P/1 – Boa tarde, eu queria que a senhora falasse seu nome completo, o local e a data de seu nascimento?
R – Lucimar Coelho Penna, eu nasci em Bragança no estado do Pará, no dia 13 de outubro de 1921, no século passado.
P/1 – Todos nós somos do século passado. A senhora fala para gente o nome do seu pai, da sua mãe, e a origem deles?
R – Meu pai se chamava Oscar de Andrade Sirlei Coelho, nascido numa pequena vila chamada Matapiquara no município de Castanhal, Pará. Minha mãe era Francisca de Souza Coelho, nasceu em Manaus, Amazonas.
P/1 – A senhora lembra dos seus avós?
R – Eu só conheci minha avó paterna e minha avó materna.
P/1 – A senhora lembra o nome?
R – Minha avó paterna se chamava Francelina, era filha de austríacos, muito branca com os cabelos brancos que caíam até a cintura, falava atravessado, mas era muito forte, muito ríspida, só a vi por um pouco espaço de tempo, foi na minha meninice, depois não a vi mais. Minha avó materna também era meiga, pequenina, alourada e já a vi também nos últimos anos de vida dela, porque ela era frágil e só a vi também durante um pequeno espaço de tempo.
P/1 – O nome dela a senhora se recorda?
R – Ana.
P/1 – E de que origem que ela era?
R – Era filha de nordestinos.
P/1 – Da parte da sua mãe, nordestinos?
R – Nordestinos, nascida em Manaus e da parte do meu pai paraenses e a mãe dele que era filha de austríacos.
P/1 – E qual foi essa influência dos austríacos para a sua família?
R – Talvez o espírito muito forte do meu pai, era muito severo, muito reto. E isso eu tenho muito do meu pai, essa característica assim muito dinâmica, muito de linha reta, a vida dele era sempre assim: quero fazer, vou fazer e conseguia. Ele tinha uma força de espírito muito grande, ele dizia estou sempre bem, graças a Deus, ele era forte, eu desconfio que isso era um pouco.......
Continuar leituraP/1 – Boa tarde, eu queria que a senhora falasse seu nome completo, o local e a data de seu nascimento?
R – Lucimar Coelho Penna, eu nasci em Bragança no estado do Pará, no dia 13 de outubro de 1921, no século passado.
P/1 – Todos nós somos do século passado. A senhora fala para gente o nome do seu pai, da sua mãe, e a origem deles?
R – Meu pai se chamava Oscar de Andrade Sirlei Coelho, nascido numa pequena vila chamada Matapiquara no município de Castanhal, Pará. Minha mãe era Francisca de Souza Coelho, nasceu em Manaus, Amazonas.
P/1 – A senhora lembra dos seus avós?
R – Eu só conheci minha avó paterna e minha avó materna.
P/1 – A senhora lembra o nome?
R – Minha avó paterna se chamava Francelina, era filha de austríacos, muito branca com os cabelos brancos que caíam até a cintura, falava atravessado, mas era muito forte, muito ríspida, só a vi por um pouco espaço de tempo, foi na minha meninice, depois não a vi mais. Minha avó materna também era meiga, pequenina, alourada e já a vi também nos últimos anos de vida dela, porque ela era frágil e só a vi também durante um pequeno espaço de tempo.
P/1 – O nome dela a senhora se recorda?
R – Ana.
P/1 – E de que origem que ela era?
R – Era filha de nordestinos.
P/1 – Da parte da sua mãe, nordestinos?
R – Nordestinos, nascida em Manaus e da parte do meu pai paraenses e a mãe dele que era filha de austríacos.
P/1 – E qual foi essa influência dos austríacos para a sua família?
R – Talvez o espírito muito forte do meu pai, era muito severo, muito reto. E isso eu tenho muito do meu pai, essa característica assim muito dinâmica, muito de linha reta, a vida dele era sempre assim: quero fazer, vou fazer e conseguia. Ele tinha uma força de espírito muito grande, ele dizia estou sempre bem, graças a Deus, ele era forte, eu desconfio que isso era um pouco.... Porque paraíba era mais assim, mais bonachão, mais brincalhão e dizem até que os caboclos paraenses são preguiçosos, fazem a farinha e fazem o mingau e deitam na rede, o pessoal do interior. Mas o meu pai era muito forte, era um homem que lutou muito. Meu pai era tão forte que ele saiu de casa aos nove anos de idade, o pai dele era ríspido, muito rígido.
P/1 – O pai dele era paraense?
R – Era paraense, mas o ambiente lá parece que era muito forte e ele era muito assim, autêntico, né? E ele fugiu de casa, foi para casa dos parentes em outra cidade e quando cresceu foi ser embarcadiço e andava pelo litoral do Brasil numa embarcação. Disso eu tenho pouco conhecimento, porque ele raramente falava desse assunto, depois como eu disse que eu sempre penso que ele deve ter sentido muita solidão, muita tristeza, muita saudade da família. Mas, ele também encontrou pessoas que o ajudaram muito, porque ele estudou se formou, tinha o segundo grau que naquele tempo era muito esforço, principalmente para quem era muito sozinho e quando deixou essa vida de embarcadiço ele foi ser professor nas colônias, que se chama, nas colônias do interior do Pará, naquelas aldeolas, ele foi ser professor daquela mocidade, daquela turma de lá e era muito querido lá. Falava... ele tinha um português maravilhoso, falava corretamente, gostava de mostrar sapiência, sabe como é? Professor de interior gostava de se expor, de contar coisas e falava muito bem, não admitia um erro na nossa escrita, no nosso estudo, ele era formidável, nesse ponto ele me deu muito apoio.
P/1 – E da parte da sua mãe? Seus avós por parte da sua mãe?
R – Eu não conheci a não ser a mãe dela, não conheci, porque meu avô morreu muito cedo quando ela era pequenina ainda em Manaus, também a minha mãe veio muito cedo de Manaus com nove para dez anos e foi morar nessas aldeias onde meu pai depois foi ser professor e lá eles se conheceram e casaram.
P/1 – A senhora sabe a história desse encontro como é que é?
R – Eu sei mais ou menos.
P/1 – Então conta pra gente?
R – Eu sei, minha mãe era noiva de um primo, o Zezinho ia para as festas com as primas, dançavam, sabe aquelas colônias do interior, aquelas estradas, andavam, andavam para as festas lá no fim da tarde e depois vinha aquela turma de rapazes e moças e a vida dela era isso. E ele era professor e um dia eles se encontraram, quando ela o viu e ele era assim, cheguei e ele tinha o olhar muito vivo, tinha um verbo, estou dizendo que ele gostava de falar e aquilo a conquistou e adeus ao primo, o primo sumiu da vida dela. Mas a família não gostou, porque ela estava usando a... minha mãe com minha avó Ana moravam próximo daqueles tios, que ela era viúva, toda aquela família reunida e eles não gostaram daquele intruso, conclusão: minha mãe fugiu numa noite lá e os tios foram atrás e encontraram de manhã e levaram direto para a Pretória e casaram ali na Pretória no dia seguinte e por aí foi, né, e assim começou a vida deles.
P/1 – Lá no Pará?
R – É, lá no Pará, tudo lá no Pará.
P/1 – E a senhora viveu no Pará até quando?
R – Isso foi no interior. Depois eles se mudaram para Bragança, onde eu nasci, e a outra minha irmã mais nova também nasceu lá. Eu estudei o meu curso primário lá.
P/1 – Por que os seus pais foram daquela cidade para Bragança?
R – Porque ali não tinha muito mais o que viver. Ali era agricultura, aquelas rocinhas e eles já casados, já com uma filha, a primeira e ele achou que devia aventurar, e ele também tinha espírito de aventura, ele provou desde pequeno, ele foi para lá foi sondar o comércio todo aquele... Maneira de ganhar dinheiro lá e lá em Bragança é uma beira de rio, tem o Rio Caeté que dá no mar. Ele via que aqueles pescadores vinham trazer os peixes para ali, peixes frescos, peixes salgados e ele começou a negociar, ele foi ganhando dinheiro assim, ele comprava aqueles peixes e vendia na estrada de ferro, uma estrada de ferro que levava até a capital Belém. E ele pegava aqueles confros de peixes secos e camarão e por conta própria levava nos trens e vendia em todo o comércio da estrada de ferro até Belém, eram duzentos e tantos quilômetros de cidadezinhas, uma atrás da outra e assim ele nos educou até mais de cinquenta anos.
P/1 – A vida inteira dele ele teve essa atividade?
R – É, essa atividade, quase toda, depois ele cansou e já é outra história mais tarde. Depois eu consegui um emprego para ele mais adiante.
P/1 – Agora eu gostaria que a senhora contasse sobre a sua infância?
R – A minha infância foi nessa cidade do interior, Bragança, na minha casa querida, casa do meu pai, que era uma casa larga, bonita, para mim ela era linda.
P/1 – Como é que ela era?
R – Ela era larga, ela era levantada num espaço muito grande, tinha quintais pelo lado, tinha quintal até o outro quarteirão, até a rua de trás e tinha muitas mangueiras, muita criação, galinhas, pato, peru minha mãe criava muito, cachorros tínhamos os banhos de igarapé todos os dias, o pessoal daqui não sabe o que é igarapé.
P/1 – Como é que era?
R – São pequenos rios de água amarela, quer dizer, cristalina, mas ela é amarelada, porque ela vem debaixo da terra, debaixo das árvores, aquelas florestas, né? E a gente tomava muito banho de igarapé e eu estudei... Comecei... A minha mãe nos ensinava a escrever, desde os dois, três anos de idade nós já estávamos com lápis na mão aprendendo a ler, a escrever, aos quatro anos fomos para o grupo escolar. Quando eu tirei o meu curso primário, a minha irmã mais velha já estava no colégio, o melhor colégio da capital, que era o colégio Santo Antônio. Meu pai não podia colocar as duas lá, então eu fiquei em casa esperando quatro anos que ela terminasse. Aí nesse período eu aprendi a costurar, a bordar, ajudava com a minha irmã menor, que nasceu seis anos depois de mim, teve uma diferença muito grande, eu ajudava mamãe com a criação de pintinhos, patos, essas coisas e fiquei em casa assim fazendo tudo isso. Quando a minha irmã se formou aí eu entrei e fui fazer meus cinco anos de curso normal, que chamava, para sair professora primária.
P/1 – Me conta uma coisa antes, Dona Lucimar, a senhora falou que o seu pai fugiu de casa com nove anos, depois ele retornou a casa, que a senhora conheceu a...
R – Nunca mais.
P/1 – E como a senhora conheceu os seus avós?
R – Eu só conheci a minha avó que veio visitar a nossa família em Bragança, nunca fui lá em Matapiquara que ele tinha nascido, onde o pai dele tinha um grande empório comercial. A minha irmã mais velha chegou a ir lá, conheceu as tias.
P/1 – Então não tinha nenhum relacionamento?
R – Nenhum, ele se afastou, não tinha raiva, mas ele se afastou, não sei, ele dizia assim...
P/2 – Agora para seguir isso, a senhora conta alguma coisa da sua juventude?
R – Pois é, a minha juventude também, nesse primeiro período tinha quinze anos feitos. Eu fui para o colégio interno, colégio de freiras, só vinha nos fins de ano passava aqueles dois meses, dezembro e janeiro em casa, aí tinha minhas festinhas a tarde, tinha minhas colegas...
P/2 – Os namorados? Conta dos namorados?
R – Muito poucos. Tive um namorado aos onze anos antes de entrar no colégio, estava no meu quinto ano primário, eu tive um namorado de olhar, esse menino se chamava Juvenal, se chama ainda, está vivo o camarada, nunca mais o vi, mas está. E eu vi aquele menino branco de cabelos negros, o andar de marinheiro que chamou a atenção, andar de moleque, né?
P/1 – Era mais velho que a senhora?
R – Depois eu vim saber que ele era um ano mais velho só. Ele era de 20 e eu de 21, eu tinha onze e ele teria doze e também nós nos olhamos e nosso namoro não foi nada mais que isto aí, sabe como é? Foi a primeira impressão de uma vida fora de mim, fora dos banhos de igarapés, fora das macacas que eu pulava, aquelas amarelinhas, de subir nas árvores. Era essa que era a minha vida aos onze anos dentro daquela época. Então onze, porque era início do ano e eu ia fazer doze em outubro e aquele menino me chamou a atenção e no dia seguinte chega um bilhetinho do menino, me entregam um bilhete de amor que era aquele. Aí começamos a nos corresponder por bilhete, o irmãozinho me trazia e levava os bilhetes, a gente nunca se encontrou para dizer: “Oi, tu és o Juvenal, eu sou a Lucimar”.
P/1 – Só de bilhetinho?
R – Só de bilhetinho, a gente se via de longe, naquele tempo tinha música acho que era no filme sei lá, na minha cidade não tinha nada disso, “eras o meu rei vagabundo, que vieste aqui com uma canção para conquistar meu coração”. (cantarolou) e eu quando via que ele ia passar na rua eu cantava aquilo em altos brados lá na sala para ele ouvir a minha voz, porque ele era meu rei vagabundo, né, então era assim... Era isso.
P/1 – A senhora cantava muito quando era jovem?
R – Cantava.
P/1 – Desde pequenininha?
R – Nós cantávamos. Eu e minha irmã a gente cantava ao violão, ia para a... Na minha cidade tem um trapiche, sabe o que é trapiche? É uma ponte assim em cima do rio, e ali que paravam as embarcações com peixes, essas coisas, e a gente ia para cima da ponte e ela tocava violão. A moçada por ali gostava de cantar, a gente cantava em dueto aquelas músicas da época e tudo mais. Pois bem, esse menino depois sumiu da minha vida, foi para a marinha e quando eu me formei, quase a... Só ali tem quatro anos, mais cinco de formatura, aos meus 21, 22 anos ele voltou a aparecer na minha vida.
P/1 - E entre esse período a senhora não namorou mais ninguém?
R – Namorei, mas eu dizia: eu sou noiva de um rapaz que está no Rio de Janeiro (risos) namorava, tudo bem, mas eu sou noiva viu? Eu estou namorando só enquanto ele não volta, sem mentira nenhuma, até o meu marido com quem eu casei, quando eu comecei a namorar com ele eu dizia “eu vou namorar contigo, mas eu sou noiva.” “Cadê?”, “Eu não sei, Mas tá lá, tem anos que eu não vejo”, mas a gente se correspondia.
P/1 – Mesmo ele longe?
R – Mesmo ele longe, no colégio eu vinha no final do ano para os meus dois meses de férias e nesse período a gente se escrevia, depois passava o ano todo sem. Quando ele me apareceu, eu já estava formada há mais de ano, já estava estudando para concurso para o Poder Judiciário que ele apareceu na minha frente e era um verdadeiro desconhecido. Era um homem frio ali, quase arrogante e estranho, completamente estranho, aí eu também fiquei naquela, eu acho que estava estudando o que ele era e ele estudando a mim. Aí não deu certo.
P/1 – Mas aí chegaram a se falar?
R – Falamos, ainda ficamos namorando uns dois, três, quatro meses, depois eu não aguentei mais. Ele dizia das cartas lá do Rio de Janeiro para Belém que quando terminasse a guerra, porque aí foi o período da guerra, quando terminasse a segunda guerra nós iríamos casar, ele iria sair da Marinha e nós iríamos casar. Aí aconteceu que pelo período da guerra o Brasil começou a preparar suas tropas, na minha cidade eu já trabalhava, na minha cidade em Bragança. A minha cidade ela foi escolhida para o 35BC que era o batalhão de caçadores lá do Pará e ia se aquartelar lá, fazer seus exercícios, se preparando e foi nessa época que eu conheci o Antônio Penna.
P/1 – Que é seu marido?
R – É, o que foi depois meu marido. Comecei a namorá-lo sempre dizendo, sou noiva. Aí ele foi escolhido para a guerra em dezembro desse mesmo ano, 44, ele foi para a guerra, foi até o Rio de Janeiro. O pelotão dele não embarcou, porque quando já estava tudo dentro do navio assinaram o armistício lá e ficou tudo no navio e ele voltou para Belém com a roupa do corpo. E nessa época que ele voltou já era maio, eu já estava trabalhando em Belém num concurso público que eu tinha feito. E eu estava convivendo com o Juvenal que continuava frio e sério, não me pedia um beijo e eu também não dava e eu não sabia o que era beijo, né? Para todos os efeitos, pois bem, aí eu me vi daquela contingência o Antônio e o Juvenal na mesma cidade e eu tendo que ir de casa para o trabalho, do trabalho para casa e um dia ia encontrar, um dia ia acontecer dos três estarem juntos. Então aconteceu que eu coloquei na balança e achei que não podia ficar com os dois. Fiz uma carta para o Juvenal dizendo, que aquele período de convivência tinha me mostrado, que nós não tínhamos nada em comum, e que eu o dispensava de qualquer compromisso que ele pudesse pensar ter comigo como ele achava que tinha. Fiz a carta e botei na bolsa e chegou o dia 8 de maio, dia da vitória e eu estava na janela da casa da minha irmã casada e passava aquela passeata enorme com bandeiras, hinos e o diabo a quatro, festejando a vitória que tinha acabado de ser assinado na véspera. E quando eu vejo vem o Juvenal no meio do pessoal, eu fiz sinal para ele e entreguei a carta no dia da vitória, eu acabava com ele quando ele dizia que quando acabasse a guerra, nós iríamos nos casar. Eu achei que foi uma coincidência terrível, mas não foi nem proposital.
P/1 – A senhora nem sabia que ia ser assinado?
R – Eu não sabia que ia encontrar com ele naquele dia e nem sabia que ia ser assinado. Eu já tinha feito a carta acho, porque foi assinado assim de surpresa no dia 7 e foi considerado dia 8 o dia da vitória, coincidência absoluta. Eu acho que foi assim, até Deus que me mostrou um caminho e pronto foi assim que acabou aquele belo amor da minha infância.
P/2 – Aí a senhora casou com o outro?
R – Aí não demorou muito, eu casei, em março do ano seguinte.
P/2 – Agora conta uma coisa para gente? Como que a senhora veio morar em São Paulo?
R – Eu estava fazendo trinta e cinco anos de trabalho na Justiça do Trabalho no Poder Judiciário e poderia me aposentar a qualquer momento. Minha filha tinha vindo para cá estudar Psicologia, já tinha casado, já tinha três filhos e vivia chamando, meu marido já estava aposentado e eu sempre agarrada no meu trabalho, porque eu gostava muito do que fazia e um belo dia eu disse “está bem eu vou fazer trinta e cinco anos, me aposento e vou morar lá”, e assim viemos. Um ano antes compramos o apartamento, ainda é o mesmo e montamos a casa e quando eu fiz trinta e cinco anos eu entrei com o pedido e me mudei para cá.
P/2 – E agora conta para a gente o que a senhora achou de São Paulo? Qual foi a sua primeira impressão?
R – Eu já amava São Paulo.
P/2 – Sem conhecer?
R – Não, porque nós vínhamos todos os anos, porque minha filha morava aqui. Eu vinha todas as minhas férias e períodos de recesso que nós tínhamos na justiça vinha para cá. E convivia, andava aqui, sempre gostei muito de São Paulo e amo São Paulo, principalmente porque eu não vim trabalhar em São Paulo, então eu não tenho esse corre, corre.
P/1 – A senhora morava em Belém e veio para cá. Qual era a diferença que a senhora sentiu mais?
R – O clima, os amigos, os parentes, minha mãe, meu pai já tinha morrido, minha mãe que estava velhinha lá, entendeu? E vim para cá para uma cidade estranha, porque para morar aqui, era estranha, com o clima diferente, fazer novos amigos. Só estava perto da minha filha e dos meus netos e venci, porque continuo aí amando, nos adaptamos muito bem, nunca nos mudamos do bairro também, né?
P/1 – A senhora já veio para cá para essa casa onde a senhora mora?
R – Sim, compramos aqui o apartamento viemos para morar mesmo. Cortamos com tudo.
P/1 – A senhora tem duas filhas?
R – Uma filha, uma filha só.
P/1 – Então acabou ficando bem pertinho dela?
R – Agora ela está morando em Cotia, porque ela já não suportou mais São Paulo.
P/2 – É, mas em Cotia tem casas lindíssimas, né?
R – Moramos em Caucaia do Alto, quer dizer, eu tenho um sítio lá e ela fez a casa lá dentro do sítio e ela mora lá e vem dar aulas nas universidades e tem o consultório de psicologia dela e ela não suportou mais. E nós ficamos até o ano passado com meu marido e agora sozinha.
P/1 – Dona Lucimar, no tempo que a senhora ficou lá em Belém, qual era a atividade que a senhora fazia de lazer?
R – Praias, nossas praias são lindas, nós temos praias de água doce com ondas de dois, três metros de altura de rolar, da gente não poder nem conversar, você está dentro da água e não pode nem conversar, a onda está passando por cima de você. Temos muitas praias de água doce e de água salgada. E temos os banhos de igarapé e temos as noitadas de dominó, de baralho, essas coisas assim com os amigos.
P/1 – O clima é bem diferente, propicia essas coisas?
R – Muito calor, muita chuva principalmente à tarde, depois das duas. Quando você quer encontrar uma pessoa a tarde você diz depois da chuva, depois da chuva estava tudo lá.
P/1 – O horário era marcado em chuva?
R – É, era marcado em chuva e depois da chuva nós nos encontramos.
P/1 – Todo dia chove?
R – Em geral todas as tardes, muito raro não chover.
P/1 – Durante quanto tempo chove?
R – O ano todo.
P/1 – Não, assim, duas horas?
R – Ah, uma hora, duas horas. É muito raro passar o dia todo como aqui, já é uma coisa excepcional.
P/1 – E a sua filha veio para cá para São Paulo, por quê?
R – Porque ela terminou o curso científico e quis estudar Psicologia e escolheu São Paulo, nessa época ainda não tinha Psicologia na Universidade do Pará e entre Rio de Janeiro, São Paulo e outros por aqui ela escolheu São Paulo e ela veio estudar na PUC de São Paulo.
P/1 – Nós esquecemos de falar um pouquinho, Dona Lucimar, da sua escola, da parte que a senhora estudou lá, da sua primeira professora? Como é que foi isso?
R – A minha primeira professora foi muito marcante, a primeira e praticamente as duas últimas, porque as outras eu quase nem me lembro. Mas a minha primeira professora ela se chamava Geovanetta, era loura, polia as unhas não sei com quê. Eu pelo menos polia com caco de prato, a gente... O caco de prato arranhava na calçada e dava aquele pozinho e polia as unhas, eu sei que as unhas dela eram polidas, naquele tempo não tinha nada disso, polia as unhas e passava talco em baixo. Isso foi que me marcou até hoje e parece que eu estou vendo as unhas da professora.
P/1 – Embaixo da unha?
R – É, embaixo da unha passava talco e em cima era bem polido, visivelmente com caco de prato e ela namorava o prefeito que era casado (risos) e o prefeito ia lá cochichar com ela e nós todos sabíamos. Então isso me marcou até agora, eu não esqueço jamais. E as minhas últimas professoras, vamos dizer, do quarto ou quinto ano eram muito preparadas, muito humanas, muito simpáticas, puxavam muito sobre o nosso estudo, eram muito exigentes e eu gostava muito delas. Professora Isabel e professora Teodorica, não Teodomira Martins, Isabel Ribeiro e Teodomira Martins.
P/1 – A senhora sabe até o sobrenome.
R – Uma loura, a outra morena, me lembro delas bem, foram as que mais me marcaram.
P/2 – E a senhora teve algum tipo de formação ou educação religiosa?
R – No colégio Santo Antônio, que era das freiras. Bem, antes de ir para o colégio a minha mãe era espírita e ela me levava para as seções espíritas e eu ficava do lado de fora, mas eu ouvia os gritos, as conversas, o bate papo nas seções espíritas, mas aquilo... Depois fui para o colégio e fiquei com aquela educação religiosa, missa aos domingos, o retiro espiritual todos os anos e confissão, comunhão e essas coisas, até justamente eu me formei em educação religiosa, católica.
P/1 – Então o espiritismo era só da sua mãe?
R – Era mais da mamãe, papai era esotérico, ela também esotérica, então a minha formação sobre espiritualidade vem toda uma mescla e depois que eu me formei também eu lia muito os livros do papai, livros esotéricos e gostava muito, esotérico, Rosa Cruz e isso tudo me abriu a visão para uma outra espécie de espiritualidade, compreendeu? E eu juntei tudo, sacudi e tirei um pouco de cada uma. E procuro me deixar influenciar justamente por essa mescla, por aquilo que a gente acha que é verdade, porque acho que nós devemos estar sempre abertos, não digo para misticismo exagerado e essa patologia horrível, mas eu acho que a verdade vem de todas as religiões, tem um pouco, todas elas são baseadas na verdade. E se é verdade que a Igreja Católica esconde certas coisas, para não favorecer, vamos dizer, ao espiritismo ou qualquer uma outra, então isso é com ela, o que for verdade eu estou aberta, se dissessem assim Jesus Cristo não era o único filho de Nossa Senhora, como às vezes dizem e daí? Se ela teve outros filhos não vou deixar de amá-la mais ou menos por causa disso, é maravilhoso, né? Se Jesus tinha um irmão gêmeo como dizem por aí e daí? Não é por isso que ele vai ser menos o Cristo nosso salvador, filho de Deus. Se existe céu, inferno e purgatório eu vou ver se passo nem que seja como diz a minha irmã no rabinho da fila, vou para cima fazendo o possível. Se realmente o pai eterno, nosso pai é aquele que condena o filho eternamente para o inferno isso é com ele, eu acredito que não, então eu estou aberta para aquilo que for verdade.
P/1 – Como que era a convivência na sua família? Dos seus pais e vocês três, são três irmãs?
R – Eu já perdi uma há uns três anos atrás.
P/1 – Assim na época da infância, da adolescência?
R – Era um pouco triste a minha infância, foi mesclada de tristeza, por causa justamente disso, porque meu pai era um pouco namorador, né, meu pai era maravilhoso, era um homem forte, dizia estou bem graças a Deus, graças ao grande arquiteto do Universo, o esoterismo usa essa expressão, ele era um homem forte, mas também tinha suas fraquezas e ele gostava de flertar aqui e acolá, tinha filhos fora e a minha mãe sofria muito. E eu vivia muito naquele dilema, porque minha irmã mais velha era mais extrovertida e era muito agarrada com o pai e ela até... A minha impressão hoje é que ela obscurecia isso, ela não entrava no âmbito da questão. Mas eu via muito o sofrimento da minha mãe e sofria muito com ela e vivia naquele dilema terrível, tanto que os cinco anos que eu passei interna no colégio eu chorava muito, porque eu não sabia o que estava acontecendo em casa. De forma que a minha vida com meus pais foi sempre assim entre a alegria e as tristezas, entre as minhas molecagens de criança e as lágrimas da mamãe, as agonias que ela passava, sabe?
P/2 – E dessas travessuras de criança, conta alguma para a gente?
P/2 – Uma especial.
R – Bom, eu gostava de assustar as empregadas, eu apanhava muito, não sei o que eu fazia, eu acho que não fazia muita coisa não, né? Mas eu apanhava demais, mamãe, ó... Nós três apanhávamos, mas eu acho que apanhava mais, cada uma diz que apanhava mais. Mas eu tinha prazer em dizer “ela nem sabe de tudo que eu faço”, eu me escondia trás da porta quando a pessoa ia passando aí eu dizia ”OH” e a pessoa gritava e aí eu gritava de assustada com o grito dela e era pior, aí nessas eu apanhava, né? Agora eu sempre gostei desse negócio de estudar e a mamãe tinha aquelas empregadas que não sabiam ler, então à noite nos sentávamos à mesa de jantar e o papai e a mamãe iam deitar e eu ficava ensinando elas e preparando as minhas lições e enquanto ela estava ali entretida eu entrava no quarto dela. Fazia um boneco com a cabeça, braço aberto, chapéu na cabeça, fazia aquela pessoa deitada ali de panos, quando ela entrava, isso eu fazia de vez em quando, ela nunca aprendia, quando ela entrava de noite para dormir no quartinho dela ela via aquela pessoa deitada dava um grito que acordava a casa toda, né? E essa era uma das brincadeiras que eu fazia, gostava muito de subir nas árvores, tamarindeiro, você conhece a árvore do tamarindo?
P/1 – Conheço.
R – Sacudia os galhos para os companheiros comerem tamarindo, mangas, as mangueiras, a minha vida era essa... Tomávamos banho na chuva, no quintal arenoso lá em casa, vivia tomando banho na chuva.
P/2 – A senhora disse que foi triste, mas foi divertida também?
R – Ah, muito.
P/1 – Teve uma vida saudável?
R – É, saudável, muito saudável, porque no interior é assim, no interior não tem essa história de... Não tinha nem televisão, nem rádio ainda nós tínhamos em casa, nós vivíamos bem, fartamente, mas não tinha essas coisas. Rádio só tinha um amigo do papai que morava num sobrado no outro quarteirão e papai ia lá ouvir rádio, naquele tempo não existia televisão. Mas era muito bom, nesse ponto era bom, agora tinha esse lado do conflito que eu vivia internamente com a mamãe, eu vivi muita coisa dentro de casa, né?
P/1 – A senhora falou que seu pai teve outros filhos? A senhora nunca teve relacionamento com eles?
R – Eu nunca tive, mas agora o ano passado eu estive lá na minha terra, lá em Bragança e fiquei com vontade de encontrar, deve estar uma velha igual a mim, né? Duas meninas, mamãe dizia que ele tinha cada uma com uma, eu quis, mas não tive coragem, não achei o dono da minha casa assim. Eu gostaria de encontrar hoje que eu perdi a minha irmã, aquela que nasceu seis anos depois de mim e perdi e fiquei só com uma, a minha irmã mais velha que mora em Paris, ela é escritora, não sei se você... Tem uns oito livros publicados.
P/2 – Como é o nome dela?
R – Lindanor Celina, romancista, ela tem um livro sobre Dalcir e Jurandir, tem Estrada do Tempo Foi, A Viajante e Seus Espantos, tem um livro sobre a vida do Colégio que é a história do Tempo Foi, tem um livro sobre Bragança que chama Menina que vem de Itaiara. Esses livros são adotados nas universidades em Belém e Paris também, algumas universidades parisienses. Ela agora mora lá, é casada com um francês.
P/1 – Como é que a senhora descreveria essa sua irmã mais velha e essa irmã que morreu?
R – A minha irmã mais velha sempre foi aquelas que abrem caminhos. Ela sempre foi para frente, ela foi a primeira a se formar, lógico, e depois fez concurso para Justiça do Trabalho. Passou, e fez os seus trinta anos de Justiça do Trabalho. Enquanto isso ela fez vestibular para a universidade, fez Arte Dramática e Letras e lecionou ainda um pouco na Universidade de Belém e depois, foi quando ela se aposentou e se mudou para Paris e fez o doutorado na Sorbonne e acabou lecionando na Universidade de Lille. Lá em Lille e se aposentou por lá, com dezessete anos de trabalho lá. Ela não tem nacionalidade francesa, mas tem uma carte de séjour, de permanência.
P/1 – E a irmã mais nova?
R – A irmã mais nova...
P/1 – Como é que ela chamava?
R – Laudianor, esta casou muito cedo, teve três filhos, não saiu do professorado, lecionou, não teve estímulo. Estímulo nós demos a ela, mas ela não teve força para fazer um concurso, porque tinha um bando de filhos, também sofreu muito na vida e ela... Mas venceu, porque criou todos os filhos, praticamente todos são formados, tem um que é alto funcionário em Brasília, num dos Ministérios da vida e outros em Belém e... Mas ela ficou muito fragilizada e faleceu. Já faz três anos que morreu.
P/2 – E a senhora estava falando agora a pouco que a senhora gostava muito do seu trabalho. O que a senhora exercia lá? O que tanto te cativou?
R – Eu era... Olha, eu sou de libra, balança, né, casualmente, não há casualidade na verdade, dizem que não há coincidência tudo é predisposto e eu fiz esse concurso para a Justiça do Trabalho e fui trabalhar no Tribunal do Trabalho de Belém, na Secretaria Judiciária. É onde são julgados os processos trabalhistas, questões entre empregado e empregador e eu sempre gostei muito do meu trabalho por isso, porque era uma maneira de ajudar a fazer justiça e eu cheguei justamente à direção da secretaria e eu tinha umas cinquenta funcionárias sobre minha Jurisdição e todas elas também trabalhavam perfeitamente entrosadas, eu tinha rapazes também no meio, moças e rapazes. Quase todas eram formadas em Direito menos eu, e eu era a diretora, mas nós fazíamos muitos cursos lá e eu, graças a Deus, sempre tive muito apoio dos meus presidentes, porque eles achavam que eu estava capacitada para aquilo, então eu naquele tempo eu era... Eu era muito dinâmica e eu me entregava inteiramente ao que eram todas aquelas mesas, aquelas coisas, aquele movimento dos processos e eu não deixava nenhum processo atrasado, mal acabava o prazo, já estava descendo que era para não dar vez para os empregadores e eu sempre combinei pelos empregados, desde que fosse justo e eu gostava muito do meu serviço, gostava muito, gostava tanto que nunca mais eu entrei na Justiça do Trabalho, depois que me aposentei não entrei mais lá. Acho que não vou aguentar ir lá, se bem que está tudo mudado agora, né, no meu tempo era mimeógrafo para tirar as cópias, agora tem os computadores da vida. Então está tudo mudado lá, mas eu não quero nem ver.
P/2 – E da sua filha, conta um pouquinho para a gente dela?
R – Minha filha...
P/1 – Um pouco da infância dela?
R – Quando minha filha tinha onze anos, eu tive outro filho, que se chamou Antônio Penna Filho, o nome do meu marido, mas ele nasceu doente e durou quinze anos. E a minha filha justamente na época ela estava acabando de fazer o científico e o outro, aquele de segundo grau que depois entra na faculdade. Quando ela viu aquele irmãozinho, eu tenho a impressão que aquilo tocou no coração, na consciência dela e ela teve vontade de fazer Psicologia. Por isso ou por aquilo eu sei que ela quis fazer Psicologia e quis fazer aqui em São Paulo e veio para cá e veio morar em pensionatos. Morou no Opus Dei, entre outros, pensionatos católicos também, andou até que casou aqui, no terceiro ou quarto ano de Psicologia ela já casou, graças a Deus, já teve a casa dela, mas ela também andou morando assim em pensionatos, enquanto não tinha a sua própria. Ela sempre foi muito esforçada, lutou com muita dificuldade, esta deve ter sentido muita dificuldade aqui em São Paulo, porque ela é praticamente filha única. O menino coitado, nem sentava e ela tinha tudo, pensava numa coisa e já estava na mesa, estava no guarda roupa para ela e tudo. Tinha o carrinho dela aos quinze anos e tudo mais, né, então era a filha única praticamente e de repente ela se vê aqui em São Paulo, morando numa casa estranha, com pessoas estranhas, clima estranho, tendo que lutar pela vida fazendo cursinho e ela engordou quase vinte quilos, o baque que deu no organismo dela, o metabolismo, ela sofreu muito.
P/2 – Ansiedade?
R – É, ansiedade, mas depois ela recuperou, passou e fez o curso dela, teve a sua casa e agora ela é conceituada, uma psicóloga conceituada, dá curso em várias universidades aqui, também tem dois livros publicados.
P/1 – E esse seu filho que nasceu doente a senhora gostaria de falar alguma coisa sobre ele?
R – Falo.
P/1 – Então fique à vontade.
R – Ele era... Tinha hidrocefalia. Ele operou-se com um mês de vida, mas não adiantou nada e a cabeça continuou crescendo até os dois anos e meio. E ficou tão pesada que ele não levantava a cabeça e nunca teve o direito de sentar, sempre deitadinho e a gente carregava ele para todo lado, três pessoas para carregar, uma nos quadris, uma nos ombros e outra na cabeça e assim ele durou quinze anos. E ele era um menino alegre, ele só veio, é aí que eu digo que sou aberta em matéria de religião, esse meu filho veio me mostrar muita coisa que eu não entendia. Quando ele nasceu eu perguntava “por que o meu filho nasceu assim? Deve ser para punir a mim ao meu marido ou alguém. Por que uma criança nasce assim?”, né. Eu não entendia, até que parece que Deus me... Os livros que eu lia muito, me deram muitos livros para ler assim, então eu achei que ele veio para me mostrar alguma coisa, para nos fazer sentir alguma coisa em relação à vida, à nossa própria vida, porque ele era um menino alegre, feliz, ele vivia... Dava gargalhada, sabe, quando tem duas ou três crianças brincando de bola aqui ao lado e dando gargalhada era assim que ele dava, parece que ele estava convivendo. Ele gostava de rádio e televisão, tinha aqueles programas de circo, aquelas piadas de circo, a gente tinha a impressão que ele entendia, eu acho que ele entendia, porque ele ria com aquelas palhaçadas. Música tinha umas que ele implicava e tinha outras que ele ficava assim embevecido, os olhinhos dele só faltava descer lágrimas, comovido ouvindo as músicas.
P/1 – Ele não falava?
R – Não, ele chegou a dizer papá, mama, mas depois perdeu... Dizia papá, mama e ria solto, quando ele não queria, fazia cara feia, quando a gente agradava ele, ele ficava deliciando assim. Foi uma coisa muito bonita a vida dele, assim muito bonita e morreu também assim, tinha convulsões e numa dessas, ele ficou em coma e se foi. Eu acho... Ele se foi aos quinze anos, de forma que eu tenho a impressão que ele veio para nos mostrar, ele veio para marcar alguma coisa na nossa vida e assim foi.
P/1 – Com certeza marcou. A sua filha é casada hoje?
R – A minha filha é casada hoje, já teve o primeiro casamento que teve três filhos, são três rapazes casados, mas depois se separaram e ela casou agora também com um escritor jornalista também muito conhecido, ele tem livros.
P/2 – Diz o nome para a gente?
R – Edivaldo Pereira Lima, Doutor Edivaldo Pereira Lima é PHD também como ela e agora eles se entendem muito bem. Então eles estão agora no Canadá, foram fazer um curso na Universidade de Toronto e estão me esperando, porque eu estou com passagem marcada para o dia 5 de outubro.
P/1 – A senhora vai encontrar com eles?
R – Não sei se vou.
P/2 – Vai sim.
R – Agora eu estou com medo dessas coisas aí.
P/1 – Mas o Canadá não...
R – Canadá não, mas eu vou passar por cima dos Estados Unidos. Tenho muito medo, se os aeroportos disserem assim, essa aqui não vai...
P/1 – E seus netos?
R – Meus netos são três graças, né? Sérgio Antônio, Marco Antônio e Cláudio Antônio, por causa do avô. Todos três casados, eu já tenho três bisnetos: Lucas, Laurinha, irmã dele e Ariene do outro, o terceiro não tem filho ainda.
P/2 – E como é que é a Dona Lucimar de bisavó? O que a senhora faz com os seus bisnetos? Como é o seu...
R – Eu amo os meus bisnetos. Eu fiquei tão feliz quando nasceu o primeiro bisneto e que ele se agarrou comigo, para mim era a coisa mais... Eu olhava para trás e digo nenhuma criança foi tão agarrada comigo como esse, nenhuma criança pareceu me amar tanto e até hoje ele é agarrado comigo. Eu estava em Paris em julho e ele ligava para mim e dizia “oh bivó” aquilo me enchia o coração, ele fala ao telefone muito bem “bivó, você não veio almoçar aqui em casa” ele tem quatro anos, vai todos os domingos almoçar lá em casa, amanhã nós vamos ao sítio com eles e as outras também. A Ariene é um pouco mais afastada, porque mora longe, mora lá para o Ibirapuera.
P/2 – E tem que idade?
R – Tem três anos, e a menorzinha tem um ano, irmã do Lucas, essa também está uma graça, está andando, está correndo. Eu amo os bichinhos, são umas coisas lindas.
P/1 – E hoje a senhora convive bastante com eles?
R – Convivo sim.
P/1 – E como é o dia a dia da senhora hoje?
R – Olha, minha filha, eu sempre costumo sair pela manhã, vou ao banco, ao supermercado, fazer uma compra, vou às lojas. Eu sempre tenho uma coisa, quando não é médico é alguma coisa. Por exemplo, essa semana mesmo eu andei procurando advogados, porque eu estou querendo levantar uns processos aí, uns processos de tutela econômica para os meus bisnetos. Porque eu não tenho mais para quem deixar minha pensão e estou vendo se consigo na tutela econômica para os bisnetos, então fui ao advogado e de vez em quando tenho que ir atrás dessas coisas. Outra coisa também é do meu marido, porque ele era ex-combatente e eu não ganhei um tostão dele, não fiquei com pensão nenhuma e os advogados acham que eu preciso lutar para conseguir. Agora as terças feiras à tarde eu tenho pintura das duas as seis. Às quintas feiras eu tenho o dança circulares, parei de fazer hidroginástica, porque estou sempre viajando de um lado para outro, eu estava fazendo até antes de viajar para a Europa, eu estava fazendo, vou voltar agora em outubro se Deus quiser, se eu não for para o Canadá.
P/2 – Então conta um pouquinho para a gente dessas viagens que a senhora sempre fez?
R – Eu fui três vezes à Europa já.
P/2 – Que países que a senhora foi?
R – A primeira vez eu fui à França e depois fiz Itália, um pouquinho da Itália ali, Lago di Como a primeira vez, por aí Milão. Da outra vez em 96 já meu com marido... Eu fiz Portugal, Espanha, Itália quase toda, Roma, Veneza, Nápoles, Capri, Florença, por ali tudo e entramos pela Suíça, Bélgica fomos até a Inglaterra e voltamos para a França.
P/2 – Sempre a passeio?
R – Sempre a passeio e paro em Paris por causa da minha irmã que mora lá e aí antes de vir da excursão a gente fica lá mais um mês, um mês e meio. Bom, agora meu marido tinha morrido e eu peguei uma excursão só de dezoito dias e eu não quis ir mais para esses lados. Aí eu fui fazer aquela... Europa Central, a Alemanha, Polônia, República Tcheca, aquela... Iugoslávia, Hungria, fiz isso e depois acabei em Paris e aí passei um mês com a minha irmã em Paris e voltei dia 20 de julho.
P/1 – E de todos esses lugares que a senhora foi, qual o que a senhora mais gostou?
R – Aqueles que eu amo e que sempre gostaria de voltar é Cannes, Veneza. Cannes eu já fui quatro vezes, três ou quatro vezes eu passo com a excursão, depois volto lá com a minha irmã, e cada vez que a gente vai, vai por lá e Cannes é... Cannes para mim é como estar no paraíso. A gente chega lá e o hotelzinho está ali e a gente se solta ali na Croisette. E é livre para olhar o mar, quem quiser fazer qualquer coisa faz, eu não quero fazer nada, mas eu quero ver o mar, ver aqueles artistas cantando ou representando as músicas do carrossel e aquela coisa linda, aquele mar azul maravilhoso, é um dos lugares mais bonitos. O Lago di Como também me impressionou muito, já é outra coisa, outra calmaria, muita solidão, muita paz, muita serenidade, já é outro estilo o Lago di Como. São as coisas... Paris é Paris, né? Paris a gente corre para um lado, corre para o outro e daqui a pouco é igual São Paulo, já está indo ali na esquina para comprar pão é a mesma coisa. É assim, tenho enchido a minha vida, depois que meu marido morreu, com essas viagens e agora estou tratando dessas coisas, estou seguindo a minha vida.
P/2 – Dona Lucimar qual é a sua maior qualidade que a senhora considera sua maior qualidade?
R – Nossa! Qualidade? Sei lá, pergunta para os outros, né?
P/2 – Mas a que a senhora acha que é?
R - Eu acho que é... procurar não julgar. Toda vez que falam assim, qualquer coisa de uma pessoa eu procuro ver o lado da pessoa. Eu não gosto de atacar, definitivamente, falando “é assim? É assim”, saber o porquê das coisas, o que o tornou assim ou por que razões ela ficou assim ou por que ela luta dessa maneira quando poderia olhar de outra maneira, eu acho que isso é uma coisa que... Toda vez que eu estou falando de uma pessoa mal ou dando determinada ênfase numa coisa eu procuro ver o outro lado e eu tenho a impressão que é isso, porque isso nunca sai da minha cabeça assim quando eu estou falando, eu não vou dizer generosidade, nem toda hora a gente é generoso, né? Isso não sou eu que vou dizer... Isso eu sei que tenho, porque eu não gosto de acusar, lógico que a gente tem uma maneira, puxa vida, esses terroristas, lógico que nós estamos acusando eles, agora esse governo ele diz assim, se você me disser, me mostrar as provas, eu lhe entrego e ele tem sua razão, se não tiver prova como que eu vou condenar uma pessoa. Eu cheguei a pensar isso desse bendito aí desse governo, mas é como é que ele vai pegar qualquer um aí e dizer toma é este, você está pedindo, então é este. Então tem que ter provas, lógico, não é o caso, mas até nesse caso eu pensei como é que esse homem vai entregar este malfeitor se não mostrar para ele, você pode até saber, mas tem que provar, porque no julgamento você tem que mostrar as provas, você não pode condenar sem provas.
P/2 – E alguma decepção que a senhora teve na vida?
R – Não, eu não tive decepção.
P/1 – Se a senhora tivesse que voltar no tempo, a senhora escolheria o mesmo caminho?
R – Ah, sim, escolheria, porque a coisa que mais me doeu na vida foi o meu filho e eu não considero decepção porque eu sei que Deus me mandou por alguma razão, então aceitei plenamente hoje, depois você lê o que eu falo, aí você vai entender. Então eu faria tudo do mesmo jeito, porque eu escolhi o meu marido, então naquele momento era ele e foi ele até o fim da minha vida e eu jamais pensaria em me separar dele e convivi 54 anos. Como todo casal a gente tem dias melhores e uns dias piores, não vou dizer que foi tudo flores e beijos, mas sempre esteve do meu lado, nunca me desfeiteou por qualquer coisa que fosse, ele me apoiou, tudo que eu quis fazer ele estava do meu lado, então... Minha filha, meus netos nunca me decepcionaram, então... O meu trabalho, o meu emprego sempre foi maravilhoso. Consegui subir até onde muita gente não subiu. Eu sempre me adaptei, eu ocupei cargo lá que é de nível universitário, mas eu já tinha a minha credencial de 25 anos quando apareceu aquela direção de Secretaria Judiciária e eu estava lá com toda a minha experiência e foi eu que fui, então eu não posso dizer que sofri muito... Até que foi fácil a minha vida graças a Deus.
P/1 – E um sonho que a senhora tenha? Um sonho pessoal para a senhora assim, para realizar ainda?
R – Olha, para chegar até onde eu cheguei, com o nível de vida que eu tenho, eu só peço a Deus uma coisa, que ele me mostre o que ainda falta de cumprir na minha missão, a missão que eu trouxe, que ele me mostre e me dê um jeitinho de cumprir e tempo para isso e é isso que eu sempre peço para ele me mostre o que falta da minha missão, porque eu não quero sair daqui com a missão pela metade, me mostra e me dá os meios de cumprir.
P/2 – Agora a senhora conta para gente o que fez a senhora... O que levou a senhora a vir dar esse depoimento para a gente?
R – O convite de vocês, que não é o primeiro, o de ontem e a primeira vez me telefonaram e eu até tinha o nome da pessoa, mas eu pensei que vocês tinham esquecido e eu botei fora. Da segunda vez que me telefonaram já meses depois, foi quando já estava próxima a mudança de vocês para cá e eu perguntei quem é que deu meu nome? E a pessoa, uma de vocês falou assim foi o Doutor Ricardo, é um antropólogo sei lá como é que fala, o Doutor Ricardo, um médico, conhece? E eu disse ah, meu Deus, Doutor Ricardo e eu tinha ido com ele uma vez depois disso parece... É um médico que trata assim de remédios naturais, remédios alemães, que ele me passa umas injeções alemãs e eu digo, mas por quê? Uma vez eu estive lá com ele e ele conversa, gosta de saber os traumas da gente, quando eu saí de lá ele disse: “A sua vida dava um romance”, eu digo todos nós temos uma vida que dá um romance, entende? Nossa! Se você for contar sua vida aquilo ali dá um romance e ainda vai dar outro depois, mais uns quarenta anos.
P/2 – Então fala para gente agora para ir terminando nossa entrevista, o que a senhora gostaria de contar e que a gente não provocou a senhora de contar ou perguntar alguma coisa especial? Que a senhora se recorda e quer deixar registrado?
R – Eu vou te falar de uma impressão muito forte e recente que me deu muito prazer. Meu marido morreu justamente dia 4 de setembro do ano passado e eu fui a Belém, teve a missa de aniversário dele dia 9 de novembro e eu fui muito bem recebida pelos meus amigos, meus parentes, muito carinho e voltei lá agora também em princípio de setembro. Eu tive lá uma semana só para ver também uma amiga doente e foi a mesma coisa, as minhas amigas, os meus amigos me trataram tão bem, mas com tanto carinho, não de conforto de consolo, mas de explosão de alegria, de prova de amizade, de carinho, de assistência, de presença na minha vida que para mim foi uma verdadeira revelação eu não sabia que eu era tão querida, eu não tenho por que ser tão querida assim, porque não... Meus parentes também e os parentes do meu marido também me receberam muito bem, mas os amigos, as amigas, meninas jovens, meninas de trinta, quarenta, cinquenta anos, jovem, viu? Porque para a minha idade são crianças, me levavam para restaurantes, me levavam para show, me levavam para passear, faziam noitadas comigo naqueles lugares... Tem uns lugares muito bonitos agora lá em Belém, chama Estação das Docas que tem restaurantes a beira mar e lá você toma desde um sorvetinho, desde um cafezinho até o jantar. É um lugar muito escolhido, já é ponto de turismo e elas todas as noites... Eu passei uma semana lá, mês passado, e elas me levaram todas as noites para lá para me alegrar, tinha música, música ao vivo, sabe? E elas brincando comigo e rindo, contando coisas, mas me cercaram de uma aura de alegria, de conforto que eu vim de lá com o coração enorme. Isso para mim foi uma revelação maravilhosa, saber que tem gente que gosta de mim desse jeito e aí é esse o testemunho que eu quero dar. Sem contar com o carinho excepcional da minha filha que tem sido por demais presente na minha vida, também dos meus netos, os netos me telefonam de madrugada e perguntam “Vó, você está bem?” estou, assim, sabe? Porque eu estou morando sozinha, tenho uma empregada que sai de tarde e eu fico só à tarde e à noite, aos sábados e domingos eu estou sozinha, vou com eles para um lado e para outro, mas moro só, passo a noite só e eles estão sempre presentes. Mas ver outras pessoas, pessoas estranhas com quem você convive em volta, aquilo para mim... Pessoas que eu não tinha nem por que merecer, pessoas que viram, me viram duas, três, quatro vezes e que se cercaram de mim e me acarinharam.
P/1 – Isso lhe deu um conforto muito grande?
R – Muito grande e me deu... E elevou meu ego assim, puxa vida, eu mereço isto? Eu só posso agradecer principalmente a Deus.
P/1 – Está certo. E agora para terminar a gente queria saber o que a senhora achou de ter dado essa entrevista aqui e ter registrado um pouquinho da sua memória?
R – Menina, eu vim para cá e não sabia o que vocês me perguntariam, eu até trouxe o meu livro, eu digo, se elas quiserem ficar lendo lá eu venho embora. Eu não sei o que eu disse, mas eu fui bastante espontânea e sincera e natural e estou muito feliz de que vocês tenham me deixado assim, me deixado falar, porque vocês me fizeram essas perguntas de uma maneira tão suave que eu fui falando, né? Eu acho que eu abri a boca até demais.
P/2 – Não, a senhora tem toda a liberdade de deixar aqui e vai ser a história que a senhora vai deixar para os seus bisnetos.
R – É, isso aqui (livro) também eu escrevi para os meus bisnetos.
P/1 – Então vai juntar tudo e dar um belo presente a eles.
R – É sim.
P/1 – Então a gente queria agradecer mais uma vez...
R – Eu que agradeço vocês.
P/2 – Muito obrigada.
Recolher