Orante da Bíblia”, e ela me deixou ir, eu fui. Quando estava quase no final do curso, era no dia que tinha o melhor passeio do grupo. Ela mandou uma Irmã me telefonar, que ela queria conversar comigo, pra eu voltar pra São Paulo. Eu falei: “Não vou. Desculpa, fala pra ela que ela não interprete no sentido de uma desobediência, mas eu não vou perder essa oportunidade! Eu estou aqui há um mês, o grupo inteiro vai, e eu vou perder?” Nós íamos pras montanhas, aquela viagem de trem em Curitiba! Morretes! “E fala pra ela que olha, se ela quiser me ligar a noite vou estar em casa, que ela pode me mandar pra onde ela quiser. Não tem problema não, não vou discutir nada!”. Ela me liga e fala: “Olha, é que teve problema ali no CESMI, na Rua Heitor Peixoto e você não vai mais pra Zona Leste. Você vai trabalhar nessa obra nova, lá no Cambuci”. Imagina se eu ia discutir, menina! E eu já tinha ido conhecer a moradia e o trabalho. “Ah, tranquilo! Que dia a senhora quer que eu esteja em São Paulo?” “Dia 13 de fevereiro de 97”. A data, essa é inesquecível!”.
P/1 – Eu gostaria de voltar numa coisa que a senhora disse, que eu achei muito interessante, que na vida nada é por acaso, que existe um destino. A senhora pode falar um pouco sobre isso?
R – Não, não é destino. Porque eu poderia ter pego a minha historia e ficar com conformismo. Eu não fui pra escola quando eu era criança, eu poderia ter ficado com conformismo. Eu poderia dizer assim: “Ah, pros trabalhos que eu vou fazer o magistério é suficiente?”. Eu poderia ter lido aquele livro? E simplesmente dentro de mim não ter ficado nada. Mas eu assimilei aquilo e acreditei que aquilo era possível acontecer. Não sei como. “Sou religiosa, não vou me casar, tenho essa casa. Por que essa casa?”. Mas esse sonho era constante. Às vezes passava uma semana, 15 dias, essa casa mudava de aspecto, mas não mudava de essência. Aí chegando vou morar em São Paulo, faço meu trabalho, e pensava assim: “Eu não fui feita pra ficar atrás de um escritório”, porque era o que me tinha sido colocado. E fui à luta. Pegar aquele trabalho que as Irmãs deixaram pra mim, que eu ia coordenar, fui participar de uma Feira dos Excluídos. Lembra disso? Lá no Banespinha. Fui lá, e vendi? Vendi nada. Eu mostrei a cara do trabalho, e lá, por isso que eu te falo, nada nesse mundo é por acaso. Lá eu conheci uma pessoa, uma religiosa, que era coordenadora da Cari da Arquidiocesana. Hoje eu olho, dou risada, olha, eu vim de uma experiência de Guariba, com a medicina natural. Eu tinha feito curso, estava bem preparada. E você imagina vim implantar um sistema desse aqui em São Paulo, fala a verdade se isso não é loucura? Eu conheci essa Irmã na Feira dos Excluídos, fizemos amizade e contando. Você esta recém chegando em São Paulo, quer ver janelas. Ela disse assim: “Irmã, porque que a senhora não faz um projeto e apresenta pro seu Antônio?”, que era um dos coordenadores administrativos da Cari da Arquidiocesana. Aí eu falei: “Mas credo, não sei nem como vou colocar isso no papel? Ninguém nunca fez um negocio desse!” “Ah, mas dá!”. Hoje ela é nossa provincial! Você conheceu ela, aquela negra, forte, alegre! “Irmã, olha, eu preciso da sua ajuda, vamos lá!”. Nos montamos esse projeto, e ele era, menina, restitutivo! Era me dólar! Tinha que restituir o dinheiro, era empréstimo. Olha minha loucura! E eu emprestei esse valor, montei uma farmacinha, farmácia era um trabalho!
P/1 – Já no Cambuci?
R – Ali na Rua Tenente de Azevedo. E eu comecei a atender tanta gente, que começaram a acontecer alguns milagres. Vinha gente de Itu, de Pedreira, lá perto de Piracicaba. E vinha gente com câncer, gente que vinha amputar uma perna, e eu cobrava um pouco, porque todo o material, as ervas e tal, tinham que ser compradas de lugares recomendáveis, tudo certinho. E eu sei que... Eu não tinha nada pra fazer ali! Eu fui reformando aquela casinha, arrancava uma janela, punha um vitro! Aquela cozinha que antes era pra fazer chinelo, “ih, isso não vira em São Paulo, você vai ali no Brás e pronto, vamos acabar com isso!”. Acabei com aquele curso de chinelo e aí começaram a aparecer doações de farinha de trigo! Era tanta farinha de trigo que a gente dava pros cortiçados ali. E aí minha funcionária, que é minha funcionaria até hoje, a gente sempre conversava, falava de comida e não sei o que. Falei: “Nancy! Olha o tanto de farinha, vamos fazer pão” “Ah Irmã, a senhora é quem sabe”. E ela morava ali do ladinho, três casas pro lado, num prédio. Ah menina! Começamos numa quinta-feira a fazer pão. Eu fazia a massa e ela fazia os recheios. Nós começamos a dar emprego, só na quinta-feira, pra quatro adolescentes. Tirava a porcentagem do CESPROM, que na época era CEPROM, tirava uma porcentagem pra ela, e pras quatro crianças. Eram crianças, que à tarde levavam pra vender no salão de cabelo, na vizinhança. Aí, com esse pão, eu inventei de escrever uma carta pro Banco Bradesco. O Banco Bradesco deu quatro mil reais na época, eu comprei um forno que parece que tinha sido a medida naquele lugar que na casa era o tanquinho e a maquina de lavar, o forno coube certinho ali dentro, não pegou o espaço da cozinha. E eu montei ali o primeiro curso de panificação e confeitaria. Dali vem o pessoal do Estado, que escutou falar desse trabalho pra fazer visita. A pessoa que tinha assumido já, que não era mais essa Irmã, era uma leiga ,coordenando a Caritas, que era assistente social. Ela veio fazer avaliação porque era pra pagar em 17 meses o projeto das ervas e em dez meses eu paguei. O dia que eu fui pagar, no Banco Itaú da Lins de Vasconcelos, porque eu morava ali na Heitor Peixoto, estava chovendo, chovendo, eu fui com um guarda chuva pra fazer aquele ultimo deposito. Quando a moça do caixa me entregou o ultimo papel, a lagrima me escorria pelo rosto, de tanta emoção! Eu falava assim: “Pelo menos eu não estou desmoralizada na frente das Irmãs por não pagar isso!”. Chovia, e eu coloquei a sombrinha assim na frente e eu pensava: “Olha, estou chorando mas não é de tristeza, é de alegria, meu sonho foi realizado!”. Tinha todos os equipamentos que precisava praquela bendita farmácia...
P/1 – A senhora coordenava e monitorava esses dois projetos ao mesmo tempo?
R – Tudo, tudo! Aí veio esse dinheiro, compramos o forno, comprei uma batedeirinha, e aí veio o pessoal do Estado pra fazer visita e falaram assim: “Irmã, a senhora precisa apresentar um trabalho pro Estado porque esse projeto é maravilhoso!”. Aí me apresentaram uma entidade que estava rodando no dinheiro, não sei como eles conseguiam, na época do Mario Covas. “E a senhora com um trabalho belíssimo desse não tem um centavo!”. Aí fomos com essa menina, apresentei lá os projetos, e o projeto foi aprovado! Nós tínhamos por mês, nessa casinha, 70 mil e 200 reais por mês! Você imagina? Em 2000, por aí. Era dinheiro. E aí a gente teve que alugar uma outra casa! O CEPROM já sai ali daquele perímetro de quatro cômodos e nos alugamos uma casa que dava pra dentro de um cortiço, que sobe ali na Rua Muniz de Souza. Ali a gente colocou curso de manicure com voluntarias, e o curso de panificação ia de vento em poupa, com um monte de gente que queria se qualificar. Se você olhar as fotos que tem dessa época! Coisa mais linda! Mais um belo dia, alguém tinha me dado um endereço, e esse endereço era da Espanha. E olha o que que eu invento de pedir nessa carta, porque nessa época não tinha computador, eu ditei a carta e a menina que dava aula de datilografia escreveu. Ali pusemos tudo o que a gente fazia lá, e o sonho que tinha de fazer, e vai uma carta, uma carta vem e chega um belo dia, numa dessas cartas dizia que meu pedido tinha sido aceito! Dessa casa!
P/1 – O pedido era uma casa?
R-Era uma casa! Olha o sonho. Eu pedia na época 43 mil dólares pra comprar uma casa em São Paulo. (choro).
P/1 – Mas já tinha casa em vista?
R – Não. Aí começamos a procurar casa. Aí tinha bem pertinho, ali, que foi o maior sofrimento que eu tive, esse período. A casa, era uma casa pequena, e eu pensava assim: “As Irmãs, quando compraram essa casa aqui, não pensaram longe! Com cinco anos essa obra vai estar na mesma situação que a anterior”. Aí vai procurar casa. A Irmã que era a administradora me deu carta branca. Ela falou: “Como você está no trabalho, você vai procurar casa. A hora que você achar casa que seja no valor do dinheiro que você vai ganhar, e a venda da outra, você pode fechar”. Aí eu procuro casa, procuro, entrava numa casa e não gostava... Porque nessa época eu já tinha projeto com o Mario Covas, Projeto Famílias e Jovens. “Isso aqui não dá, pra mim não me agrada”. Aí um dia, estava vendo uma casa, e o corretor ficou escutando eu falar. Ali ele me puxou de canto e falou: “Escuta, eu estou escutando a senhora falar que quer uma casa assim, assim e assim, eu tenho essa casa!” “Mas ó, não vem me tirar do bairro, eu não quero sair daqui, eu quero ficar aqui. O CEPROM, na época, já tinha um nome na região” “Não, senhora quer vir aqui ver?”. Catei minha faxineira e falei: “Fulana, vem comigo que a gente vai ver uma casa!”. Aí chegamos lá e era a casa de um coreano! Eu já entrei assim, um cachorro enorme na porta. Eu só sei que eu subi a escada até onde hoje é a sala de costura. Até ali eu vi. Parece que eu fui tomada de uma coisa, que eu não vi mais nada. Eu andei a casa inteirinha e não vi mais nada. Só vi que a casa era grande. Aquilo que eu senti na faculdade, mas diferente, era uma emoção tão grande, e um medo que aquilo não pudesse ser meu. Aí andamos, andamos, andamos, “meu deus, que salão! Isso aqui é um sonho, não é verdade!”. Aí cheguei de volta, liguei pra Irmã, e o valor da casa era o valor que a gente podia comprar. Eu falava: “Às vezes falar demais é ruim, de repente tem outra casa mais barata, a gente pode ficar com um pouco de dinheiro pra depois fazer reforma, e tal”. Fomos ver uma casa, eu e a Alice. Eu cheguei na casa e falei: “Nossa Alice, pelo amor de Deus, isso aqui não é pra nós!”. O corretor ficou com tanta raiva, no outro dia ele foi lá, e olha a ingenuidade minha, ele perguntou onde era a casa que eu estava interessada, e eu falei. Que que ele fez? Ele ligou pro dono da casa e falou que tinha uma pessoa que queria comprar aquela casa, na época por 300 mil reais. Aí o corretor que tinha me mostrado a casa me ligou e falou: “Irmã, que que aconteceu, Irmã? Entrou areia?”. Ele falou assim pra mim, desse jeito. “Que que aconteceu?”. Ah, olha! E o dono da casa era conhecido, ele era nissei e o outro era coreano mas eles se conheciam bem. Ai menina do céu, que sofrimento! “Se foi pro bebeléu!”. Eu invento de escrever uma carta, aí nessa época já tinha computador, passo um e-mail pra Manos Unidas, dizendo que a gente tinha encontrado uma casa assim, assim. O dinheiro já estava na minha conta! Eles me mandaram uma carta dizendo, como, pra nós aqui, se eu digo assim: “Olha, eu vi esse copo. Mas pra mim esse copo é pequeno”. Aí eu compro um copo maior, porque eu tenho finalidade com esse copo maior. Não muda de objetivo. Mas pra eles mudava de objetivo. Eles me boicotaram, disseram que eu não podia por a mão no dinheiro até que eu justificasse porque a mudança de um imóvel pro outro. Foi muito fácil, eu e essa assistente social que era uma coisa fora de série, fizemos uma carta. A pergunta da carta era assim: “Porque o Projeto do Estado atrapalhou a compra da casa?”. Eles não entendiam, por mais que a gente falasse. Ai nessas alturas, menina, eu ia embora, quando chegava um e-mail desses, imagina como eu ia embora! Sem ter ninguém pra desabafar, porque ninguém entendia o que eu estava vivendo. Era só eu. E eu falava: “Qualquer dia desses eu vou sofrer um acidente”. Até que de tanto justificar, eles disseram que eu queriam um croqui da casa, e que eu justificasse em cada cômodo o que ia funcionar. Porque no pensar deles, uma casa com tantos cômodos, devia estar caindo aos pedaços, quem ai reformar essa casa? Eu falei: “Ah, aminha Congregação vai reformar”. Aí fui atrás do corretor, falei assim: “Seu Samuel, eu preciso do croqui dessa casa, não pra ontem, mas pra semana passada!” “Pode ficar tranquila!”. Aí me trouxe o croqui, e eu e a assistente social fomos colocando tudo o que a gente sonhava e já estava em projeto pequeno, aí mandamos. Acho que não levou dois, três dias, uma semana, chegou um e-mail: “Irmã Gregória, o dinheiro está liberado pra senhora comprar a casa!”, você imagina!
P/2 – Uma coisa eu não entendo, a casa era aquela grande que o cara tinha subido o preço?
R – Aquela casa grande.
P/2 – Mas pagando um preço superior do que vocês imaginavam?
R – Não, pagando-se o preço que a gente queria, que a gente tinha a possibilidade. Aí ele falava assim pra mim, me ligando direto: “Irmã, a senhora fica tranquila que aquela casa vai ser sua”. Até que, claro, ficou confirmado que era mentira do homem, ele não tinha comprador nenhum praquela casa, 300 mil reais! Ainda mais ali, tinha um cortiço enorme que dava até medo de ver! Numa região já meio tenebrosa! Aí o homem chegou, 235 mil reais e foi na época que ainda estava em dólar o dinheiro, no Banco do Brasil. E aí o dólar começou a subir, porque até então eles ainda não tinham legalizado a troca, veio tudo legalizado, o dinheiro de forma correto. Eu sei que eu tinha já, naquela época, fazendo umas pequenas reservas no banco, guardando um pouquinho aqui, um trocadinho ali, guardava o dinheiro, eu sei que quando ele disse: “Irmã, a casa é de vocês, eu vou entrar em contato com a Madre de vocês...”. Essa que hoje é nossa Madre Providencial, a Irmã Neuza Mariano e a Irmã Oneide, a Irmã Neuza era do Organismo do Apostolado, e a irmã Oneide era administradora. Elas vieram na véspera do dia de Nossa Senhora Aparecida pra ela poderem ver a casa e iam pra Roma pro Capitulo Geral e pedir autorização da Madre Geral pra comprar a casa. Aí olharam a casa e Vixe Maria! Não teve nenhum questionamento, foi essa casa mesmo. Dai elas foram pra lá, a Madre autorizou a compra do imóvel. E oficializou a compra. Acredita que compramos a casa e uma semana depois, aquela casinha nossa, que era tão pequenininha, tinha atrás da porta uma rachadura de cima a baixo. O engenheiro que reformou a casa colocou uma viga muito pesada, a pessoa viu e compraram a casinha por 60 mil reais! O dinheiro que faltava pra completar, foi o valor da casinha. A Província não teve que tirar um centavo das economias dela. E aí, quem vai reformar essa casa? Quem vai adaptar essa casa pra gente poder entrar? Porque a outra casa pagava aluguel e IPTU. Uma jornalista, que era voluntaria na entidade, vinha uma vez por semana ajudar a gente, colocar a gente um pouquinho na mídia, falou assim: “Irmã, tenho um amigo que é de um coração que a senhora não imagina!”, e esse cara nunca tinha me visto, nem mais gorda, nem mais magra. “Por que a senhora não passa um e-mail pra ele? Ta aqui!”, ela passou pra Alice, passar um e-mail pra ele. Quem sabe o que vai acontecer? Quem sabe? E eu fiz isso, menina! Esse cara me responde assim: “Na hora que a senhora pegar a chave na mão, liga pra esse celular” (choro). E aí o corretor veio e falou: “Olha Irmã, a casa é sua, está tudo prontinho, escritura, está aqui a chave”. Eu liguei pra essa pessoa, e ele disse assim pra mim: “Amanha, as dez da manha, a senhora me passa o endereço e euestou na porta da sua casa!”. Era o irmão do arquiteto. Eles reformaram a casa inteirinha! (choro). Fez a primeira, a segunda reforma, porque a primeira vez a gente viu umas coisas, depois vimos que precisava de coisas de segurança. Fizeram a primeira, a segunda reforma, e agora na ultima ampliação não. Ajudou na cobertura... Essa pessoa se chama Antônio Cetim.
P/1 – Foi uma doação, então?
R – Foi. Não perguntaram o que era caro, o que estava no orçamento, nada. Quando foi no dia 28 de setembro, oficializou tudo em maio, dia 28 de setembro mudamos pra casa, foi tudo transferido pra lá.
P/1 – Isso foi em que ano?
R – 2003! Aí a questão desse sonho, acabou! Era tão forte aquilo, e aquilo que eu vivia interiormente. É uma experiência que você não fala. E comecei a ter sonho com carro! Era eu tirando carro do brejo, era eu mexendo com carro! Um ano depois, eu tinha escrito uma carta, tudo na base de carta, pra uma instituição dos Estados Unidos, aí era dia de carnaval, estava de manhã cedo em casa “Irmã Gregória, o Dom Emanuel quer falar com a senhora” “Credo, o Bispo nunca quis falar comigo!”. Falou assim: “Ah, Irmã, lembra que a senhora fez há muito tempo um projeto pra eu assinar? Estou com o cheque na mão pra comprar carro! A senhora pediu um carro, estou avisando pra senhora vir aqui na Cúria pra pegar o cheque pra comprar o carro que veio pro CESPROM”. Acabaram os sonhos! Nunca mais sonhei com casa, nunca mais sonhei com carro! Tudo o que tem dentro da casa, computadores, é tudo assim... Tudo, tudo, tudo na Divina Providencia. Pessoas que se encantam com a gente, que se encantam com o trabalho e doam. Só assim, com relação a casa ainda. A casa tem salão térreo, outro salão no segundo piso, e em cima tinha uma laje sem cobertura. Aquilo, quando chovia, era uma coisa! E eu participava muito. De reuniões, tinha lá a da Primeira Dama, o Instituto ISO, era da dona Lila Covas, uma mulher muito comprometida com as entidades. Uma vez eles chamaram a gente pra uma reunião, eu já tinha feito parceria com eles. Era uma reunião pra avaliar o que tinha na entidade que a gente achava que precisava melhorar. Eu falei dessa cobertura, que tinha hora que me causava medo, era uma laje, a gente sabe o efeito da laje, como é e tal. A pessoa que era secretária do Instituto ISO, mas o Instituto ISO era essa pessoa, porque a Primeira Dama confiava tanto nessa mulher, que era ela que fazia o Instituto andar, ela que estava comandando a reunião.No dia seguinte me apareceu um senhor dizendo que a Sandra tinha ligado pra ele, que ele era uma empresa de construção civil e queria ver a casa e como era a laje. Eu olhei pra cima e falei assim pra ele: “Seu José, atrás desse piso, dessa laje, tem um sonho” “Que sonho?” “Eu sonharia, porque eu subi lá e tem estrutura pra fazer um novo piso”, sem licença de prefeitura, sem nada. E foi feito. Hoje, na verdade, essa casa tem dois pisos, o térreo a gente não conta, tem o segundo salão, e depois um salão em cima que foram feitas as paredes, a cobertura, e onde era a laje, hoje é uma sala de informática com capacidade pra 25 pessoas.
P/1 – Fale um pouco sobre como está hoje, e como a senhora se sente com esse projeto?
R – Olha, quando eu subo no segundo piso, onde é hoje a sala de corte e costura, tem hora que eu ainda não acredito. E nós celebramos já, ano passado, 15 anos de atividade. Foi uma celebração de Ação de Graças, porque 15 anos a gente trabalhando ali, e foi o momento de reunir as pessoas que de fato ou foram, ou são ainda os nossos parceiros, voluntários e benfeitores. No décimo ano a gente homenageou, com uma placa na nossa recepção, a família Cetim, que deu a reforma da casa. Então veio toda a família toda eles foram homenageados, foi colocada a placa ali. Agora, nos 15 anos, homenageamos uma família que são os benfeitores da padaria. A família Cruz, eles têm empresa, uma família muito rica. Eles são nossos benfeitores, colocamos uma placa já mudando um pouco, porque antes não dávamos uma réplica da placa pra pessoa, então agora nos 15 anos demos uma placa pro seuAntônio com uma replica da placa, e também pra essa família, são eles que mantem a padaria. E a padaria, é assim por dizer, quem paga as contas do CESPROM. Eu pago a secretaria, tem uma secretaria, a mulher da costura e dou uma ajuda de custo pra Patrícia e pra pessoa da manicura, que pediu um salario, ao invés de vir na carteira a gente repõe pra ela. Então eu penso assim, esse projeto, só quem viveu intensamente e sabe o que ele representa, o valor emocional sou eu. Porque eu vivi a construção do sonho, que era sonho mesmo, e depois essa questão do emocional, que ainda era uma cobrança. Falar uma coisa dessa parece ser uma coisa absurda pra quem não tem fé. Essa cobrança que eu fazia pro meu pai, de ter uma escolaridade quando eu queria. Então isso ficou, eu dizia pra ele que ele tinha que me dar tudo o que significaria o valor dos estudos que eu deveria ter. Era um preço muito alto, porque quando já tinha adquirido a casa, o carro, eu vinha vindo trabalhar, já tinha o rodizio, e eu tinha ficado em casa não sei porque cargas d’água. Quando alguém fala que o espiritismo não existe, que nós somos bobos, eu vivi isso de uma forma tão real que eu estava no volante, em plenas dez horas da manha no transito do Brás e vi meu pai na minha frente. Eu via a fisionomia do meu pai e comecei a chorar no volante, era como se ele dissesse pra mim: “Minha filha, tudo aquilo que eu te tirei, eu te devolvi”, eu interpretei que era isso daí, porque é um projeto muito grande. Imagina, o valor daquela casa hoje! É uma fortuna, tudo o que foi feita nela, eu fiz garagem, uma sala de oração, porque eu rezo de manhã, além do que eu rezo em casa, eu rezo uma hora de manhã. Esse dinheiro eu fui guardando, guardando, pra reforma dos 15 anos eu devo ter gasto quase 40 mil reais. E não peguei um centavo da minha Província, eu tinha tudo guardado.
P/1 – E tem alguma coisa nesse sonho que a senhora deixou ou gostaria de ter feito?
R – Nada, nada, nada. Porque era ao mesmo tempo da realização de um, não é sonho, é você ver a concretização de um trabalho que você olha pra trás e pensa que jamais chegaria num patamar desses. As vezes eu olho e penso: “Meu Deus, nem que eu vivesse cem, 200 anos pra te agradecer” (choro). Porque tamanha a Graça. Quem que consegue hoje em São Paulo, do nada, porque era do nada, um imóvel daquele jeito, pessoas que Deus foi colocando assim, que ó, eu falo pra você, o acaso não existe! Existe determinação, existe busca, existe sonho, esperança, confiança em Deus, na Divina Providencia, na Misericórdia de Deus que diz assim: “Eu não abandono nenhum daqueles que se jogarem nas minhas mãos”. E eu fiz isso.
P/1 – E tem mais algum sonho que você gostaria de realizar, de hoje pra frente?
R – Olha, eu acho assim, a gente só para de sonhar quando a gente morre. A nível pessoal, eu, em 97, fui sorteada pra ir pra Itália, fui conhecer a Espanha, fui conhecer várias cidades. E fui pra Madri, que era o maior sonho, a Espanha, berço da minha família. E o ano retrasado fui de novo, fiquei 47 dias. Tive a felicidade de conhecer a terra onde nasceram nossos fundadores, onde eles viveram, onde eles também realizaram sonhos. Por exemplo, a pessoa que eu amo assim, eu amo nosso fundador, mas as duas pessoas que eu me espelho, tenho verdadeira paixão, o Padre José Marchetti, que o CESPROM Cambuci tirou o nome, porque civilmente não pode ter nome de ninguém em propriedade. Mas ele que é o patrono da casa. Padre Marchetti, um homem que com 26 anos de idade veio pro Brasil, e numa segunda volta foi conversar com o Dom Scalabrini, que queria ser missionário a bordo, acompanhar os imigrantes. Nessa viagem morreu uma mãe, que tinha um bebe. Quando foram jogar o corpo da mãe, o pai também ia se jogar. E o padre Marchetti apoiou esse homem, disse que quando chegasse no Brasil, ele mesmo ia arranjar uma instituição pra cuidar dessa criança. (pausa) (choro).
É impossível falar da vida da gente chorar. Então, e aí nessa viagem, o Padre Marchetti assume essa criança, chega no Brasil, volta de novo pra Itália e fala assim: “Precisamos de Irmãs!”. E quem ele vai pegar? A Madre Assunta, que é irmã dele e quer ser Carmelita, coitada. Já pensou? Ela nunca tinha pensado, na vida dela, e eu fui conhecer lá a casinha onde eles moraram, o moinho, uma coisa maravilhosa esse carisma todo! E ele chega pra ela e diz assim” Assunta, vamos embora pro Brasil comigo e você vai ser missionaria!” “Não, eu quero ser Carmelita”, e nós temos muita devoção com o Coração de Jesus. E na casa deles tinha um Coração de Jesus. E o Padre Marchetti fala pra ela: “Você vai lá e se consulta com ele e vai ver o que ele fala pra você” ela foi, voltou e disse: “Eu vou embora com você!”. Aí veio o Padre Marchetti, Assunta, a mãe deles dois e mais umas pessoas, era um grupo de sete pessoas. Umas jovens que ele acompanhava na direção espiritual, meninas que queriam ser religiosas. Você vê o poder de persuasão desse jovem, de trazer um grupo embora pro Brasil! Foi aí que eles foram, conversaram com o Dom Scalabrini, e aí, no dia de hoje 117 anos, eu 1895, eu fui na capela onde eles receberam os primeiros votos, e receberam o habituspavesti no navio! Receberam o crucifixo e vieram embora por Brasil. Se instalaram ali no Ipiranga. Olha a determinação desse homem, em um ano ele construiu, e ainda está de pé, o abrigo das meninas, devolveram pra nós e eles ficaram com o orfanato dos meninos, onde o Padre Marchetti viveu dois anos de vida! Ele era uma pessoa tão determinada, tão obcecada por Deus, que o calendário dele tinha escrito o que ele fez e Graças a Deus, Louvado Seja Deus, em italiano. Através dele e da Madre Assunta, e do carisma porque o carisma não é deles, é do Dom Scalabrini que viu naquela ferida que precisava de gente. Quem assume vem aqui pro Brasil? Dois anos ele morreu de tifo, um ano depois construindo, a obra do Ipiranga inaugurada, Vila Prudente inaugurada, pra nós ele é um meteoro! Que passou e deixou a marca. Eu já tenho quine anos, a minha marca eu deixei há quinze anos.
P/1 – A sua marca também é muito forte.
R – Então por isso que eu te falo, a gente não sabe o tempo. Porque o tempo passa muito rápido, se você ficar pensando, maquinando, você não faz nada.
P/1 – E vir aqui, contar a sua historia, a historia de todo esse projeto, como é que está sendo?
R – Na verdade eu pensava que fosse contar só a história do CESPROM, do trabalho. Contar a minha historia assim, é bonito! Porque você vê, eu não vou viver a vida inteira. Eu não vou viver 200 anos, e a minha historia vai ficar ai. Olha que coisa maravilhosa! E o que eu fui lendo ali, a questão da determinação, do querer, é isso! É minha vida, minha vida foi assim. Desde o primeiro momento em que eu decidi sair da minha casa pra enfrentar o desconhecido, a vida religiosa, é determinação, é coragem, é desafio. Mas se a gente não enfrenta os desafios, a gente não faz historia. Faz historia quem enfrenta os desafios e faz os seus, e vai mudando eles.
P/1 – A gente agradece, a sua história é linda e especial, obrigada por esse momento. Também é muito importante pra gente ouvir a historia.
R – Obrigada!
Recolher