IDENTIFICAÇÃO
Eu me chamo Antônio Eraldo Câmara Porto. Nasci em Fortaleza, Ceará, no dia 11 de março de 1942.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Estudei o secundário no Colégio Militar. Fiz vestibular para a Escola Nacional de Química da Universidade do Brasil, que atualmente é a Universidade Federal [do Rio de Janeiro], a UFRJ. Formei-me em Engenharia Química.
INGRESSO NA PETROBRAS
Entrei na Petrobras, por concurso, em 1966 e fiz um curso de especialização em refino, que na Petrobras é chamado de processamento, mas significa refino. Na Petrobras, sou engenheiro de refino, o mesmo que engenheiro de processamento. Isso foi no ano de 1966. Ainda é hoje assim, a Petrobras abre o concurso para recém-formados, a pessoa entra com garantia de emprego, se passar no curso. Na verdade, ela entra no curso, tem o admissional, e esse curso faz parte. Ela é classificada como engenheiro-estagiário e só segue carreira se for aprovada no curso, que realmente reprova – não muitas pessoas, porque já é feita uma seleção muito grande. E esse é um curso de nove, dez meses, findo, você entra na carreira: “Engenheiro 1”. Daí começa-se a percorrer a carreira.
Tem um negócio interessante na minha vida. Quando eu estava no Colégio Militar, um dia passei de ônibus na Praia Vermelha e vi uma instalação da Petrobras, uma refinaria piloto, uma miniatura. Desci do ônibus, fui lá, bati e veio uma pessoa me atender, eu falei: "Como eu faço pra trabalhar aqui?". Isso em 1960, muito antes. O rapaz, que devia ser um engenheiro, me falou: "A primeira coisa que você tem que fazer é vestibular para Engenharia, depois fazer o concurso". Eu voltei para trabalhar nesse mesmo lugar, por incrível que pareça. Praticamente uma chance em um milhão. Por quê? A Petrobras usava a instalação dentro da Universidade, na Praia Vermelha. Inclusive, eu estudei na Praia Vermelha, ainda não era o tempo da Ilha do Fundão.
INGRESSO NA PETROBRAS / CENPES
A Petrobras tinha um...
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Eu me chamo Antônio Eraldo Câmara Porto. Nasci em Fortaleza, Ceará, no dia 11 de março de 1942.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Estudei o secundário no Colégio Militar. Fiz vestibular para a Escola Nacional de Química da Universidade do Brasil, que atualmente é a Universidade Federal [do Rio de Janeiro], a UFRJ. Formei-me em Engenharia Química.
INGRESSO NA PETROBRAS
Entrei na Petrobras, por concurso, em 1966 e fiz um curso de especialização em refino, que na Petrobras é chamado de processamento, mas significa refino. Na Petrobras, sou engenheiro de refino, o mesmo que engenheiro de processamento. Isso foi no ano de 1966. Ainda é hoje assim, a Petrobras abre o concurso para recém-formados, a pessoa entra com garantia de emprego, se passar no curso. Na verdade, ela entra no curso, tem o admissional, e esse curso faz parte. Ela é classificada como engenheiro-estagiário e só segue carreira se for aprovada no curso, que realmente reprova – não muitas pessoas, porque já é feita uma seleção muito grande. E esse é um curso de nove, dez meses, findo, você entra na carreira: “Engenheiro 1”. Daí começa-se a percorrer a carreira.
Tem um negócio interessante na minha vida. Quando eu estava no Colégio Militar, um dia passei de ônibus na Praia Vermelha e vi uma instalação da Petrobras, uma refinaria piloto, uma miniatura. Desci do ônibus, fui lá, bati e veio uma pessoa me atender, eu falei: "Como eu faço pra trabalhar aqui?". Isso em 1960, muito antes. O rapaz, que devia ser um engenheiro, me falou: "A primeira coisa que você tem que fazer é vestibular para Engenharia, depois fazer o concurso". Eu voltei para trabalhar nesse mesmo lugar, por incrível que pareça. Praticamente uma chance em um milhão. Por quê? A Petrobras usava a instalação dentro da Universidade, na Praia Vermelha. Inclusive, eu estudei na Praia Vermelha, ainda não era o tempo da Ilha do Fundão.
INGRESSO NA PETROBRAS / CENPES
A Petrobras tinha um convênio, usava um laboratório, para ensino, para treinar as pessoas. A Empresa tinha dez anos, tinha professores estrangeiros, que vinham para o Cenap, que era o Centro de Aperfeiçoamento de Petróleo. Era o embrião do Cenpes [Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello], mas não era de pesquisa ainda; começou com o ensino. Traziam a maioria dos professores de fora – dos Estados Unidos e do Canadá – para ensinar petróleo. Tinha que ter um local e os professores disseram logo: "Tem que comprar umas refinarias piloto, para ensinar e treinar nessas refinarias”. Para não ir para a refinaria e explodi-la. Era exatamente esse lugar que estava lá. A Petrobras começou em 1954, eu me formei em 1965, quer dizer, eu devia ter uns 13 anos. Nesse ano em que me formei, e que entrei – a minha vida tem umas coisas interessantes –, a Petrobras tomou a decisão de separar o Cenap em dois, uma parte de ensino e outra de pesquisa. Decidiu começar a fazer um centro de pesquisa. No início era junto, mas viram que não tinha nada a ver. Alguns professores americanos e canadenses já tinham ido embora, alguns casaram com brasileiras e ficaram aqui. Tem um famoso que ficou aqui e casou-se com uma aluna. Os próprios funcionários da Petrobras estavam tomando conta e era uma atividade muito mais burocrática do que de pesquisa. Tinha que separar. Exatamente no ano em que me formei. Houve uma decisão interessante. Eles disseram: "Precisamos aumentar o quadro, precisamos recrutar alguém". O engenheiro recém-formado é como um militar; primeira coisa: ele vai para o quartel mais longe, para a fronteira. Era isso que eu esperava, quando fiz o curso de refino, pensei: "Vão me jogar em uma refinaria lá na Amazônia, ou no Paraná. Vou passar uns três, quatro anos, depois eu volto para o Rio". Jamais pensei em ser convidado para ficar no Rio de Janeiro, no Centro de Pesquisa, e foi exatamente o que aconteceu. A escolha era assim: você dizia onde queria ir e a Petrobras escolhia. Eu estava bem classificado, era sexto ou sétimo, não me lembro bem, mas, estava entre os dez primeiros do curso. Se eu fosse o primeiro, seria mole, escolheria para onde queria ir. Os dois primeiros quiseram ficar no ensino, ser professores. Muita gente tem essa vocação. Eram os estudiosos e achávamos que eles tinham um pouco de medo de pegar na indústria. Como foram primeiro e segundo, eles foram chamados para dar aula. Os outros três na minha frente: um já era de São Paulo, queria ficar em São Paulo, o outro era de Minas Gerais, queria ficar em Minas e o outro era de Minas, mas queria ficar em São Paulo, para ficar longe da família da sogra. Foram saindo da frente e fui o primeiro a querer ficar no Rio. Fui chamado para o Cenpes, junto com outro colega que fez carreira junto comigo. Fui recrutado. Trabalhei praticamente quatro meses na Reduc [Refinaria de Duque de Caxias]. Mandaram-me para a Reduc só como treinamento, para refinar lá durante quatro meses (risos), já que eu era engenheiro de refino. Voltando para o Cenpes, peguei-o praticamente do zero. A partir desse momento em que a Petrobras decidiu separar o Cenpes do ensino, considera-se seu. Comecei a trabalhar lá, na divisão de refino, uma divisão nova. Aí começa a minha carreira.
TRAJETÓRIO PROFISSIONAL / CENPES
O que significava ser Petrobras? Eu sonhava em trabalhar naquele lugar, no mesmo lugar onde eu tinha saltado do ônibus para perguntar. Foi exatamente ali que comecei a trabalhar, naquele prédio, que seis ou sete anos depois, mudou-se para a Ilha do Fundão. Quer dizer, eu peguei todo o crescimento do Projeto Cenpes. Meus anos de lá foram de vivenciar, de sonhar com o Cenpes grande, como é hoje. Sempre digo que saí de lá, porque eu o queria, já naquela época, tal como hoje, não queria esperar 30 anos. Não era só eu, tinha um grupo novo que entrou. Inclusive o Renato [Magalhães da Silveira], que foi meu chefe, que foi quem me recrutou, que foi lá e me escolheu. Ele entrevistou as pessoas e me escolheu. [Esse grupo] acabou se chateando com o Cenpes, porque ele não andava na velocidade que queríamos. Queríamos fazer projetos, desenhar, fazer coisas nacionais e na Petrobras tinha gente que não acreditava. A pesquisa ainda era considerada um luxo. A minha visão é de que muita gente achava o seguinte: "Nós somos uma companhia, tem que ter um centro de pesquisa, porque é bonito". E nós queríamos fazer projetos de engenharia. E teve um fato, eu fiz um projeto, montei uma unidade, a primeira unidade de coque da Petrobras. Hoje, tem unidade de coque em todas as refinarias.
Eu percebi que havia uma oportunidade de retorno dessa unidade, o processo na época estava meio abandonado. Fiz um estudo e montei a unidade piloto, fiz a maquete. Depois que o relatório ficou pronto, descobrimos que a Petrobras estava comprando, direto, a unidade importada. Elogiou o trabalho, enfiou na gaveta e comprou a unidade, importou pronta. Contratou uma companhia para montar, sem nenhum aproveitamento, pois ninguém aprendeu nada. Eles vieram aqui, trouxeram os equipamentos e montaram. Foi a de Cubatão, que funciona até hoje e foi a primeira da Petrobras. Eu estava fazendo a pesquisa e a companhia estava dissociada, por várias razões.
CENPES / DEPARTAMENTO COMERCIAL
Hoje, eu vejo que eles não iam esperar o Cenpes. Na verdade, o Cenpes não tinha condição. Aborreci-me, resolvi parar e ir para a Área Comercial. Foi um choque no Cenpes. Para se ter uma idéia, eu estava aprendendo alemão, queria fazer uma bolsa na Alemanha, estava fazendo estudos de cinética química e ia me tornar um pesquisador. Estava fazendo [pós-graduação na] Coppe [Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ]. Nem defendi a tese. Quando mudei minha cabeça, abandonei [o curso], tirei todos os créditos da Coppe e fiz essa besteira de não fazer a tese. A Coppe me encheu o saco: "Pega qualquer coisa do seu trabalho e faz a tese. Tira o grau". Não tenho mestrado por isso, eu disse não. A Coppe nasceu na minha Escola, na Escola de Química. Foi idéia de um professor desta Escola. Eu Também a vi nascer. Era muito associada à Química, hoje ela tem tudo. A Coppe era um programa de pós-graduação, dos primeiros que foram fazer [pós-graduação] no exterior e que tentaram implantar no Brasil. Eles tinham muita coisa com o Cenpes, pois as aulas também eram no Fundão, havia essa facilidade. Foi duro. Eu fiz o mestrado trabalhando. Foi quando “a tampa encheu”. Não foi só comigo, houve uma revoada, uns cinco ou seis resolveram sair. Eu era de refino, é natural que eu fosse pra área industrial, não é? O Renato, que era o meu chefe, foi o primeiro que me falou essa história: "Estou vendo um negócio de gás aí". Falei: "Gás? Que gás? (risos) Não tem nada a ver, estava mexendo com xisto, vai mexer com gás?". O Renato é um pesquisador brilhante, ele trabalhou no xisto antes, é um dos patenteadores do processo Petrosix. Ele tem vocação. E outro, o Maurício Ferreira, foi para o Depin [Departamento Industrial], para área industrial. Fiquei pensando, porque estava chateado. Tive uma das maiores emoções da minha vida quando saí do Cenpes. Quando eu resolvi, senti uma coisa no peito, parecia que eu estava perdendo uma pessoa querida da minha vida. Eu demoro, mas quando sigo a minha intuição... Minha intuição nunca errou. O problema é que ela não funciona sempre. Quando ela me diz: "Vai", eu posso ir. Nunca me dei mal. O problema é que às vezes eu pergunto e ela não fala nada; aí eu não sei o que fazer. Com essa decisão, eu falei: "O que eu quero? Eu quero ir para um lugar em que os resultados sejam rápidos e que o que eu fizer, seja significante para a companhia. Quero ir para um lugar de ponta". Não sei se vocês lembram, mas a Petrobras era organizada mais ou menos em áreas, acho que é assim até hoje, o pessoal chama de áreas-fins, as que mexem com o petróleo, e áreas de suporte, que eram chamados de serviços. Então, o Departamento Comercial mexia com óleo, comprava e vendia, o Departamento Industrial, refinava, a Exploração, procurava. Tudo isso era departamento. E os serviços: Serviço Financeiro, Serviço Jurídico. Eu disse: "Quero ir para uma área-fim, que mexa com petróleo, e que eu saiba se o que eu fiz está certo ou errado. Quero respostas em pouco tempo. Não quero mais esperar dois anos para ter uma decepção". Aí fui para a área comercial.
Quando eu resolvi pedir transferência, o superintendente do Cenpes me falou: "Você está maluco Você tem carreira. Está estudando alemão”. Para se ter uma idéia, eu não tinha nem um terno, nunca tinha comprado um terno na minha vida. Eu era um típico pesquisador, cabelo comprido e sandália. Fui ao gabinete do superintendente assim mesmo. Era separado, eles tinham um gabinete suntuoso na cidade e nós ficávamos na Praia Vermelha. Eu lhe falei: "Mas eu quero". Ele tentou me subornar: "Fica aí, eu estou pensando em te mandar para a Califórnia, para Berkeley”. (risos) Eu lhe disse: "Doutor Borges, eu sou nordestino. Nordestino quando toma uma decisão...." Nasci em Fortaleza, me criei no Rio, vim pequeno para o Rio. Eu me considero nordestino de raiz. A minha mãe é de Maranguape, meus tios, são todos nordestinos. Eu lhe disse: "Já tomei a decisão. Não adianta" Ele disse: "Mas eu não posso te liberar". E me prendeu um ano; fiquei um ano no sofrimento, tentando sair.
IMPORTAÇÃO DE PETRÓLEO / DECOM
Aí entra a área comercial. Esse foi um momento crucial da história da Petrobras, acho que é importante falar, pois é uma das razões porque eu vim aqui. A Petrobras ainda era um bebê, era uma criança que estava tentando se afirmar. Ela foi formada num embate político-ideológico. Isso é outra história, outro projeto. Mas a Petrobras sempre foi muito assediada pelo pessoal que era contra, que estava torcendo para que desse errado. Esta geração, não a minha, mas a anterior, percebeu muito cedo que não ia achar petróleo facilmente no Brasil e que ia ter uma grande dificuldade, até porque já tinham estudos antigos. Antes da Petrobras, já havia o Conselho Nacional de Petróleo [CNP], que não tinha achado nada. A Petrobras quando assumiu, produziu dois mil, três mil barris. Se ficasse gastando dinheiro procurando ia acabar se ferrando financeiramente, como aconteceu com várias companhias estatais, a exemplo do México, que demorou muito a achar o óleo, só achou depois. Alguém da Petrobras, um planejador, deve ter pensado: "Vamos comprar petróleo, porque está barato". E era verdade. Pouca gente fala, mas o Brasil se industrializou durante 30, 40 anos, gastando petróleo dos outros, que custava um ou dois dólares. Agora que a gente tem, custa 80, 100. Muito melhor: a gente gastou o dos outros, se industrializou e ganhou dinheiro com o refino e com a distribuição, ou seja, com o comércio. Partiu-se para esta decisão. Nem sei de quem foi essa decisão, mas foi muito bem feita. Esse período que começa em meados da década de 1960 e vai até o período em que eu saí, na década de 1990, conheço bem. O refino foi o motor da Petrobras, foi o que deu toda rentabilidade, o que permitiu que a Petrobras crescesse e que financiasse a pesquisa. Fala-se muito que se achou [petróleo], que se tem tecnologia, mas se esquece disso. De onde vem a grana? Porque foram muito poços secos. Botou-se milhões de dólares em muita área que não deu nada, até se encontrar. Foi uma aposta muito bem feita. Qual é a prova disso? A maior prova material disso é um terminal chamado São Sebastião. Na década de 1960 foi inaugurado um super terminal de petróleo, para receber navios grandes. O que significava isso? Que não se achava petróleo no Brasil. Algum planejador, que aprovou esse projeto, certamente, pensou: "Nós vamos ser importadores durante muito tempo. Vamos comprar muito petróleo e temos que criar condições". O Terminal São Sebastião, ainda hoje é um dos maiores do mundo, ele recebe navios de até 300 mil toneladas. (risos) Eu dou aula, eu falo isso: "Vocês têm idéia do que são 300 mil toneladas? Não? O tamanho desse navio, se ele fosse colocado em pé, ele é da altura do Pão de Açúcar". Nem pensar em entrar na Baía de Guanabara. Não tem condição, não tem calado para isso. Em São Sebastião, ele entra. Na América do Sul deve ter uns três, ou quatro terminais assim.
EXPORTAÇÃO DE PETRÓLEO
Todo mundo tem a sua estratégica: vamos ser importadores de petróleo, na época em que está sobrando petróleo, na época em que é barato. A indústria [do petróleo] tem 150 anos. Esse apogeu da exploração é de agora. O refino sempre foi considerado por Rockfeller o negócio número um do petróleo. Isso também me atraiu. Pensei: "Estou indo para uma área que vai crescer". Lógico, tinha que crescer A companhia tem o Brasil como mercado. O Brasil estava se industrializando, eu acompanhava politicamente. O Brasil estava crescendo, [tinha] fábrica de carro. A Petrobras construía e inaugurava uma refinaria nova a cada quatro, cinco anos, um período assim. Eu disse: "E o comércio? Alguém vai ter que [cuidar disso]”. Quando essas refinarias entravam, o Brasil ficava com uma capacidade excedente de produto. Lógico, porque a refinaria é um salto. Na hora em que ela é ligada, começa a produzir 200 mil barris a mais. Isso criava, inclusive, a oportunidade de exportação e foi exatamente o que aconteceu. Entramos, tomamos conta do mercado do Atlântico Sul. O Brasil era desconhecido, não sabia nem como fazer. Nos tornamos exportadores, primeiro para os Estados Unidos, que é o maior mercado do mundo, segundo para a costa ocidental da África. Cansamos de vender produtos brasileiros para a Nigéria, Costa do Marfim, África do Sul e diversos outros países. O consumo ia subindo, a refinaria entrava e ficava com aquelas sobras, até que o consumo alcançasse, aí entrava outra refinaria. O Departamento Comercial começou a crescer nesse período.
PROFISSIONAL DE COMERCIALIZAÇÃO
Mas quem é o homem do Departamento Comercial? Quem é que faz comércio? Qual é a carreira? Qual é a porta de entrada? Não tem. Onde é que foram pegar essas pessoas? Exatamente nas refinarias. Por quê? Porque quem entendia do produto era o pessoal de refinaria. Segundo me lembro, os primeiros eram quase todos engenheiros de Refino, nem havia uma carreira. O Doutor [Carlos] Sant’Anna não é engenheiro de Refino, ele é bacharel. É uma figura. É bacharel em Geografia (risos). Acho que ele foi um dos primeiros chefes, na época chamava-se Escritório de Compras de Petróleo. Depois veio o Plínio [Botelho Junqueira], que veio de Cubatão. O Armando Guedes, creio que veio da Bahia. O Renato, também engenheiro, acho que trabalhou no Rio. Depois, com o crescimento, economistas também começaram a [entrar]. Os economistas tinham uma dificuldade: a Química. Geralmente, o sujeito vai fazer Economia porque não gosta de Química. Para fazer comércio, tem que entender um pouco. O homem de comércio é um especialista em várias coisas. Tem que ter uma medida certa de conhecimento; tem que entender um pouco de economia, de transporte, de mercado, de planejamento, de especificações, tem que conhecer o seu produto, tem que conhecer as características do mercado externo e do mercado interno. Porque a gente vive nessa comparação, do valor do produto aqui com o valor do produto lá fora. Quando vale a pena exportar, quando vale a pena trazer. Tem que entender de refino. Tem que ser um especialista, um generalista. E também não pode ficar muito fundo em tudo, se não ele tem problema com o tempo. Tem que tomar as decisões com as informações que ele tem.
Foi se criando esse grupo, foi se formando essa especialidade, até que se resolveu criar uma carreira. A Petrobras fazia muito isso. Recentemente, eu acho que mudou. Existe uma base militar na implantação da Petrobras que também é uma das coisas interessantes. A Petrobras é extremamente disciplinada, porque ela começou com os militares. Os militares querem tudo em regra, tudo escrito. "Tem um cara que faz isso, que compra petróleo. Então, tem que ter uma carreira pra ele." A primeira carreira chamava-se Técnico de Importação de Suprimentos. Para você ter uma idéia do quanto o Brasil importava de petróleo. Começou a crescer, não tinha petróleo, começou-se a importar em quantidades maciças. O especialista chamava-se Técnico de Importação (risos). Nem se pensava em exportar. Depois, resolveram mudar isso. Passou a se chamar Tis, Técnico de Importação e Suprimento de Petróleo. Depois virou analista de comércio e suprimento, ACS. Hoje se chama analista de suprimento. Hoje essa carreira está bem padronizada, inclusive já teve pessoas dessa carreira, que chegaram à diretoria, que foi o Rogério Manso, que inclusive, foi meu aluno.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
No Cenpes, eu já dava aula, então, criei uma cadeira dentro do curso de formação. Como era o curso? Quando criaram-no à semelhança do curso de refino. O curso de comércio tinha uma parte básica, matemática, cálculo, e uma parte em que os especialistas eram chamados, pessoas, como eu, que estavam trabalhando, para ensinar o que estavam fazendo. Vinha o camarada de mercado interno, do mercado externo de petróleo, o outro do mercado externo de gasolina, o de transporte. Havia módulos e em um desses módulos eu criei uma cadeira chamada Comércio Internacional de Petróleo e Derivados. Escrevi uma apostila, que foi muito usada. Depois, eu fui transferido para o exterior – vou falar daqui a pouco, sobre minhas idas para o exterior. Tinha um sucessor, um ex-aluno meu virou meu assistente e virou professor nessa cadeira. Agora nós estamos lançando um livro, que é o final dessa história que começou lá na década de 1960. Está sendo impresso agora e deve sair dentro de algumas semanas: "Comércio Internacional de Petróleo e Derivados". É mais uma atividade que eu tenho, a de “escritor de petróleo”. Na seqüência, em 1972, eu saí do Cenpes e me apresentei na Sede. Cortei o cabelo, comprei um terno, me arrumei e me apresentei, no início de 1973.
Eu fiz o teste vocacional, o que era uma novidade também, fui um dos primeiros, aqui no Rio. Os estrangeiros que aplicavam; um instituto chamado Isop, Instituto de Seleção e Orientação Profissional. Lógico que deu Engenharia Química na cabeça. Isso foi antes do vestibular. Eles faziam aqueles perfis; em que você é bom, inteligência espacial, expressão, expressividade. Depois perguntaram o que eu queria ser. Eu já queria ser engenheiro químico, foi fácil, deu engenheiro químico em primeiro. Mas, no final, o entrevistador me chamou a atenção: "Tem aqui um caráter que você não vai usar na Engenharia, mas que é muito forte e foi detectado: é a sua capacidade de persuasão. Você é capaz de convencer as pessoas. Você tem esse talento. Isso se mostrou forte. Quer dizer, que você poderia ser, por exemplo, advogado ou vendedor". Disse assim mesmo. Eu falei: "Advogado?" (risos). Hoje, se eu fosse jovem, eu faria advocacia. Veja como eu tenho a capacidade de mudar e não vejo isso como conflito.
PROFISSIONAL DE COMERCIALIZAÇÃO
Qual é a qualidade básica do homem de comércio? É saber trabalhar e ter rendimento, sob pressão. Isso é básico. Pode ser o melhor que tem, falar inglês perfeito, francês, ser rápido em conta, mas se na hora da pressão ele trabalhar mal, não serve. A pressão é uma característica da área. Também não pode ser muito obsessivo, porque a área é imperfeita. As coisas dão errado. Quem se incomoda muito não pode trabalhar nisso, porque vai ficar muito chateado. Digo isso nas minhas aulas: "Disputa, pendência, é parte do trabalho". O navio atrasa, têm fatos que não estão no teu controle. Tem que aprender a trabalhar com isso, com coisas planejadas que não saem como está se pensando. Isso tem a ver com a pesquisa. O cara que escolhe a pesquisa também está pensado nisso: "Vou me empenhar num processo, vou ficar três anos pesquisando e pode dar errado. Pode dar em nada".
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu pesquisei muito xisto. Nós queríamos refinar óleo de xisto. A nossa pesquisa no Cenpes, a que eu me lembro que trabalhei mais, era para tentar repetir os processos conhecidos lá fora, com os óleos nacionais. E ninguém tinha feito. Os óleos estavam sendo descobertos naquela época. Vamos pegar o óleo da Bahia, pegar o xisto e ver o que é que acontece quando queima esse óleo, quando eu destilo esse óleo. Ele é igual ao óleo americano? Não é. Nenhum óleo é igual ao outro. O óleo é igual à gente, tem DNA. O óleo vem de material orgânico. Então, naturalmente são diferentes. Todos os óleos são diferentes um do outro, de cada poço. É uma descoberta, mas, pode dar errado. Pode ser antieconômico. Você pode investir dez anos de carreira e não achar nada. Acho que tem a ver com isso. Mas, não pensei nisso não. Isso é reflexão de depois. Pensei muito assim: "Quero ir para frente". Hoje eu digo: "Realmente fui para o fim da fila". Eu já tinha sete anos de Petrobras no Cenpes, já era chefe de setor e já estava bem com o chefe, quando resolvi sair. Quer dizer, eu teria uma carreira no Cenpes. Esse “cara” que foi comigo, que saiu do curso, se aposentou no mesmo setor. Ele chegou a chefe de setor e se aposentou no Cenpes. Ficou 25 anos, foi chefe de setor de catalisador. Ele resolveu não sair. Ele foi meu colega desde o Colégio Militar, no vestibular, fizemos Química juntos, fizemos concurso juntos, ele e eu fomos selecionados para o Cenpes. Aí você imagina, eram só duas vagas para ficar no Rio. Eu brinco sempre, digo que tenho uma sorte enorme. Em toda a minha carreira na Petrobras, eu só trabalhei no Rio ou no exterior. Nunca trabalhei para dentro do Brasil. Toda vez que eu saí do Rio, foi para o exterior e não foi lugar ruim. Foi Nova Iorque, Houston e Londres.
PRIMEIRO CHOQUE DO PETRÓLEO / 1973
Cheguei [no Departamento Comercial] em 1973. Em 1973, foi a primeira crise do petróleo. Nas minhas aulas, eu digo para os alunos: "É mais ou menos assim: comprei um bodyboard, fui para a beira do mar e veio um tsunami”. Nessa época, eu tinha saído do Brasil só uma vez, pois houve um negócio de câmbio, peguei um dinheirinho e fui pra Argentina, para Bariloche. Minha mulher estava esperando a minha segunda filha. Mas eu praticamente nunca tinha saído do Brasil. Ir a Bariloche praticamente não era sair do Brasil; tinha tanto brasileiro Era uma daquelas épocas em que era barato. Depois eu achei muito interessante quando soube que o Tom Jobim só saiu do Brasil a primeira vez com 36 anos. Eu só saí com 30. Um ano depois, eu estava no Oriente Médio, viajando feito um louco. Por quê? Em 1973, foi o seguinte: o preço quadruplicou. As pessoas não têm idéia do que é quadruplicar o preço. Imagina hoje está 70, é passar para 280 da noite para o dia. Naquela época, era 2,70 dólares e passou para 12 e qualquer coisa. Os países produtores estavam pegando o poder na mão. Durante décadas não tiveram esse poder. Resolveram fazer embargos. Faltou petróleo na Holanda, nos Estados Unidos, teve fila, racionamento. Um caos. Teve a Guerra Yom Kippur. Tudo isso foi (risos) no ano em que eu entrei no mundo do petróleo.
CHOQUE DO PETRÓLEO / IMPORTAÇÃO
A Petrobras vinha comprando petróleo da seguinte maneira: como era uma grande compradora, tinha um terminal. Não era só o de São Sebastião. Eu falei de um, mas esse é um dos terminais, a Petrobras tem outros terminais grandes. O próprio terminal do Rio era considerado grande, para navio de 100 mil toneladas, mais ou menos. Esse, São Sebastião, é um super terminal. É até hoje o maior terminal da Petrobras. A Petrobras fez outros terminais. Em suma, ela se aparelhou para comprar petróleo, porque começamos a fazer refinaria. Tinha que fazer um terminal no Paraná. Fez um terminal no Rio Grande do Sul. O que a Petrobras fazia? Ela comprava uma quantidade grande. O mercado era oferecido, ela fazia licitação internacional. Publicava nos jornais do mundo, “New York Times”, Londres: “Compra de petróleo durante dois anos.” Era um volume enorme, uma compra por dois anos de petróleo. Imagina. Era um tender, um leilão. As maiores companhias do mundo apresentavam suas ofertas; vinham ao Rio, o envelope era aberto e havia uma comissão de julgamento. Eram feitos os contratos. O mundo era organizado assim. Isso foi até 1972, foi o último ano. Eu entrei em 1973. Acabou Porque não tinha quem vendesse. Houve na verdade uma falta, o mercado ficou sem petróleo. Por exemplo, quando alguém tira um pouco de petróleo e os produtores seguram o volume, os compradores começam a procurar e aquilo tem uma tendência. A idéia era exatamente essa, era para o preço subir. Eles tomaram a decisão, mas o preço nunca mais caiu. Quer dizer, não tomaram a decisão errada, porque se o preço estivesse sobrando, ele não sustentaria e voltaria. Se alguém disser: "O gatorade agora é quatro vezes mais caro", ninguém toma gatorade. Mas, se só tiver gatorade, você tem que pagar o preço. É, mais ou menos, esse exemplo. Esta é a minha visão, a minha memória.
Eu era muito novo, apesar de ter 30 anos. Em 1973, eu tinha 31 anos. Tinha zerado a minha carreira, eu tinha saído do Cenpes. Tinha ido para uma área que eu não conhecia nada. A minha visão foi a seguinte: o país estava dominado por militares. Eu não estou fazendo nem crítica, nem elogio, mas os militares, como tudo, têm certos preconceitos. Nem todo militar é burro. Muita gente [pensa]: "O militar é burro". Não, não é. Eles são extremamente preocupados com a estratégia de segurança e com o petróleo. Desde a Segunda Guerra Mundial, o que ajudou a criação da Petrobras foi que os militares disseram: "O Petróleo é o sangue das nações". Isso até hoje, a gente sabe. Em todas as crises que o Brasil teve, nunca deixou de pagar uma fatura de petróleo. Faltava dinheiro no Banco Central e o Governo dizia: "Petróleo não pode faltar. Porque se nós perdermos o crédito, nós vamos ficar sem petróleo, pára o país e aí é o caos”. Imagine um país sem gasolina, sem diesel, o que é que vai acontecer? Todo mundo vai para a rua. Isso tudo eu estava imaginando. Eu era garoto, 30 anos, ainda meio sem entender, mas eu via os chefes, escutava umas coisas. Então, o Governo disse: "Nós precisamos resolver isso, o Governo tem que ajudar. A Petrobras não vai conseguir resolver. Isso não é um problema da Petrobras, é um problema do Brasil. Tem que botar tudo que puder, ministério, Itamaraty. O que precisa se fazer?". O mundo está passando por uma transformação. Alguns países produtores, muitos desses países, estavam em uma situação parecida com a do Brasil, tinham companhias estatais, sem quadros, sem experiência, sem conhecer o mercado e precisavam vender.
Vamos pegar um país, por exemplo, o Catar. O Catar tinha um dono, aqueles “caras”, que eram antigos reis do deserto. Uma bela época, havia as concessões. O que eles faziam? Eles chegavam para um “cara”, davam um dinheiro, ele assinava e dizia: "A companhia pode ficar 50 anos tirando o que quiser daí e me paga o royalty". Isso foi antes. Nesse período, [houve] a mudança em que eles se organizaram. Isso começou em 1960, na verdade, com os mais brilhantes, que eram os venezuelanos, que tinham estudado nos Estados Unidos. Veja só como é engraçado. Esses que tinham a cabeça mais americanizada, mas eram venezuelanos, disseram: “Estão extorquindo o petróleo, não é bem assim. Por que eu tenho que dar concessão? Eu vou criar uma estatal para começar a explorar". Mais ou menos assim: "Se eles fazem, eu vou fazer também. Eu quero aprender". A primeira estatal criada foi a da Argentina. Engraçado, não é? Em 1922, algo assim. Mas muitos países criaram, para controlar o seu comércio, porque era importante o comércio de derivado, então tinha que ter alguém que representasse o governo. Alguns países disseram: "Tira todo mundo, eu só quero estatal", a exemplo da Arábia Saudita. Ela varreu os outros, recontratou as companhias que estavam lá como companhias de serviço: "Vocês operam para mim e eu lhes pago. De cada barril que você tirar, te pago dois dólares, você tem a preferência". Logicamente, ninguém é burro de brigar com a Esso ou com a Shell, mas alguns países tomaram a seguinte decisão: "Você continua aí, mas essa concessão agora não é mais sua. É minha e você é meu contratado. Agora, você tem preferência, você tem o acesso, tem mais crédito". No final, eles continuam sendo os produtores. Há outros que não, como o caso do Catar. O óleo estava começando a aparecer, eles criaram uma companhia. Só que eles não tinham ninguém, não entendiam nada. O que eles faziam? Começaram a aparecer as traders, começaram a aparecer pessoas dizendo: "Espera aí. Eu não sou teu inimigo. Eu quero te ajudar. Me ajuda que eu comercializo". Foi onde eu entrei, foi nessa hora. A política brasileira foi a seguinte: "Nós somos estatais também e somos compradores". A gente ia para os países e dizia: "Veja, você está na situação, faz um contrato conosco, que a gente tem um futuro enorme. Nós somos um país em crescimento, estamos fabricando carros. O Brasil é assim. Venha ao Brasil ver". A gente os trazia aqui, passeava com eles, os levava em São Paulo para mostrar a fábrica de carro. Cansamos de fazer isso. Por quê? Porque um contrato direto com essas companhias significava, na verdade, um desconto.
O preço fora dos contratos era lá em cima, chamado preço Spot. Foi engraçado, o preço Spot virou sinônimo de preço alto. Não é necessariamente. O preço Spot é o mercado do dia-a-dia, em que você tem vários contratos, mas tem sempre um volume que é negociado. Esse preço representa a realidade hoje do mercado. A cada dia o preço Spot mostra o mercado. Se o mercado estava apertado, e era o que acontecia, era muito caro conseguir um contrato oficial com um produtor, ainda mais que era preço constante ainda. Era fantástico para o país.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS
Foi aí que eu comecei a viajar. Teve um ano que eu fiquei 250 dias fora. Eu acredito que eu tenha viajado mais de umas cinqüenta vezes, para países produtores. Em condições, absolutamente, hoje, românticas. (risos). Quando eu falei que tinha escrito um livro, muita gente se decepcionou, porque era sobre comércio. "Você não vai contar as histórias do Oriente Médio, da África?" Eu falei: "Não. Talvez um dia eu escreva". Não tinha a Internet, não tinha telefone internacional. Não havia comunicação. Saía da Europa para o Oriente Médio e, praticamente, não tinha mais comunicação nenhuma. A Petrobras tinha mais escritórios do que hoje, tinha em Paris, em Londres. Porque tinha que dar suporte. Não havia linhas aéreas frequentes, depend’iamos de linhas aéreas absolutamente absurdas. Passava-se em país onde havia conflito. Nós pegamos uma época em que havia terrorismo. Um sujeito pegou um foguete no aeroporto de Orly, esqueci o nome do foguete, e atirou em um avião de Israel. Do saguão. Ele subiu lá com um foguete e atirou no avião. Outro sujeito chegou ao aeroporto de Viena e metralhou 40 pessoas. Era esse o mundo quando começamos a viajar.
CHOQUE DO PETRÓLEO / IMPORTAÇÃO
Mas eu não tinha medo nenhum, gozado. A gente ia assim: "É tudo Petrobras, do Brasil”. Realmente, tínhamos um discurso terceiro mundista. Chegávamos lá e dizíamos: "Somos iguais a você. Nós somos subdesenvolvidos também". Depois virou “em desenvolvimento”, mas, nessa época, chamava-se de subdesenvolvido. "Nós somos subdesenvolvidos, queremos nos desenvolver. Vamos nos dar as mãos." E isso frutificou enormemente. O Brasil nunca passou por um problema de racionamento. Havia falta de hidrocarboneto. Compramos petróleos que a gente nem conhecia. O esforço não foi só comercial, porque a gente foi ao Egito, tinha um óleo lá, horroroso; barato “pra burro”, difícil de processar. “Compra, depois a gente briga lá com o pessoal da área industrial.” E brigou mesmo. Porque eles disseram: "Esse óleo não serve, é uma porcaria". "Se vira Refinam no Egito, como é que você não pode refinar?", "Não. Impossível refinar esse óleo". Nós tivemos que ir ao Egito, Renato e eu, que somos engenheiros de refino, fomos visitar a companhia para saber como eles refinavam, para descobrir porque que era tão barato. Realmente tinha um segredo, um macete, havia uma coisa técnica: eles faziam um sacrifício, botavam a unidade para fazer um sacrifício antes, para melhorar o óleo e não botavam na refinaria mesmo, tal como ele era. Mas tudo isso foi o trabalho que a gente fez. Eu fiquei muito empolgado nessa época: "É isso mesmo que eu queria. Descobri minha vocação". Até hoje eu sou empolgado com essa atividade. Completamente empolgado.
Houve um trabalho estratégico. Nós fazíamos um estudo anual. Antes de 1974, 1975, fazíamos uma proposta à diretoria. Tem uma coisa interessante – na Petrobras é assim até hoje –, há um limite de gastos. O chefe de setor, o chefe de divisão, cada um tem um limite. A partir daquele limite, você tem que ir para o andar de cima, até que na diretoria, você tem que ir até para a diretoria toda, dependendo do valor, se for algo grande. Uma carga de petróleo vale muito, são bilhões de dólares. Depende do preço, depende da época. Mas hoje, uma carga média de petróleo, de 140, 150 milhões de dólares, um navio cheio de petróleo, às vezes o petróleo vale mais que o próprio navio. Como é que você vai fazer uma negociação, tendo que aprovar na diretoria, fazer expediente? Não pode. Então, isso é feito antes. Faz-se um estudo que diz quanto será preciso comprar e nós fazermos essas compras ad referendum, quer dizer, referendado posteriormente para diretoria deferir; aprova-se depois. Tem-se um mandato da companhia para assinar isso. Claro que você tem que antes dizer: "É isso, a estratégia é essa". A estratégia era o que? Era a segurança. Porque era o Oriente Médio, ao mesmo tempo em que era o óleo mais conveniente, mais barato. Eu não vou gastar tempo aqui. Mas havia muita discussão disso também na imprensa: "Como o Brasil compra do Iraque, com a Venezuela aqui do lado?". A Venezuela tem óleo no Caribe, o Brasil tem refinaria em São Paulo. Então já não é ao lado. Quer dizer, se o Brasil tivesse indústria no Amapá e a Venezuela tivesse óleo no Orenoco, mas não era assim. O óleo da Venezuela não esta no lado de cá do Orenoco, é do lado de lá. Na verdade, o frete da Venezuela para o Brasil é mais caro que o frete da Arábia Saudita para o Brasil. Isso por causa do tamanho de navio também. A Venezuela não tem terminais grandes, porque é perto dos Estados Unidos, não precisa ter terminal grande. É o contrário do Brasil. Já a Arábia Saudita, como tem que exportar para o mundo inteiro, tem terminais do tamanho do São Sebastião. Então, você tem um navio barato. O frete é muito, porque é uma quantidade muito maior. Então, tem tudo isso e nós começamos a aprender. Isso foi conquistado. Antes, a gente falava para a diretoria: "Não pode deixar as majors, elas ainda são dominantes no refino e na distribuição. Nós temos que manter”. E isso foi feito. Inclusive, na Arábia Saudita, conforme aquele caso que eu contei, em que a nacionalização foi feita junto com as majors, eles continuaram predominando, o óleo era deles, na verdade. Não se tinha acesso ao óleo, direto. Levou muito tempo até que a própria Arábia Saudita começasse a vender diretamente. Não havia quadros, não havia gente como a gente. Eles também tiveram que aprender a vender. Nós tivemos que aprender a comprar, eles tiveram que aprender a vender. Aí que começou esse relacionamento. Nós tivemos muito tempo, muitos contratos, com a Chevron, com a Exxon, com a Texaco. Depois de 1973, continuamos com uma parte. Agora, logicamente, o Brasil foi aumentando a sua quantidade de refino e cada vez importava mais. Não sei bem quando foi o pico. A primeira crise foi em 1973. Acho que em 1978 e 1979 tem mais duas crises. O Brasil já importava quase um milhão de barris por dia, isso, mesmo hoje, é uma quantidade estúpida. Era, disparada, a maior despesa de orçamento do Brasil. O pessoal dizia que o Brasil tinha déficits.
IMPORTAÇÃO DE PETRÓLEO
O Brasil ficou muito dependente do petróleo do Oriente Médio. Como eu falei, se o Brasil fizesse uma escolha puramente econômica, compraria tudo do Oriente Médio, nessa época. Era mais favorável. O petróleo do Oriente Médio, além de ter o frete favorecido pela escala, tinha também o fato deles terem que alcançar a Ásia, a Europa e os Estados Unidos. O próprio preço relativo é mais baixo que de um petróleo mais próximo. Ou seja, em termos de preço, havia duas vantagens que eram imbatíveis. E com isso, foi crescendo. O Brasil só não comprava 100% por razões técnicas – o tipo de óleo – e também por razões de segurança. Nós fazíamos um cálculo dizendo: “Temos que comprar alguma coisa fora, para poder aumentar, se houver um conflito”. Porque havia sempre o perigo de ter novos conflitos, como existe até hoje. Fazia-se o estudo, calculadamente, para ter a quantidade, um balanço. Isso dependia um pouco da situação econômica do país também, pois havia uma pressão muito grande no Brasil para se gastar menos dólares. O petróleo era o item mais pesado, em termos de importação, destaque da empresa disparado. Até se dizia: "O déficit é por causa do petróleo". Não era verdade. Porque o petróleo é combustível, ele é usado para se produzir bens, para transporte. Não era uma compra de alguma coisa supérflua, que se pudesse deixar de comprar. Não pode. Outros países importavam e ganhavam dinheiro, e não tinham déficits. Os países desenvolvidos importam muito petróleo e transformam em bens, vendem e têm a margem. Com esse esforço de conter os gastos, nós tínhamos a instrução de comprar sempre o mais barato. Isso é interessante porque, havia também uma discussão, meio ideológica: "Funcionário de estatal". Tinha muito isso. Os jornais faziam ataques. Às vezes, com certa razão, às vezes não. E a Petrobras não se defendia: "Somos governo, não podemos responder". Mas internamente, pelo menos na minha equipe – novamente a minha memória – dizíamos: "Puxa, somos tão atacados. Trabalhamos aqui. Suamos tanto. A gente vai junto com outras companhias". Às vezes, o governo nos chamava para participar de comissões mistas em outros países.
IMPORTAÇÃO COM CONTRA-COMÉRCIO
O país começou a desenvolver políticas de gastar menos dólares. Como era essa política? Por exemplo, assinava-se um acordo com a Rússia, de contra-comércio. O que significava esse acordo,? O Brasil comprava algum produto russo, uma máquina, uma turbina e em vez de pagar, aquilo ia para uma conta, um crédito para a Rússia. O Brasil tinha que vender minério para Rússia, por exemplo – aquilo se chamava uma conta gráfica. Fazia-se uma conta e, no final de certo período, se acertava a diferença. Com isso, havia menos remessa de dólares, precisávamos de menos moeda forte. O petróleo tinha um peso grande. A Rússia tinha começado a exportar, mas seu petróleo ficava no Mar Negro. Era um petróleo absolutamente antieconômico. A gente foi e comprou. Ainda tinha um problema, os “caras” não gostavam de comércio com a Rússia. Os militares eram totalmente contra, não queriam deixar o navio russo entrar aqui. O navio chegou, não queriam deixar o navio descarregar. Tudo isso foi interessante.
Aliás, estive na Rússia três vezes por conta desse comércio de petróleo. E algumas vezes, nessas comissões, o pessoal da Vale do Rio Doce e de outras companhias, me disse: "Não sei porque vocês ficam aí tantas horas para brigar por dois centavos. Qual é a diferença que isso faz para vocês?". Não tem diferença nenhuma, porque a Petrobras era remunerada pelo custo. Quer dizer, ela gastava aquilo, essa conta ia para o Governo. O Governo calculava o preço do combustível para remunerá-la. Quanto mais caro eu comprasse, teoricamente, maior o lucro. O que era um absurdo.
PROFISSIONAL DE COMERCIALIZAÇÃO
Tínhamos isso: "Queremos mostrar que somos eficientes. Queremos fazer o melhor trabalho. Nós não estamos aqui para... Simplesmente por não ficar mais um dia". Às vezes, estendia a viagem, perdia o avião para ficar mais um dia: "Faz mais uma reunião para falar com fulano". Isso foi muito interessante, pois ficamos com essa coisa de mostrar para fora, de responder através do trabalho bem feito. Porque o trabalho de comércio é nitidamente de pouca publicidade. Digo isso em minhas aulas também. Ninguém sai dizendo "Fiz um grande negócio", "Passei a Shell pra trás". Ninguém faz isso, porque hoje estou em uma posição, [amanhã] estou na outra. Comércio é isso. E outra coisa: o número de companhias importantes é pequeno. Se você olhar esse mundo do petróleo, companhias grandes mesmo, com alguma expressão, tem umas 50, talvez. Todo mundo se conhece, os grupos são pequenos. Você cria uma certa sociedade de comerciantes de petróleo, de derivados, de gasolina. São focos. As pessoas mudam de posição dentro das companhias. Mas para criar uma credibilidade, o que é mais importante? Você faz muita coisa por telefone. Escreve depois. Era assim, fazia-se por telex, um telex enorme. Como é que se vai fazer? Fecha-se na confiança, acredita-se. Era uma época de crise. Teve período de crise do fornecedor dizer: "Eu sei, o governo está dando garantia, eu te mando uma carta", e ele dizia: "Tudo bem, já recebi todos os documentos que você me mandou. Agora quero fazer uma pergunta pessoal, você acha que o Brasil vai pagar ou vai me dar o calote?". Assim Eu disse: "Eu vou dar a minha opinião. Acho que vai pagar". Era minha opinião pessoal e era verdade Eu não mentiria para ele. Por quê? Você constrói o nome no comércio ao longo de anos, mas perde em um dia. Num dia você fez. Se você cair em descrédito também o mercado todo sabe. Essa é outra característica da área: credibilidade.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Vivo disso até hoje. Sou consultor por isso. Eu chego às companhias hoje, as pessoas me conhecem e eu digo: "Não dou informação, Não faço lobby, não é meu feitio”. Não quero mais fazer negócio também, a não ser que seja muito bom, (risos) mas eu tenho credibilidade. Quer dizer, o que eu disser, o que eu fizer, o que vocês me contarem aqui, vocês sabem que eu não vou... Amanhã se eu for vou trabalhar com o concorrente, ele terá absoluta confiança em meu nome. Tenho sido muito feliz na minha pós-carreira, porque eu construí isso ao longo de décadas.
CHOQUE DO PETRÓLEO
Voltando para a crise, repentinamente, houve a Revolução Iraniana e a oferta de petróleo imediatamente caiu muito. Toda vez que cai a oferta, novamente, se tem problemas para brigar pelo hidrocarboneto. Tem que sair atrás, disputar com japonês, com coreano, com italiano. Todo mundo querendo comprar. E isso também é pouco conhecido, mas o Brasil utilizava uma estratégia, chegava aos países mais adiantados. Aliás, temos uma tendência a generalizar os países produtores, olhamos o Oriente Médio, vemos o Arafat barbado, sujo, com aquele lenço. É completamente diferente. Isso foi um choque fantástico para mim. Primeiro que o palestino é uma nata, uma elite. O palestino que fica lá na frente do tanque, levando pedrada, não é o mais desenvolvido. Os mais desenvolvidos onde estão? Não vão ficar ali, na frente. Eles estão fora da Palestina. No Oriente Médio todo, as gerências médias, os relações-públicas, esse pessoal todo é palestino. E palestino, é engraçado, eles estão fazendo a mesma coisa que o judeu fez quando era perseguido. Estão uns ajudando os outros. Quando um melhora, chama o outro. Tem a companhia, a agência de viagem, você vai ver, é um sírio, não é nunca o cara do Kuwait, o cara local. O “local” que ganha dinheiro é o que “rala” mesmo. E também, eles são muito diferentes. Têm os mais cerebrais. O caso da Argélia é típico. Lá, por uma colonização diferenciada, eles têm uma ascendência intelectual. Eles emprestavam pessoas para montar as companhias nos outros países. Emprestavam técnicos para Abu Dhabi.
BRASPETRO
[Retornando à estratégia], esses países diziam: "Vocês querem realmente estabelecer uma relação com a gente? O que vocês querem?" E nos diziam: "Queremos que vocês invistam aqui. Venham furar aqui. Vocês sabem furar, têm sonda. Por que não procuram petróleo aqui?". Vários fizeram isso: "Eu te dou a garantia de óleo. Se você fizer aqui, muito melhor, você acha o óleo e tem sua própria produção". Aí veio a idéia da Braspetro, a idéia da Petrobras Internacional. Isso foi esquecido, pouco se fala hoje em Petrobras Internacional. Começou daí, da área de comércio. Isso também é um fato marcante, eu também falo isso nas minhas aulas: no primeiro contato com a Argélia, o presidente da Petrobras pegou um avião e foi lá, assinar. Era o Brigadeiro Faria Lima. Verdade Ele foi pessoalmente A diretoria da Petrobras, um dia, nos chamou e disse: "O que vocês estão falando nesse relatório que vai acontecer é o caos. Ninguém sabe disso na companhia". Eu disse: "O que vamos fazer?". Eu nunca deixei de fazer relatório. Era obrigação, mas muita gente não fazia. Viajava-se muito Eu sempre fiz, dizia qual era a minha opinião. Aí começaram a dizer: "A Petrobras está em outro mundo. Dentro do Brasil, a Petrobras ainda está vivendo no ‘petróleo a dois dólares’. Vocês têm que sair por aí". Começamos a fazer visitas nas refinarias, em outros estados, dizendo: "Gente, o mundo mudou. Aquele dreno ali está soltando vapor, não pode. Agora isso custa caro." Essa torre de isolamento de calor era no tempo em que o petróleo estava a dois dólares. Agora tem que botar um isolamento maior. É outra economia. O que você joga fora agora vale ouro. Antigamente, era lixo, por causa dessa parte do comércio.
DEPARTAMENTO COMERCIAL
A área comercial foi a primeira que chegou para o pessoal de exploração e “despejou” a coisa que eles não sabiam, ou seja, que o óleo que eles estavam achando, não ia servir para nossa refinaria. Caíram para trás. Em uma reunião, o chefe de Divisão me disse: "Você está me dizendo uma coisa que eu nunca pensei na vida. Para mim, óleo era tudo igual. Bastava achar e produzir, era barril a barril, dava o barril para eles e acabou". O exemplo foi Urucu, refiro-me a quando descobriram o óleo na Amazônia, que [dizem ser] um óleo “leve, lindo". Quimicamente, ele é lindo, mas está no lugar errado, exatamente onde o boto cor de rosa se reproduz. Não pode nem botar navio lá. Tiveram que fazer um terminal de não sei quantos quilômetros para lá, para não perturbar o viveiro do boto cor-de-rosa. A refinaria mais próxima de Manaus não era capaz de processar esse óleo, que acabou sendo processado em São Paulo. Imagina o custo Significa tirar de barcaça, do interior, para chegar a Manaus, acumular ali, em um tanque, esperar um navio e descer de navio até São Paulo, para ser refinado em Cubatão. Agora não é mais assim, pois reformaram a refinaria por causa disso. A refinaria de Manaus foi ampliada e totalmente reformada para absorver Urucu. Ao arrepio da nossa opinião, ou seja, que era melhor vender esse óleo, que é lindo e está perto dos Estados Unidos. Vende "Não. É o óleo da Amazônia..." Aí vem aquelas coisas políticas, que também existem. Não sei medir quando entra a parte política. Cobri a Venezuela durante um período e havia muita política. O Brasil tinha muito interesse na Venezuela, como tem até hoje. E o venezuelano é muito fanfarrão, [fala] muita coisa, mas na hora de fazer mesmo... (risos) Encontrávamos os venezuelanos e dizíamos: "Assinaram um memorando. Tem que aumentar o nosso comércio. Tem que comprar mais óleo". E eles diziam: "Mas eu não tenho óleo”. E nós: “Não queremos o seu o óleo”. (risos) Ou seja, eu não queria o óleo e o venezuelano não queria me vender. Mas tínhamos que comprar, por causa do comércio. Cansou se acontecer, pois os presidentes assinavam. Por isso é que eu tenho um preconceito com venezuelano. Hoje eu penso: "Devo comprar?" Já vi tanta coisa não ser cumprida. Embora, os técnicos sejam de primeira linha, o que é outra coisa engraçada. Nós os chamávamos de “sauditas da América do Sul". Tínhamos que nos esforçar, tentar diminuir um pouco o volume [comercializado]. Porque a Venezuela vendia para os Estados Unidos. Inclusive, ela fez um bonito plano, comprou refinaria, usou o máximo de seu óleo para ter o máximo de rendimento visando o mercado americano, que é o seu mercado natural. E nós tínhamos toda a ligação com o Oriente Médio. Então, para comprar da Venezuela, era um sacrifício para eles, eles perderiam dinheiro e nós também. Os dois iam perder dinheiro. Era uma questão de dividir o prejuízo. Qual é a melhor maneira de diminuir um prejuízo? Diminuir o volume. (risos) Então eles assinavam cem mil barris, nós assinávamos 20, dez mil. Dizíamos que estávamos estudando. Hoje é a mesma coisa, a Petrobras está assim. A refinaria de Recife está em processo de terraplanagem há quatro anos e a Venezuela não põe dinheiro. Assinou, beijaram-se, lá, 50% do Brasil, 50% da Venezuela. A Venezuela quer distribuir derivado e isso não interessa para a Petrobras. Ou seja, ela dará a metade da refinaria, mas não vai deixar o venezuelano [vender]. Ele pensará: "O que vou fazer com os derivados? Vou levar de volta pra os Estados Unidos? Se é assim, eu faço isso na Venezuela".
O comércio sempre esteve em paralelo, pois, como falei, o comércio não tem propaganda. Tem até gente que não sabe que existe. Aliás, tenho sido muito chamado para dar aula em cursos que não têm nada a ver com a minha área, cursos de Direito, por exemplo. Tem um curso de MBA [Master in Business Administration], pelo qual sou convidado por um “ex-Petrobras” que me conhece, que diz: "Eraldo, você precisa dar uma aula de comércio lá, porque o pessoal não tem idéia que existe”. E como isso é importante E, em nosso caso, fazendo certa justiça, creio que ainda seja pouco. Se a Petrobras se transformar, realmente, numa major, como parece que vai ser, a área que mais vai crescer será essa e não a área de Exploração e Produção. Por exemplo, se fala em planos de aumentar, fazer refinaria para vender petróleo e derivados, para isso, terá que pegar a equipe de hoje e multiplicar por cinco. Porque terá que vender. Carga é carga. Vender uma carga dá trabalho para três dias, vender dez cargas dá ainda muito mais trabalho. Ponha dez pessoas, levarão trinta dias. E não se vende carga de 40, 50 milhões de dólares como se vende biscoito. Tem que achar quem queira, achar qualidade, achar um navio. Tudo é feito com dois meses de antecedência; tem cenário de preço. Hoje o mundo é complicado
PROFISSIONAL DE COMERCIALIZAÇÃO
O contato continua essencial. Apesar de se ter tudo por meio da internet, o contato pessoal continua sendo a principal ferramenta. A área comercial [exige] pouco investimento. O seu investimento não é na própria área, ou seja, o investimento da logística é na logística, o da refinaria é no refino. A área comercial, qual é o investimento que ela tem? Gente e informação. Isso tem que ter. Ao entrar em uma companhia americana hoje, haverá um salão enorme e tem CNN [Cable News Network] até dentro do banheiro. Porque se a pessoa fica o dia inteiro olhando a tela, ao ver um movimento de preço estranho, que não é esperado, verá que alguma coisa aconteceu. Ela olha para a CNN para ver o que aconteceu. “Deram um tiro no Papa”. O preço refletirá imediatamente. Hoje o preço reage tão rápido que você tem que procurar como o fato vai refletir no preço. Essas companhias têm quadra de basquete no fundo, quando o trader está muito angustiado, ele vai lá e fica batendo bola enquanto está pensando. E dentro da sala de trading, no fundo, eu já vi, tem tudo o que você quiser, há lanchonete, inclusive. Isso é para ele não sair dali. (risos) Até soro na veia o “cara” tem, desde que não precise sair. É assim, a área comercial investe em pessoas. E para formar pessoas, leva-se tempo. Algumas companhias até já me pediram para traçar esse perfil, companhias que estão começando agora, estão descobrindo óleo aqui e estão refinando. Já tive vários clientes grandes que me perguntaram: "Qual é o tipo de pessoa? Como é que forma?". Eu lhes digo: "Para o [bom profissional], três ou quatro anos, no mínimo“
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu me esqueci de falar que viajei muito “segurando a mala do outro”. Nós tínhamos uma norma: nunca íamos sozinhos. Na área comercial, não se vai sozinho para evitar uma tentação. Qualquer coisa que seja fora do esquadro, com dois é mais difícil. Sozinho é mais difícil se defender. Por exemplo, o “cara” fala um troço que você não quer ouvir, depois você diz que ele falou, ele diz que não falou... E sempre se mandava um funcionário mais experiente e um menos, para um ir treinando o outro. Eu fui muitas vezes assim, aprendi muito com os outros nas minhas viagens de formação, nos primeiro cinco, seis anos. Eu falava inglês razoavelmente bem, foi uma das razões pela qual fui chamado: "Pega a mala e vai. Acompanha o Armando, o Sant’Anna, o Renato, o Ueki.” Faltava gente e tinha tantos países Nós pegávamos pessoas por falar inglês e por terem certo conhecimento comercial, da área de asfalto, da área de parafina. Dentro desse universo, quais eram os poucos que podiam viajar?
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS
Tem uma viagem que gosto de mencionar, para Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. É uma cidade produtora. Depois de certo tempo, o preço ficou muito volátil e os contratos tinham o preço renegociável a cada três meses. Assinava-se o contrato de um ano, mas se comprometia. Fazia-se uma hipótese: "O preço hoje vai cair ou vai subir. Acerta-se o preço de três meses; daqui a três meses nos reuniremos de novo para continuar o contato”. Quer dizer, o contato não parava. Até se embarcava o óleo enquanto se discutia. Botávamos um preço provisório, aquele negócio de boa-fé. Começava assim: "Acho que vai subir". Na verdade caía, aí o “cara” cobrava: "Lembra? Você falou [que ia subir], então, agora você me dá uma chance, me dá um preço mais alto". Esses contratos começaram a ter essa renegociação de três em três meses. Foi muito comum, aconteceu durante um longo período, uns quatro a cinco anos. Por isso eu viajei tanto, por isso me mandaram para o exterior. Para sair daqui tinha que ter a autorização do presidente da República, (risos) porque ele delegava. Tenho muitas autorizações de viagem em minha pasta. Sempre tinha que mandar currículo. A Petrobras começou a colocar gente no exterior para facilitar a movimentação. Eu ficava em Londres, cobrindo a Argélia, a Líbia e o Oriente Médio e outro ficava em Nova Iorque, cobrindo o México, eu acho. Isto ocorria para não ter que sair do Brasil, pois assim era mais fácil transladar os funcionários. Uma vez, convidamos o “cara” de Abu Dhabi para vir ao Brasil. E ele disse: "No momento eu não tenho nada, apenas alguns contratos que eu vou terminar, mas quando eu tiver, telefono ou mando um telex". A Petrobras tinha um centro de telex, acho que ainda tem até hoje. Imaginem a quantidade de telex que entrava, eram muitos. No Oriente Médio, folga-se na sexta e se trabalha no sábado e domingo, quer dizer, sábado é a segunda-feira para eles. Muita coisa acontecia, muitas respostas vinham no sábado e no domingo. Nós tínhamos um plantão para falar com os operadores. Muitas vezes, eles liam naquele "A so dê so amê", e nós: "Não estou entendendo. Soletra". Ficava o operador no telefone tentando ler em inglês, mas ele não sabia, pois não era pré-requisito, aí íamos lá olhar. Em uma dessas vezes, veio um telex enorme de Abu Dhabi: "Conforme a sua solicitação, temos aqui um contrato que expirou, trata-se de 20 mil barris por dia. Por favor, venha correndo, porque só podemos espera até o dia tal.” Deram-me de três a quatro dias e não informavam qual era o tamanho do contrato. Isto foi em um sábado, então viram quem tinha visto válido para Abu Dhabi. Eu era o único. Como não tinha internet, saíamos com um monte de papel, levávamos tudo daqui. Quanto mais no início, mais papel eu levava: cópias de contrato, cópias com opções de voos, até, porque não tinha isso de você mudar o voo. Acontecia muitas vezes, o “cara” pedia para você ficar mais uns dias, você perdia o voo e só conseguia daqui a três dias, tinha que sair por outro país. Na hora final da instrução, a Petrobras fez um telex dizendo: "Segue o nosso Antônio Eraldo Câmara Porto, full authorised, com todos os poderes dessa companhia, para assinar qualquer coisa". Eu falei com o meu chefe: "Você está achando que é o que?”. E ele: "Deve ser um contrato de um ano, vinte mil”. (risos). Lembro-me que tinha um chefe que dizia: "Podem me bater, me prender. Eu não tenho esse dinheiro mesmo". Quer dizer, eu tenho medo é de dois, três mil reais, mas essa quantidade de dinheiro aí eles não vão me tirar mesmo, nem que eu trabalhasse de graça a vida inteira. “E se eu fizer alguma besteira?”, ele disse: "Pode ir tranqüilo que a companhia vai te suportar". Realmente a gente sabia disso. Nisso, a Petrobras era fantástica, o que fosse feito, ela endossava. No último [momento], eu falei para o chefe – Plínio, um “cara” fantástico, com quem aprendi muito, um tremendo negociador, dos melhores que eu já vi – falei: “Plínio, e se forem dois anos? O que eu faço?", "Você assina, está autorizado”. Quando cheguei lá, o contrato era de três anos, ou seja, o triplo do que eles tinham imaginado e era muito mais barato. Era uma vantagem enorme para o Brasil e eu estava sozinho. Tentei de tudo para falar com o Brasil. Chamei o funcionário do hotel e perguntei: "Que horas o telex fica vazio?". A maneira de me comunicar era chamando o teletipista da Petrobras e dizendo: "Sou o Eraldo, estou em Abu Dhabi. Preciso falar com alguém. Liga para casa do Fulano". Mas não consegui nada. Fiquei à noite sem dormir. O “cara” marcou a reunião no dia seguinte, levei a minuta para o hotel, dei uma lida, não tinha mesmo nada para fazer, imagine. Pensei: "Podem me bater, me torturar (risos). Eu vou assinar". Assinei. Foi uma das poucas vezes em que fui sozinho, isso porque só eu tinha visto. Tem outras histórias assim. Essa é a que eu considero a mais importante.
PROFISSIONAL DE COMERCIALIZAÇÃO
A partir dessas coisas que começou a vir a carreira, ou seja, os técnicos realmente já treinados para isso. Abriu-se um concurso específico para o Comércio e o Suprimento de petróleo e derivados. Essas pessoas hoje estão aí, em muitos lugares importantes, como o representante da China, que foi o primeiro a chegar à superintendência-geral, que era a gerência-executiva, o Marcelo Castilho. Ele está na China, representando a Petrobras. O presidente da Petrobras de Londres também foi meio aluno. Vários foram meus alunos, outro exemplo é Sérgio Fázzio. Isso foi bem legal.
BRASPETRO / INTERBRAS / BR
A BR [Petrobras Distribuidora S.A.] foi criada dentro do Departamento Comercial, quando cheguei a Petrobras já havia essa idéia. De acordo com a minha memória, ocorreu o seguinte: como era a ligação política da Petrobras com o Governo? O Governo se ligava direto ao presidente. Não havia, como hoje, uma nomeação em níveis mais baixos, ou seja, o Governo não entrava na estrutura da Petrobras, só mexia na cabeça. Até se dizia que o melhor presidente era o que falava melhor com o ministro, que conseguia mais coisas. A Petrobras conseguia criar subsidiária com muita facilidade, até porque o Governo mesmo tinha interesse. Uma vez, a Petrobras, furando em Sergipe, atrás de petróleo, achou potássio. Não era o negócio da Petrobras, mas era um negócio para o Brasil, assim como é hoje. Tem na Amazônia também. Então, o Governo dizia: "Cria uma subsidiária de potássio". E criou-se a Petromisa, a Petrobras Mineração. A dificuldade do comércio levou a essa idéia de se criar afiliadas. Qual era a vantagem? A afiliada não está diretamente sob o governo. Quer dizer, ao mesmo tempo não tem o suporte, mas também não tem as obrigações. Para viajar, inclusive, era muito mais fácil. Pela Petrobras, nas viagens, às vezes, se era mal remunerado porque com esses negócios de câmbio de área era um problema sério. Em umas viagens só faltava passar miséria. Às vezes, colocávamos o nosso próprio dinheiro. As viagens eram completamente estapafúrdias. Em umas se ganhava bastante dinheiro, pois se chegava ao país e o “cara” não deixava você pagar nada, te botava numa Guest House. No Iraque, por exemplo, a companhia de petróleo tinha uma casa de hóspedes. Mas eles também ficavam te vigiando. Havia motorista, não se gastava um tostão. Era ótimo; ficava dez dias no Iraque, voltava cheio de dinheiro, porque se ganhava uma diária de 100, 150 dólares. Em dez dias, se voltava com 1500 dólares no bolso. Nos outros lugares ia-se para o Hilton. Não havia outra opção. Chegava ao Kuwait, só tinha o Hotel Hilton e o Sheraton. A diária era de 150 dólares e o hotel, 140. Nem se comia. Isso tudo levou a essa idéia da BR, mas houve uma certa resistência da Área Comercial, algumas pessoas não queriam. Queriam manter tudo lá. Foi criada a Braspetro e depois a Interbrás, que foi idéia do Carlos Sant’Anna. Era para a Interbrás comercializar e a Petrobras começar a comprar do produtor brasileiro e vender lá fora. Especialmente em países em que o Brasil tradicionalmente não vendia. Essa era a idéia básica: abrir mercado. O Sant’Anna sentiu nisso. Nós, como grandes compradores, começamos a ser importantes para esses vendedores também. Nós comprávamos do Irã, 100 mil barris por dia, do Kuwait 60 mil barris por dia, da Arábia Saudita, 100, 180. Isso começava a ter o desbalanceamento, quer dizer, nosso déficit começou [a crescer]. Aquele déficit que aparecia aqui na imprensa começou a ser dissecado. As pessoas começaram a dizer: "Mas que absurdo, não vendemos nada para a Arábia Saudita?". Mas o que a Arábia Saudita compra? Quem tem esse instrumento? A Petrobras tem. Ela está lá, tem presença. Às vezes, chegávamos aos países, antes do Itamaraty. Eu fui a alguns países onde não tinha nem embaixada, nem consulado, ainda estavam abrindo, como foi o caso do Irã e o Kuwait. Era uma alegria quando tinha Braspetro. O Brasil acabou pegando bloco na Argélia, na Líbia e no Irã. O Brasil furou no Irã, mas não achou nada. Achou no Iraque, em Majnoon, mas isso é outra história, outra entrevista. Foi um espetáculo, uma descoberta que até hoje não foi desenvolvida. Imagino que vá se desenvolver agora. A Petrobras fez um trabalho belíssimo. A Interbrás juntou produtores, criou um padrão de qualidade, dava toda a assistência e abria os mercados. O Brasil exporta muito frango para o Oriente Médio. Foi daí para avião, para carro Volkswagen e por aí vai.
Outra vantagem também foi que onde era possível, fazia-se o encontro de contas. Criou-se sistemáticas onde se tinha uma companhia estatal forte. O caso do Iraque é o mais claro, mas no Irã também foi feito assim. Esses países fizeram acordos de listas, pois sempre havia aquele problema, por que não funcionou aquele primeiro acordo que eu falei, com a Rússia? A gente assinava o acordo e quando chegava na hora, nós e a Rússia queríamos vender apenas o que não tínhamos conseguido vender. Por exemplo: eles queriam açúcar, a gente oferecia óleo de mamona, eles queriam vender turbina, a gente queria comprar petróleo. Não havia encontro, porque se queria vender o que era gravoso. O Brasil não precisava vender açúcar e café, pois já estava vendido pela Bolsa. Não se ganharia nada vendendo para a Rússia, pois se tiraria de um cliente tradicional. Não tinha sentido. Com base nessas experiências, criou-se esse [novo] tipo de comércio, feito de forma mais criativa. Por exemplo, o caso do Iraque era assim: havia listas de coisas que o Brasil queria e listas do que o Iraque queria. Havia lista A, B e C. Listas preferenciais, em que só se fornecia se tivesse e listas obrigatórias, como era o caso do petróleo e do aço. Havia um certo interesse em aumentar a produção, para vender. Isso criou realmente um fluxo. No caso do Iraque, especificamente, a credibilidade era tão grande, que era feito assim, por exemplo: exportava-se carro para o Iraque, mandava-se dez mil carros. A Volkswagen chegava e dizia: “São 100 milhões de dólares que eu tenho a receber. Dez milhões por mês". Acerta-se nos próximos seis meses. O importador negociava diretamente com a Volkswagen, não tinha interferência nenhuma. “Fechou? Carro está na lista. Pode? Pode”, então a Volkswagen ia à Petrobras, junto com o Banco do Brasil e dizia: "Eu tenho esse valor para receber". Nas próximas faturas de petróleo, a Petrobras tirava dez milhões e pagava a Volkswagen. Mandava-se menos dinheiro para o Iraque, pois ao invés de pagá-lo, pagava-se dez milhões à Volkswagen, via Banco do Brasil, em moeda brasileira. E pagava só o saldo e o Iraque autorizava. O importador também dizia: "A Volkswagen me vendeu, então pode tirar dez milhões". A Petrobras e a empresa de petróleo do Iraque eram os coordenadores desses pagamentos. Estava sempre se comprando petróleo, então sempre havia faturas de onde se podia abater isso. Era uma coisa fantástica, primeiro porque nós estávamos exportando produto manufaturado, o que era novidade no Brasil. Creio que nós vendemos uns 200 mil carros, o Passat Iraquiano, um Passat especial, que a Volkswagen chegou a produzir. Tinha dois pneus estepes, pois lá não havia fábrica. A ventilação era super reforçada por causa do calor, a chapa era dupla, super especial. Segundo porque nós estávamos importando matéria-prima. Quer dizer, exatamente o contrário do que é hoje, (risos) quando importamos carro e vendemos petróleo. E, terceiro, estávamos reduzindo a remessa de dólar. Pagava-se a Volkswagen no Brasil, o iraquiano recebia em dinares e o valor era descontado. Foi fantástico. Infelizmente, o Brasil perdeu com a extinção da Interbrás e também com as loucuras do Saddam Hussein. Isso levou a dependência do Iraque a ir para 40%.
Houve uma mudança de governo aqui e isso foi visto como um risco muito grande. Mas havia razões claras, econômicas e políticas. Tudo isso feito com todo o conhecimento do governo e com participação da iniciativa privada. Estive em várias missões dessas. Muitos países que tinham maior comércio, eram os países mais importantes. A Arábia Saudita tinha sempre um problema sério, pois a população é muito pequena, por mais frango que se venda, não supre a compra de petróleo, não foi um grande sucesso por isso. A capacidade deles de comprar coisas brasileiras era pequena. No caso do Irã e do Iraque foi diferente, especialmente quando começou a guerra entre eles, pois o Brasil vendeu para os dois. Aliás, o Brasil é um dos poucos países que se relacionou com os dois ao mesmo tempo. Os japoneses, por exemplo, separaram. O ministério chamou as companhias e falou: "Vocês, Iraque. Vocês, Irã". O Brasil tinha essa conquista, sobre o que eu disse, de ter um discurso de terceiro mundo: "Nós estamos no mesmo barco". E era verdade Um discurso só tem razão se for verdade, e o Brasil conseguiu manter comércio com os dois. Até se brincava muito, dizia que o Brasil vendia arma para o Iraque e vendia pano para fazer uniforme para o Irã. E os dois se encontravam no campo de batalha. Nessa época o Brasil começou a fabricar arma e vendia para o Iraque.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Meus últimos três anos de Cenpes foram no grupo de implantação. Eu namorava a área comercial e os “caras” me diziam: "Venha estamos precisando de gente aqui". Eu falei: "Mas o chefe não me libera". Falei com o diretor duas vezes. Aliás, foi ele que me liberou, o Leopoldo Miguez, que atualmente é o nome do Cenpes. Ele foi um homem idealista, um dos criadores do Cenpes. Seu nome lá não é à toa. Um belo dia, na área comercial, me disseram: "Vai ter uma vaga de chefia. Chefe de setor". Eu disse: "Qual o setor?", "Setor de orçamento" (risos). Eu estava querendo ir para “melar minha mão no óleo”, e eles queriam me botar [em uma função totalmente diferente]. Mas, se for para assumir uma chefia, é difícil o chefe recusar, porque aí você vai ganhar mais. Tinha uma gratificação e o chefe não podia me prender. Pensei: “Vou fazer isso". Foi assim que eu consegui. Cheguei lá, me apresentei. Tinha trocado o chefe (riso). Era o Plínio, o mesmo que eu falei que devo muito a ele. Ele é bem caladão, sisudo. Disse-me: "Eraldo, você quer mesmo ser chefe de Setor de Orçamento?". Eu falei: "Doutor Plínio, não quero não. Talvez não devesse, mas eu usei isso para sair do Cenpes. Já estou transferido? Não tem mais perigo de voltar? A verdade é que eu quero mexer com petróleo, quero comprar petróleo. E ele disse: "Mas não tenho nada para te oferecer.”, eu disse: "Não faz mal, me bota na área de petróleo".
As melhores decisões que eu tomei na minha vida não foram as que eu peguei, mas as que eu deixei de pegar. Essa foi uma grande decisão. Aliás, sou muito amigo do funcionário que pegou esse lugar. Ele é aposentado da BR, entrou nesse setor de orçamento e faz carreira lá, chama-se Fred, [Frederico Grinberg]. Foi uma decisão crucial na minha carreira. Era a Divisão de Planejamento. Para se ter uma idéia, ele preparava o orçamento da Petrobras para ser aprovado no Congresso. Nessa época, a Petrobras, como estatal, tinha que aprovar tudo no Congresso, inclusive a compra de petróleo. Era um inferno. Teve um período em que ele ia para Brasília e não saía de lá. Não era o que eu queria realmente. O Departamento Comercial era assim: Petróleo Bruto, e Derivados. Estes dois eram tão importantes que eram separados como uma Divisão. A Divisão do Petróleo Bruto tinha dois setores, o que cuidava dos embarques e o setor de contrato. O Plínio me colocou no setor de embarques. Foi uma comoção Primeiro porque não tinha ninguém com nível superior. O chefe tinha nível médio. Ele era brilhante Para se ter uma idéia, não se conhecia a capacidade de tancagem da Petrobras. Ou seja, não se sabia quanto se podia guardar de petróleo. Em plena crise, o mundo pegando fogo, a Petrobras não tinha idéia. Tinha tanta obra, tanto tanque novo que ninguém conseguia acompanhar. Esse foi o meu primeiro trabalho, mais ligado à logística. Tendo entrado com nível superior e já vindo com alguma experiência, imediatamente os funcionários ficaram achando que eu vinha lhes tomar o lugar, que ia ser chefe. Ficaram apavorados. E não era nada disso. Eu deixei de ganhar dinheiro para não ser chefe de setor, mas realmente aprendi muito. Voltando ao primeiro trabalho, fiz um levantamento em uma planilha de papel. Acompanhava todos os tanques, quando eram inaugurados. Criei um sistema, pois para se comprar petróleo tem que saber aonde se vai colocá-lo. A gente pagava um absurdo de navio e chegava aqui, não tinha lugar, porque ninguém controlava. Ajudei a melhorar o trabalho. Meu ex-chefe havia sido chefe da Divisão de Petróleo e tinha um cargo de assistente, porque não havia um substituto na estrutura e viajava-se muito. Como se fazia? Quem que viajava? Tinha o superintendente-geral, que era o Plínio, dois chefes de divisão e quatro chefes de setor. O assistente era interessante, porque o Renato viajava e eu ficava no lugar dele. Eu nunca fui chefe de setor, nem chefe de divisão, eu sempre respondia nas ausências. Tinha mês que eu ficava mais tempo na Divisão do que ele. Era um cargo executivo, responsável por todas as compras. Havia muita correspondência, muita troca. O grupo que viajava era exatamente esses dez que estavam aqui. Nós nos revezávamos para a Divisão não ficar descoberta. Havia esse problema. Quando dois saíam daqui, quem ficava? Tinha que ficar alguém para tomar decisões, alguém para ir à diretoria.
Fiquei muito tempo nessa área, na parte de petróleo. Depois, teve uma reestruturação. Isso foi dividido em mais duas divisões. Mais adiante isso foi dividido em área externa e área interna, mercado interno e externo, quando começou a se exportar derivados também. O mercado externo inicialmente era só petróleo e o Brasil só comprava. Tanto que eu falei que o nome da carreira era técnico de importação, depois que o Brasil começou a ter mais refinarias e a vender também. Essa mudança foi crucial, era praticamente como é hoje. Fui responsável pela área externa por duas vezes, era o segundo homem, pois havia um que comandava as duas áreas e havia um “super-xerife” de cada área. Eu fui o xerife da área externa por duas vezes. Em uma dessas vezes eu estava no exterior, o Renato, o superchefe, me chamou para ser o da área externa. Eu tive que abortar a minha estada no exterior e voltar para assumir esse cargo. Foi em 1980.
DECOM / INTERBRÁS
A Interbrás nasceu pequenininha depois virou garota, porque começou a pegar profissionais de mercado. A Interbrás tinha como fazer isso, nós não, pois não se podia entrar por contratação. Mas ela começou de repente a se meter na área que era da Petrobras. A Petrobras era muito ciosa, aí alguém traçou a seguinte regra: "Petróleo e derivados, a Interbrás não se mete. Tudo ou mais, a Interbrás se mete. Petróleo e derivados continua sendo da responsabilidade do pessoal do Decom". Uma vez, tive uma experiência no México: o funcionário da Interbrás era mais defensor do México do que da Petrobras. Isso é comum acontecer. As afiliadas, às vezes, criam uma identidade própria e começam a se revoltar contra a mãe. Uma adolescência. Às vezes, agem contra o interesse da mãe, sem entender que tem um interesse maior, quer dizer, elas estão olhando aquilo localmente: "Eu quero vender mais peixe, mais camarão para os Estados Unidos. Por que você não me compra petróleo do México?". Eu digo: "Porque é caro". Aí o funcionário começa a negociar comigo. Eu digo: "Não quero negociar contigo. Quem tem que dizer que vai comprar do México sou eu. Eu compro do México 20 mil". E ele: "Mas tem que aumentar. Ele está dizendo aqui que se aumentar ele vai dar o serviço para Odebrecht". Eu digo: "Fala com o seu chefe. Não tenho que negociar contigo". Acontecia isso. Houve o contrário também, missões altamente produtivas. O Sant’Anna teve esse trabalho na época dele, ele era o presidente das duas empresas, diretor da Petrobras e presidente da Interbrás. Ele fazia questão que as coisas funcionassem, fazia reunião aqui: "Antes de ir, vamos quebrar o pau aqui dentro. Não vamos quebrar o pau lá fora, na frente dos gringos". Porque acontecia isso: o “cara”, na ânsia de vender, prometia comprar. Quando eu chegava lá, (risos) estava vendido. Eu dizia: "Não é assim. Além do mais, se você disser que vou comprar, mesmo que eu queira, tenho que fingir que não quero. Como vou entrar em uma negociação com o “cara” sabendo que eu tenho que comprar? Outra coisa: para vender frango por um navio de petróleo, nós vamos vender frango por dez anos. Com um navio de petróleo, eu cubro tudo isso". Houve isso durante uma época, pois a compra de petróleo era tão grande, tão poderosa, que a Interbrás tinha esse papel. Só depois se definiu bem: “O Decom tem que ir junto". Essa definição foi importante, pois houve uma época que a Interbrás queria carga: "Deixa que nós vendemos, sabemos melhor, somos mais agressivos, não estamos tão amarrados quanto vocês". Houve esse tipo de clima.
ABERTURA DE MERCADO
Aposentei-me em 1996, [quando o ambiente estava sendo preparado para a abertura]. Uma das razões pela qual eu resolvi sair. Passei por um grande estresse em 1991, porque o Governo que entrou botou os dirigentes da Petrobras, inclusive, alguns colegas. Havia declaradamente o interesse em separar a Empresa. A Petrobras começou a fazer planejamento só em 1989. Antes, não havia um planejamento estratégico. Eu participei disso em 1989. Aliás, a minha aposentadoria foi interessante, trabalhei até a hora de sair. Estávamos fazendo um diagnóstico da reestruturação da área comercial. Apresentamos um seminário diagnóstico, depois desci, tomei um chope e fui para casa. Era sexta-feira. Trabalhei até o último minuto. Mas passei por este período e até hoje acho que a meta é manter a empresa integrada. A empresa deve fazer todo o seu planejamento de forma que as atividades não se separem. Havia o perigo de se separar, dizia-se, pelo menos: Petrobras do Norte, do Sul. Quando eu resolvi sair, esse Governo traçou uma meta de baixar a lotação da Petrobras em 20%. Esta é a minha opinião, não estou dizendo que seja verdade. A Petrobras recebeu uma ordem.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu estava no exterior. Eu tinha galgado uma carreira executiva e quando entrou o Governo Collor eu fui tirado, era adjunto. Fui jogado na rua da amargura, fui congelado. Dizia que o raio da morte tinha me pegado. Botaram-me em uma gaveta de gelo. Voltei a engenheiro. Como era engenheiro concursado, me deixaram lá, sem trabalho inclusive. Tive que pedir para trabalhar. Fui para o Setor de Planejamento, só pra trabalhar. Mas isso não durou muito. Quando começaram os problemas, antes mesmo do Governo Collor cair, o Motta Veiga saiu e, no rescaldo, para tentar salvar, botaram um presidente novo que tinha alguém que me conhecia. Eu que tinha sido o “segundo homem” do Departamento Comercial, estava sem nada Um belo dia, estava sentado, conversando com meus colegas. Para se ter uma idéia, meu chefe tinha 27 anos de idade, era um garoto que, inclusive, hoje é muito meu amigo. Deve muito a mim, pois imagine: eu era um guru dentro do setor. [Ainda neste dia], recebi um telefonema dizendo: "Sobe aqui no 26". Vigésimo sexto é o andar da presidência. Eu falei: "Tem certeza?". Cheguei lá e encontrei um cara que disse assim: "Te conheço do seminário do planejamento. Gostei muito das suas idéias e quero te convidar para ser chefe-adjunto do Gabinete do Presidente. Eu sou o chefe do gabinete e preciso de um adjunto, alguém que entenda da área externa. Preciso de você aqui". Saí (risos) do 19 para 26 Trabalhei dois anos na Presidência da Petrobras. Houve esse presidente, o Eduardo Teixeira, que virou ministro depois, ainda no Governo Collor e foi substituído por um cara da casa e depois por outro. Servi a quatro presidentes em dois anos. Todos eles trocaram os chefes e eu não fui trocado. Permaneci como chefe-adjunto (risos). Eu era uma espécie de secretário-geral, tomava conta do staff da presidência. Isso foi em 1992. A Área Comercial me chamou pra assumir uma chefia no departamento. Eu falei: "Não, não quero. Aqui está muito bom”. Como chefe-adjunto, eu tive uma visão da empresa que nunca tinha tido. Fiquei dois anos junto ao presidente, participava das discussão. Quando o presidente ia tomar uma decisão, ele discutia conosco antes. Aí a Área Comercial me chamou: "E para o exterior?" Eu pensei: “Para o exterior, já dá para negociar”. Fiquei três anos em Houston, de 1992 a 1995.
ABERTURA DE MERCADO
Quando voltei, havia essa instrução de reduzir o quadro. Isso foi um erro que a Petrobras está pagando até hoje. Ela tem um buraco. Outro dia, fui a uma festa de entrega de botão por tempo. Tinha 20, até de 50 anos havia um funcionário, que eu conhecia, havia também de 40. De dez não havia ninguém. Zero. Ninguém na Área Comercial. A minha esposa trabalhava na Área Comercial. Ela estava fazendo 20 anos e recebeu o botão. Fui à festa por isso. De dez não tinha ninguém Essa foi a época em que a Petrobras teve mais acidentes. Também foi a época em que a plataforma afundou. Ninguém nunca ligou uma coisa à outra. E eu dizia: "Como é que pode baixar 20% do quadro?" Quer baixar? Tudo bem, mas tem que ter uma comissão. Cada caso é um caso: "Esse funcionário está dando mais ou está custando mais? Fica. Promove. Esse aqui não está custando nada. Tira". Não se pode chegar simplesmente e dizer para cada órgão que terá que cortar 20%, pois os que estão bem vão sofrer mais e os órgãos que têm gente sobrando vão sofrer menos.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Começaram a falar em mexer na previdência e eu pensei: “Está na hora de ir embora". Começaram a oferecer dinheiro para nós sairmos (risos). Houve o PDV, Plano de Demissão Voluntária. Ofereceram-me dez, 12 salários para sair. E eu disse: “Vou embora, vou trabalhar na abertura". Outros já tinham saído e diziam: "Vem, tem trabalho aqui. Se você sair não vai parar de trabalhar não. Pode vir porque a gente já está começando aqui a discutir projeto de lei". Foi assim que eu fui. Não me arrependo. Também teve outra coisa que eu abri mão. Se eu ficasse lá, ia querer ser diretor e eu não tinha o perfil para fazer certas coisas que acho que precisa para seguir na carreira. Até certo nível, você vai sem comprometimento político, depois, não. Não estou censurando quem faz, não é o caso. Mas eu me sinto muito melhor hoje, pois acho que faço um trabalho importante. Continuo trabalhando, continuo na área. Montei uma consultoria minha. Também trabalhei quatro anos na Ipiranga.
MEMÓRIA PETROBRAS
Fiquei lisonjeado ao ser convidado. Como eu sempre digo, a Área Comercial é o patinho feio da indústria do petróleo. Quando você pergunta: "O que você vai ser quando crescer", nenhum garoto diz: "Quero ser analista de suprimentos". Não vai, é difícil até de explicar para família o que eu faço. Às vezes, perguntam: "O que a sua mulher está fazendo, ela vai pra o exterior fazer o que?". Eu respondo: "Ela vai comprar diesel", "Mas, como é isso, comprar diesel?". Fiquei contente pela área ter sido lembrada, pois tem uma importância enorme, é o gerador de recursos, por onde o dinheiro entra. No fundo, a distribuição é uma perna final da área comercial. Nem falei em distribuição, porque é mais da BR. Mas acho que vocês deviam talvez nos preparar melhor, mandar um pouco mais de informação na hora do convite. O tempo é pequeno e eu sabia onde os documentos estavam, mas podia não tê-los achado. Peguei o passaporte ontem à noite, pois mostrei a uns amigos que estavam em minha casa. Hoje de manhã, dei uma folheada e pensei: "Vou levar essas duas pastas de documentos". O Programa podia informar um pouco mais sobre qual é o foco. Mas eu agradeço. Foi uma boa experiência. Quando quiserem, se precisar mais uma vez, estou disponível, é só marcar.
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