Votorantim Fercal DF
Depoimento de Vanderli Barbosa Alarcão
Entrevistado por Tereza Ferreira e Marcia Trezza
Fercal, 12 de junho de 2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV018_ Vanderli Barbosa de Alarcão
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições
P/1 – Vanderli, fale o seu nome completo e sua data de nascimento.
R – Vanderli Barbosa de Alarcão.
P/1 – Data de nascimento?
R – 24 do quatro de 59.
P/1 – E você nasceu onde, Vanderli?
R – Nasci em Planaltina de Goiás.
P/1 – Qual o nome dos seus pais e o que eles faziam?
R – Meu pai era Manuel da Silva, trabalhava no DER. Minha mãe, Maria Barbosa da Silva, trabalhava na secretaria de educação.
P/1 – Seus pais ainda são vivos?
R – Não, já faleceram.
P/1 – E me diga uma coisa, você lembra da sua infância, o que você fazia na sua época de criança?
R – Na época de criança fomos criados meio... Meus pais tinham muita dificuldade, meu pai bebia, a vida da minha mãe não era fácil. E ali a vida nossa, de nós irmãos, nós éramos cinco, foi muito difícil nossa criação. Não tive infância, não podia brincar, nunca a gente podia ter um amigo porque nossos pais não deixavam. Fomos criados assim, muito rígido, muito preso.
PAUSA
P/1 – Vanderli, você estava dizendo que você quase não brincou quando criança, seus pais não deixavam. Por quais razões?
R – Porque eles achavam, Tereza, que a gente só tinha era de trabalhar lá dentro de casa, era cuidar da casa, criança não tinha que brincar. E punha a gente também de joelho lá fora, pra todo mundo ver. A gente de joelho no portão quando a gente fazia uma brincadeira que não estava agradável, que eles não achavam bom, que a gente merecia ser castigado. Punha nós lá no portão de joelho, todo mundo passava e olhava a gente ali de joelho.
P/1 – Vocês eram em quantos irmãos?
R – Nós éramos cinco irmãos.
P/1 – E todos tinham o mesmo tratamento pelos seus pais?
R – Todos tinham o mesmo tratamento, nenhum foi diferente.
P/1 – E era iniciativa do seu pai ou da sua mãe ou dos dois?
R – Era do meu pai.
P/1 – E vocês viam isso como castigo apenas?
R – Era, como um castigo que ele dava em nós.
P/1 – Vocês tiraram alguma lição disso, Vanderli? Pra poder criar seus filhos?
R – Essa lição de castigo que ele dava pra nós dessa maneira, eu não peguei pra criar meus filhos, não. Mas achei também que meus filhos tinham que viver sozinhos, que não podiam ter amigos. Mas, com o passar do tempo, eu fui vendo que todo mundo precisa ter amigos, que ninguém pode viver sozinho.
P/1 – Vocês começaram a estudar com que idade?
R – Eu fui pra escola com sete anos, não consegui aprender, tinha uma dificuldade de aprender e nunca eles descobriram por quê. E ali eu fui ficando no banco do colégio, aprendendo a copiar, a professora pelejando para mim ao menos ler. Aí, depois dos 17 anos, eu fui desenvolvendo um pouquinho a leitura, fui aprendendo um pouco a ler, escrever. Aí estive no meu primeiro emprego, já estava já casada, casei com 16 anos, achei que não dava mais pra continuar aquela vida, saí de casa com meu esposo, aí fui trabalhar. Assim que comecei a trabalhar na escola, comecei já a aprender lá dentro, eles me ensinaram, professor, me sentar com carinho e me ensinando a ler e escrever.
P/2 – Você trabalhava na escola?
R – Trabalhei na escola 30 anos.
P/1 – Você veio de onde pra Fercal?
R – Eu saí de Sobradinho pra Fercal com 17 anos.
P/1 – Já veio casada?
R – Vim casada.
P/2 – Seus pais vieram pra Sobradinho, de Planaltina?
R – É, veio de Planaltina pra Sobradinho.
P/2 – E em Planaltina eles trabalhavam em quê?
R – Meus pais, eu acho que meu pai trabalhava em roça, antes que eu nascesse.
P/2 – E ele veio pra Sobradinho por quê?
R – Veio pra Sobradinho porque ele foi trabalhar no DER, ele era guarda dos maquinários do DER.
P/2 – O que é DER?
R – DER é um órgão do governo que faz estrada. Começou as estradas e ele foi funcionário do órgão do governo.
P/1 – E quando ele começou a trabalhar no Departamento de Estradas de Rodagem, o DER, aqui em Brasília, vocês ainda eram pequenos?
R – Não, nós já estava um pouquinho grande, acho que eu estava com uns dez anos. Já tínhamos dez anos.
P/1 – Quando você veio aqui pra Fercal? Há quantos anos você mora aqui?
R – Quando eu vim pra Fercal eu estava com 17 anos. Tem 43 anos que eu moro aqui.
P/1 – Você disse que já era casada com 17 anos.
R – Já, com 17 anos.
P/1 – Você já tinha filhos?
R – Não, ainda não tinha filhos, não.
P/1 – Vanderli, o que causou a sua vinda pra Fercal, pra vir morar aqui? É porque você já estava trabalhando e veio trabalhar aqui?
R – Não, eu casei com um rapaz de Sobradinho e ele já tinha as terras aqui na Fercal.
P/1 – Ele era...
R – Era Edmar, ele foi criado aqui.
P/1 – E aí você veio pra Fercal. Você mora em que lugar da Fercal?
R – Fercal I, quilômetro dois, rodovia 205.
P/1 – Desde que você veio morar aqui morando nesse mesmo local?
R – Nesse local, desde os 17 anos.
P/1 – E aqui você teve seus filhos?
R – Tive meus filhos aqui.
P/1 – Quando você começou a trabalhar você já tinha filhos?
R – Tinha os dois filhos já, já tinha.
P/1 – E você trabalhava onde?
R – No Centro de Ensino do Primeiro Grau da Fercal.
P/1 – Fica próximo a sua casa?
R – Fica, fica próximo a minha casa, cinco minutos da minha casa.
P/2 – Como que você conseguiu, começou a trabalhar, por que nesse lugar?
R – Quando eu comecei a trabalhar na secretaria de educação, na época era indicado e eu fui uma das indicadas pela secretária de educação.
P/2 – Quem era na época, você lembra?
R – É a Estela Guimarães, de Planaltina. E Hiró, o seu Hiró, também que era um dos que trabalhavam com a secretária.
P/2 – E você tinha amizade com eles?
R – Tinha, tinha. Eles tinham contato com a família da minha mãe.
P/1 – E aí isso que originou a tua indicação pela Estela para trabalhar na escola. Naquela época tinha concurso ou não? Era indicação?
R – Não, não tinha concurso. Era só indicação mesmo daquela pessoa. Que era indicada.
P/1 – E o que significou pra você trabalhar numa escola, conviver com professores e alunos?
R – Ali, o que foi pra mim foi uma vida. Eu tive uma vida muito tranquila nos meus 30 anos. Sempre gostei do meu trabalho, gostei de trabalhar com as crianças, com professor, com os diretores, a minha vida eu dediquei ali dentro.
P/1 – Hoje você não trabalha mais?
R – Não, não trabalho mais. Hoje eu não trabalho mais.
P/1 – Mas você não trabalha porque aposentou?
R – Aposentei. E depois que eu aposentei eu acho que eu já cumpri meu compromisso.
P/1 – Quando você chegou aqui na Fercal, como é que era a Fercal, Vanderli?
R – Tereza, quando eu cheguei na Fercal eu me lembro que aqui não tinha ônibus, eu andava um quilômetro a pé. Isso era pra pegar um amigo que passasse que tivesse um carro. Não tinha ônibus, não tinha água, não tinha luz! Prova que eu tenho... A prova no braço que foi queimado de uma lamparina que eu fiz. Eu peguei querosene, pus numa lata de leite Ninho e fiz um pavio e pus o querosene dentro. Pus fogo nela e pus em cima da paredinha da casa. Quando eu fui pegar ela porque ela tinha apagado, esse querosene quente derramou no meu braço. Isso era a luz que nós tinha, pra clarear era isso.
P/2 – Você quando saiu de Sobradinho, lá tinha luz, tinha água encanada?
R – Sobradinho quando começou, que eu saí de Sobradinho tinha. Porque tinha algumas casinhas que já tinham luz e água.
P/2 – Mas você, na sua casa, já tinha?
R – Tinha, na casa dos meus pais tinha. Só não tinha quando eu vim pra Fercal, aqui não tinha.
P/2 – E como foi pra você enfrentar esse desafio?
R – Como achei que aquela vida era melhor pra mim, né, do que aquela outra que eu estava.
P/2 – Você achou mesmo assim que a vida aqui...
R – É, fui morar num ranchinho de palha porque eu não tinha casa, meu esposo não tinha casa. Ele fez aquele ranchinho de pau e fez de palha de bambu, de coqueiro.
P/2 – Pra vocês dois.
R – Era, pra nós dois. E ali eu comecei minha vida. Ele foi trabalhar e eu também, depois de 20 anos fui trabalhar no colégio.
P/1 – Você conheceu seu esposo na sua juventude, foi na escola, foi na sua rua onde você morava?
R – Foi na minha rua onde eu morava. Na minha juventude.
P/1 – Assim que o conheceu vocês começaram a namorar? Como é que foi, conta pra gente alguma coisa.
R – É, comecei a namorar escondido de meus pais porque eles não deixavam, namoro de olhar, né? Meus pais não iam deixar mesmo eu namorar, aí ele me pegou, né? Me tirou da casa dos meus pais, meus pais me procuraram muito mas não conseguiram me achar, fiquei escondida.
P/1 – Ah, então conta pra gente direitinho, nos conta esse detalhe. Então você saiu fugida de casa pra casar.
R – Foi, pra casar.
P/1 – E quando seus pais descobriram que você havia fugido, como eles fizeram pra te encontrar?
R – Naquele tempo a moça não podia sair de casa, não, porque a Justiça mandava atrás daquele namorado, né? Eles falaram que iam mandar a Justiça atrás do meu esposo. Aí meu esposo procurou meus pais, ele era mais velho do que eu, ele procurou meus pais e disse pros meus pais que ia casar. Ia por os papéis no cartório e meu pai pegou e pôs, aceitou aquilo ali dele, pôs os papéis e casamos.
P/2 – E o dia de você sair de casa, conta como foi.
R – O dia que eu saí de casa eu saí escondida, saí com as minha roupinhas foi de dia e vim morar com a cunhada minha.
P/2 – Irmã dele.
R – Irmã dele, na Rua do Mato.
P/2 – E nem sua mãe sabia, você não deu sinal pra ninguém de casa que você ia sair fugida?
R – Não, nem minha mãe sabia. Nem meu pai. Não dei sinal pra ninguém.
P/2 – Nem pros irmãos.
R – Não, nem pros meus irmãos.
P/1 – Você nem pensou assim que podia dar errado?
R – Não, não pensei, não. Achei que tudo ia dar certo.
P/2 – Há quanto tempo você conhecia ele quando você saiu de casa?
R – Tinha um ano que conhecia.
P/1 – A família dele morava perto da sua família?
R – Não, a família dele não morava, ele morava de aluguel numa casa. A família dele era daqui da Fercal, eles eram daqui mesmo e eles eram família conhecida.
P/2 – Vieram direto pra cá, então.
R – Vim direto pra Fercal.
P/2 – Na casa da irmã, na Rua Dezoito.
R – É, eu fiquei na Rua do Mato e da Rua do Mato vim pra Fercal aqui, que não tinha casa e a gente fez o ranchinho e fomos viver.
P/1 – Aí você casou, aí pronto, agora eu estou liberada, como é que foi esse casamento?
R – Comecei aquele casamento em casa, sempre sendo só uma dona de casa, passei um tempo só cuidando da casa e dele. Depois veio meus filhos, eu tive eles nova, estava ainda na juventude. Aí depois eu fui trabalhar.
P/1 – Você falou que aqui não tinha água, não tinha luz. Como é que os moradores fizeram pra ter água e luz? Demorou de quando você casou até chegar a esse progresso?
R – Quando a gente não tinha água nós usava era o córrego. Era todo mundo com balde d’água e indo pro córrego, lavando roupa e voltando, essa era a vida que nós tinha aqui na Fercal.
P/1 – E pra consumo doméstico vocês usavam a mesma água?
R – Nós furava cisterna, Tereza. Tinha cisterna de 16 ou 17 metros, pra tirar o baldinho de água puxando naquele balde, eu esqueci até como chamava o nome daquele negócio que puxava com a corda o balde da água lá no fundo do poço.
P/1 – E essa água era pra cozinhar, pra tomar banho. Pra beber...
R – Era pra beber, era pra tomar banho. Tudo tinha de fazer com essa água.
P/1 – Quando você mudou pra esse local já era habitado como é hoje ou tinha pouco morador?
R – Não, tinha quatro. Quatro casas. Era chácara, era fazenda.
P/1 – E aí só tinha esses quatro moradores. Esses quatro moradores eram parentes do seu esposo ou eram moradores comuns?
R – Era tudo parente do meu esposo, era tudo tio.
P/1 – E como foi o seu convívio? Você se ambientava, você que veio da cidade, pra morar, e eles? Qual foi a receptividade deles com você?
R – Foi boa, Tereza, não teve dificuldade, não.
P/2 – Você trabalhava como dona de casa antes de começar na escola. E tinha algum tipo de diversão, antes ainda de trabalhar?
R – Não. Tinha diversão, não.
P/2 – E você continuou feliz naquela casa?
R – Nós continuava feliz. Aí, depois desse casamento, eu vivi 15 anos com meu marido, aí meu esposo faleceu. E aí eu já trabalhava, eu tinha dois anos que eu estava na secretaria. Aí eu comecei outra vida difícil, porque eu já fiquei viúva e fui criar dois filhos indo naquele emprego. Eu fui mãe e fui pai, em todo esse tempo.
P/1 – Quando ele faleceu você já tinha uma casa já, não era mais a casinha de palha?
R – Tinha a casa, não era mais a casinha de palha. Ainda não tinha luz e nem a água.
P/1 – Como é que foi pra chegar a luz e água na sua comunidade?
R – Quando começou a chegar a luz na comunidade foi através de formar aquela associação que era a Tereza, que foi o começo, que foi a LBA. Que começou a entrar nesses projetos de começar a vir nas chácaras, vir na Fercal e ver que ali as mulheres podiam ter algum desenvolvimento, desenvolverem algumas atividades, que as mulheres não tinham nada. Sabiam costurar... Então aí foi onde começou a Fercal desenvolver, criou essa associação que foi muito bom. Eu participei muito pouco porque eu trabalhava, mas sempre nos eventos eu gostava de ir, eu gostava de ficar ali ajudando. Aí começou a energia a chegar em um governo que fez um projeto de energia na Fercal, foi o Joaquim Roriz. Ali ele começou a ver, a trabalhar em favor dessa região. Aí veio chegar essa luz, e era em alguns lugares, mas era nessa região pra cá.
P/2 – O que fez ele olhar pra essa região?
R – Eu acho que ele foi um governo muito simples, trabalhou muito com a comunidade mais humilde, ele olhava muito esse lado dessas comunidades mais humildes.
P/1 – Mas ele não tomou a iniciativa por si próprio. Teve que se fazer muita reunião, muito movimento pra conseguir trazer a luz? O que mais além da luz vocês têm de políticas públicas?
R – De políticas públicas foram telefone, esse aí foi uma riqueza pra nós chegar esse telefone, porque eu mesma nunca pensei de eu ter telefone. Hoje nós ainda temos a dificuldade da água, porque a minha região, a minha área ainda mantém muitos indo pro córrego, porque não temos água da Caesb. Ainda estamos na base de um poço artesiano pra 300 famílias, está indo numas 400 famílias lá. Pra receber aquela água um dia sim e um dia não. Mas como o passado, hoje eu vejo que teve tantas melhorias, não está longe da água da Caesb chegar.
P/2 – Mas está sendo feita alguma coisa ainda pra melhoria chegar?
R – Tá, tá fazendo. Devagar, mas estão.
P/2 – O quê?
R – Chegar a água, ter as estradas, ainda tem lugar sem luz na minha região, ainda tem.
P/1 – As ruas da sua comunidade são asfaltadas, são de terra?
R – Algumas, Tereza, mas outras ainda estão naquela de fazer dó, buraco, poeira, não tem asfalto.
P/2 – Por que é Fercal I e Fercal II? A sua é Fercal I por quê?
R – É porque a Fercal I foi quando começou as empresas, a Tocantins, tinha uma pedreira lá, do lado. Então isso aí acho que foi com o que eles criaram Fercal I, porque isso aí foi um endereço que a gente foi dando depois, pra ter uma divisão de comunidade, Fercal I, Fercal II, pra saber dividir as comunidades.
P/1 – E você disse que o governo Roriz trouxe esses benefícios.
R – Trouxe.
P/1 – Mas você também disse que ia em muitas reuniões.
R – Ia.
P/1 – O que as reuniões tratavam?
R – A gente fazia esse movimento mesmo pra conseguir a melhora disso aqui. Não foi também iniciativa do governo, não. Foi iniciativa do povo que formaram aquele grupo igual eu falei: formaram uma associaçãozinha, a Tereza foi uma das que criou, meu esposo também foi muito tempo presidente. E isso eles batalhavam lá nos governadores, não era nem administração porque nós não tínhamos, era nos governadores, eles corriam atrás.
P/2 – Seu primeiro marido foi presidente da associação?
R – O segundo.
P/1 – Como é que foi? Você ficou viúva, aí em quanto tempo você casou novamente? Fala pra gente.
R – Foi com dois anos, Tereza. Tinha dois anos que eu tinha ficado viúva e eu casei de novo.
P/1 – Seu marido morreu de quê?
R – Coração.
P/1 – E esse segundo marido, você já o conhecia ou ele apareceu e veio o amor à primeira vista, à segunda vista?
R – Ele apareceu do nada. Eu achei, comecei a conhecer, os amigos mesmo da Fercal me apresentaram ele.
P/1 – A paixão não veio de imediato, não, ela veio aos poucos.
R – Não, não, não. Veio não.
P/1 – Tem quanto tempo que você está casada com ele?
R – Tem 25 anos.
P/1 – Vinte e cinco anos. Você tem filho com ele?
R – Não, não tenho filho com ele, não.
P/2 – E nesse trabalho você ficou em uma escola os 30 anos ou na secretaria?
R – Fiquei na escola 30 anos.
P/2 – Na mesma escola.
R – Uma eu fiquei 25 e na outra eu fiquei cinco anos, no final de aposentadoria, que tive readaptação por causa da saúde, tive outros benefícios melhores.
PAUSA
P/1 – Vanderli, estávamos falando do seu segundo casamento. Você conheceu, foi amor à primeira vista, levou um tempo pra você se apaixonar, se reapaixonar. Fale pra gente mais alguma coisa sobre isso.
R – Tereza, o segundo casamento já não foi nem tão amor e nem paixão, acho que já foi o medo de ficar só. E criar os filhos sozinha. Acho que não teve amor, não, o amor foi a primeira vez.
P/1 – Mas foi bom esse segundo casamento.
R – Mas foi bom, foi bom. Ele até hoje é muito bom pra mim, muito bom. Não tenho nada do que reclamar.
P/1 – Ele trabalha fora também?
R – É aposentado.
P/2 – Ele trabalhava com o quê?
R – Ele trabalhava na Ceasa, ele era encarregado.
P/2 – E vocês se conheceram, você ainda trabalhava na escola, tinha suas crianças. E como foi esse namoro?
R – Trabalhava na escola e ele nunca se envolveu muito com meus filhos, não.
P/1 – Você disse que ele foi presidente da associação.
R – Foi.
P/1 – Foi através do trabalho dele com a comunidade que você passou também a trabalhar pela comunidade ou você já tinha esse dom?
R – Não, foi através dele mesmo que eu passei a trabalhar com a comunidade. Eu vi que aquela comunidade estava carente, estava precisando de alguém que tomasse frente de alguma coisa.
P/1 – E hoje qual é a sua função na comunidade?
R – Hoje, Tereza, minha função na comunidade, meu objetivo, são as benfeitorias pra comunidade e ver aquela comunidade que tem muita gente carente, tem gente necessitada. E nossa comunidade ainda tem muito o que fazer porque ainda não está com todos os requisitos delas, falta muita coisa.
P/1 – A associação ainda existe?
R – A associação existe.
P/1 – E quem está como representante hoje da associação?
R – Hoje quem representa essa associação sou eu.
P/1 – Você tem todo o apoio da comunidade?
R – Tenho todo apoio da comunidade, não tenho nada que reclamar da minha comunidade.
P/2 – Você disse que ia nas reuniões. O que você foi aprendendo? Porque você não participava, hoje você é presidente da associação. O que você aprendeu indo nas reuniões?
R – O que eu aprendi indo nas reuniões é cobrar. Porque eu via cobrando, cobrando as benfeitorias, então eu aprendi a cobrar. E insistir também. Porque você cobra uma vez, eles esquecem. Aí eu prestava atenção, que aquilo ali era insistência do presidente, chegar ali uma água, chegar ali a luz, foi insistência deles. Eles não se cansaram, então hoje esse é o meu dom, é de não cansar, de exigir e pedir ao governo. Quero dizer pra eles que é sempre prioridade que nós têm que ter o mínimo, água e luz. E escola.
P/1 – Seu esposo te apoia nesse trabalho, seus filhos?
R – Apoia, Tereza. Eles não impedem, não, nem meu esposo, nem meus filhos. Se falar "tem uma reunião, é agora!", eu só entro dentro do quarto, troco uma roupa, tomo meu banhozinho e vou.
P/1 – Ele participa com você?
R – Participa. Eu levando, ele gosta.
P/1 – E da experiência que ele teve, ele te passou alguma orientação de como você ir atrás, reivindicar e abordar as autoridades?
R – Passou, ele sempre passou isso pra mim.
P/2 – Que ensinamento maior?
R – O ensinamento maior que ele sempre falava pra mim, que quando a gente participava de uma reunião a gente esperava assim um momentinho, chamava eles, dava um café pra eles na nossa associação. "Reúne o povo do governo, dê um café. E ali você vai fazer a sua cobrança pra eles e sempre usando um ofício pedindo pra eles.”
P/2 – Por que o ofício?
R – O ofício já é mesmo mostrando que a comunidade está precisando mesmo, já é um documento oficializado que nós, da associação, temos que fazer.
P/2 – Hoje ainda você consegue reunir a comunidade?
R – Consigo, consigo reunir a minha comunidade. Consigo minha comunidade ser unida comigo. Tenho que ter um jogo de cintura pra entender cada um.
P/2 – Como assim?
R – Entender cada um é aqueles que reclamam ali que estão precisando de uma coisa, estão precisando de outra. Toda hora chega um na minha casa: “Ah, dona Li, a senhora pode fazer isso pra mim?”, e ali eu estou sempre tratando eles bem. E aquilo que eu posso conseguir eu consigo e aquilo que eu não posso eu levo com jeitinho, converso com eles, eles entendem.
P/2 – Vanderli, eles vão muito na sua casa pedir uma coisa, outra.
R – É.
P/2 – Agora assim, fazer uma reunião que eles também percebam que estão juntos ainda acontece?
R – Acontece. Acontece. Toda reunião eles estão junto.
PAUSA
P/2 – Vanderli, eu ia perguntar como que você vê as pessoas, que tipo de participação os moradores têm junto com você?
R – A participação que eles têm é quando eu falo com eles: "Hoje nós precisamos de reunir. Precisamos reunir por quê? Vamos no mesmo objetivo, pedir a mesma coisa, cada um pedir aquela coisa ali que nós estamos precisando dentro da comunidade. Gente, estamos precisando de água, vamos reunir, porque é à força, é vocês que vão me ajudar a trazer a água pra Fercal. É vocês que vão me ajudar a chegar o asfalto na Fercal”. Então essa hora eles reúnem, são todos juntos.
P/1 – E quando você vai em reunião fora representando a comunidade, no retorno pra casa você repassa as informações para os moradores?
R – Repasso, faço a reunião com eles, falo pra eles o que aconteceu naquela reunião. O que é que nós vamos ter... Eu praticamente estou pedindo é paciência pra eles, né? Que até agora eu ainda não tenho, eu falo pra eles, "eu não tenho nada ainda pra vocês, mas peço paciência que vamos conseguir".
P/1 – Você falou que o que tem na comunidade os moradores conseguiram através do governador Roriz. Tem muito tempo ou ele tem pouco tempo de governador? Depois disso, você já teve mais conquista alguma, qual foi a conquista?
R – Olha, a conquista que nós tivemos depois dele foi a luz que veio no tempo desses governadores que foram o Joaquim Roriz e o [José Roberto] Arruda. E depois inaugurou esse poço artesiano lá, foi no tempo de Cristovam [Buarque], mas já foi um projeto do Arruda. Já o Cristovam inaugurou, né? Foi o Cristovam. Mas parou também nisso aí, não cresceu depois dessa inauguração dessa água.
P/1 – Na sua comunidade tem uma escola que você trabalhou. Qual é o acesso que a comunidade tem com a escola? É aberta à sociedade?
R – Tereza, não estou tendo muito acesso lá com a minha comunidade, temos dificuldade.
P/1 – Mas você atribui a quê?
R – Sobre usar o colégio para uma reunião, para um lazer, nós não estamos podendo fazer isso, não.
P/2 – É a mesma escola que você trabalhou?
R – É, mas hoje já tem outros novos diretores.
P/2 – Mas é essa escola que você trabalhou 30 anos?
R – É, 30 anos. São novos diretores, mais jovens, mais moços...
P/1 – Você junto com a sua diretoria já tentou conversar com a nova direção da escola pra pedir o espaço?
R – Já pedi, Tereza, já tentei pedir.
P/1 – E foi negado ou eles simplesmente se calaram?
R – Têm medo porque diz que tem que quer funcionário de dentro do colégio pra estar ali com aquela comunidade. Eu propus arrumar quem ficasse lá porque a gente não tem lazer pras crianças, as crianças lá não têm um parque, não têm uma quadra. Eles jogam no asfalto. E cada dia que eu vejo uma criança daquela no meio do asfalto me incomoda.
P/1 – E não tem por quê? Porque não tem espaço ou é porque não houve apoio do Estado pra poder construir uma área de lazer?
R – Não tem espaço e o espaço que eu ganhei, eu acredito que como a Cimento Tocantins tem nos ajudado nessa Fercal, ela vai me dar esse presente de fechar um buraco pra ver se eu faço uma quadra, junto com o governo.
P/1 – Esse projeto já está em andamento.
R – É, pedi e estamos aguardando pra que levem esse técnico pra ver. Eu acredito que ela vai fazer isso aí praquela comunidade.
P/2 – Só voltando à escola, a escola alega que o único motivo de não abrir para a comunidade é porque não tem funcionário?
R – É, porque ela não tem funcionário lá sábado e domingo. Porque eu queria que as crianças usassem aquela quadra, a comunidade usufruísse ela também.
P/2 – E quando você disse que alguém da comunidade podia ajudar, o que responderam?
R – Ele fala que não pode, que só pode ficar acompanhando funcionário de lá. Eu falei: “Então eu não fui funcionária 30 anos? Onde ficou aquela responsabilidade que eu tive de 30 anos dentro de uma escola?”. Ele diz: “Mas tem que ter um funcionário que hoje é ativo”. Eu falei: “É, você está certo, diretor”.
P/1 – Então na sua comunidade não tem nenhum tipo de lazer no momento, nem pra jovem, nem pros adultos?
R – Tem não, Tereza. Tem nada, nada, nem um lazer a minha comunidade não tem. Não tem nem um parquinho que uma criança de cinco, seis anos vai lá brincar. Não tem nem uma PEC chegou ali. E tem quatro meses que eu sou presidente da associação. Acredito que daqui um anos, dois anos, as coisas vão melhorar e vai ter esses benefícios lá. Eu acredito, eu não perco a fé, não. Porque tão pequeno era a Fercal que não tinha nada, não tinha um ônibus, não tinha escola. A única escolinha que tinha era dentro da fábrica de Cimento Tocantins, que os alunos iam a pé lá pra dentro ali e estudavam. Hoje nós temos escolas boas.
P/1 – Nesse tempo você morava aqui?
R – Morava. Quando a escola saiu de lá eu morava.
P/1 – Mas você não estudou lá, não.
R – Não. Eu já era mãe aqui.
P/1 – Seus filhos estudaram.
R – Meus filhos estudaram na escola da Fercal.
P/2 – Você sofreu com o pó?
R – Olha, esse pó aí nunca deu nenhum tipo de alergia em mim, não. Eu tive quando eu fui lá pro Queima Lençol, que lá eu fiquei acho que debaixo mesmo do pó lá, que foi da Ciplan. Mas da Tocantins nunca me atingiu nada, não. Não tive problema de saúde.
P/1 – Com todos os problemas que você encontrou aqui, com toda a carência que tem até hoje, do que você sente saudade daquela época que não tem hoje?
R – Eu sinto saudade? Eu sinto saudade de quando eu fui trabalhar, Tereza. Quando eu comecei minha vida dentro da escola. Só. Essa foi a saudade.
P/1 – O que te marcou mais? Você lembra de alguma coisa que aconteceu que você começou a trabalhar, que tenha te deixado triste ou mais alegre?
R – Não, eu fiquei mais alegre. Foi meu primeiro emprego e foi o último. Porque o que me marcou muito, muito, foi minha convivência junto com professor, diretor e aluno. Porque eu era muito abraçada e eu também abraçava, então isso me marcou, isso foi meu pedaço da minha vida. Eu aposentei porque tudo tem seu tempo (emocionada).
P/1 – Vanderli, nós estamos terminando a nossa entrevista, mas nós gostaríamos de saber se você tem mais alguma coisa a acrescentar, qual a mensagem que você quer deixar neste final de entrevista, porque tem sido muito importante a gente ouvir e pra gente tem contribuído bastante.
R – Eu quero agradecer à Votorantim que foi uma grande oportunidade que ela deu para os campeões da Fercal. Que nós sabia que isso só tinha que sair dela, porque ela tem amor também à Fercal. Aqui se não fosse a Votorantim a nossa Fercal também já não era nada. Aqui ela criou os empregos, o povo da Fercal é empregado aí. Isso é uma honra pra nós estar hoje fazendo uma entrevista por uns escolhidos que escolheram nós, a Cimento Tocantins. Eu só tenho a agradecer as nossas reuniões, foram muito boas. Então acho que foi tudo de bom.
P/1 – Então pra você foi importante esse momento de você poder estar falando da tua experiência, da tua experiência de vida, de comunidade.
R – Foi, foi muito bom eu falar da minha experiência de vida, da minha comunidade e pra mim foi uma honra, Tereza. Eu estou é com 60 anos, chegar a esse ponto de ser escolhida é muito importante pra mim. Acho que talvez a gente pensa que não merece tanto e merece, né? Esse carinho que vocês tiveram com nós.
P/1 – Nós queremos agradecer, Vanderli, por esse momento, por tudo o que foi colocado aqui você tenha certeza que vai somar aos demais depoimentos e que a Fercal vai tirar muita coisa boa de todas as experiências e vai ser exemplo para os jovens que vão estar aí também levantando a bandeira.
P/2 – É isso que a Tereza falou, viu? Muito obrigada, parabéns pela sua história. E é o que você falou, né, é uma das 20 aí que batalhou muito e ainda batalha, né?
R – É, com fé em Deus.
P/2 – Quantos mil habitantes tem aqui?
R – Trinta e cinco mil habitantes.
P/2 – Trinta e cinco mil.
P/1 – E a comunidade dela é uma das mais habitadas, a Fercal I.
P/2 – Pois é, e vocês, os pioneiros que conseguiram tanta coisa pra cá, né? Então, obrigada pela história.
R – Eu que agradeço.
FINAL DA ENTREVISTA
Recolher