IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Wilson Barbosa de Oliveira. Nasci no Rio de Janeiro, em 24 de março de 1940. Era Distrito Federal, capital do Brasil até 1961. Nasci ainda no Distrito Federal, quando tinha dois milhões de habitantes.
GERÊNCIA DE NORMALIZAÇÃO TÉCNICA
Atualmente sou Gerente de Norm...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Wilson Barbosa de Oliveira. Nasci no Rio de Janeiro, em 24 de março de 1940. Era Distrito Federal, capital do Brasil até 1961. Nasci ainda no Distrito Federal, quando tinha dois milhões de habitantes.
GERÊNCIA DE NORMALIZAÇÃO TÉCNICA
Atualmente sou Gerente de Normalização Técnica da Companhia, que é o órgão que prepara as normas técnicas da empresa, para a utilização, principalmente, nos seus projetos, mas também na operação e na manutenção.
Na indústria, de um modo geral, e na indústria de petróleo, por conseqüência, ninguém faz nada sem um documento que dê alguma garantia de que aquilo vai sair de maneira correta. Quando se fala na compra de um equipamento, uma bomba, um compressor, uma turbina, uma plataforma, uma refinaria, uma construção, são muitas normas técnicas que orientam a compra, a montagem, a construção e a operação daqueles equipamentos, daquelas instalações. Ninguém faria isso se não tivessem normas técnicas. Existe na Petrobras um comitê, que é a Comtec [Comissão de Normas Técnicas], que faz estas normas técnicas e, além disso, participa nas entidades externas de normalização técnica: ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas], no Brasil; API [American Petroleum Institute], nos Estados Unidos; ISO internacional [norma internacional para sistemas de gestão de qualidade], IEC [International Electrotechnical Commission], são entidades internacionais que fazem as normas utilizadas na indústria de petróleo para a construção e compra de equipamentos e instalações. Atualmente gerencio o setor que coordena estas atividades dentro da Companhia.
Ele funciona na base de grupos de trabalho. Na medida em que os grupos de trabalham são necessários, eles são convocados e constituídos; elaboram o documento que foi encomendado e, quando esse documento é finalizado, pode ser uma norma técnica, pode ser um relatório ou alguma outra coisa semelhante, que nós chamamos de documentos técnicos normativos. O grupo se desfaz, mas fica de sobreaviso (risos), porque assim que for necessário mexer naquele documento de novo, essas mesmas pessoas são convocadas para atualizar.
Existem muitas consultorias, mas como a Comtec trabalha na forma de rede, os questionamentos, as consultas que chegam para o núcleo – que é onde eu trabalho –, são distribuídas para os órgãos da Companhia que lidam no dia-a-dia com a aplicação destas normas. Nós conseguimos responder algumas, mas outras a gente procura o pessoal especializado, para que, com a sua experiência e seu conhecimento técnico, dêem a resposta.
NORMAS TÉCNICAS
Existe uma norma na Petrobras que é dedicada a se fazer um primeiro projeto de uma refinaria, por exemplo. É uma norma enorme, muito detalhada, aborda vários assuntos. Existem normas que especificam, por exemplo, um equipamento: você quer comprar uma turbina para colocar numa plataforma da Petrobras, para acionar um equipamento. Essas normas são de grande responsabilidade, têm que garantir ou, pelo menos, dar as diretrizes, ou ainda as especificações para aquele equipamento, na hora que for comprar; são equipamentos caríssimos, que custam muitas dezenas, às vezes centenas de milhões de dólares; seria muito desperdício, se você não comprasse um equipamento de boa qualidade. Essas normas são de grande emprego, são muito requisitadas dentro da Companhia.
Existem normas simples em que você indica, por exemplo, como se faz a liberação de um ambiente de trabalho quando o indivíduo vai fazer uma solda, ou uma instalação elétrica. Normalmente estes documentos são menores, mais objetivos, mas tem uma grande responsabilidade, porque envolve pessoas. Você precisa estar muito preocupado com a proteção da pessoa que vai fazer aquele serviço. Mas, de um modo geral, são normas mais simples, que exigem um número menor de participantes para elaborar. Os documentos maiores são elaborados por grupos que às vezes chegam a mais de dez pessoas. Além de tudo, estes documentos são distribuídos pela Petrobras inteira, para que toda a Petrobras dê a sua contribuição. Só depois que todos os experts existentes na Companhia são ouvidos, o documento é finalizado. Aquilo dali, além de ser um documento que permite a compra com garantia de um determinado equipamento, é também um registro do conhecimento que a empresa tem sobre aquele assunto. Ele serve para comprar o equipamento, para registrar o conhecimento e para fazer a comunicação entre a Petrobras e o fornecedor daquele equipamento. Facilita a comunicação entre as pessoas, porque uma pessoa no Rio Grande do Sul e a outra em Manaus, conversando sobre aquele documento, se entendem, a linguagem é comum.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Nesta área especificamente, estou há dez anos. Antes, trabalhei durante quatro anos na área de Governo, no Inmetro, Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial. Uma parte da minha função no Inmetro era nessa área de Normalização, só que com um aspecto um pouco diferente, porque, quando o Governo mexe com uma norma, não está preocupado em comprar um equipamento ou em construir uma instalação; está mais preocupado em empregar o conhecimento daquela norma, para regular o mercado, para proteger o consumidor e coisas deste tipo. Mas são atividades muito semelhantes.
SEGURANÇA DO TRABALHO
Quando um grupo elabora uma norma, precisa, obviamente, levar em consideração que aquele equipamento vai ser operado por pessoas, vai estar instalado dentro de uma unidade industrial, seja uma plataforma, uma refinaria, um terminal, etc. Vai estar inserido em um ambiente que tem uma vizinhança, que tem corpos d’água passando por ali, lagos, lagoas, rios, etc. Todas estas questões devem ser levadas em consideração, tem que prestar atenção, aquele equipamento não pode ser um perigo real para quem vai operar, nem para a vizinhança. Todas estas questões ligadas à segurança, à proteção do ambiente, e à saúde das pessoas, tanto internas como externas, e as próprias instalações devem estar protegidas. Aquele equipamento tem que desempenhar a função dele, sem impor um risco maior para todas estas partes envolvidas.
DEFESA DA PETROBRAS
Quando a Petrobras foi criada, eu era um pré-adolescente. Nasci em 1940, a Petrobras em outubro de 1953, e começou a operar em 1954. Era estudante secundarista, me lembro dos embates, não entendia muito o que era aquele negócio do “O Petróleo é Nosso”, mas pela movimentação que aquilo gerou, –
inclusive o meu pai como funcionário público, era policial, estava sempre envolvido em negócio da ordem pública, das manifestações – achava que aquilo era um negócio muito importante mesmo, me interessei pela questão do petróleo. Ouvia as pessoas falarem, via os movimentos políticos e sociais envolvidos com a questão do petróleo. Depois, quando fui para a faculdade, comecei a me envolver mais fortemente também com os movimentos estudantis. Participava de diretório, de reuniões da UNE [União Nacional dos Estudantes], das grandes passeatas da década de 1960. Todas estas questões da energia, do “O Petróleo é Nosso”, continuaram sendo discutidas. A Petrobras no começo da década de 60 era uma criança (risos), uma empresa novíssima, ainda estava se estruturando, precisava de proteção; como uma empresa de governo, precisava que as faixas de população mais conscientes continuassem dando proteção para que a empresa não sucumbisse às tentativas, às várias que houve ao longo da história, para destruir a companhia. Os movimentos estudantis, sempre batalharam muito para proteger a Petrobras. Não só a Petrobras, mas também a Companhia Siderúrgica Nacional, a Vale do Rio Doce, e outras empresas, como o Banco do Brasil, Caixa Econômica, etc. O movimento estudantil se preocupava com a proteção e o engrandecimento diante destas entidades todas. Só que nessa fase de estudante, teve uma quebra de continuidade com o Golpe Militar de 1964. Tudo aquilo que a gente achava que era absolutamente certo, passou a ser questionado, embora, o movimento militar tivesse de alguma maneira protegido a Petrobras. Acredito que deve ter sido por questões estratégicas, não sou militar, não posso dizer, mas o domínio, a propriedade da Petrobras, como fornecedora de combustíveis, o desenvolvimento do parque Industrial brasileiro era muito importante para propostas militares. Durante essa época, a Petrobras, de alguma maneira, ficou protegida, mas com muita intervenção militar. A Petrobras, desde a sua criação e durante essa época, principalmente, foi muito controlada, com a ingerência muito forte do poder militar dentro da companhia. Com o correr do tempo, essa proteção que a Petrobras teve no início do movimento militar, acabou sofrendo uma contaminação de outras correntes não nacionalistas, outras correntes mesmo dentro da estrutura militar, que pensavam ver a Companhia não exatamente uma empresa estatal, se dizia: “A empresa é muito pesada, investe dinheiro a rodo, não acha petróleo, etc.” Esse ruído vinha de fora, das empresas que podiam tomar conta da Petrobras. Na década de 1970, 1980, a Petrobras já era uma empresa bastante forte, importante. No final das contas, o movimento militar, acabou por tomar conta da estrutura e da administração da empresa, mas já tendendo a levar a empresa para outro lado, como o da abertura, que tinha que privatizar a Petrobras, porque a empresa privada era mais eficiente, que o Estado era muito pesado, não tinha condições de administrar uma empresa daquele tamanho, não valia a pena, etc. Começou a surgir outra corrente encabeçada por alguns políticos, bastante conhecidos até hoje, querendo a privatização da Petrobras. Pior do que querer a privatização da Petrobras, foi retirar da empresa algumas conquistas, como por exemplo, a venda das refinarias. A Petrobras descobriu petróleo, na Bacia de Campos no final da década de 1960. Nessa época, se falava que a Petrobras não tinha dinheiro, conhecimento, estrutura para explorar a Bacia de Campos, que deveria ser entregue para as multinacionais, que eram muito mais capazes, muito mais ricas e tinham muito mais tecnologia. Sabia que não era isso: primeiro, a Petrobras nunca pegou dinheiro do Governo; o Governo colocou dinheiro para constituir a Petrobras, depois a Petrobras começou a ganhar o seu próprio dinheiro para seus investimentos; ela passou a dar dinheiro para o Governo, como dá até hoje, pois o acionista tem direito à participação nos resultados da empresa. Isso acabou acirrando aquele movimento de defesa da Petrobras. Era uma briga aberta para defender a Petrobras do capital estrangeiro – talvez só tenha sido assim tão forte no começo da década de 1950, quando se discutiu a criação da Petrobras. Foi uma briga aberta mesmo: era o corpo técnico da Petrobras brigando contra a direção da Companhia. Teve a colaboração, do lado da defesa da Companhia, de instituições de renome, reconhecidas pela sociedade, como o Clube de Engenharia, os sindicatos de profissionais, como o Sindicato dos Engenheiros. No meio disso, procurava-se um apoio dentro da própria Petrobras, e se descobriu uma entidade que se chamava Associação dos Engenheiros da Petrobras no Estado da Guanabara, que era a AEPERG, estava bastante amortecida, não se reuniam mais, tinha um número reduzido de associados. Nós olhamos pra aquela entidade e achamos que ela poderia ser revigorada e se constituir numa defesa dessas idéias dentro da própria Companhia, porque existia o sindicalismo dentro da Petrobras. Era um sindicalismo muito consonante com a administração da empresa.
AEPET
Conheci o presidente do sindicato dos petroleiros nessa época, era um camarada que dizia o seguinte: “Eu tô aqui prá fazer o possível, certo? Não vou entrar em choque com o regime militar, não vou brigar com ninguém. Vou ficar aqui tentando manter um sindicato dos petroleiros, de maneira que a coisa quando mudar, o sindicato esteja pronto para assumir um novo papel.” Ele defendia o aumento do salário, falava alguma coisa de condições de trabalho, e foi mantendo o sindicato. Já essa associação que depois tomou o nome de Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobras) – quando fui presidente [no começo dos anos 1980] já tinha mudado de nome – era independente. Assim, a gente pode utilizar essa associação pra tentar levar essas questões pra dentro da empresa, era proibido se discutir a questão estratégica do petróleo para o país, dentro da Petrobras. Não se falava nisso, a gente trabalhava lá, fazendo os projetos, construindo as refinarias, os terminais, as plataformas, mas era pra produzir petróleo, refinar petróleo; discutir a política energética do país, a política do petróleo do país, os rumos da companhia, isso era absolutamente proibido, não se discutia.
A gente achou que a Aepet era um fórum. Foi nessa época que me candidatei a presidente; fui eleito e depois reeleito. Fiquei lá quatro anos (risos). Só que aconteceu uma coisa: quando a Aepet começou a tomar certa importância nessa discussão, o regime militar sentiu, e começou a ter uma ação muito forte contra a Aepet. Nessa época, o que a gente fazia? Pegávamos os membros da diretoria da Aepet e mandávamos eles se candidatarem como dirigentes sindicais, porque aí teríamos imunidade sindical (risos), ia pra dentro da Aepet, a gente falava o que era necessário. Passamos a ter uma força que usava o poder de repressão do Governo, mas usava também o poder de repressão de patrão: uma coisa é o indivíduo ser empregado de uma empresa privada e brigar contra o patrão; a outra coisa é brigar contra o patrão, mas esse patrão ser ao mesmo tempo o Governo. Você estava brigando na verdade contra o Governo. São duas entidades muito fortes, a Petrobras já era razoavelmente grande nessa época; tinha as Forças Armadas prontas para rechaçar qualquer tipo de resistência, e tinha a própria carreira, a minha carreira, por exemplo, e a dos meus colegas que estavam dentro da diretoria que foram literalmente perseguidos nas suas carreiras profissionais; muitos perderam seus cargos. Eu mesmo perdi o cargo. Isso foi, mais ou menos, uma repetição do que aconteceu na década de 1960, na época do Golpe Militar, com os militantes da causa do petróleo, que eram empregados da Petrobras; a ditadura chegou e botou os caras na rua, não deu o direito à defesa, não tinha sindicato para defender ninguém. É claro que essas pessoas, depois de 1979, acabaram sendo readmitidas na Empresa com ressarcimento dos prejuízos financeiros, porque o prejuízo moral... É difícil ser um engenheiro de prestígio dentro de uma empresa e, de repente, se ver na rua sem ter pra onde apelar. Isso se repetiu nessa época em que eu era o presidente da Associação, um embate contra a Ditadura Militar que já estava no fim.
ATAQUES AO FUNCIONALISMO PÚBLBICO
Nessa época, é bom lembrar, os empregados da Petrobras começaram a ser agredidos como “marajás”, como pessoas que ganhavam milhões e não faziam nada, que deixavam o paletó nas costas da cadeira e iam pra rua, não iam trabalhar, e gastavam dinheiro à toa, não achavam petróleo. O funcionalismo público, de um modo geral, era também desrespeitado, dizia-se que não valia nada, que era um bando de parasitas, que ninguém trabalhava. Formou-se uma frente interessante de defesa da Petrobras, que se juntou com outras frentes de defesa de outras empresas, em defesa do funcionalismo público como um todo. Isso foi por volta de 1980, se formou uma onda que tomou uma força grande, nós fizemos passeatas na Avenida Rio Branco, comícios na Cinelândia, fomos à Brasília conversar com deputados, senadores e ministros pra tentar colocar as coisas no devido lugar. Porque não é possível estar dentro de uma empresa, defendendo a empresa e ser perseguido porque está defendendo a empresa Isso é um absurdo.
FÓRUM DAS ESTATAIS
A gente tinha um Fórum das Estatais que se reunia semanalmente; às vezes, nos reuníamos todos os dias da semana, sempre em horário extraordinário: à noite. Algumas vezes até de dia mesmo, fazíamos viagens pelo Brasil todo, levando a mensagem: “Estão querendo destruir empresas de renome, já respeitadas no mundo inteiro, denegrindo a imagem do servidor público, como se fosse um bando de vagabundos”. Esse negócio, de alguma maneira, vingou; depois destas tentativas, as teses venceram. A Petrobras continuou. Só em 1994, é que de novo, com a onda do liberalismo econômico, dos partidos políticos que se diziam estar na vanguarda da economia mundial da abertura dos mercados, acabaram vendendo a CSN [Companhia Siderúrgica Nacional]; vendendo a Vale do Rio Doce; a Telebrás sofreu horrores com essas coisas, e outras empresas menores, que também foram severamente prejudicadas e algumas, privatizadas.
Foi exatamente na vigência do seu mandato [do Shigeaki Ueki], que essas coisas aconteceram. Ele não era empregado da Petrobras, não veio de lugar nenhum da Petrobras; se não me engano, ele veio de uma cooperativa de São Paulo, e apareceu na Petrobras como diretor. Era um ferrenho defensor da privatização da Petrobras. É claro que o Congresso Nacional sempre teve um carinho muito grande com a empresa, embora, houvesse deputados e senadores ferrenhos adversários do monopólio estatal do petróleo. Mas a maioria do Congresso defendia a Petrobras, que não foi privatizada por conta dessa resistência do Congresso. Assim como em 1994, quando veio a Lei do Petróleo, o então governo do Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, do DEM (que na época não era DEM era PFL) tentou também privatizar a Petrobras, chegou a tirar um bom pedaço da Petrobras, e colocar no mercado de ações na Bolsa de Nova Iorque. Teve um presidente da Petrobras que tentou até mudar o nome da Petrobras, mas a grita foi tão forte – isso já estou falando na década de 1990 – que se conseguiu de alguma maneira brecar essa tentativa. A Petrobras, hoje, falta um pedaço razoável dela, o Governo não detém o percentual de ações que tinha no início da década de 1990, mas manteve uma posição.
DIRETORIA DA AEPET
Nunca fui muito favorável a essa questão da permanência em cargos durante muito tempo. Acho que tem que arejar, ter o cuidado para não jogar tudo o que foi feito fora; é bom ter outras visões, dentro de uma mesma diretriz, obviamente. A Aepet, diga-se de passagem, chegou a ter uma liderança que não era muito favorável a esta questão do monopólio do jeito que vinha sendo exercido.
ABERTURA DO MERCADO
Foi depois da minha gestão, no Governo Collor. Algumas pessoas – não as considero venais ou desonestas, elas eram sinceras – defendiam uma abertura da Petrobras, que acabou vindo; foram contaminadas por idéias de que o monopólio era muito pesado pro Governo, que a companhia não conseguiria desenvolver as suas potencialidades enquanto estivesse sob as asas do governo. A realidade acabou mostrando que não era nada disso. Mas, nessa época em que fui presidente da Associação, a Petrobras começou a se descobrir os grandes campos de petróleo da Bacia de Campos, que são os que estão produzindo hoje. Toda essa riqueza já tinha sido prospectada, já se sabia que ali tinha muito petróleo e que a Petrobras poderia se tornar uma empresa de grande porte se conseguisse explorar aquele petróleo todo. Só que essa administração, colocada pelos militares dentro da Petrobras com essas idéias neoliberais, começaram a facilitar a abertura das atividades da Petrobras para a iniciativa privada. Tivemos os contratos de risco, em São Paulo, liderados pelo então pelo Governador, o Doutor Paulo Maluf, que acabou esbanjando um dinheiro razoável, que deveria ter sido empregado melhor em São Paulo, do que furar poço em lugar que não havia petróleo (se sabia que ele não ia encontrar porque a Petrobras já tinha feito prospecção lá, e sabia que não tinha petróleo comercial naquela área). Algumas empresas multinacionais, como as Sete Irmãs, também exerceram pressão – sempre exerceram desde que se começou a discutir a Petrobras – nessa época em que a Petrobras começou a descobrir o petróleo. Eles deixaram a Petrobras investir e descobrir, e depois que a Petrobras descobriu, queriam tomar conta: “Deixa com a gente, porque nós temos dinheiro, tecnologia, força nos mercados mundiais, tradição de levantar grandes empréstimos nos bancos estrangeiros, temos os nossos próprios bancos, podemos desenvolver esses campos com uma facilidade enorme e o Brasil vai ser um grande produtor de Petróleo.” Só que eles não diziam o seguinte: que eles iam produzir petróleo para eles. O Brasil teria uma participação em percentual nessa produção, mas imagine o que seria, hoje em dia, se nós produzíssemos todo esse petróleo que produzimos na Bacia de Campos, e levássemos os 20% deles, 30%, 40%, ou até metade que fosse Hoje, tudo isso é nosso. Na exploração da Bacia de Campos 100% do petróleo é, basicamente, da Petrobras, dentro daqueles contratos onde a Petrobras é associada; nos campos que foram leiloados pela ANP [Agência Nacional do Petróleo], é que o Brasil tem apenas uma participação, mas nos outros casos onde a Petrobras investiu, todo o petróleo é da Petrobras, é do Brasil. A Petrobras pode fazer com o petróleo o que ela quiser: pode refinar; vender, trocar; obviamente, ela refina para abastecer o mercado internacional e faz as trocas necessárias para que o mercado nacional seja abastecido.
CONTRATOS DE RISCO
Nessa época, descobrimos que uma empresa, que tinha criado uma subsidiária, a Pecten, para explorar petróleo na Bacia de Santos, – hoje instalada lá com plataforma e tudo – fez uma proposta pro Ministério de Minas e Energia propondo que ela assumisse a produção de petróleo na Bacia de Campos. Vale dizer que toda a produção da Bacia de Campos, estaria na mão da Shell, hoje.
Vou dizer como foi descoberto (risos). É claro que ninguém é onipresente, a gente precisa de fonte de informação, precisa dos nossos contatos. Nessa época, nós tínhamos grandes aliados nos jornais. Os jornais, apesar de não poderem abrir muito a questão, sempre conseguiam colocar coisa na mídia, e mantiveram a coisa na mídia durante um tempo. Alguém, dentro da Petrobras, descobriu um telegrama da Shell para a diretoria da Petrobras, – aliás, não sei se foi pra diretoria ou para o Ministério das Minas e Energia – propondo que a exploração da Bacia de Campos fosse feita pela Shell, entregar de “mãos beijadas”. Esse documento caiu na minha mão. Eu fiquei com a mão fervendo, queimada, saindo fogo. Reuni a diretoria da Aepet e falei: “Olha só o que bateu na minha mão O que eu faço com esse documento? Ele é perigosíssimo, está envolvido capital estrangeiro. O que a gente faz com isso? Se eu disser que tenho esse documento, e primeira coisa que vão fazer é me prender e me tomar o documento”. Nós chamamos o pessoal de mídia, jornalistas que estavam na Petrobras, e dissemos o seguinte: “Descobrimos um documento que fala isso, isso e isso; que propunha que a Bacia de Campos fosse entregue para o capital privado internacional” “Mas nós temos que saber se é verdade ou não” “O documento está aqui, todo mundo pode ler.” Todo mundo leu, todo mundo se convenceu. Tirei duas ou três cópias, deixei lá e falei: “Não sei o que fazer com esse documento, agora, não quero esse documento comigo. Não quero ter ele na minha casa, não quero ter ele na minha gaveta”; eu vi o documento, sei que ele é verdadeiro, o documento é tipo telegrama, antigo, mas não quero esse documento comigo, não sei onde esse documento foi parar. A verdade é que aquilo explodiu na mídia, foi uma grita geral no Congresso. As instituições de profissionais, Clube de Engenharia, sindicatos, todos eles falaram: “Isso é um absurdo A gente não vai entregar a Bacia de Campos agora para multinacional explorar.” Aquilo causou uma ira insuportável em algumas estruturas da Petrobras e de Governo envolvidos: o Shigeaki Ueki, o César Cals, que era o Ministro de Minas e Energias, o Geisel que era o Presidente da República. O negócio é o seguinte: teve uma porção de desmentidos e quem desmentiu teve que assumir que não era verdade. A coisa não aconteceu. Isso foi, talvez, a vitória mais palpável que a gente teve nessa época. Antes era uma questão ideológica, de princípios. Os contratos de risco deram no que deram: foram explorar petróleo na Amazônia; em Marajó, no Maranhão; no interior do estado de São Paulo; nenhum deles deu em nada, e a Petrobras continuava descobrindo o petróleo na Bacia de Campos. Aí na hora vai entregar a Bacia de Campos? Vai lá queimar as sondas no Marajó (risos), vai lá descobrir, pô
CONSTITUIÇÃO DE 1988
Outra coisa importante foi entre 1985 e 1988, quando foi feita a nova Constituição, a gente conseguiu ter uma participação muito forte nos grupos de trabalho, mas era algo meio clandestino (risos). Tudo o que se passou pra a nova Constituição de 1988, a gente conseguiu discutir a redação dos itens dentro da Petrobras. A gente se reunia, depois da hora, de noite, quando não tinha mais ninguém, com alguns políticos, que eram de nossa confiança, para redigir como deveria ser o artigo que iria defender o monopólio. A Constituinte aceitou a redação. Tiveram idas e vindas: “Não está bom, por causa disso.” Uma coisa era: eu técnico aqui, ajudando a redigir um negócio; outra coisa era lá no Congresso, como aquilo iria para a Constituição.
Era princípio da Aepet interferir em tudo o que fosse possível para defender o monopólio: ir ao Ministro, falar no Congresso com os senadores e deputados, com toda a área de Governo. Quando veio a Constituinte, nós também queríamos participar porque tinham vários grupos de trabalho; nós fizemos contatos com os principais deputados constituintes que nós conhecíamos e falamos para eles: “Temos muita coisa para passar para a Constituinte, vocês não podem deliberadamente botar...” Não era só a Petrobras, nessa época eu era conselheiro do Clube de Engenharia, era diretor sindical, não estava ali só com cabeça de Aepet, tinha outras funções e dizia o seguinte: “Eu escuto essas pessoas, nesses ambientes todos e capto os sentimentos; esse sentimento tem que ir para dentro da Constituição.” Esses deputados eram muito favoráveis à atuação da Petrobras, defensores ferrenhos, na época Euzébio Rocha, que tinha sido da Constituinte de 1946; vou falar dele porque ele já morreu, eu não comprometo ninguém (risos)
Tem um bocado de gente: tem o Ricardo Maranhão, o Saturnino Braga, o Luís Alfredo Salomão, e vários outros. Esses merecem, batalharam muito e outros empregados da Petrobras, alguns deles com altas funções de chefia, mas que estavam manietados, não podiam se pronunciar. A gente conseguiu furar o bloqueio e conversar com estas pessoas, pegar os políticos e obter deles a autorização, a aquiescência para propor as redações. E teve redação com reunião dentro da Petrobras, mas que vinha gente de fora também: deputado que nunca tinha tido nenhum vínculo empregatício com a Petrobras, estava lá dentro ajudando a redigir. No final das contas, aquilo que foi para a Constituição de 1988, foi bolado como a presença de Sindicatos, de Clubes de Engenharia, de Associações de Profissionais no Rio de Janeiro, economistas, advogados, jornalistas etc.
A Aepet passou a ser o núcleo que juntava essas coisas todas. Nessa época, eu já não era mais presidente da Aepet, estava recém saído, mas ainda tinha uma participação muito ativa. Foram eventos que consolidaram a permanência da Petrobras como uma empresa forte e reconhecida.
DEFESA DA PETROBRAS
Fiz o concurso para a Petrobras em 1965 e fiz o curso em 1966, e fui trabalhar na Bahia em 1967. Quando cheguei à Bahia, descobri um novo mundo, porque havia um superintendente da Landupho Alves, a famosa RLAM ou RELAM, como dizem os baianos –, que era um general; levei um choque, porque a gente falava em Petrobras como uma iniciativa do povo e havia um representante da ditadura lá. Comecei a conhecer pessoas e ver que existia um movimento que tinha sido reprimido dentro da Refinaria pelos militares, inclusive com prisões e expulsões, que a gente não sabia no Rio de Janeiro; assim como havia em Cubatão, que fui saber depois; como também havia na Reduc [Refinaria de Duque de Caxias]. Só existiam inicialmente três refinarias: a Refinaria da Bahia, a RLAM; a RPBC [Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão] e a Reduc aqui no Rio de Janeiro; duas refinarias em construção: a Regap [Refinaria Gabriel Passos, em Betim - MG] e a Refap [Refinaria Alberto Pasqualini, em Canoas – RS] e os terminais dos dutos. Tem uma história: a Refinaria da Bahia, antes de ser da Petrobras era do Conselho Nacional de Petróleo [CNP], já tinha uma luta de defesa do monopólio anterior à história atual que se conhece do trabalhador da Petrobras. A história do trabalhador da Petrobras está com uma raiz muito mais forte na Bahia e em Cubatão. Cubatão sempre foi muito politizado. Na época em que eu fui presidente da Aepet, era muito politizada, eles tinham uma atividade muito forte.
A Petrobras foi criada em 1953 e esses movimentos vinham desde a criação do Conselho Nacional de Petróleo, em 1938. De 1938 a 2008, são 70 anos. Você pega uma pessoa que tivesse entrado no CNP, em 1938, com 20 anos, por exemplo, hoje o camarada está com 90 anos. Se não correr atrás rapidamente destas pessoas.... É possível que existam poucos, não se consegue mais nada. Cubatão, eu diria que é a mesma coisa.
MEMÓRIA PETROBRAS
Acho muito importante não só para a Petrobras. Os países são criados pelas sociedades, e a gente tem que ver quais são os anseios da sociedade. A Petrobras tem importância
na formação dos quadros do país, quadros políticos, do trabalhador de um modo geral; até mesmo a iniciativa privada tem muito a ver com a história da Petrobras e da defesa do Petróleo, e também da defesa das outras grandes estatais, muitas delas, privatizadas. É importante não ficar só dentro da empresa, mas que tivesse uma divulgação para fora, porque é parte da história do Brasil, da história moderna: de 50 anos prá cá. Acho esse trabalho importante, ele não deveria ficar só dentro da empresa, deveria ser colocado para fora. Não é a “salvação da lavoura”. A Petrobras influenciou muito a formação social do Brasil, a consciência do trabalhador; conseguiu coisas, inicialmente, junto com o Sindicato dos Ferroviários, Sindicato dos Trabalhadores nos Portos, dos Bancários, dos Comerciários antigos, para criar o que a gente vive hoje. É uma parte da formação cultural, social do brasileiro.
CONHECIMENTO TÉCNICO E FORMAÇÃO
Na minha atividade atual na Área de Normalização, a Petrobras, pelo fato de ter instalações industriais que foram construídas aqui com know how estrangeiro, conseguiu ter contato rapidamente com uma quantidade de informação técnica muito grande, informação alemã, européia e, principalmente, americana. A tecnologia trazida pro Brasil para a construção destas instalações foi, rapidamente, absorvida pelo pessoal técnico da Petrobras. Esse pessoal não só absorveu e colocou em prática, como também transferiu esse conhecimento para a iniciativa privada, para os fornecedores da Petrobras, de maneira que estes pudessem fornecer para a Petrobras equipamentos, sistemas e etc. em condições semelhantes ao que havia de melhor no exterior. Isso foi muito importante para o mercado hoje, ser fornecedor brasileiro para grandes indústrias, para o trabalhador.
Ainda há a questão do treinamento: a Petrobras sempre foi muito preocupada com a questão da formação profissional. No meu tempo, não se conseguia ser um engenheiro da Petrobras se não enfrentasse um ano de curso e fosse aprovado, de três em três meses havia uma avaliação. Era uma coisa muito severa, é tradicional na Petrobras, ela continua fazendo isso. Exige, incentiva e promove essa formação. Isso também é um marco importante na formação do conhecimento técnico do Brasil.Recolher