Ponto de Cultura - Museu Aberto
Depoimento de Malu Natel Freire Weber
Entrevistado por Isabela de Arruda e Maiara Moreira
São Paulo, 27/03/2010
Realização: Museu da Pessoa
Depoimento PC_MA_HV260
Transcrito por
Revisado por Erick Vinicius de Araujo Borges
P/1 — Malu, vou começar pedindo para você dizer seu nome, local e a data do nascimento.
R — Meu nome é Malu Weber nasci em Curitiba, estado do Paraná, há 40 anos.
P/1 — Qual o nome dos seus pais?
R — Meu pai se chama Albino de Brito Freire e minha mãe Maria Lúcia Natel. Tenho um irmão, Rafael, hoje está com 29 anos.
P/1 — Ah! Muito mais novo que você?
R — Na verdade, foram dois filhos únicos, quando tinha 11 anos, graças a Deus, minha mãe engravidou de novo, agora posso dizer que tenho um irmão.
P/1 — Então, me conta um pouco o que seu pai fazia; como era o lugar onde você nasceu; quais são as suas primeiras lembranças?
R — Meus pais sempre trabalharam muito, meu pai, na época, era advogado e professor, minha mãe era professora de inglês e dava aula em colégio também, Português, Matemática...
P/1 — Mas onde vocês moravam?
R — A primeira lembrança que tenho, nós morávamos na frente do Passeio Público, um parque enorme, tinha zoológico e tudo mais. Ficava esperando desde pequenininha o ônibus passar sentada no muro desse parque, lembro que vinham as pombinhas do parque sentar na beirada do prédio onde a gente morava. Uma lembrança com muito verde, muita alegria, uma infância muita ativa e de muitas brincadeiras. Minha primeira infância foi nesse apartamento, na frente, a minha área de lazer, era bastante grande, porque era neste parque.
P/1 — Voltando aos seus pais, seu pai trabalhava e a sua mãe também.
R — Sim, os dois trabalhavam sempre, a imagem que tenho de criança, na hora do jantar, é meu pai dizendo: “estamos atrasados, temos que ir!”, porque eles trabalhavam a tarde e davam aula a noite.
P/1 — Os dois?...
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Depoimento de Malu Natel Freire Weber
Entrevistado por Isabela de Arruda e Maiara Moreira
São Paulo, 27/03/2010
Realização: Museu da Pessoa
Depoimento PC_MA_HV260
Transcrito por
Revisado por Erick Vinicius de Araujo Borges
P/1 — Malu, vou começar pedindo para você dizer seu nome, local e a data do nascimento.
R — Meu nome é Malu Weber nasci em Curitiba, estado do Paraná, há 40 anos.
P/1 — Qual o nome dos seus pais?
R — Meu pai se chama Albino de Brito Freire e minha mãe Maria Lúcia Natel. Tenho um irmão, Rafael, hoje está com 29 anos.
P/1 — Ah! Muito mais novo que você?
R — Na verdade, foram dois filhos únicos, quando tinha 11 anos, graças a Deus, minha mãe engravidou de novo, agora posso dizer que tenho um irmão.
P/1 — Então, me conta um pouco o que seu pai fazia; como era o lugar onde você nasceu; quais são as suas primeiras lembranças?
R — Meus pais sempre trabalharam muito, meu pai, na época, era advogado e professor, minha mãe era professora de inglês e dava aula em colégio também, Português, Matemática...
P/1 — Mas onde vocês moravam?
R — A primeira lembrança que tenho, nós morávamos na frente do Passeio Público, um parque enorme, tinha zoológico e tudo mais. Ficava esperando desde pequenininha o ônibus passar sentada no muro desse parque, lembro que vinham as pombinhas do parque sentar na beirada do prédio onde a gente morava. Uma lembrança com muito verde, muita alegria, uma infância muita ativa e de muitas brincadeiras. Minha primeira infância foi nesse apartamento, na frente, a minha área de lazer, era bastante grande, porque era neste parque.
P/1 — Voltando aos seus pais, seu pai trabalhava e a sua mãe também.
R — Sim, os dois trabalhavam sempre, a imagem que tenho de criança, na hora do jantar, é meu pai dizendo: “estamos atrasados, temos que ir!”, porque eles trabalhavam a tarde e davam aula a noite.
P/1 — Os dois?
R — Os dois, sempre foi muito agitado o dia a dia deles.
P/1 — E você, como que ficava?
R — (risos) Nós tínhamos uma senhora que morava conosco, chamava Sônia. Sempre tive uma vida muito cheia de atividades, ela ficava comigo neste período e, às vezes, os meus pais se intercalavam. De segunda, quarta e sexta, um dava aula e o outro dava aula terça e quinta, não me lembro realmente de épocas em que fiquei sozinha, nunca fiquei, ou tinha o pai, ou a mãe, ou a Sônia - que fazia parte da família.
P/1 — Você não tinha a sensação de estar assim, sozinha, solitária?
R — Nunca. Engraçado, porque fui filha única por onze anos, mas sempre fui muito sociável, sempre queria estar junto com as crianças, tinha muitos primos, de final de semana brincávamos no parque em frente de casa ou ia para o Parque Barigui, foi uma vida muito intensa. Eu era muito criativa, como não tinha irmão dava vida aos meus brinquedos, como se fizessem parte do meu dia a dia. Não me lembro de nenhum momento solitária, sempre queria ter um irmão, falava para minha mãe, uma vez a professora chegou a ela e disse: “nossa, como a sua filha gosta do irmão que ela tem!”, minha mãe falou: “mas ela não tem irmão!”, “mas olha, ela escreve redações maravilhosas em que ela tem um irmão, ela sai com o irmão, ela brinca!” Sempre tive muita imaginação, se não tinha alguma coisa do jeito que queria, fazia de conta, trazia muito a imaginação para minha realidade. Não lembro de momentos assim de tristeza ou de solidão, pelo contrário, me lembro rodeada de primos, de tios e comecei muito cedo a fazer esportes. Comecei a levar a sério dois importantes esportes, a minha carreira como bailarina aos quatro anos, também como tenista, ou tinha ensaios, aulas de balé, ou tinha treino de tênis, sempre foi uma infância muito intensa.
P/1 — Você estudava? Como foi quando começou a ir na escola?
R — Quando comecei ir à escola? Lembro de mim pequenininha, estudava no Colégio Nossa Senhora Medianeira, era longe de casa, tinha um ônibus fretado que nos buscava, tinha que acordar super cedo, estudava de manhã, acordava às vezes às seis horas da manhã, às seis e meia o ônibus passava. Antes disso, a minha mãe falava muito do Sossego da Mamãe, não era uma escola era como se fosse uma escola para nenéns, quando a gente é bem pequenininho e ela falava muito que eu dizia “ah, quero ir para o Sossego da Mamãe”, mas não lembro dessa fase de criança. Lembro mais de quando começava a pegar o ônibus, acordar cedo, em Curitiba faz um frio danado, às vezes, tomava banho um dia antes, colocava a minha roupa, ficava bem quietinha na cama, para não amassar a roupa e, no outro dia, não ter que acordar, tomar banho e passar aquele “friozão”. Na escola sempre fui muito CDF (Cabeça de Ferro), até por ser filha única, meus pais me cobravam muito isso, tinha que ser a melhor, ir bem na escola, tirar notas altas, precisava ser alguém na vida com responsabilidade. Desde cedo, meus pais não me cobraram, mas a forma como eles me educaram, levava a uma responsabilidade muito grande e, como muitas vezes tinha que ficar fora por causa de um treino, ou por causa de um ensaio de uma apresentação de dança, meus horários eram muito curtos, muito dedicados. Tinha horário para acordar, tomar banho, estudar, brincar, sempre tive uma vida muito disciplinada. O que tinha que comer, o que podia o que não podia, porque ia engordar, não ia pegar o papel principal na dança, então, desde pequena tive uma vida muito disciplinada, sempre com muitas regras, muitos desafios para se superar.
P/1 — Essas regras, desafios, viam de você ou isso também foi favorecido pela educação? Como eram os valores que os seus pais ficavam passando?
R — Meus pais sempre foram muito regrados e sérios. Acho que a grande preocupação deles era criar uma filha única mimada e cheia de “eu quero isso, quero aquilo, posso tudo”. Talvez eles dosaram um pouco mais, por outro lado, o da disciplina, determinação, organização, se superar, ir em frente, não desistir no primeiro percalço ou no primeiro não. Meus pais me criaram para ser muito independente, minha mãe sempre foi muito assim, meu pai, a ordem, a disciplina -nunca me esqueço um dia que falou para mim, ficou muito marcado isso, agora entendo “olha, não adianta você me amar se não me respeitar. Claro, quero seu amor, mas você precisa me respeitar como pai”.Ele sempre foi muito formal, sério, agora ele evoluiu (risos), está mais pai, falamos de amor, mas sempre foi muito mais durão que minha mãe, ela sempre foi aquela “não, minha filha tem que ser independente, não pode depender da gente para sempre”, fui criada nesse ambiente, com muita disciplina, me criando para ser independente, não para ser uma criança mimada e dependente do pai ou de alguém.
P/1 — Malu, apesar disso, como era o clima? Muito sério, por exemplo, no jantar ou tinha muita gargalhada, tinha carinho físico? Como era a sua relação com eles?
R — Era mais formal que me lembre. Minha mãe sempre foi mais carinhosa, o carinho do meu pai era um pouco diferente. Meu pai, por exemplo, me levava para brincar, ele ensinou a andar de bicicleta, nunca esqueço, a gente na garagem do prédio, ele empurrou assim, depois de várias tentativas, estava com medo de cair, me empurrou e continuei andando de bicicleta, “eu consegui! Viva o papai!”. Essa é uma frase que lembro muito, está muito presente, meu pai sempre foi muito formal, rígido em termos de disciplina, por exemplo, se tomava suco de laranja era só aos finais de semana, se tomava um copo, era aquele copo, não podia tomar outro, porque não? “Por uma questão de disciplina, minha filha, já deu”. (risos) Se num final de semana ia numa festinha, no outro final de semana, não tinha, nem que fosse o baile de debutante da minha melhor amiga, tinha que escolher. Não tinha tudo, meus pais até podiam me dar tudo, a grande preocupação deles era que soubesse como na vida existem limites, iria enfrentar a vida melhor se soubesse desde cedo, precisávamos aprender, nem tudo vamos conseguir na hora, no momento, e, às vezes, não conseguiremos mesmo, temos que aprender outros caminhos para saber se virar e ser feliz. Acho que foi uma educação rígida, formal, principalmente quando era pequena, minha mãe mais amorosa, incentivadora, por exemplo, fazia um texto, sempre gostei de escrever muito, mostrava-o para minha mãe, ela dizia, “nossa minha filha, está brilhante!” Meu pai ia ler e dizia: “olha, não se separa sujeito de verbo, você não podia ter colocado essa vírgula aqui”. Mas também foi graças a ele que tenho um português, uma fluência para escrever um artigo, um texto, muito maior, se também só aplaudisse... Foi um equilíbrio muito bacana. Quer dizer, tinha o carinho, o apoio do meu pai, mas com um foco mais disciplinador que minha mãe. Embora, sempre disse, tive dois generais em casa, a minha mãe era durona também, às vezes, nunca fui muito organizada, não é uma das minhas maiores qualidades, chegava em casa ela não deixava dormir enquanto não arrumava o quarto todo, ou, se queria sair, jogava tudo dentro do armário, a hora que voltava estava tudo fora do armário, ela dizia: “você não quis arrumar aquela coisinha, agora você vai arrumar o armário inteiro”. Foram dois grandes educadores, devo muito a eles dos valores que tenho hoje, foi porque foram muito persistentes comigo de pequena. Quando era pequena, como meu filho hoje, às vezes, ele diz, “mãe, por que só eu não posso brincar lá embaixo?” Eu falo: “filho, porque é uma questão de disciplina”. (risos) Estou repetindo exatamente o que os meus pais fizeram comigo, sou muito feliz com esses valores que temos hoje, meu filho também é filho único, o Pedrão, hoje tem nove anos, acabou de fazer. Gostaria de ter tido mais filhos, não consegui, tenho endometriose, também a minha vida profissional acabou fazendo com que optasse em ter filhos mais tarde, quando descobri a minha endometriose, já estava perto dos meus 40, não conseguimos. A minha maior preocupação também é essa, não fazer com que seja uma criança mimada, tenha tudo na vida, embora possamos dar as melhores condições para ele. A gente pode dar as melhores condições, a melhor educação, mas entendo que essa melhor educação significa também ter limites, disciplina, horário para estudar, para brincar e também fazer tudo que é tipo de esporte, já nadou, andou de patins, esquiou, é uma criança ativa, tem muitos amigos, me cobra um irmãozinho de vez em quando, uma criança super saudável. Às vezes ele liga e fala: “mãe, nós precisamos negociar”, falo, “ok, vamos conversar, o que você quer”. Sou muito grata por essa educação.
P/1 — Antes de entrar na escola, queria expandir um pouco a sua família. Se seu pai e sua mãe eram assim, qual a referência você tem dos seus avós?
R — Bem, não conheci meu avô materno, morreu antes de eu nascer e minha avó materna sempre foi muito doente. Sempre teve reumatismo, artrite, foi muito limitada de saúde.
P/1 — A materna ou a paterna?
R — A materna. Sempre foi uma senhora muito séria, lembro dela sentada no sofá da sala, assistindo televisão, uma senhora séria, não tive muita inteiração com a minha avó materna.
P/1 — Eles eram de alguma origem, imigrantes?
R — Eram de origem holandesa. Minha avó sempre foi muito formal, mais distante, morreu cedo também, eu era criança quando faleceu. Meus avós paternos sempre moraram em sítio, minha avó paterna sempre teve muita saúde, diferente da minha outra avó. A imagem que lembro dela é me pegando no cangote, pulando, brincando de cavalinho pelo sítio, me ensinando a dar milho para as galinhas, andando à cavalo. Meu avô gostava de fazer brincadeiras, tem um nome que agora não me lembro, como se fosse histórias de adivinho, me falava algumas coisas e tinha que descobrir, por exemplo, a primeira nota musical é dó, tinha que pensar “dó” forma uma palavra, “do-lo-ro-sa”, era um quizz, você tinha que adivinhar, iam te dando pistas e mesmo na simplicidade dele sempre foi muito criativo. Lembro-me do meu avô mais “sérião”, muito formal, parecido com minha avó materna. Era muito inteligente, gostava muito de contar histórias, ficava nos desafiando a fazer esses quizzes e a entender a palavra final que queria nos passar. Lembro da gente sentado no sítio, uma casinha muito simples que eles tinham, brincando desse adivinho, era muito gostoso, porque sempre queria ganhar, aprender, fazer com que tivesse orgulho do meu entendimento, daquele desafio que ficava cada vez maior eu estava conseguindo fazer. A minha avó também deu esse outro lado mais de campo, no meio dos bichos.
P/1 — Um sítio perto de Curitiba?
R — Era um sítio perto, há algumas horas, às vezes passávamos finais de semana inteiros, minha mãe por vezes não ia, sempre foi mais urbana, (risos), mas ia com meu pai, lembro desses momentos assim.
P/1 — Você sabe a origem deles, tem alguma referência? Porque estou perguntando de imigrantes, de fora, gente que era de outra cultura, ou eles já eram super brasileiros?
R — Acho que meus avós paternos eram super brasileiros, eles vieram de Caculé na Bahia. Não sei se tem alguma coisa de Portugal, realmente não tenho essa referência, são muito mais brasileiros do que avós maternos, tem uma origem europeia, holandesa, a família da minha mãe é Wan Der Brook. Agora voltou a usar esse sobrenome que da minha avó, deixa ver o que mais, é uma mescla. Sou uma mescla de europeu com baiano. (risos).
P/1 — Malu, você estudava nessa escola que chamava Medianeira?
R — É, Colégio Nossa Senhora Medianeira.
P/1 — Uma escola religiosa?
R — Era uma escola religiosa, católica, minha família sempre foi católica...
P/1 — Vocês iam à igreja?
R — Íamos à Igreja, na missa, aos domingos, tinha ensino religioso junto com as outras matérias. Era um colégio muito grande, você tinha as matérias Matemática, Português, tinha muito incentivo ao esporte, sempre representava o colégio em Olimpíadas, jogava handebol, corria, fazia atletismo, sempre fui muito ligada a esportes.
P/1 — Tem alguma lembrança específica da escola, uma professora que te marcou, alguma coisa assim?
R — Engraçado, fazia tempo que não parava para pensar da minha infância! Lembro-me de um professor que me reprovou, isso já foi na quarta série.
P/1 — Você repetiu de ano?
R — Eu repeti de ano, você acredita? CDF (Cabeça de Ferro) do jeito que era.
P/1 — Seus pais devem ter tido um ataque!
R — Foi horrível! Uma época que estava muito envolvida com a dança, já estava pronta para me profissionalizar e fui mal em Química. Lembro que valia cinco a prova de recuperação, tirei quatro e meio e o professor não me passou, eu disse: “mas não é possível, como é que vou explicar isso em casa?” Foi um trauma para mim.
P/1 — Mas você tinha o quê, dez anos?
R — Não, estava na quarta série do oitavo período. É diferente agora?
P/1 — Tipo, oitava série, nono ano hoje.
R — Porque depois entraria no científico.
P/1 — Ah! Quer dizer, você repetiu esse último ano do ginásio?
R — Estava com 14, 15 anos, mais ou menos essa idade. Nossa! Foi um trauma para mim! Ter repetido o ano ficou e minha mãe volta e meia lembrava-se disso, “É, porque você reprovou...”, aquilo foi pesado para mim, até porque sempre fui estudiosa, muito CDF (Cabeça de Ferro), responsável, sempre detestei que alguém me cobrasse alguma coisa que sabia o quanto tinha de fazer, estava levando uma bronca. Porque levar bronca por aquilo que você faz de errado, ainda mais sendo organizada, foi um baque para mim. A lembrança que tenho da escola, estudando, sempre foi os milhares de amigos, as olimpíadas, as competições do atletismo. Lembro que tinha uma menina, grandona, sempre estava comigo na prova dos 100 metros, eu falava, “dessa vez não vou perder!”, sempre me esforçava! Ganhei muito, perdi muito, sempre com aquele objetivo de “ok, vamos competir, mas quero ganhar, quero vencê-la”. Lembro muito dela, uma grandona, loira, tinha uns pernões, ela, normalmente, me passava nos benditos 100 metros. A lembrança que tenho de escola, nunca foi tanto dos estudos, pensando um pouco, lembro que tinha prova oral, a gente ficava em pé ao lado da carteira, a professora chamava, “fulana”, você tinha que levantar e responder as questões da professora, morria de vergonha, o medo às vezes me paralisava. Ia mal nas provas orais, todo mundo olhando, você tendo que responder, isso também foi uma coisa que marcou. Recuperava na prova escrita, ia muito bem, depois você tinha que contar histórias na prova oral daquilo que você tinha estudado, ou alguma fase importante que você tinha passado na vida, fui relaxando e melhorando. A minha parte escrita sempre foi muito melhor do que a parte oral, minha mãe nunca imaginou que ia parar na TV, sempre achava que ia ser jornalista de jornal, escritora, sempre escrevi muitos artigos, passei boa parte da minha vida profissional no início de carreira na televisão, apresentando jornal, como repórter... é engraçado isso! Porque mudou um pouquinho.
P/1 — Antes de chegar nessa parte profissional, falando um pouco disso, da dança, você ia virar bailarina.
R — É, exatamente.
P/1 — Você virou jornalista.
R — Não, virei bailarina também, bailarina e tenista. Muito cedo comecei a dançar, fazer aula, tinha uma escola muito famosa em Curitiba chamada Studio D, da Dora Paula Soares, comecei a minha carreira lá.
P/1 — Balé clássico?
R — Balé Clássico, na época, as aulas ainda eram com piano ao vivo. Eram maravilhosas, porque os passos, as sequências, não eram em função da música, você tinha, ao contrário, a professora montava a aula que ela queria, o pianista ou a pianista Dna. Ilona, agora lembrei, nossa senhora! (risos). A primeira senhora que tocava as músicas para gente fazer aula, comecei a ir muito bem na dança e no tênis, os dois esportes começaram a se chocar, tinha treino de tênis ou ensaio para as apresentações. Chegou o momento em que tive, foi a primeira escolha difícil de tomar, ou ia ser bailarina, ou tenista. Minha mãe queria que fosse bailarina e o meu pai tenista, (risos), minha mãe acabou ganhando, meu pai até hoje fala que se tivesse ido para o tênis a família inteira estava rica, eu tinha um slice de direita imbatível. Enfim, realmente parei de jogar tênis e segui a carreira de bailarina, a primeira faculdade que fiz foi superior de dança na PUC em Curitiba, me profissionalizei...
P/1 — Você entrou num grupo?
R — Entrei num grupo, comecei a dançar no Teatro Guaíra, mas o meu foco foi dança contemporânea, nunca fui pequena, nem super magrinha. Até fui quando era bem pequenininha, era magra como o meu filho hoje, mas sempre fui grandona. Nas danças clássicas Don Quixote, Cinderela, Lago dos Cisnes, o Quebra Nozes, sempre queria dançar de titi com o partner, mas não, sempre era a bruxa, o dragão, tinha papéis solo, porém nunca era na ponta, de titi. Sempre fui grandona, meu forte sempre foram os grandes saltos, os giros. Profissionalizei-me, fui para dança contemporânea por isso, a dança moderna tinha mais a ver com o meu tamanho, com a minha estrutura óssea.
P/1 — Que dança contemporânea?
R — Fiz parte do grupo de dança do Rafael Pacheco, na Universidade Federal do Paraná, com esse grupo conheci grande parte do Brasil dançando, Joinville, vários festivais de dança que a gente ganhou em primeiro lugar, foi maravilhoso! Realmente abandonei o tênis, engraçado que o tênis só voltou, inclusive, participei de campeonatos, depois de casada já em São Paulo e ainda com tempo... Casei-me muito nova, ainda estudante, me dividia entre dar aulas de danças, criei um grupo de dança profissional também, comecei a competir nos campeonatos estaduais de tênis, foi muito engraçado.
P/1 — Você fez a faculdade de dança?
R — Fiz a faculdade de dança, só que chegou um momento da minha carreira, realmente tive muita pressão do meu pai, achava que dança depois de toda a minha formação, não era uma carreira definitiva para mim e que, como não tinha escolhido o tênis, não ia ser uma Ana Botafogo (risos). Comecei a dar aula de danças aos 16 anos, foi a primeira época em que já comecei a trabalhar, ganhar meu dinheirinho, foi com a dança. Realmente chegou um momento em que conversei muito com o meu pai, minha mãe e disse assim “olha, porque não faz uma segunda faculdade? Dança foi bacana, é importante, mas será que é isso... o que você aspira, o que quer para o seu futuro? É uma carreira curta a de bailarina, você não vai ser uma Ana Botafogo, quer dizer, vai continuar dando aula, ganhando o seu dinheirinho por mês, vai abrir uma academia...”, na verdade, acabei criando depois de casada, quando fomos morar no interior de São Paulo, fiz uma sociedade com a academia de ginástica local, cheguei a ter quase 300 aluno, naquela época, com 18 anos realmente tinha que tomar uma decisão.
P/1 — Com 18 anos você já estava dentro da faculdade de dança já?
R — Já estava dentro da faculdade de dança quando meu pai me induziu, conversou muito comigo e realmente decidi fazer outra faculdade. Meu pai falou, “claro, minha filha fazer Direito!”, porque minha família toda, principalmente por parte de pai, são juízes, advogados, promotores, tinha uma linha de Direito muito grande. Falei: “não, vou fazer jornalismo!” Nossa senhora! Foi outro baque para o meu pai, porque “puxa, você já escolheu a dança, não escolheu o tênis. Agora, queria que você fizesse Direito!” Nunca esqueço também que quando me formei em Jornalismo, no dia da formatura, no baile, tinha um jornalista entrevistando os pais, o jornalista chegou para o meu pai e falou “Poxa, a sua filha se formando em Jornalismo, o que o senhor tem a nos dizer?” Ele: “Olha, na verdade, gostaria que ela tivesse feito Direito”. O jornalista falou assim: “É, ela não se formou no terceiro poder, mas se formou no quarto!”, ele falou: “é, verdade...” (risos) Agora tem muito orgulho de mim, sempre teve na verdade, mas sei que no fundo gostaria que tivesse seguido a carreira escolhida para ele – e o meu irmão é médico! Não tem nenhum filho que seguiu, hoje, ele é Juiz de Direito, aposentado, mas muito orgulhoso dos filhos que tem. Resolvi fazer Jornalismo nessa época, com 18 anos, passei no curso na Universidade Federal, onde conheci meu marido. Conheci-o em Ubiratã, onde meu pai tinha sido transferido como Juiz de Direito, tinha acabado de passar no concurso, minha mãe resolveu ficar comigo e meu irmão que era pequenininho e também estava estudando, ao invés de ir com ele para o interior. Ubiratã é uma cidadezinha no interior do Paraná, no Natal de 1988, ele não pôde passar o Natal conosco e nós fomos para lá. Juiz, ainda mais em cidade pequena, é uma autoridade importante, local, sempre era convidado para participar de festas, inaugurações, teve uma festa de despedida de um dentista que ele falou: “Malu, não tem nada a ver ir. Vai você no meu lugar me representar”. Eu fui. O cozinheiro da festa é hoje o meu marido! (risos) Ele era amigão do dentista, estava fazendo uma galinhada, um risoto, conheci o meu marido pela voz “galera, está na mesa!”. Falei: “nossa, que voz é essa?”. Foi quando conheci o Celestino começamos a conversar, mas eu morava em Curitiba, ele tinha acabado de ser transferido pela Dupont, onde trabalhava como Engenheiro, tinha acabado de se formar para cuidar da soja no Paraná. Bem, começamos a namorar em 1990, se passaram dois anos...
P/1 - Vocês ficaram namorando?
R - Ficamos namorando de longe, nesse meio tempo ele foi transferido para outros lugares, ainda pelo interior do Paraná, depois, para São Paulo, aonde ele ia me visitar todos os finais de semana em Curitiba, de carro, naquela BR-101 maluca, na época, era super perigosa, conhecida como a estrada da morte até que, numa das últimas transferências da Dupont, foi transferido para Bebedouro, no interior de São Paulo. A gente falou: “Ah, não! De novo longe?” sempre foi um namoro muito distante “Por que a gente não casa?” Foi então que a gente resolveu casar, estava no segundo ano da faculdade de jornalismo e transferi a minha faculdade para Ribeirão Preto.
P/1 — Ele foi para Ribeirão?
R — Não. Foi para Bebedouro, nós fomos morar lá, pegava um ônibus todos os dias à noite para estudar em Ribeirão Preto.
P/1 — Você casou com 21 anos?
R — Casei com 20 anos, hoje tenho 40, a gente está fazendo 20 anos de casados no final do ano.
P/1 — Nossa! Que animada! (risos)
R — (risos)
P/1 — Você chegou em Bebedouro, transferiu e você trabalhava?
R — Cheguei, não conhecia ninguém, éramos só nós dois, comecei a estudar e comecei a conhecer a cidade. Conheci o dono da Gazeta de Bebedouro e ele me convidou para fazer um estágio não remunerado, aceitei. Conheci a academia de dança local, na verdade, era uma academia de ginástica não tinha área de dança, a minha proposta foi implementar uma área de dança. Haviam várias cooperativas dos engenheiros, que no fim, acabei me oferecendo para dar aula de inglês porque Bebedouro era pequeno e não tinha. Passaram-se quatro meses, estava dando aula de inglês particular, dava aula para os executivos das Cooperativas, dava também no CCAA uma das escolas de inglês que a cidade oferecia. Dava aula de dança, formei um grupo que chegou a ter 15 pessoas e estudava a noite. Dividia, de manhã e a tarde entre aulas de dança, de inglês e na Gazeta de Bebedouro, que comecei a fazer um estágio. Fazia o estágio no período da manhã e à tarde, ou dava aula de inglês, ou dava aula de dança e à noite ia estudar. Eram 100 quilômetros de Bebedouro a Ribeirão, chegava em casa mais ou menos, meia-noite e meia, uma hora, todos os dias.
P/1 — Nossa! Assim se passaram?
R — Dez anos!
P/1 — Você morou dez anos em Bebedouro?
R — Não, dez não morei oito anos! Foram oito anos em Bebedouro, foi muito triste a saída, construí uma história em Bebedouro. Meu marido foi transferido para Campinas, quando ele veio falar que “olha, eu recebi uma proposta da Dupont para ir morar em Campinas, é uma boa cidade”. Chorei muito! O pessoal falava “poxa, mas vocês são de cidade grande! Morava em Curitiba, você ir morar em Bebedouro!”, mas construí uma vida ali. Foram meus primeiros sete anos de casada, tive que aprender a me virar sozinha, a educação dos meus pais me ajudou muito, queria mostrar para minha mãe que era independente, que estava bem. Então, a primeira briga com o marido, não ligava para ela, “mãe, aconteceu isso...”, não existia isso. Quer dizer, isso também fortaleceu meu casamento, éramos só nós dois uma cidade onde, a família dele era do Rio Grande do Sul, todos lá do sul, a minha família de Curitiba, éramos realmente só nós dois, construindo uma vida e foi uma construção a dois mesmo! Quando a gente saiu, tinha 300 alunos na academia, tinha recebido um convite para trabalhar na TV em Barretos, onde eu era de tudo um pouco, uma TV pequena, a TV educativa, era repórter, apresentava jornal, depois fui ser editora, então sugeri um programa de entrevistas ao vivo, com participação dos telespectadores, era um bate-bola, realmente construí uma história muito bacana. Quando ele falou que estava sendo transferido, para mim, foi muito duro, eu estava deixando para trás uma história muito importante, mas, obviamente, sabia que isso um dia ia acontecer, a gente sempre falou muito isso, porque, normalmente, a Dupont movimenta muito os executivos. Isso foi em 1998, quando foi transferido para Campinas, a gente veio de novo com toda uma expectativa, mas só eu e ele ainda, para construir uma nova história.
TROCA DE FITA
P/1 — Nós estamos aqui em Campinas, você chegando, já tinha terminado a faculdade...
R — Já tinha me formado.
P/1 — Você chegou em Campinas e o que aconteceu?
R — Fiquei três meses me adaptando a cidade, meu marido viajando um monte de vezes pela Dupont, até que comecei de novo a fuçar, conhecer Campinas, entender como funcionavam as coisas, comecei a fazer aula de dança na Rua Penteado para ir conhecendo a cidade. Comecei de novo, voltei a fazer algumas aulas, fazia tempo que não fazia dança, comecei a visitar as emissoras de TV, porque vim, inclusive, com uma recomendação da TV Soares, da TV educativa, até que, depois de três meses a EPTV, a Globo regional, me chamou para estruturar um programa de televisão em um canal fechado, na NET, que se chamava Canal 25. Então, foi maravilhoso! Comecei a fazer esse programa de quatro blocos, ao vivo e, aos pouquinhos, a gente começou a incrementar. Começamos a colocar participação das pessoas que podiam ligar e fazer perguntas, isso começou a criar uma interatividade, eu ia levando sugestões e eles implementando, foi muito legal! Como realmente queria mais, comecei a me colocar a disposição da TV aberta para ficar de plantão, caso precisasse. Aconteceu algumas vezes, algum incêndio, ou alguém ficou doente, “ah, chama a Malu que ela vai!” Ah, não dava outra! Isso começou a ficar constante até que teve uma matéria que acabei fazendo sobre o Carlos Gomes porque estava sendo aberto em Campinas um museu dele. A matéria ficou tão boa que acabou indo para a Globo News, para mim foi ótimo! Comecei a ser chamada para fazer parte dos plantões da EPTV, surgiu um “ao vivo” na Festa da Uva, ficava ali, acho que, em Vinhedo. “Não tem ao vivo, tem que fazer um ao vivo, quem que vai, quem que vai?”, não tinha ninguém, “ah, manda a Malu!”, “não, mas a Malu não, a Malu nunca fez ao vivo”, “não, manda a Malu”. Eu falei: “não, eu vou, vou dar conta!” Nunca me esqueço! O cabelão que tinha comprido ainda, (risos), foi super bem, deu tudo certo! Na época você entrava ao vivo, hoje mudou muito, mas, na época, o “ao vivo”, o texto era todo gravado, o cara sabia exatamente o que você ia falar. Era decorado o texto do ao vivo, fui dura, mas a hora que terminou nunca me esqueço, o pessoal no ponto, “êêêh, deu certo!” (palmas) (risos), começaram a me chamar de novo para outras coisas. Comecei muito bem indo a campo fazer matéria como repórter e no ao vivo. Isso era meados de 1999, começou o boom da Telecom no Brasil, do telefone celular . Foi quando a Tess, uma empresa sueca, estava vindo ao Brasil, se instalou em Campinas e estavam procurando um profissional de comunicação. O mais importante para eles era que esse profissional, esse jornalista, falasse com fluência em inglês porque, na época, o corpo executivo eram 30 suecos e três brasileiros, a língua oficial interna, principalmente, era o inglês, precisavam que alguém intermediasse isso para a construção da comunicação de fora. Outra passagem muito marcante na minha vida também, foi outra escolha, uma decisão importante, que tinha de tomar, ia ter que abrir mão de uma série de coisas que estavam sendo previstas para o futuro, eu estava sendo preparada para ir ao Projac (Projeto Jacarepaguá), ir ao Rio, para realmente seguir uma carreira jornalística dentro da Globo.
P/1 — Porque essa TV aberta de Campinas era filiada, é isso?
R — Era filiada da Globo, a EPTV Campinas, eu estava em uma euforia só, querendo mostrar serviço mesmo, que dava conta. Por outro lado, tinha a Tess chegando a Campinas, precisando de um jornalista que falasse fluentemente inglês. O que aconteceu? Um belo dia estava fazendo uma entrevista ao vivo com um americano, um professor que estava na Unicamp, veio dar uma palestra, nós o convidamos para o nosso programa no canal 25 da NET e estava fazendo uma entrevista em inglês com gravação consecutiva, ou seja, ele falava e eu “olha, ele disse isso, isso e isso”, nesse momento, o presidente da Tess, o senhor Barry Bysted, ligou a televisão e viu eu fazendo a bendita da entrevista, “thats all I need!”, foram atrás de mim. Falou assim, “não, porque a gente está precisando de um jornalista que fale com fluência inglês, é exatamente isso que a gente precisa, de alguém que fale em inglês, a gente precisa de você...” Cheguei em casa e falei: “puxa, que sinuca, né? Estou sendo preparada para ir a Globo no Rio, o sonho de qualquer jornalista, para lá que quero ir e tal.” Cheguei em casa, falei com o meu marido e ele falou: “mas eu não tenho a menor dúvida que você vai largar essa televisão e vai para uma empresa. O teu negócio, a tua perspectiva de crescimento é dentro de uma empresa, você pode construir uma carreira sólida em comunicação empresarial”, nunca tinha ouvido falar em comunicação empresarial... Tinha, mas o meu foco era fazer entrevista. Cheguei para o presidente, o Barry Bysted, para uma entrevista e falei, “bem, não tenho nada a perder, vou fazer a entrevista. o que me encantou, a possibilidade de construir uma área de comunicação dentro de uma empresa que estava chegando ao Brasil, meu desafio era construir essa área para dentro e para fora. Nunca me esqueço de que cheguei para ele e falei, “mas, mister Bysted, não entendo de comunicação empresarial, o máximo que sei fazer é fazer entrevistas, sei me comunicar, escrever um bom texto, mas, comunicação empresarial nunca fiz!” Ele falou, “não tem problema; O mais importante que você tem é o seu inglês, o resto a gente dá um jeito”. (risos) Também foi um momento importante de decisão de carreira, quer dizer, primeiro foi entre ser tenista ou bailarina e agora, de novo, um desafio importante: seguir a carreira na mídia ou ir para o outro lado do balcão, a comunicação empresarial, era um mundo novo, que não conhecia mas tinha, de novo, todo o apoio do meu marido, achava que realmente tinha a possibilidade de crescimento. Realmente, a possibilidade de crescer, de construir algo, sempre me fez brilhar os olhos. Quando fui comunicar na televisão que estava saindo, foi também um outro momento muito marcante, a fonoaudióloga me pegou e falou assim, “não acredito que fiquei dois anos tirando o seu sotaque de “leite quente, pelando a gente”, e agora você vai nos deixar? Depois de todo esse trabalho, você está pronta para ir para o Rio!“, me lembro que, na época, quando cheguei na Globo tinha um cabelão comprido, a diretora falou, “olha, tua voz é ótima, o teu jeito de apresentar é muito descontraído, mas esse teu cabelão, nós vamos ter que cortar!”, eu tinha um cabelo de Joãozinho mesmo, ela falou, “pô, você tem o jeito da Sandra Annemberg, você fala com as mãos, tem desenvoltura, até meio exagerado, mas isso a gente vai dar um jeito, já não tem mais o sotaque do Curitibano que é realmente forte, aquele “leite quente””... falei, “não, realmente, já é minha decisão”, e fui, mas também com o coração na mão.
P/1 — A decisão foi por causa do seu marido?
R — Não. Na verdade sempre incentivou muito o trabalho, foi também a proposta, me encantou muito. O desafio de construir algo que não existia, de aprender algo novo, também tinha uma proposta de, se eu ganhava um, era para ganhar três, foram vários fatores que me levaram a aceitar, mas, principalmente, o desafio de construir algo novo, no desconhecido, eu tinha uma perspectiva de crescimento, foi muito bacana. Eu puxei o meu lado CDF (Cabeça de Ferro) e falei, “bem, estou indo para um lugar que não conheço fazer uma coisa que não tenho o domínio, então, eu vou estudar”. Foi uma época que me dediquei muito, o senhor Bysted, tudo que pedia, ele dizia, “vai!”, realmente comecei a mexer todos os eventos de comunicação corporativa que existiam em São Paulo, o meu marido me incentivando, “vai, pode fazer, é isso mesmo, tem que estudar, você nasceu para realmente ser uma mulher executiva”. Sempre tive muito apoio dele, se estou onde estou hoje, também devo muito a ele, porque casei com 20 anos, estudante e o maior medo da minha mãe era que largasse tudo para ser dona de casa e, com todo o respeito à dona de casa, também procuro ser quando não sou a executiva e nem a mãe, mas minha mãe achava que por toda educação e todo o estudo que tinha, seria um desperdício, realmente, abandonar tudo por isso. Ele sempre me incentivou, eu cheguei lá, com esse desafio de estruturar uma área de Comunicação, onde fiquei de 1999 à 2001. Foi uma das épocas que mais aprendi, não só sobre comunicação, mas a lidar com os suecos, sempre foram muito duros no trabalho, muito secos. Era como se estivesse saído de um lugar mais acolhedor, porque dominava, para um mundo completamente diferente, sério, onde tinha executivos mais parrudos, queriam saber de negócios, resultados, na TV também, mas era outra forma de trabalho. Fiquei lá até o finalzinho de 2001, construí toda a área de comunicação interna, comunicação externa, então, a gente resolveu fazer um livro que também por uma sugestão que dei, livro “Tess: um ano”. Mostrávamos toda a construção da Tess naquele primeiro ano, foi maravilhoso, um livro que ganhou um prêmio dos suecos e fiquei muito orgulhosa de subir ao palco, para receber esse reconhecimento, já estava assim, tinha construído toda a estrutura que precisavam. Um colega meu, que tinha saído da Tess, veio trabalhar na Votorantim e me liga um dia falando, “olha, o Grupo Votorantim está criando um holding, estão precisando de uma pessoa de comunicação e gostaria de te indicar para vir fazer entrevista”. Eu falei, “o quê? Eu? São Paulo? Nem pensar! Estou ótima aqui!” Na época o meu filho tinha oito meses de idade, o Pedrão. Falei, “não, de jeito nenhum! Estou bem, estou ótima, tenho perspectiva de carreira internacional e de crescimento aqui. O que vou fazer em São Paulo?” Como a nossa família era do sul, acabamos criando uma estrutura muito bacana em Campinas, não queríamos sair, mas ele falou, “Malu, venha ouvir a proposta. Pode ser que você nem seja a escolhida, tem outras pessoas que vão ser entrevistadas também”. Não tinha experiência, nunca tinha participado de um processo de seleção, mas falei, “ah, tá bom. Então vou aí conhecer”. Minha primeira entrevista foi com a Célia Picon, quando ela começou a me falar do desafio, era uma empresa que tinha 85 anos, evoluiu a governança corporativa, criou uma área, um holding para olhar o Grupo como um todo. O desafio de construir uma nova filosofia de Grupo, uma área de comunicação que não existia, de novo, os meus olhos começaram a brilhar! Falei, “puxa vida, mas isso aqui é muito maior que eu!” Obviamente não falei para ela, era muito maior do que eu, porque já tinha um pouco de bagagem, aquilo realmente fez os meus olhos brilharem e, no mesmo dia, recebi o convite de uma outra empresa de telefonia, para cuidar da área de marketing, também em São Paulo. Não era nem parecido com a dimensão desse trabalho, também me fez brilhar os olhos a construção de uma área nova, não existia e não tinha ainda relevância dentro do Grupo.
Voltei para casa, de novo, sentei e falei assim, “puxa Celestino, e agora? Tenho uma outra proposta, bacana, de construção de uma área corporativa de comunicação, um grupo como a Votorantim.”, ele falou, “mas não tenho a menor dúvida que você tem que aceitar esse desafio, é um desafio maravilhoso, uma empresa ótima!”, (risos), realmente, não era o meu mundo, não conhecia muito sobre a Votorantim, tanto é que, quando a Célia me perguntou, “quando a gente fala de Votorantim, qual é a primeira coisa que vem a sua cabeça?” eu falei, “puxa, é uma empresa grande!”, ela falou assim, “é uma empresa sólida! Dá um passo de cada vez, mas quando dá esse passo, é um passo muito assertivo!” Realmente aquilo me marcou, meu marido falou, mais uma vez, “vai!” Acho que depois também, as outras entrevistas já estava com os olhos brilhando, me escolheram e disseram, “é você que a gente quer para vir trabalhar aqui!”. Foi aí que comecei, de novo, a pegar um ônibus de Campinas à São Paulo.
P/1 — Isso foi quanto tempo depois da primeira entrevista, que você começou?
R — Eu lembro que foi tudo muito rápido. Lembro que saí em outubro de 2001 da Tess e comecei em novembro, foi muito rápido.
P/1 — E a sua saída da Tess? E o mister?
R — Mister Bysted! Nessa época o Mister Bysted já não era presidente, era um brasileiro, a Telecom não era aquele boom, como estava. Foi uma decisão. Meu chefe, na época, me deu a maior força, hoje ele é um diretor na Rhodia e falou, “não, siga em frente, acho que você tem uma carreira brilhante pela frente, você tem brilho nos olhos, muita vontade de aprender e de contribuir. Nunca perca isso”. Lembrei-me muito disso, vim em frente, com a cara e a coragem, disse, “não, vou dar conta, vou fazer!”, mas sabia que o desafio era muito maior que a minha competência na área.
Cresci e construí, junto com a Votorantim, a área de comunicação empresarial, foi uma época em que falei, “bem, eu não posso fazer feio!”, uma das coisas que mais tenho hoje e me ajudou muito é essa maturidade para lidar com o primeiro escalão da organização. Na época, tínhamos a Célia e os acionistas direto, no começo sofri muito, no sentido de que não podia errar, tinha que entregar, queria entregar, uma pressão muito grande por uma história, por uma área que estava sendo construída. Meu medo, principalmente, de não ter maturidade para entregar, quer dizer, não tinha maturidade profissional, nem pessoal, de trabalhar com uma responsabilidade dessa, tocando uma área com uma diretora que o foco dela sempre foi recursos humanos e não comunicação. Realmente tinha de mostrar que, o que estava apresentando, era a melhor solução técnica, representava a Comunicação no sentido de trazer a melhor proposta. Aquilo trazia uma sobrecarga de responsabilidade ainda maior, no sentido de como tinha que dar conta e estava falando tinha que fazer sentido para organização. Amadureci muito, tive que aprender a amadurecer muito em muito pouco tempo, para poder fazer uma leitura adequada do que o grupo precisava aprender e, ao mesmo tempo, contribuir. Foram os primeiros anos de muito suor e lágrimas para poder dar conta, não queria perder aquela oportunidade de jeito nenhum. Existe um ditado em inglês, a minha mãe sempre falou para mim quando era pequena, que diz: “opportunity knocks but once”, se a oportunidade bateu na sua porta, não deixe que ela vá. Realmente agarrei com unhas e dentes, me dediquei de corpo e alma para aquela oportunidade que estava sendo dada para mim.
P/1 — Você chegou na Votorantim, entrando para fazer comunicação ligada ao RH, numa empresa que não tinha uma área. Como era este cenário?
R — Sempre brinco com todo mundo que, quando cheguei, o Grupo era um grupo no profile, a gente está evoluindo para ser low profile (risos).
P/1 — (risos) Que ano é isso?
R — Foi em 2001, cheguei em novembro, quase nove anos já. Quando cheguei, uma das primeiras coisas que ouvi, foi o seguinte, “olha, se você vem aqui, achando que vai fazer um filme no intervalo do fantástico sobre a Votorantim, está no lugar errado. Não é isso que a gente quer. O grupo tem um DNA discreto, ele quer construir um diálogo qualificado com todos os públicos com os quais ele se relaciona”, e falei, “entendido perfeitamente, vamos em frente a busca da construção deste diálogo!”. O cenário que encontrei aqui era o seguinte: as unidades de negócio trabalhavam de uma forma independente porque os acionistas tinham acabado de migrar, de deixar de ser os executivos das unidades para migrarem a um Conselho. Foram contratados executivos não familiares para tocar os negócios, os acionistas deixaram de ser presidente de cimentos, metais, energia, química, agroindústria, do banco e migraram para um Conselho, foi criado um holding, uma série de diretorias corporativas. Na época, não existia ainda a figura de um diretor geral, do Raul Calfat, nosso grande desafio era implementar um projeto que existe até hoje, chamado SGV, Sistema de Gestão Votorantim, as melhores práticas de gestão em todas as unidades de negócio, todas as áreas, trabalhando, construindo uma filosofia de Grupo. Na Comunicação não foi diferente, o cenário que vi foi um pouco assustador, mas natural para uma empresa que tinha 85 anos de vida e nunca teve uma estrutura corporativa. Quando cheguei tínhamos 91 veículos de comunicação interna, nenhum veículo que falasse de Grupo, as iniciativas que atendiam os negócios locais. Tínhamos sete ou oito Assessorias de Imprensa, nenhuma corporativa porque, até então, o Dr. Antônio era o grande porta-voz do grupo, não existia uma diretriz que queríamos reforçar, tinham iniciativas próprias dos negócios e não tinha nenhuma gestão de marca. Principalmente em 2001, quando o Grupo começou a crescer por aquisições, em 2005, vimos, nós tínhamos uma torre de Babel, um portfólio de marcas completamente independentes sem uma diretriz de Grupo. Nosso primeiro foco foi trabalhar e estruturar a comunicação interna, depois começamos a olhar para fora, estruturamos a comunicação com a imprensa, olhamos a estrutura de comunicação, a arquitetura de marca, definimos um posicionamento para a marca do grupo. Começamos a trabalhar outros públicos de relacionamento do Grupo, esse foi o cenário que vimos de Comunicação, um Grupo muito sério, mas não falava com ninguém e, muitas vezes, falava só quando achava que devia, isso acabava criando uma sensação muito ruim com todos os nossos públicos, com a imprensa, com as comunidades. O nosso grande desafio era começar trabalhar um diálogo, uma interatividade com esses públicos que, até então, não existia, ou, se existia, eram iniciativas muito locais dos negócios e não de Grupo.
P/1 — Que tipo de iniciativas foram essas em busca de diálogo? Concretamente, o que quer dizer isso? O que você começou a desenvolver? Isso foi logo de cara?
R — Logo de cara! Na verdade quando cheguei primeiro desafio foi evoluir com um evento que hoje é chamado Encontro de Lideranças, era um evento super formal, as pessoas não se mexiam das cadeiras, o acionista falava vários slides durante algumas horas, não existia nenhuma interatividade, era realmente muito formal. Meu objetivo era evoluir com essa iniciativa, onde se reuniam os principais executivos do Grupo. Ao mesmo tempo precisávamos mostrar para as unidades de negócio, que podia trabalhar no cimento, agroindústria ou em algum setor dos metais, mas o Grupo era muito maior do que aquele universo em que trabalhava. Nosso desafio num primeiro momento foi criar uma estrutura corporativa, não existia, por exemplo, o site do Grupo Votorantim. Se você clicasse no www.votorantim.com.br, agora já é ponto com, tinha uma lista de nomes, de empresas, a empresa que tinha um site ia até lá, mas, se não tinha, não existia nada sobre o Grupo, quais eram os fundadores, desde quando existiam, quais áreas de negócio atuava, não tinha nada disso. Não tinha site, não tinha material institucional, não tinha um vídeo que mostrasse o Grupo como um todo, tinha um vídeo de cimento, agroindústria, papel, celulose, mas não tinha material de Grupo. Esse foi o primeiro desafio, quer dizer, você construir uma identidade de Grupo e, ao mesmo tempo, fazer uma leitura do que realmente as unidades precisavam, quais eram as melhores práticas, o que podíamos fazer com que deixasse de existir, uma vez que íamos começar a ter uma estrutura corporativa, ou seja, não precisava ter 90 veículos de comunicação interna. Muitos daqueles veículos tinham duplicidade ou tinha duplicidade de informação e, na verdade, queriam divulgar o que estava acontecendo também nas outras unidades de negócio. O primeiro desafio foi esse, nós criamos um sistema integrado de comunicação interna, está evoluindo até hoje, é composto de sete veículos de comunicação, jornal, boletim, os impressos eletrônicos que são destinados para fábrica, para o escritório, o que é destinado para o operário, o acionista e o executivo.
Acho que nosso grande desafio sempre foi esse, quando a gente pensa em Grupo, é que o nosso universo interno é muito heterogêneo, quer dizer, nós temos diversos públicos internos e diversos públicos externos. Você tinha que criar, até hoje é assim, tem que falar a mesma mensagem para diversos públicos, a linguagem nem sempre é a mesma. Você não vai poder falar para o safrista da mesma forma com que vai falar numa reunião de Conselho, ou para liderança do Grupo, o conteúdo muitas vezes é diferente. Desde o começo, a nossa preocupação de formar um Comitê de Comunicação, com os representantes dos negócios, para que a gente, juntos, pudesse a partir das novas diretrizes de grupo, construir o sistema de comunicação ideal.
P/1 — Imagino que você chegar em um lugar, cada unidade está com sua revista, obviamente, atrás disso tudo estão pessoas, alguns há muito tempo na Votorantim. Que tipo de resistência você enfrentou?
R — Todas. Todas que possa imaginar. Até porque não tinha histórico de comunicação empresarial. Muitas vezes tinha de ouvir, “puxa, o que aquela menina da Globo está fazendo aqui?” ; mas acho que a principal estratégia que deu certo, fez que evoluíssemos, diminuísse a resistência, é que começamos a construir junto. Desde a primeira semana que cheguei, a Célia chamou todos os gestores de Comunicação das unidades para me apresentar, dizer qual era meu desafio e o que falei foi isso: “gente, olha, estou aqui no melhor espírito de contribuir, mas tenho certeza que vou aprender muito mais com vocês, porque vocês conhecem os negócios e não conheço nada da Votorantim. O que sei é que existe uma nova diretriz de Grupo, uma nova filosofia de Grupo, mas gostaria que a gente construísse juntos. Vamos juntos construir esse novo espírito de Grupo, tentando colocar em prática essa unidade dentro de uma diversidade maior, de gente, gostos e culturas”. A gente precisa começar a construir um DNA do Grupo, num sentido de que permeasse na organização, depois que o acionista saiu do negócio, porque antes era um papel muito dele. O acionista estava no negócio, aquele DNA passava direto para organização, com o acionista no Conselho precisávamos que fosse perpetuado. Como fazer isso? O Grupo não tinha valores de grupo, cada unidade tinha valores explícitos, o Grupo sempre teve valores, mas não havia os valores explícitos, onde o funcionário novo ao chegar soubesse que eram aqueles. Isso era muito mais o papel do acionista, começou a deixar de ser para que os executivos profissionais, não familiares, começassem a fazer esse papel. Realmente me lembro, na época, quando cheguei para essa reunião, o que o acionista tinha em mente era, “90 veículos de comunicação? Vamos eliminar todos e fazer um só!” Vocês imaginem eu chegando numa sala aonde, depois de um ano, veio esse projeto, o Maurício Luchetti era o nosso chefe, nunca me esqueço de entrar na sala, com todo o Comitê apostos e falou assim: “olha, vim aqui porque existe realmente uma diretriz para gente trabalhar o sistema de comunicação do grupo, a comunicação interna e, na verdade, a ideia é que eliminemos todos os veículos e crie um só. Tenho uma reunião e tenho que sair agora, mas a Malu está aqui, vocês decidam a melhor forma de chegar nesse resultado”. (risos) Lembro que foi um “até”! As pessoas levantando, “mas isso não é possível! Onde já se viu, não podemos, como vamos eliminar todos os veículos?” Achava realmente que esse não era o melhor caminho, depois que os ânimos se acalmaram um pouco, falei assim: “gente, também acho que esse não é o melhor caminho, eliminar tudo que temos e criar um veículo só. Mas essa expertise não é do acionista, é nossa! Vamos apresentar para eles a melhor proposta que venha atender as necessidades das unidades, mas dentro da nova diretriz de grupo. Ou vocês acham que 90 veículos de comunicação, são adequados para esse novo momento?”, “é, realmente 90 não são adequados.”, “então, vamos juntos construir isso!” Esse desejo de construir juntos, foi o grande ponto a favor, onde as pessoas iam derrubando muros, quebrando resistências e se sentindo parte dele. Toda vez, quando o funcionário se sente engajado, não vai falar, “esse é o projeto de fulano”, “esse é o nosso projeto!”. Tem uma grande diferença quando você consegue com que a pessoa se sinta parte daquilo. Era um projeto, um sistema integrado de comunicação do Grupo, que quem estava fazendo era a Malu? Não. Era o Comitê de Comunicação! Com diretrizes corporativas, mas todos ali tiveram um papel fundamental na construção desse novo momento da organização.
P/1 — Você entrou e essa Comunicação estava ligada ao RH?
R — Continua, até hoje!
P/1 — Hoje é assim ainda?
R — Hoje ainda é assim. O que acontece foi que até 2007 fomos estruturando alguns públicos. Começamos com a comunicação interna, depois com imprensa, então começamos a olhar para fora, vimos que todas as unidades de negócio, cada uma, tinha a sua assessoria de imprensa, seu discurso, o doutor Antônio queria passar o bastão da empresa também, assim como tinha passado o bastão de negócios para a terceira geração, também não queria mais falar na imprensa sobre o Grupo. Queria falar sobre a CBA, onde ele ainda estava à frente, como um homem público, uma referência, um ícone brasileiro, mas não sobre os resultados do Grupo. Realmente queria passar esse bastão, então o Carlos Ermírio de Moraes chegou até mim e falou, “Malu, está na hora de estruturarmos a comunicação com a imprensa”. Começamos a fazer um diagnóstico da situação real que tínhamos naquela época, fizemos uma concorrência enorme com todas as agências de comunicação que nos atendiam, abrimos para outras que quiseram participar, definimos uma assessoria de imprensa de Grupo, algumas ainda ficaram nos negócios, até porque haviam lugares muito distantes e era importante que continuasse com as assessorias locais. Estruturamos toda a nossa comunicação com a imprensa, treinamos todos os nossos porta-vozes, foi a primeira vez que os acionistas todos, os oito conselheiros, acho que foram sete conselheiros na época, sentamos juntos para uma reunião de um dia inteiro, para falar sobre a importância da comunicação e nunca me esqueço que Carlos Ermírio nesse dia, falou assim: “Malu, só você para nos fazer estar aqui, discutindo sobre comunicação num dia em que os resultados do grupo estão saindo”. Estávamos no meio da produção do relatório anual, os acionistas todos são muito disciplinados, quer dizer, uma vez que começava estavam ali, eles realmente participaram de todo o programa, foi muito histórico isso também. A primeira vez, em 2007, onde conseguimos reunir todos os conselheiros para discutir sobre o tema comunicação, discutir a importância de criarmos um diálogo qualificado com a imprensa. Nós partimos dali, foi definido quem falaria, a partir de agora, em nome do Grupo, quais temas a gente falaria como corporação, quais temas deveriam ser delegados para os presidentes, para fábricas. Criamos uma ótima relação com a mídia, treinamos os 120 porta-vozes, na época, que eram não só da corporação, como os presidentes e os diretores das unidades de negócio, já com a nova assessoria corporativa, acho que o mais importante, o marco, é esse diálogo que você perguntou, “ah, mas como que era esse diálogo?”, com a imprensa, foi o seguinte: até então a gente não falava com a imprensa. Às vezes, a imprensa ligava e não tinha resposta. Muitas vezes tinha, muitas vezes não tinha, principalmente, quando o doutor Antônio deixou de atender a imprensa como um Grupo. Eles ligavam, “ah, olha, saiu, não está aqui...”, não tinha para quem passar a informação. Nós começamos a atender a todas as demandas, isso não significava que íamos dar as entrevistas e até hoje é assim. Não significa que a gente vai dar entrevista para todos os pedidos, mas todas as demandas serão respondidas, seja com um press release, seja com um almoço onde vamos discutir um momento adequado para se dar a entrevista. Esse foi o grande salto qualitativo do Grupo, até para ir mudando a percepção de um Grupo que não fala, de um grupo até arrogante, muitas vezes, pelo jeito mais reservado e quieto. Hoje o Grupo realmente tem uma relação de muita qualidade com a imprensa, você criou um canal interativo de diálogo, onde a gente fala, mas a gente ouve, a gente dá entrevista, enfim, existe um diálogo realmente muito qualificado e quem vem sendo aperfeiçoado ao longo do tempo. Então, a gente cuidou de imprensa, depois a gente começou a trabalhar... como o grupo começou a crescer muito, por aquisições, novas empresas, internacionalização... nunca me esqueço também que mostramos numa reunião de Conselho, um mapa com todas as nossas marcas. Quanto mais longe a gente estava da marca mãe, mais dispersa ficava a nossa identidade. Foi aí, que tive o ok do Conselho para começar trabalhar o projeto de branding, o projeto de marca do Grupo Votorantim, que nos deu, não só uma arquitetura de marca que hoje todas as empresas estão adequadas a ela, uma arquitetura de marca ainda monolítica, descritiva, o Grupo, ainda tem os negócios descritivos, Votorantim Cimentos, Votorantim Metais, Votorantim Siderurgia, mas, embaixo dele, tem nomes de empresas, com o endosso Votorantim. Ou seja, Engemix – Votorantim Cimentos, Paz Del Rio – Votorantim Siderurgia e assim por diante, nós estruturamos uma arquitetura de marca, mais do que isso, definimos um posicionamento do Grupo Votorantim que é o posicionamento da marca do Grupo, um Grupo em constante evolução. Essa constante evolução, permeia todas as nossas ações de comunicação. Um Grupo em constante evolução, às vezes, dá um passo para frente, às vezes, para trás, mas não dá um salto! Às vezes, dá um salto de qualidade, mas, em termos de estratégia, de avanço, não é um grupo de grandes arrogos, não é um grupo que gosta de aparecer, dá um passo de cada vez, como bem disse a Célia há nove anos, todo passo que ele dá, é um passo sólido, decisivo, muito correto. Depois que a gente fez toda essa arquitetura de marca, criamos o Território da Marca que ajuda, é um os nossos desafios desse ano, fazer com que as pessoas entendam: cada um de nós é responsável pela construção da imagem e da reputação do Grupo. A reputação, nada mais é do que a soma de tudo aquilo que a Votorantim faz, seja na hora de dar uma entrevista, seja na hora de falar com a minha equipe ou participar de um seminário. Quer dizer, estou ajudando o Grupo a construir a imagem da empresa. Como vou construir isso? O Território da Marca ajuda, tanto com a identidade visual, como a identidade verbal. Sempre dou um exemplo muito prático, é um dos valores do Grupo, a União. Como é que vou trabalhar o valor União? De diversas formas! Mas não posso chegar num seminário, dizer que o Grupo está dividido em três áreas, que é Industrial, Finanças e Novos Negócios, porque a palavra “dividido” não ajuda a criar o espírito de união. Uma palavra boa é organizado, o Grupo está organizado em três negócios, está estruturado em três negócios, nunca dividido. Parece uma bobagem, mas de grão em grão, você vai construindo os conceitos, vai permeando os conceitos que você quer, os atributos que quer trabalhar para todos os públicos. Seja com uma colega, ou um cara da padaria onde você vai comprar pão. “Ah, você trabalha na Votorantim” Acho que temos um papel muito importante na construção da imagem, quando a gente fala de marca, sempre reforcei isso, sempre eduquei muito as pessoas para esse sentido que marca vai muito além do logotipo, da imagem no papel. Quando falamos em marca, falamos de construção de imagem, de construção de reputação e todo mundo é responsável pela construção da reputação da empresa onde trabalha.
P/1 — Vou retomar aqui. Você descreveu vários desafios com o público interno. Tinha uma diversidade de identidades e práticas históricas muito diferentes daquelas que era o desafio de implantar. E, nesse mesmo momento, queria que contasse um pouco sobre os acionistas, é um grupo familiar, mas é um grupo também que tem essa coisa da família estar muito presente, com uma proposta de profissionalização e tem muita pouca prática de comunicação também. O valor da família não é esse? Como que foi encontrar isso o que mudou, o que aconteceu?
R — Acho que foi um dos meus maiores desafios dentro do Grupo, até porque, precisávamos apresentar a melhor proposta para o Grupo, como uma recomendação técnica nem sempre a recomendação era aquilo que o acionista gostaria de colocar em prática. E isso, muitas vezes, significava que você tinha que dar a sua opinião, defender a sua opinião, muitas vezes, discordar do que o acionista estava sugerindo, porque tecnicamente não fosse a melhor opção para o Grupo Votorantim. Os acionistas, principalmente, quando não tínhamos a presença do Raul, nossos contatos eram semanais, tínhamos reuniões semanais, onde sempre acompanhava a Célia nessas reuniões para apresentar os projetos de comunicação.
P/1 — Quantos acionistas? Porque estamos fazendo uma gravação para quem não entende nada. Me conta dessa reunião, quem estava sentado nas cadeiras, do que eles eram responsáveis?
R — Normalmente, no começo, os acionistas com quem tinha mais contato, era o Carlos Ermírio de Moraes, o José Roberto Ermírio de Moraes e o Fábio Ermírio de Moraes. Hoje fazem parte de um comitê chamado CDD, onde passam as principais aprovações de vários projetos, não só de Comunicação, logo depois, foi criado também o Comitê de Relações Institucionais, onde hoje, praticamente, os sete acionistas participam. O Carlos Ermírio de Moraes, o Luis Ermírio de Moraes, o Fábio Ermírio de Moraes, o Cláudio Ermírio de Moraes, o Clóvis Ermírio de Moraes, o José Ermírio de Moraes Neto e o José Roberto Ermírio de Moraes, acho que falei certo.
P/1 — Somente homens?
R — Somente homens.
P/1 — Por que só homens? Esses são os netos?
R — (risos) Esses são os primos e sobrinhos, sobrinhos da segunda geração.
P/1 — Filhos e sobrinhos?
R — Filhos e sobrinhos, a quarta geração, os netos da segunda, é o doutor Antônio, doutor Ermírio e a dona Maria Helena.
P/1 — Vamos fazer a linha certa: teve primeiro o senador, depois o doutor Antônio, doutor José Ermírio, o Clóvis, os quatro?
R — Isso. Você tem o senador que teve três filhos e uma filha, o doutor José Filho, faleceu, o doutor Ermírio, o doutor Antônio e a dona Maria Helena. A dona Maria Helena casou com o Clóvis Scripilliti, acabou sendo criado como um filho praticamente do senador também, dos quatro nasceram os acionistas que hoje estão na terceira geração e estão à frente dos negócios, do Conselho.
P/1 — São os filhos da segunda geração?
R — São os filhos da segunda geração, exatamente!
P/1 — Você tinha estes dois Conselhos, onde sentavam os setes homens?
R — Quando era uma decisão, onde tem um impacto mais de Grupo, os sete normalmente, participavam. Quando era um foco mais da área industrial, participavam o Carlos Ermírio, o Fábio Ermírio e o José Roberto Ermírio de Moraes. Pelo que entendemos da família, os acionistas da terceira geração foram criados praticamente dentro dos negócios, eles tem 15, 20 anos de negócio, desde adolescentes iam para as fábricas e começavam a entender de negócios. As mulheres acabaram trilhando por outro caminho, hoje, na quarta geração, você vê trainees da família, mulheres que tem interesse de seguir, conhecer melhor os negócios, mas tem uma visão diferente da que foi da segunda para a terceira geração. Não que está mais certo ou mais errado, o momento era outro completamente diferente, hoje, se a quarta geração de mulheres quer vir para o negócio, quer realmente fazer carreira dentro do Grupo, elas fazem o estágio, participam, tem todo um processo de acompanhamento, de desenvolvimento de carreira, passam como trainees dentro do grupo, mas tem que ir para fora, construir uma carreira no mercado, se realmente tiver a competência e se o Conselho entender que elas podem vir, as mulheres, assim como os homens da quarta geração, estão passando pelo mesmo processo, diferente do que foi o processo da terceira geração.
P/1 — Existia esse Conselho entre os homens da terceira geração?
R — É.
P/1 — Como que era isso? Primeiro você ficava com medo? (risos)
R — Muito. (risos) Lembro nas minhas primeiras reuniões, eu tremia, tremia muito, porque a relação era muito formal e estava, de novo, construindo, mas aprendendo junto e fazendo uma coisa que para mim, é o mais importante de tudo, estava construindo confiança. Para construir confiança com os acionistas, precisava mostrar trabalho, mostrar o trabalho bem feito! Num ambiente absolutamente masculino! Hoje, o que aprendi mais, é ter essa serenidade, essa tranquilidade e maturidade para fazer uma apresentação para um Conselho mas, o começo foi bastante penoso. Não tinha nenhum privilégio diferente, era tratada exatamente como qualquer outro executivo que estava na frente do acionista apresentando um projeto, não é porque era mulher, ou porque era mais jovem, pelo contrário, existia uma formalidade que sempre teve. Uma das primeiras reuniões que tive, fui apresentar e levei 36 slides, chegou no 6º slide, um dos acionistas começou a olhar o relógio, ele olhava o relógio, olhava para mim assim, “tec, tec, tec”, eu ia ficando mais nervosa porque pensei, “meu Deus do Céu!” Tinha que apresentar o negócio, sabia que tinha vários outros slides, nem tinha chegado ainda no “tcham, tcham, tcham, tcham” e ele já estava me apressando. Chegou uma hora ele falou, “quantos slides mais tem essa apresentação?” Falei, “Meu Deus, vou dizer que tem mais 20?” Pensei e disse, “quantos minutos mais o senhor tem?” “Para esse assunto não tenho nem mais um minuto!” Falei “Deus do céu!” Peguei as minhas coisinhas e falei, “bem, agora vou ter que aprender como ser mais objetiva. Não posso chegar com 30 slides numa apresentação dessas!” Sei dizer que hoje chego com três slides! Com 30 backups! Mas são três slides! (risos) Esse é o projeto, o objetivo, assim que nós vamos fazer para chegar, custa tanto e é importante por causa disso! Mas só aprendi, evoluí, amadureci, porque tive que aprender na marra. Talvez, não foi a forma mais doce de se aprender, mas aprendi muito com o acionista, principalmente isso, a objetividade, o foco, ser “straiht to the point”, lembrar que meu projeto é apenas mais um na cabeça do acionista. Para mim, pode ser o mais importante, mas para eles é só mais um, não por uma questão de menosprezar o meu trabalho, de forma alguma! Porque eles estão pensando na frente, isso também tive que aprender a entender, a investir meu tempo para ser cada vez mais objetiva e estou aprendendo ainda. Às vezes levo uns puxões de orelha, “Malu, and the winner is?” (palmas), qual o fim dessa história que está contando aí?” (risos). Este foi um dos grandes aprendizados que levo comigo, aprendi na marra e, às vezes, aos trancos, barrancos e levando puxão de orelha, mas fico muito feliz! Agradeço esses puxões, porque foram graças a eles que aprendi, amadureci, esse amadurecimento profissional me ajudou hoje a chegar numa sala e ser mais objetiva, seja com qualquer público com o qual estou falando.
P/1 — Agora, olhando de lá para cá, porque imagino que a própria Comunicação não era um assunto muito prioritário.
R — Ãn-rãn.
P/1 — Tornou-se? Há uma compreensão diferente do trabalho que cresceu muito, em Comunicação.
R — Olha, posso te responder isso, primeiro olhando para trás, vendo tudo o que a gente construiu, acho que realmente estamos em evolução constante, mas construímos um alicerce importante. Sei que tem muito ainda a construir, para te responder, será que a comunicação evoluiu ou não? Respondo novamente com os depoimentos que recebi dos acionistas, quando o Grupo fez 90 anos foi publicado o livro “Votorantim 90 anos”. Uma história de trabalho e superação, pedi um depoimento para cada um deles, para registrar no meu exemplar. Fiquei muito feliz com o que li, acho que foi quase unânime o que recebi de agradecimento, não só por ter nos ajudado a registrar a história, mas contribuído na evolução da cultura do Grupo. Acho que é muito do nosso papel na Comunicação, ajudar a fazer uma leitura adequada das necessidades que a organização tem e contribuir com planos de ação, seja com a Comunicação, com um diálogo, uma peça institucional, marketing institucional, um almoço, com relacionamento. Acho que de tudo o que mais construí, foi uma relação de confiança, isso para mim é único! Vou levar comigo para sempre. Confiança se constrói, acho que fui construindo, ganhando um espaço, sempre com a preocupação de apresentar para eles as melhores recomendações técnicas. Sempre falo que a minha carreira está dividida entre pré-Maurício Luchetti e pós-Maurício Luchetti, numa das reuniões que fomos de Conselho, os acionistas tinham sugerido uma ação que eu não concordava, mas, ok, o acionista falou, saí da sala e falei, “puxa Maurício, mas aquilo que o acionista falou, não faz muito sentido. Não concordo, por causa disso, disso e disso”. Ele falou, “mas e por que você não se posicionou?” Olhei para ele e falei, “mas eu posso?” Ele, “você não está entendendo qual é o seu papel aqui! Você não só pode, como você está contratada para apresentar a melhor solução técnica. Quais as recomendações se a gente for por esse caminho, por esse caminho. Talvez, o acionista não aceite a tua opção, mas o teu papel você fez. Então, você tem obrigação, porque não é o papel deles entender de comunicação. Você está aqui para apresentar a melhor proposta de comunicação, faça o seu papel, cumpra o seu papel. Mesmo que isso signifique ir contra a uma opinião do acionista está. Isso não significa que você não vai cumprir uma ordem dele. Se você apresentar os caminhos, dizer a sua recomendação técnica, por causa disso, disso e daquilo, mas mesmo assim, eles disserem, “eu quero fazer assim”, ok! Nós vamos fazer assim, mas você fez o teu papel”. A partir dali, comecei também a ter uma postura mais proativa, não só de responder a um estímulo, ou a um pedido, de se cumprir uma ordem. Isso fez toda a diferença para mim, para minha carreira e o meu amadurecimento tanto pessoal, quanto profissional.
P/1 — Deixa-me fazer um pergunta agora, voltando nos 90 anos. Antes disso, já estava começando um projeto de memória, então, assim como a comunicação, foi muito novo para o Grupo, fazer livros, entrevistar pessoas, hoje tem um Centro de Memória, acho que essa é uma das coisas que vieram nascendo juntas. Nasceram mais juntas e essas coisas foram andando. Como você vê hoje? Porque hoje tem esse livros dos 90 anos, outros produtos de Memória, tem o Centro de Memória, um monte de documentos, depoimentos e tem o Espaço no prédio. Você vê relação? Qual? Como você vislumbra essa relação dentro do Grupo, entre Comunicação e Memória?
R — Inclusive acho que tem tudo a ver! Esses dias tivemos uma reunião com a Silvia, onde nós tivemos milhões de ideias para potencializar o Espaço Votorantim, levei esses dias o Diretor Financeiro para conhecer, ficou encantado, não conhecia e falou assim, “puxa, por que a gente não traz os investidores estrangeiros quando vierem para cá, para conhecer esse Espaço?” Já tive uma ideia, “já sei! A gente tem que fazer uma visita monitorada em inglês, posso ceder a minha voz, não tem problema nenhum. Para fazer uma visita, obviamente, mais curta, porque não vai ter todos os depoimentos, tudo em inglês, mas a gente pode fazer uma visita monitorada, podemos criar um outro canal”, vamos abrir um espaço agora no Jornal Nosso Grupo para falar um pouquinho do projeto Memória, estamos numa discussão com a prefeitura para poder abrir as portas do Espaço para o público externo. Acho que tem tudo a ver essa relação, porque sempre ouvi do Carlos Ermírio, uma frase que sempre disse e concordo plenamente, temos que pensar no futuro, sempre respeitando e olhando para o passado. Porque estamos construindo uma história, a história é feita também do passado e as referências do passado. Uma questão que a gente ouve e eu respeito muito, é que o Grupo evoluiu, não significa: o que foi feito no passado, foi errado, ou foi mal feito ou foi pior, eram momentos diferentes. Acho que é um processo de evolução, não dá para gente olhar para frente, se não olharmos o que vem sendo construído no passado. É o tal do alicerce que viemos falando, dá as bases para gente dar saltos cada vez maiores.
P/1 — Agora, pensando exatamente naqueles conteúdos que estão no Espaço, as histórias que foram coletadas. Você acha que isso pode ser ferramenta? Para que público? Você veria isso? Aonde isso alavancaria, vislumbrando, todos esses novos desafios de comunicação que o Grupo tem?
R — Vejo que é tanto para o engajamento do público interno, dos novos funcionários que estão chegando no Grupo, para conhecer a história do Grupo, se orgulhar também da história da empresa onde ele trabalha, porque, é impossível alguém entrar e não ficar encantado com a história do Grupo Votorantim. Tudo bem, sou suspeita para falar, mas levei várias pessoas de fora que ficaram encantadas com a história, com o processo evolutivo do Grupo, os valores, os princípios, os depoimentos, a riqueza do material que temos. Ele é tanto para um público interno, para se engajar, nos ajudar a construir a imagem do Grupo e preservar a história, tanto para estudantes, quanto para o próprio público do mercado financeiro. Entender que o Grupo é sólido, tem uma história, uma trajetória de perenidade e de evolução, não consigo ver nenhum público que não vá se beneficiar de um projeto, como o projeto Memória do Grupo Votorantim.
P/1 — Malu, para voltar, vou fazer mais uma pergunta da Votorantim e depois voltar para sua vida. Em termos macros, os grandes desafios que você vislumbra agora da Comunicação da Votorantim? O que você vê agora?
R — O que tem me dado muito prazer, a cada ano que passo no Grupo, é que sempre tem um desafio novo. Começamos com a comunicação interna, depois fomos para imprensa, depois para gestão de marca, depois trabalhamos os valores do Grupo neste meio tempo, não foi depois da gestão da marca, mas nós criamos os valores do Grupo, criamos a estratégia de comunicação dos valores, acabou criando o SEREU, tem uma música, jingle de samba, tem uma história muito bacana também que aprovamos no Conselho e a primeira vez tocamos lá, “Com S de Solidez e E de Ética, R de Respeito, eu formo SER...”, os acionistas se olharam, falei, “meu Deus do céu!”. O pessoal falou, “mas puxa, samba?”, um outro acionista falou “samba sim! A gente está falando do nosso público, da nossa base...” Sei dizer que virou uma febre, todo mundo até hoje canta o SEREU, o mais bacana de tudo, é que, dentro da unidade, na diversidade, estamos lançando os valores do Grupo na Colômbia em ritmo de salsa. É maravilhoso! Pegaram a ideia do jingle, fizeram uma música parecida em forma de salsa, criamos os portais, o portal corporativo, o site, evoluímos o site, hoje é um site ponto com. O grande desafio da nossa área hoje é trabalhar como o Grupo quer se posicionar nas mídias sociais, tem um apelo interativo muito forte, você tem que saber se uma vez que você está lá dentro, tem que estar aberto a falar nos momentos bons e nos momentos não tão bons assim. O Grupo sempre foi muito cauteloso e acho que precisamos trabalhar uma política dessa exposição. Está mais do que na hora e estamos trabalhando isso. Essa política de exposição me faz lembrar um trecho do livro do doutor Antônio, dos 90 Olhares, onde a esposa do doutor Antônio, fala o seguinte: “tive que aprender a conviver com um homem de muita ação e pouco palco”. Essa é a história da Votorantim. Não é um Grupo que quer se exibir, não é um Grupo exibido, pelo contrário! É um Grupo sério, discreto, é um Grupo que quer crescer sem fazer alarde. Agora quer construir uma relação qualificada com todos os públicos, o nosso desafio, da minha equipe hoje, é trabalharmos o relacionamento qualificado com o Mercado Financeiro. Começamos um evento chamado Encontro com o Mercado, está na quinta edição, como se fosse um Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais) para empresa de capital aberto. Nós não temos a obrigação de fazer isso, o encontro com o mercado nada mais é que um retorno à sociedade financeira dos resultados do Grupo. Quer dizer, é uma explicação dos resultados do Grupo do ano que passou, começamos fazer isso aqui no Brasil há cinco anos, com muito orgulho que, na semana que vem, nós estamos indo para Nova Iorque fazer o primeiro Votorantim Day, para o mercado americano. Isso mostra o compromisso do Grupo, com a transparência, o diálogo, a oportunidade de criar e disponibilizar informação de forma democrática. Outro salto que demos também, acabamos de lançar o site de R.I., uma página específica do nosso site para o mercado financeiro de Relações com os Investidores. Mais um passo nessa direção da democratização da informação, da transparência, isso não é por obrigação, porque está na lei, é o compromisso do Grupo com esse diálogo qualificado que a gente tanto está falando.
P/1 — Malu, agora dá uma pensadinha assim: “bom, estava em Curitiba, fui tenista, virei bailarina e fui para Bebedouro...”, agora, você está indo para Nova Iorque, mas não pensar assim, “de Bebedouro para Nova Iorque” (risos). O que você acha que aprendeu? Dá uma olhada nessa trajetória sua, você consegue me dizer, as suas grandes percepções da sua própria história?
R — Tenho muito orgulho da história que a gente vem construindo. Falo a gente porque ninguém constrói nada sozinho, “a gente” é o meu marido, “a gente” são as empresas que deram a oportunidade também de construir junto, a família, que é o nosso principal alicerce, que nos dá apoio para poder seguir. Olho para trás hoje, vejo com muito orgulho o que se conquistou e tudo isso que conquistei, não foi fácil. Tem uma outra expressão que fala, “There´s no free lunch”, quer dizer, nada se conquista de graça, nada vem fácil. Mas é muito bacana quando você conquista algo, quando você olha para frente e vê o quanto você ainda quer construir, o quanto quer aprender, conquistar e contribuir. Realmente aprendi muito nessa minha trajetória, primeiro, a ter humildade de estar sempre com o pé no chão e saber que vai ter sempre alguma coisa para aprender, por mais que você tenha aprendido muito, enquanto você estiver vivo tem que estar aberto a aprender sempre. Depois, essa disciplina toda que meus pais me deram desde criança, foi mais fácil de certa forma encarar os desafios da vida. A disciplina do trabalho, a austeridade que encontramos, essa formalidade que, no começo, encontrei na Votorantim, fomos construindo confiança e, hoje, se tem um trânsito, um canal, um respeito pelo trabalho, vamos entregando. Só tenho a agradecer, a me orgulhar, com muita energia para continuar seguindo em frente com esses valores que sempre permearam seja a minha vida pessoal, profissional e que me orgulho tanto.
P/1 — Você tem um sonho? Temos muitos, mas você tem um que fala, “ah, esse”...
R — Olha, quando cheguei na Votorantim falei assim, “nossa, esse Grupo é um Grupo que sonha!” Ouvi de um acionista, “não, não é um Grupo que sonha. É um Grupo que realiza!” Fui para casa, no outro dia voltei e falei, “olha, a minha opinião é o seguinte, o Grupo sonha, mas, antes, ele realiza. Mas, para ele realizar, precisa sonhar, acreditar nesse sonho, planejar, então realizar. Um Grupo realizador, mas a gente só realiza aquilo que a gente sonha!” Tenho muitos sonhos! Quero sempre ter a oportunidade de construir algo novo. Sou movida a novos desafios, a oportunidades, preciso trabalhar com paixão. Aquilo que estou fazendo, tem que fazer bem para mim, em primeiro lugar, senão, não consigo trabalhar. Meu chefe sempre fala que uma das melhores qualidades, também é o meu maior defeito, me entrego para as coisas que faço. Mas não sei fazer diferente, não existe morno na minha vida, ou estou fervendo ou está congelado. Tem o lado bom e o lado ruim, porque sempre temos que aprender a chegar num equilíbrio. Quando a gente fala em trabalho, em dedicação, acho que isso se transforma em comprometimento, dedicação, não desisto dos meu sonhos! Nunca! Às vezes, eles podem demorar um pouquinho mais, mas tenho foco, tenho uma certeza e por mais que... levei muito mais não do que sim na vida, mas porque se fosse só sim, é sinal de que estaria só cumprindo ordens, acho que não é por aí. Acho que o sonho tem uma pitada de coragem, de atrevimento, por que não? De atitude. Não sei te dizer hoje qual é o meu maior sonho, eu quero viver! Viver intensamente cada minuto que tiver na vida, porque a gente nunca sabe o que pode acontecer amanhã. Até tem uma propaganda maravilhosa, não sei se você já viu, que fala, “hoje é o meu último dia de vida”, ele vai riscando as coisas que tem de fazer naquele dia e vive intensamente. No outro dia ele acorda, “hoje é o meu último dia de vida”, (risos), aí vai... Acho que o dia que conseguimos ter a maturidade de olhar os problemas de uma forma mais tranquila e serena, poder olhar na frente, ver teu sonho e batalhar por ele, acho que aí você encontra a tua felicidade. Deixa-me falar uma coisa? Queria que você visse se faz sentido, queria muito deixar registrado uma passagem que aconteceu comigo e com o Carlos Ermírio, foi muito forte e fez realmente com que casasse com a Votorantim, acho que vale a pena.
P/1 — Vale! Eu vou te fazer uma pergunta só para introduzir. Tem alguma história que você queria ainda deixar registrada?
R — Tem sim, uma história que marcou muito a minha vida, inclusive minha trajetória na Votorantim e, posso dizer, sem a menor sombra de dúvida, foi a partir daí que casei (risos) com a Votorantim na alegria e na tristeza. Tinha 20 dias de Grupo Votorantim quando a Célia, na época minha chefe, pediu para largar tudo o que estava fazendo, porque o doutor Antônio ia visitar o Fernando Henrique, na época, o presidente da República e queria entregar uma placa de prata em homenagem aos oito anos de governo. Isso era numa segunda-feira, ela falou, “Malu, para tudo. Eles vão embarcar na quarta-feira e querem uma placa com esses dizeres aqui”. Estava a letrinha do doutor Antônio ”por favor, faça isso e nos entregue no máximo, na terça-feira à noite, porque na quarta-feira de manhã, eles embarcam”. Ok! Tinha 20 dias de Votorantim, era uma coisa muito simples, o texto já estava ali, era só ligar para o fornecedor para fazer a placa. Ok, liguei, chegou a revisão para eu olhar, chequei e dei o ok. Veio a placa, olhei, estava tudo certo, dei para Célia e Célia entregou para o Carlos Ermírio. No outro dia, na terça-feira, estava vindo de Campinas, no ônibus, no meu fretado, toca o telefone, era a Célia. “Malu, tem um erro de português nessa placa!”, (risos) eu falei “Célia, é impossível! Imagine, olhei, chequei!” Tinha um erro de português e era um erro horroroso! Começava assim, “Excelentíssimo Presidente, ran-ran-ran, prezado amigo Fernando Henrique Cardoso. Cumprimentando-o pelos oito anos...”. Cumprimentando estava com “o”, não estava com “u”, não sei como não vi esse erro de português. Ela “o que faço? O Carlos me ligou aqui, ainda bem que olhou, deixei em cima da mesa dele, chegou e olhou de manhã. Abriu e quando ele vê, está aquele erro de português. Como é que você me dá uma dessas? ” Pensei, “meu Deus!”, já comecei a suar, bem num dia que não tinha dado tempo de me arrumar, estava toda descabelada, enfim, tudo bem! Cheguei na Votorantim, já liguei para o fornecedor, “tem um erro!”, ele falou, “não tem”, enfim, “vamos resolver? Vamos resolver”. Mandaram-me lá para o outro lado da cidade, o ourives não estava, estava num outro lugar, me deram um motorista, depois fui saber que era o próprio motorista do Carlos que ia levá-lo no aeroporto, enfim. Mas eu tremia! O que passava pela minha cabeça? Enquanto estava indo atrás do ourives, pensava, “puxa vida, em 20 dias de Votorantim não vou ter tempo nem de mostrar para eles que ia dar conta, que
quero muito essa oportunidade!“. Comecei a ficar imaginando: “puxa vida, como é que pode? Uma jornalista, que escreve artigos, comete um erro de português desse tamanho?” Mas sei dizer que tremia, ao mesmo tempo, chorava! O motorista que estava comigo era o Camargo, ele dizia, “olha dona Malu, a senhora fica um pouco mais calma, porque se a senhora tem um troço, a gente não consegue nem resolver o problema da placa e não vou saber o que fazer com a senhora!” (risos) Aquele telefone tocando, a Célia me ligando e eu chorando, “calma, ainda não resolvi!” Só sei dizer que chegamos num lugar, a moça falou assim, “olha, o ourives está na nossa outra sede”. Falei, “vocês não estão entendendo, essa placa aqui para o Fernando Henrique Cardoso, quem vai entregar é o doutor Antônio Ermírio de Moraes. Você não estão entendendo a gravidade, estão indo embarcar agora às 11 horas, preciso...” Era vinte para as onze que eles iam embarcar. “preciso dessa placa!” A moça ficou com tanta pena de mim e falou assim, “olha, de carro você não vai conseguir chegar lá nunca...” porque já eram dez para nove da manhã, alguma coisa assim, “mas posso te emprestar o meu motoboy, ele pega essa placa e vai indo...”, daquele jeitão de ser, que não posso falar mal de motoboy nunca, porque foi ele que me salvou! “...vai chegar antes, e, quando você chegar, provavelmente a placa já vai estar pronta. Falei, “aceito, vamos lá!” Ok! Realmente, quando nós chegamos, eram quase dez horas da manhã, o ourives estava “bzzziiiii”, terminando de consertar o tal do “o” para “u” de cumprimentar. Ok! Conseguimos. Era pertinho do aeroporto, cheguei cinco minutos antes da Comitiva e lembro que, nesse meio tempo, me ligou a secretária do Carlos Ermírio, falando, “escuta, quem é o motorista que está com você?” Perguntei, “como é o seu nome?”, ele falou, “Camargo”. “é o Camargo”. “Mas Malu esse é o motorista do doutor Carlos!” Falei, “meu Deus do Céu! E agora, o que eu faço?” (risos) “Ah, tá bom. Acho que ele foi de táxi.” Falei, “meu Deus do Céu! Cada vez me encrencando mais!” Chegamos no aeroporto, eu tremia com aquela placa na mão, chegou o doutor Antônio, o doutor Ermírio, chegou o Carlos, olhou para mim e falou “Malu?”, falei, “sim, doutor Carlos!” Ele pegou a placa, olhou e falou, “ficou ótimo!” Bateu nas minhas costas e entrou no avião. Cheguei na Votorantim, a Célia falou assim, “olha, o Carlos me ligou e falou que a placa estava ótima! Mas que era para eu cuidar de você, você não estava nada bem!” Realmente, devia estar com o olho “desse tamanho”, descabelada, completamente apavorada, tá bom. Fui para casa descansar, no outro dia, toca o telefone, a secretária, “Malu, o doutor Carlos está lhe chamando aqui na sala”. Falei, “meu Deus do céu! Vou ser mandada embora pelo próprio acionista, não tive nem tempo de mostrar serviço, nada!” Comecei a tremer, suar frio. Falei, “puxa vida, que pena! Que pena, a oportunidade da minha vida e não vou poder fazer nada!” Imagine a cena: a sala grande dele tinha a mesa “aqui” e duas cadeiras na frente, além da cadeira dele. Nem sei se ele lembra isso, mas sei dizer que bati na porta, falei “com licença doutor Carlos?” Ele com aquele jeito dele acolhedor, gentleman, levantou-se, veio se dirigindo até mim, muito sério, muito formal, “bom dia, como vai?” Puxou a cadeira para eu sentar, estava tão nervosa que sentei na outra cadeira, porque imaginei o seguinte: “quando que um acionista vai puxar a cadeira para eu sentar? Ainda mais depois de uma “maluzada” daquelas!” Bem, a hora que ele viu que sentei na outra cadeira, ele começou a voltar para sentar na cadeira dele, falei, “bem, além de burra é mal educada!”, vai pensar. “Então vou mandar embora essa menina, porque, realmente, não tem o menor jeito”. Sentei, tremendo, “qualquer coisa que for falar aqui, depois que vi a minha burrada, vai ser pior. Porque já estou tremendo, nervosa, fiz uma grande besteira ontem, agora ainda sentei na cadeira errada, não vou falar nada. Vou deixar vir a bronca e pronto”. Ele falou assim, “olha, Malu, te chamei aqui, primeiro, porque queria te dar os parabéns! Você tinha um problema e resolveu em tempo hábil o problema. Em segundo lugar, queria te dizer para você ficar um pouco mais serena, quando você tem um problema, a gente precisa que fique tranquila. Precisamos ficar tranquilos para podermos raciocinar, principalmente num momento de crise. Por fim queria te dizer, que todos cometemos erros. Já cometi vários erros! Ou comprei empresa que talvez não fosse o momento mais adequado, ou paguei mais e poderia ter pagado menos, mas, o mais importante de tudo, é a gente aprender com o erro. Então queria te dizer, que você é muito bem vinda no Grupo. Acho que teve uma determinação, resolveu o problema que você tinha, o evento foi um sucesso, o Presidente gostou muito da placa e está tudo bem!” Olha, depois dessa aula de generosidade, dessa aula de liderança, propriamente dita, fiquei tão nervosa, continuei, mas falei, “olha doutor Carlos, só tenho uma coisa para lhe dizer, isso nunca mais vai acontecer!” Foi a partir dali que realmente casei com a Votorantim! Conquistou-me pela generosidade, pelo exemplo de liderança, que mais me deixa orgulhosa, primeiro, é poder estar perto dos acionistas e ver que realmente, eles colocam os valores em prática, dia após dia. Mas não posso esconder a minha admiração e meu respeito incondicional por Carlos Ermírio de Moraes que, além de ser o grande exemplo de liderança, é um exemplo para nós de superação, determinação, todos os valores que o Grupo tem. É um grande exemplo, um grande líder, tenho o maior orgulho de poder fazer parte da equipe dele, à ele, quero deixar o meu profundo agradecimento por confiar, acreditar, no meu trabalho, respeitar as minhas ideias, mesmo que, às vezes, não concorde com elas, mas tanto ele, quanto todos os outros acionistas, mas, mais ele que costumo dizer. É o grande algodão entre os cristais, porque além de toda a competência, é o grande conciliador, o homem que por trás de tudo tem um grande coração, nunca abriu um sorriso de graça e sempre foi muito exigente. Exigente, detalhista, nunca deixou passar uma vírgula errada minha, mas também foi com quem mais aprendi e aprendi que é possível você ser um grande profissional, tendo um coração generoso, sendo do bem! Isso irei levar para sempre na minha vida, onde quer que eu esteja.
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