IDENTIFICAÇÃO
Eu sou Edson Gueiros Leitão, nasci em Garanhuns em Pernambuco em 13 de outubro de 1925.
INGRESSO NA PETROBRAS
Eu vim para a Petrobras do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], eu era técnico, funcionário público. A Petrobras requisitou-me, em julho de 1955, para exercer a função de estatístico, a minha função no IBGE. Toda minha formação é voltada para Estatística.
IDENTIFICAÇÃO
Eu sou um carioca pernambucano, quando meus pais migraram para o Sul, para o Rio de Janeiro eu tinha três anos de idade, então eu sou mais carioca do que pernambucano.
INGRESSO NA PETROBRAS
Em 1954, a primeira diretoria foi nomeada e eu fui requisitado, quem me conheceu lá no IBGE foi Evaldo Garcia. Eu estava nos Estados Unidos, fazendo um curso para o IBGE, quando recebi uma carta do Evaldo dizendo: “Edson foi fundado aqui no Brasil uma empresa nova chamada Petrobras, é uma empresa que tem muito futuro e gostaria de convidar você para vir se juntar a nós quando você voltar ao Brasil.” Isso foi no ano de 1954. “Você me procura, a diretoria está interessada em pessoas com a sua experiência.” Quando cheguei dos Estados Unidos, procurei o Evaldo, ele trabalhava com o consultor econômico e me mostrou o que era a Petrobras. Como a minha formação era em Estatística, eles tinham muito interesse em que eu desenvolvesse um sistema na Petrobras para coleta de informações, consolidação e divulgação dessas informações na empresa e fora dela. Essa foi a minha primeira tarefa na Petrobras, fui requisitado ao IBGE para trabalhar na Consultoria Econômica e fiquei lá como estatístico, fazendo aqueles trabalhos pioneiros. Grande parte do nosso tempo era dedicada a responder questões levantadas pela imprensa sobre a Empresa, sua capacidade, a necessidade de o Brasil ter uma Empresa de gente que conhecesse petróleo. A dificuldade inicial da Petrobras e as acusações que faziam na imprensa eram mais voltadas para a...
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Eu sou Edson Gueiros Leitão, nasci em Garanhuns em Pernambuco em 13 de outubro de 1925.
INGRESSO NA PETROBRAS
Eu vim para a Petrobras do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], eu era técnico, funcionário público. A Petrobras requisitou-me, em julho de 1955, para exercer a função de estatístico, a minha função no IBGE. Toda minha formação é voltada para Estatística.
IDENTIFICAÇÃO
Eu sou um carioca pernambucano, quando meus pais migraram para o Sul, para o Rio de Janeiro eu tinha três anos de idade, então eu sou mais carioca do que pernambucano.
INGRESSO NA PETROBRAS
Em 1954, a primeira diretoria foi nomeada e eu fui requisitado, quem me conheceu lá no IBGE foi Evaldo Garcia. Eu estava nos Estados Unidos, fazendo um curso para o IBGE, quando recebi uma carta do Evaldo dizendo: “Edson foi fundado aqui no Brasil uma empresa nova chamada Petrobras, é uma empresa que tem muito futuro e gostaria de convidar você para vir se juntar a nós quando você voltar ao Brasil.” Isso foi no ano de 1954. “Você me procura, a diretoria está interessada em pessoas com a sua experiência.” Quando cheguei dos Estados Unidos, procurei o Evaldo, ele trabalhava com o consultor econômico e me mostrou o que era a Petrobras. Como a minha formação era em Estatística, eles tinham muito interesse em que eu desenvolvesse um sistema na Petrobras para coleta de informações, consolidação e divulgação dessas informações na empresa e fora dela. Essa foi a minha primeira tarefa na Petrobras, fui requisitado ao IBGE para trabalhar na Consultoria Econômica e fiquei lá como estatístico, fazendo aqueles trabalhos pioneiros. Grande parte do nosso tempo era dedicada a responder questões levantadas pela imprensa sobre a Empresa, sua capacidade, a necessidade de o Brasil ter uma Empresa de gente que conhecesse petróleo. A dificuldade inicial da Petrobras e as acusações que faziam na imprensa eram mais voltadas para a capacidade da Empresa de assumir a responsabilidade do monopólio estatal do que qualquer outra coisa, as questões eram sempre muito técnicas. Naquele primeiro núcleo da Consultoria Econômica recebíamos a incumbência de responder as questões levantadas pela imprensa, trabalhávamos de dez a 12 horas por dia, era impressionante, a gente chegava à Petrobras às oito horas da manhã, às oito da noite ainda estávamos trabalhando, algumas vezes íamos até a meia noite. Grande parte do esforço inicial da Consultoria Econômica era responder aos questionamentos que faziam, porque a Petrobras sempre foi muito contestada principalmente no início da sua formação. Eu participei dessa época trabalhando com intensidade imensa, além dos trabalhos técnicos que tínhamos que fazer na Consultoria Econômica, eu assessorava os economistas. Heitor Lima Rocha era consultor econômico e junto com o Evaldo Garcia Então formou esse núcleo inicial da Petrobras, o primeiro grupo entusiasta da Petrobras.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Acompanhei a campanha do “O petróleo é nosso” aqui no Brasil, quando estava nos Estados Unidos estava um pouco desligado. Fui cumprir uma bolsa de estudo que o IBGE me ofereceu para me especializar em estatística do trabalho. Fui para o Bureau of Labor Statistics que é quem divulga as estatísticas de trabalho e quem produz o índice de preço ao consumidor nos Estados Unidos. É uma entidade muito séria, quando o Bureau de Estatística divulgava, em 1954, os dados dos índices de preço ao consumidor havia uma fome e um interesse dos empresários, dos economistas e do mundo inteiro em saber como estavam evoluindo os preços nos Estados Unidos, o preço ao consumidor. O departamento estabeleceu um critério e disse que a uma determinada hora, umas três horas da tarde, eles distribuíam os releases para a imprensa, todos recebiam aquela informação do último valor do índice de preço ao consumidor, porque aquilo tinha valor também de mercado e muitas empresas negociavam usando a evolução dos índices fazendo previsões para o futuro. Esse foi o ambiente em que eu vivi lá nos Estados Unidos, achei muito interessante a forma como os americanos faziam os cálculos do índice, a minha missão lá no Bureau foi fazer meu aperfeiçoamento em Estatística, não só em estatística do trabalho, mas também tudo que os americanos centralizavam de Estatística, ou seja, o IBGE dos Estados Unidos.
BOLETIM ECONÔMINCO E ESTATÍSTICO
Logo que cheguei à Petrobras, estabeleci na Consultoria Econômica o sistema estatístico em que eu fazia uma condensação de todas as atividades da Petrobras desde geofísica, gravimetria, perfuração, produção, exploração e refinação; distribuição a Petrobras não tinha naquela época. Consegui fazer uma síntese estatística e divulgava isso. O Doutor Lima Rocha, que era um economista, a equipe de economistas e eu como estatístico, organizamos o Boletim Econômico e Estatístico. Esse boletim ganhou muita notoriedade na Petrobras porque consegui, com a minha formação de estatística, sintetizar toda a vida da Petrobras em valores numéricos. Quando terminávamos, todos queriam saber quantos metros a mais a Petrobras perfurou, quais foram as descobertas da vida nesse período? E o trabalho de refinação que estava ainda nascente na Petrobras, só existia uma refinaria de porte que era a Refinaria Presidente Bernardes e as refinarias particulares Capuava em São Paulo, Ipiranga no sul e aqui no Rio a de Manguinhos. Consolidávamos todas essas informações para a diretoria da Petrobras, como havia interesse e emoção de acompanhar a vida da empresa, aquele boletim era esperado com muita ansiedade porque as pessoas queriam saber da evolução de todos os fatos relacionados com as atividades da Petrobras. Eu me lembro que uma vez, o Marechal Ademar de Queiroz se queixou, ele disse: “Até agora eu não recebi o boletim, eu quero ver como nós estamos”. A diretoria toda se integrava no conhecimento das informações que a Consultoria Econômica mandava.
O Boletim Econômico era o mapa em expressões numéricas de tudo que a Petrobras fazia, tudo que pudesse ser medido, mensurado era transformado em números e índices, conseguia fazer uma síntese bem grande de todo o campo de trabalho da Petrobras.
ESCRITÓRIO COMERCIAL DE PETRÓLEO / ECOPE
A Consultoria Econômica era ligada diretamente à diretoria. Era da primeira linha da estrutura organizacional. Não existiam ainda departamentos, só as consultorias, os órgãos específicos, a área comercial se chamava Ecope, Escritório Comercial de Petróleo, que tinha ramificações nas refinarias: toda refinaria tinha um Ecope subordinado ao Ecope Central, que orientava sobre o faturamento das refinarias, recebia os dados de faturamento e consolidava tudo. Esse foi o primeiro núcleo comercial da Petrobras, se chamava Ecope. Ele foi criado na mesma época em que eu cheguei. Não havia exportação, a importação era o carro chefe. 70% dos produtos eram importados. Só depois que a Refinaria Presidente Bernardes começou a operar que o volume de produção nacional começou a ser expressivo.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Fui chefe do Setor de Estatística, dentro da Consultoria Econômica, de 1957 a 1964.
Havia um clima bastante contraditório aos objetivos da Petrobras, com a filosofia de uma empresa estatal monopolizadora de uma atividade econômica importante. Havia uma tensão muito grande no país e a imprensa divulgava isso, diariamente tinha alguma coisa para ser notada e esse núcleo da Consultoria Econômica respondia aos questionamentos que partiam da imprensa e estava sempre muito ligado à presidência da Petrobras, todos os presidentes se assessoravam na Consultoria Econômica porque nós conseguimos consolidar as informações de toda a empresa.
COMERCIALIZAÇÃO
A compra de petróleo foi uma coisa interessante, a Petrobras fazia concorrências, convidava as empresas a enviarem propostas de petróleo especificando qualidade de petróleo e os volumes que estavam oferecendo. Ela sempre se interessava em comprar o petróleo em longo prazo, evitando os contratos spots de mercado a curto prazo porque os preços eram muito grandes, nos contratos de médio ou longo prazo os preços eram mais estáveis. A Petrobras tinha uma consciência de que deveríamos procurar comprar da melhor forma possível, que era especificar o tipo de petróleo mais conveniente para nossas refinarias e pedir as empresas internacionais que fizessem ofertas com as indicações de preços, condições de pagamentos, toda a parte comercial de um contrato que nós faríamos a análise. A Petrobras se desenvolveu tanto nisso que foi criado um programa de computador, na época a informática ainda não estava suficientemente desenvolvida, mas o programa era complexo: mais ou menos umas 70 variáveis e centenas de parâmetros colocados numa equação gigantesca, as interações internas do programa eram de tal ordem que ele deveria dizer daquele petróleo e das condições que foram colocadas qual era o melhor em função das flexibilidades das refinarias. A flexibilidade das refinarias era colocada dentro do programa, as distâncias a ser percorridas, o petróleo que vinha do exterior e deveria desembarcar em diversos portos brasileiros, tudo isso estava colocado dentro do Programa que, de tão complexo, levava 24 horas para dar uma solução. As pessoas me perguntavam: “Como vocês já sabem o resultado?” “Não, o computador está correndo ainda”. Levava 24 horas, uma coisa que hoje em fração de minutos você tem as respostas.
Isso foi na década de 1960, a empresa ainda não estava estruturada com todas as informações para ter um programa de computador completo. Com esse programa que nós desenvolvemos, a Petrobras divulgava os preços oferecidos e o resultado da concorrência. A imprensa na Europa, a imprensa especializada, considerava o resultado das pesquisas da Petrobras como um dos indicadores de níveis de preço de mercado. Ele era tão importante e era feito com tanta seriedade que internacionalmente era considerado um elemento importante para aferir os preços de mercado. Quando a Petrobras divulgava, a imprensa queria saber e isso corria o mundo inteiro, as revistas especializadas indicavam: “A Petrobras está comprando petróleo a esse preço”. Era um dos indicadores de níveis de mercado.
PORTOS
Os maiores fornecedores eram a Esso, a Shell, não eram muitos, eram as seven sisters, as sete irmãs, que dominavam o petróleo naquela época, mas nem todas participavam, a Esso, a Shell, a British Petroleum, estavam sempre presentes nas propostas, porque eram empresas grandes e que tinham flexibilidade de navios para atender as exigências da Petrobras de portos. Naquela época, as deficiências de calado de porto estavam no programa e também os navios que existiam, os petroleiros não tinham o porte dos navios de hoje, um petroleiro de 30 mil toneladas era considerado grande, e só os maiores portos brasileiros, como Santos e Rio de Janeiro, poderiam receber esse tipo de petroleiro. Quando os petroleiros começaram a aumentar de dimensão e exigir um calado de porto maior, a Petrobras começou a construir os terminais de maior profundidade, porque trazia maior volume no mesmo navio e com isso conseguia reduzir o preço do petróleo porque comprava grandes volumes.
Logo que foram lançados os chamados super petroleiros, a Petrobras sempre era a primeira a comprar, partia para comprar os maiores, porque nós tínhamos portos para receber. O grande vigor da Petrobras foi o mercado brasileiro de produtos de petróleo, que era o décimo maior consumidor de petróleo do mundo. A posição mostra que o país é um grande consumidor, todo o consumo de petróleo era importado e todos eles passavam pelos nossos portos e, à medida que a necessidade de transporte aumentava e as facilidades de construção de navios eram oferecidas ao mercado, a Petrobras adaptava seus terminais, aumentando seus portes. A Petrobras tem até hoje, desde que ela começou a evoluir nas construções dos terminais, um dos maiores terminais de recebimento de petróleo do Hemisfério Sul. Houve essa preocupação de dotar o país de instalações de recebimento de petróleo de porte compatível com a evolução do mercado de transporte e com a capacidade dos navios super petroleiros. Isso é uma característica do mercado brasileiro.
DISTRIBUIÇÃO
O Edipe [Escritório de Distribuição de Petróleo] foi o primeiro núcleo da Petrobras voltado para distribuição, até então a Petrobras não tinha entrado nesta atividade, havia uma contestação muito grande, não queriam que a Petrobras entrasse na distribuição. Nós achávamos que uma empresa de petróleo integrado só é completa quando entra na cadeia final da distribuição, porque é ela que está de frente para o mercado onde a empresa se expõe. Faltava esse elo na Petrobras e nós lutamos muito para ter, o Edipe foi o primeiro núcleo, trabalhei lá fazendo pesquisas para que a Petrobras tivesse conhecimento do mercado de distribuição para poder entrar efetivamente.
Nós começamos usando uma prática que é comum no mercado: as grandes empresas de petróleo davam só o seu nome aos postos de serviços que era chamada “bandeira”, ofereciam por contrato de comodato os equipamentos do posto a bomba, o tanque e tudo que um posto precisava. A propriedade do posto era do pequeno empresário que resolveu investir em um posto e a participação das companhias era fornecer pra eles os seus equipamentos. Naquela época, a Petrobras foi muito procurada por proprietários de postos dizendo: “Eu estou vendendo produtos da marca tal, eu sou obrigado a vender os produtos deles não tenho muita liberdade, a Petrobras que está entrando nessa distribuição, vocês não querem trabalhar comigo”? Aí nós perguntávamos: “O que você quer? Você é o proprietário” “Eu quero que a Petrobras coloque equipamentos no meu posto, o posto é de minha propriedade, eu tenho o contrato de comodato e eu posso rescindir esse contrato a hora que eu quiser.” Alguns estavam amarrados e outros não, os que tinham liberdade de rescindir nos procuravam. Então nós examinávamos o contrato para verificar se realmente aquele posto tinha essa faculdade pra não parecer que a Petrobras estava invadindo ou tomando postos de serviços de outras empresas congêneres. Então, verificado isso, a Petrobras fazia o acordo, retirava as bombas e os equipamentos da outra empresa e colocava as suas bombas e equipamentos, a sua marca e a sua bandeira naquele posto. Ainda hoje é a mesma coisa, os postos são propriedades privadas de pequenos empresários e que têm a liberdade de escolher com quem eles querem trabalhar. Naquela época nós exploramos muito isso.
A Petrobras cresceu na distribuição partindo desse princípio que era tradicional do mercado. Resolveu ela mesma construir seus postos de serviço pra ter um posto de melhor qualidade, porque o posto é a cara da empresa. Ela está diante do mercado consumidor e precisa ter uma boa apresentação e bons serviços, então a Petrobras passou a construir os seus próprios postos de serviço bonitos, melhores aparelhados e equipados. Depois que o mercado estava mais ou menos consolidado, os pequenos empresários procuravam a Petrobras para pedir financiamento, para construir posto com a bandeira Petrobras. Financiávamos esses pequenos empresários que construíam os seus postos, com bandeira da Petrobras num contrato que tinha então uma vinculação de médio ou longo prazo pra empresa que investiu lá.
CRIAÇÃO DO DECOM
O Edipe ficava na área Comercial, era um organismo independente. O Decom ainda não existia, ainda era Ecope. Como chegou o Decom: houve uma grande discussão dentro da empresa se ela deveria, na sua organização, se estruturar em bases de departamentos especializados ou criar subsidiárias para cada um dos departamentos. Essa foi outra grande luta política, porque muitos desejavam que a Petrobras criasse subsidiárias, empresas independentes, mas vinculadas à Petrobras. Nós que estávamos naquele núcleo da Petrobras de Consultoria Econômica achamos que aquela ação de subsidiária iria fracionar o poder central que a Petrobras tinha no comando da atividade de petróleo, recebia o produto, refinava, vendia. Fracionar seria uma forma de enfraquecer a atividade da Petrobras, não convinha se dividir em subsidiárias. Depois de muitos estudos internos, o Serviço de Organização da Petrobras, o Seorg, junto com participantes das diversas atividades da Empresa, chegou à conclusão que a Empresa deveria ser departamentalizada: um departamento para cuidar somente de exploração e produção, um para cuidar de refinação, um para cuidar de distribuição e outro para cuidar da área Comercial. Foram criados quatro grandes departamentos nessa filosofia, não de subsidiárias, mas de departamentos integrados dentro da empresa sob uma única direção. Foi uma decisão sábia, porque com isso a Petrobras se fortaleceu mais internamente, esses departamentos se articulavam entre si cada um nas suas atividades. O primeiro plano básico de organização da Petrobras, feito pelo Hélio Beltrão, foi o documento básico para então a Petrobras se expandir dentro de uma concepção filosófica mais ou menos copiada das grandes empresas americanas. Com isso, a Petrobras ficou protegida, porque ela era uma grande empresa que tinha departamentos que se articulavam, mas mantinham a unidade.
Vendo que a atividade de distribuição estava dando certo, estava crescendo, então foi criada no Decom a superintendência de distribuição, a Sudist. A origem da Petrobras distribuidora está na Sudist, o Flávio Chaves foi o primeiro engenheiro a ser superintendente da Sudist.
O Decom tinha os seus braços regionais nas refinarias vindo do antigo Ecop, mas que manteve a estrutura. Cada refinaria tinha uma seção, uma divisão de faturamento que se articulava com o Decom. Essa é uma característica da Petrobras, os organismos diversos da sua estrutura têm uma direção técnica e uma direção administrativa. Administrativamente todos eram subordinados à Petrobras, tinha um diretor pra cada um deles, mas tecnicamente eles eram subordinados na área Comercial ao Decom, na área de Refino ao órgão Depin. Havia uma subordinação administrativa local, mas uma subordinação técnica ao Decom na área Comercial e ao Depin na área Industrial, ao Dexplor na área de Exploração; as subordinações são mistas, a administrativa é a funcional, é principal e a técnica que responde tecnicamente por cada setor de atividade.
ESCRITÓRIOS NO EXTERIOR
A Petrobras criou no exterior uma assistência de comercialização. Naquela época eram duas: o Eceu [Escritório de comercialização para a Europa] em Paris, em Londres era o Eslon e nos Estados Unidos em Nova York. Esses escritórios exteriores da Petrobras todos até antes da formação do Decom, eram voltados para a compra de equipamentos, porque a Petrobras sempre foi a grande compradora de equipamentos pra montar suas refinarias, seus terminais e grande parte dos equipamentos eram importados. Esses escritórios no exterior eram muito sólidos e muito fortes porque a Petrobras distribuía as compras de equipamentos por eles.
O de Nova York é o mais antigo, ele veio do Conselho Nacional do Petróleo. O de Londres foi criado em seguida e o de Paris foi o último a ser criado. Eles estavam muito voltados para a compra de equipamentos, mas a Petrobras já tinha uma estrutura no exterior com presença. Quando o diretor Ueki veio para a Petrobras, ele trouxe uma visão comercial que nós não tínhamos, estávamos muito voltados para as nossas atividades internas, para satisfazer o abastecimento de petróleo pro país, a distribuição entre as refinarias e as bases de provimento, a refinaria supria uma base de provimento que supria os terminais. A Petrobras estava muito fechada nesse seu núcleo interno e muito técnico.
VIAGEM AO ORIENTE MÉDIO
O diretor [Shigeaki] Ueki abriu os horizontes comerciais da Petrobras, com a visão de empresa privada que trouxe de São Paulo, viu que faltava uma dimensão comercial mais moderna, mais atualizada. Então ele organizou uma viagem ao Oriente Médio pra conhecer os fornecedores da Petrobras passando pelos escritórios da Europa, foi a primeira viagem dele e ele me convidou para acompanhá-lo. Acompanhei essa primeira fase de expansão da atividade comercial da Petrobras, nós tivemos uma viagem interessantíssima, ele como homem vindo da empresa privada disse: “Edson, nós vamos fazer essa viagem, eu quero conhecer esses países produtores de petróleo, conhecer os nossos escritórios ali mais pra Europa”. Ele deixou os Estados Unidos para depois, “pra formar uma concepção, porque eu estou achando que a Petrobras está muito voltada pra parte técnica, mas não tem ninguém com visão comercial pra aproveitar a própria infra-estrutura que a empresa já tem no exterior pra ali expandir-se.” Então eu fiz essa viagem com ele, fomos a Beirute era mais um ponto de transporte, porque o Líbano não era um produtor de petróleo, mas é um grande centro de comunicações e os aviões todos que iam para o Oriente Médio tocavam em Beirute, a porta de entrada pro Oriente. De Beirute nós fomos a Bagdá, fomos a Teerã e de lá ao Kuwait. Eram os principais atuantes, fomos até a Arábia Saudita, foi uma viagem em nível de Petrobras estranha, ninguém conhecia essa possibilidade da Petrobras sair percorrendo os países produtores de petróleo. E ele com essa visão comercial falou: “Se nós formos depender de comprar passagem de avião, ver as escalas dos aviões, nós vamos levar um tempo muito grande nessa viagem, então eu sugiro e a diretoria autorizou contratar um aviãozinho, um jato de seis lugares e nos vamos nesse jato fazer o nosso percurso. Então em pouco tempo possivelmente não será muito mais caro do que as passagens parceladas”, éramos nós dois essa primeira viagem pelo mundo do Oriente Médio. Nessa viagem conversamos muito e ele foi dizendo: “Estou vendo que está precisando de uma área comercial centralizada na Petrobras” e conheceu bem o mercado do Oriente Médio, visitando e falando com os presidentes das grandes empresas.
Primeiro a gente fazia uma comunicação, mandávamos um telex para o presidente da empresa com a informação: “o diretor da Petrobras, Shigeaki Ueki, está fazendo uma viagem, gostaríamos de ser recebidos por vossa senhoria para discutirmos uma aproximação das empresas especializadas em petróleo no mercado internacional.” Essa era a tônica da conversa, em todos os países, todos os presidentes abriram as portas e nos receberam muito bem. Foi a primeira avaliação de mercado que nós tivemos e também os primeiros contatos onde começamos a notar quem eram as pessoas importantes nesses países, quem decidia. Voltávamos com uma carga de informação, não só de mercado, mas informação de pessoas, quem eram as pessoas importantes que decidiam em cada um desses países.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS
Em outra viagem éramos três: o diretor Ueki, o Carlos Sant’Anna como superintendente do Decom e eu como superintendente adjunto. Fizemos uma segunda aproximação pra ir consolidando e Beirute sempre era o local de referência, de partida das comunicações por via aérea. Quando nós chegamos a Beirute, já tarde, eram duas horas da manhã, havia uma demanda muito grande nos hotéis, chegamos ao hotel nos apresentamos e eu, que tinha um inglês mais desenvolvido do grupo, me identifiquei como tendo uma reserva, o cara e falou: “Não, não tem reserva”. Eram duas horas da manhã, o que nós vamos fazer? Ele disse: “aqui no hotel nós podemos acomodar vocês, nós temos três quartos aqui, dois são quartos de hóspede, mas tem um quarto que é menos nobre”. Era um quarto do hotel para clientes mais simples, aí eu falei pro Sant’Anna: “Já sei onde ele vai botar o nosso diretor”. Não deu outra, ele botou o diretor Ueki no quarto inferior e eu e o Sant’ Anna no quarto mais nobre. Quando nós percebemos, procuramos o diretor e falamos: “Desculpa, eles colocaram o senhor num quarto inferior, por favor, o senhor fica no meu”. E o Sant’ Anna falou: “Fica no meu”. Nós dois disputando, no quarto de quem ele ficava, e o Ueki deu uma demonstração de simplicidade extraordinária: “Não se incomodem, eu fico nesse quarto mesmo, não se preocupem eu fico aqui e me acomodo muito bem.” E ele ficou ali e com aquilo a gente começou a entender melhor e conhecer a pessoa humana, não tinha esses resquícios de vaidade por ser o diretor.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS
Numa outra ocasião, nós fizemos uma viagem pra vários países também do Oriente Médio, mas já tinha pessoal de Exploração, o Carlos Valter Marinho de Campos estava conosco. Tinha gente da área de Exploração e de Produção, tinha gente de Refinação e tinha o Decom. Fomos à Trípoli, pra visitar a empresa nacional de petróleo da Líbia, fomos recebidos pelo presidente da companhia. Éramos um grupo grande, mais ou menos sete pessoas brasileiras, o presidente recebeu a comunicação que iria receber dirigentes e técnicos da Petrobras. Quando começou a reunião, o diretor Ueki tomou a palavra, ele era o mais graduado, era o diretor da companhia, começou a falar com aquela desenvoltura e explicar o que era Petrobras e o que nós queríamos, chegou um momento que o presidente líbio não se conteve: “Um minutinho, desculpa você são de que país mesmo?” Porque quem falava era um homem de expressão japonesa e ele não estava entendendo, como que um japonês estava dirigindo a equipe. Ficou aquele constrangimento, a turma falou: “Nós somos do Brasil”. Eu pensei: “Esse presidente nem percebeu quem está recebendo aqui, ele se impressionou porque era um oriental que falava em nome dos ocidentais.” E essa foi uma coisa curiosíssima que aconteceu e que todos nós depois achamos impressionante e culpamos o presidente da empresa da Líbia de não ter tido o cuidado de verificar que ele estava recebendo era a Petrobras. Mas a Petrobras ainda não tinha o conhecimento e a fama que teve depois.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Foi feita a departamentalização que modificou a estrutura da empresa, e o Sant’Anna foi nomeado superintendente-geral e me chamou e disse: “Edson estou convidando você pra ser superintendente-geral adjunto pra trabalhar comigo.” Eu tenho um temperamento tímido, então falei: “Mas Sant’ Anna não sei se estou preparado” “ Rapaz o que é isso, nós trabalhamos juntos” “Não sei, me dá um tempo, me deixa pensar” “Não é possível, você vai pensar?” “Vou pensar, quero pensar.” Ele ficou muito tenso, ficou preocupado de eu dizer não, porque nós éramos um grupo muito unido e tínhamos conhecimento da evolução da empresa e das dificuldades de mercado. No dia seguinte, eu cheguei pra ele e disse: “Sant’ Anna eu estive pensando tá bom, eu vou aceitar, vou ver como é que a gente pode trabalhar aqui no departamento”. Era uma estrutura mais complexa e bem mais ampla.
DECOM
O Decom também estava se desenvolvendo muito as atividades. Primeiro que a grande atividade no departamento é a compra de petróleo que envolvia um volume gigantesco de dinheiro. O departamento era muito cortejado e procurado pelas empresas internacionais, porque era ele que fazia as compras de petróleo. Esta atividade era o carro chefe do Decom e as atividades comerciais decorrentes da movimentação do petróleo, de produtos era crescente.
MONOPÓLIO DE IMPORTAÇÃO
Isso foi inclusive uma ação nossa no departamento, e o Sant’ Anna foi quem liderou isso fazendo força na Petrobras, ela tinha que ter força política pra ter essa definição. E saiu por ação nossa, da Petrobras, junto ao Governo para que ele aceitasse o monopólio da importação. Outras empresas poderiam importar petróleo e criar certo desconforto aqui no Brasil, porque a Petrobras já tinha uma sistemática de compra de petróleo que levava sempre aos menores preços de mercado. Entendíamos que seria uma perturbação e poderia enfraquecer a empresa na compra do petróleo que nos levava a abaixar o preço, porque quando a gente entrava pra comprar, era uma empresa grande, séria que comprava grandes volumes e a gente apertava o mercado, sempre usávamos o poder de ser o único e grande comprador de petróleo para nos dar as condições comerciais melhores para obter preço. Então foi um passo muito importante, porque a Petrobras se consolidou e continuou fazendo compras de petróleo. As coisas continuaram fluindo normalmente porque quando entrou o decreto do monopólio da importação, a Petrobras já tinha esse monopólio, isso foi apenas para consolidar uma situação de fato. Era uma situação de fato que continuou, não houve aquilo que a gente achava que seria uma perturbação.
COMERCIALIZAÇÃO
Nesses contatos do Departamento Comercial com a empresa produtora de petróleo da Líbia, nós fizemos uma coisa notável que na época a gente não percebeu a grandeza do que estava sendo feito. O presidente Ueki me mandou junto com o Breno Cauduro, que era engenheiro no Decom da área de Refinação, para a Líbia pra fazer um contrato de compra de petróleo. A Petrobras tinha uma liberdade muito grande de ação e isso foi uma das grandes forças da Petrobras, junto com a confiança do Governo, nos dirigentes e nos técnicos, nos operadores da Petrobras. Fomos pra Líbia em 1972 – na em que os preços começaram a disparar, das grandes nacionalizações dos países árabes contra as empresas tradicionais de petróleo –, para fazer um contrato com compra de petróleo. O petróleo da Líbia sempre foi considerado no mercado como um dos petróleos de melhor qualidade do mundo por ser um petróleo leve, de baixo teor de enxofre. A Líbia tem produção abundante e terminais que permitem carregamentos de grandes volumes; isso é o que interessava pra Petrobras, então nós fomos para a Líbia. A instrução que eu recebi: procura fazer um contrato de no maior prazo possível, nenhuma empresa de petróleo estava querendo fazer contrato de longo prazo, porque o mercado estava em ebulição e ninguém sabia como iam evoluir os preços. Era muito difícil fazer um contrato de longo prazo. Mas eu fui lá com o Breno, com a missão de fazer um contrato de logo prazo e chegando à Líbia encontramos uma disposição extraordinária da empresa de petróleo, que concordou em fazer um contrato com a Petrobras de dez anos. Eu acho que na história da Petrobras, esse foi o único contrato de longo prazo e acho que na história do mercado de petróleo no mundo é raríssimo talvez seja o único contrato de compra de petróleo por dez anos. Colocamos cláusulas de proteção no caso de uma evolução muito rápida dos preços, uma clausula de correção de preço em função dos parâmetros que era um negócio meio complicado. Com isso o Governo líbio se considerou satisfeito, confortável de ter uma possibilidade de aumento no caso de uma disparada de preço e pra nós era vantajoso, porque esses aumentos de preços contratuais nunca são iguais aos aumentos do mercado de spot, estão sempre acima e os contratos estáveis davam sempre valores mais baixos. O contrato foi assinado na Líbia, uma negociação rapidíssima, o Breno como técnico de refinação deu a sua assessoria, na parte técnica, mas não precisava até muito porque o petróleo da Líbia tinha características tão notáveis de qualidade que qualquer empresa comprava aquele óleo de olhos fechados. Compramos a um preço de mercado muito bom, considerado excepcional, porque era um contrato de grandes volumes 30 mil barris por dia, isso dá mais ou menos dez milhões de barris por ano, em dez anos são cem milhões de barris.
Isso aconteceu exatamente em cima do furacão, em 1972. Esse contrato foi no final deste ano, mas o governo da Líbia queria fazer negócio com a Petrobras e nós percebemos isso, para eles também era importante porque a Petrobras já tinha nome, fama, interessava a eles um contrato com uma empresa considerada séria, que cumpria os seus contratos. A Petrobras cumpriu esse contrato até o fim, acho que o contrato terminou em 1981, eu fui verificar a última gota foi entregue e o contrato não falhou em nada. Ele teve uma particularidade interessante: esse petróleo que nós compramos havia sido nacionalizado pelo Governo da Líbia naquela onda de nacionalização pelos governos das empresas do Oriente médio. Quando nós assinamos o contrato e fizemos o primeiro carregamento para o Brasil, a British Petroleum, que era a concessionária daquele petróleo na Líbia, entrou com uma ação na justiça contra a Petrobras para embargo do carregamento e embargo de todos os carregamentos; eles alegavam que eram os proprietários daquele petróleo e que a nacionalização foi injusta. Então, a British Petroleum entrou com uma ação contra a Petrobras e aqui no Brasil eles ficaram com receio, não sei por que não fizeram uma ação internacional usando Londres como grande arbitrário das questões internacionais de petróleo; eles fizeram na justiça brasileira uma ação contra a Petrobras pedindo o embargo daquele petróleo que, diziam eles, pertencia a British Petroleum. O juiz que julgou a causa foi o Doutor Eraldo Gueiros, meu primo, uma coincidência. Quando o Eraldo viu que fui eu que assinei, ficou em dúvida: “Sou primo do representante da Petrobras, vão dizer que eu sou suspeito pra julgar a causa”. Aí depois ele pensou melhor e falou: “Quem assinou não tem nada que ver com a causa, o problema é da empresa e a ação se refere a ação de empresas”. Então, ele deu um longo parecer e deu ganho de causa ao Brasil. A Petrobras comprou o que o país legitimamente nacionalizou, então a propriedade era da Líbia que vendeu pra Petrobras, a propriedade passou pra Petrobras não havia nenhum questionamento nisso, isso foi um lance muito interessante porque foi uma compra de volume.
ESCRITÓRIOS COMERCIAIS NO EXTERIOR
Foi criada a função de assistente comercial no Eceu de Paris, ela se articulava com o Decom, era um braço do Decom ali. Posteriormente, esse mesmo princípio foi estendido a Londres e Nova York, que passaram a ter assistentes comerciais voltados exclusivamente para a área comercial de compra e venda de petróleo e derivados. Hoje, são subsidiárias, empresas independentes do país onde estão presentes, tem que se subordinar a legislação. Naquela época não havia isso, a coordenação da atividade comercial era do Decom. No escritório comercial de Paris, a minha função era fazer contatos com o mercado. Nossa primeira ação foi fazer um contrato de armazenamento de derivados de petróleo em Rotterdam, que era um porto efervescente e ainda é. Todo petróleo que vai pra Europa, grande parte que vai de lá pro norte da Europa para aquele miolo de nações com a Alemanha e subindo até Suíça. O porto de Rotterdam, serve petróleo através de um sistema de eclusas, nós aproveitamos isso, a Petrobras alugou tanques em Rotterdam para armazenar gasolina e óleo diesel que foram os primeiros produtos que o Brasil começou a exportar para a Europa através do assistente comercial com a liberdade de comercializar. A Petrobras sempre deu essa liberdade pra estimular as pessoas novas que estavam entrando numa atividade, ele tinha o backing da companhia, mas tinha liberdade e responsabilidade. A Petrobras orientava e fiscalizava muito e nesse caso lá de Rotterdam era o departamento comercial que contratava os navios e que levava pra lá, quando eu começava a trabalhar já estava o produto armazenado em Rotterdam, com um contrato que nós fizemos lá pra receber, armazenar e entregar o produto em barcaças. Eram produtos vindos do Brasil, produção da Petrobras, diesel e gasolina par ser vendido na Europa.
Era minha responsabilidade fazer esses contatos. Tinha autonomia completa, total e aqui no Decom eles acompanhavam os preços que eu vendi, se estava correspondendo ao preço de mercado, muitas vezes eu recebia “você vendeu por quanto? Por que você vendeu por esse preço”? Aí eu tinha que dar as informações “é porque o mercado de acordo com as publicações e com as informações que a gente colheu esse era o melhor preço que a gente poderia conseguir.” Havia um olho do departamento, uma espécie de fiscalização na atividade, a pessoa tinha independência, mas tinha que prestar contas do que estava fazendo, Paris prestava contas de todas suas atividades. E esse foi um dos objetivos da criação dessa comercialização a partir de Paris usando tanques contratados em Rotterdam. O objetivo da Petrobras era estar dentro do mercado, no miolo do mercado, pra saber o que o mercado pensa e como o mercado está evoluindo. Essas informações vinham para a Petrobras, atualizadíssima, porque ela estava no mercado, antes a Petrobras conhecia o mercado por publicações. Nós agora estávamos presentes no mercado e dando novas informações para as publicações “vendemos produtos por esse preço” e eles publicavam.
Quando começou essa atividade em Rotterdam, eu me lembro que era uma revista especializada a PlattsOilgram que publicava os preços dos derivados de petróleo no mundo. Essa revista no mercado de petróleo é quase que a Bíblia, as pessoas fazem contratos citando cotação do PlattsOilgram do dia tal, se é uma compra futura é a cotação que será publicada no Platts no dia tal para o produto tal, tal era respeitabilidade dessa publicação especializada na área de petróleo. Quando nós começamos a trabalhar em Rotterdam, na semana seguinte saiu uma manchete em letras bem grandes “barcaças da Petrobras sobem o Reno”, eu peguei o recorte e mandei pro diretor Ueki, ele me mandou um telegrama de cumprimentos pelo desenvolvimento da atividade que já estava conhecida no mercado internacional.
Vendíamos óleo diesel e gasolina. Eu fiz um levantamento das empresas que operavam no mercado e depois as empresas sabendo que a Petrobras estava no escritório de Paris ou se estruturando pra vender óleo diesel e gasolina do Brasil, nem precisava da gente ir ao mercado, elas vinham e se ofereciam: “eu tenho interesse em comprar por barcaças que vocês embarcam aqui.” Fizemos um cadastro das empresas operadoras de gasolina e óleo diesel que compravam em Rotterdam por barcaça que era um mercado muito restrito. A Petrobras acostumada com navios petroleiros de 100 mil toneladas, 50 mil toneladas, agora era barcaça de 1000 toneladas, 2000 toneladas, era um fracionamento, mas era isso que a Petrobras queria entrar. Fizemos um cadastro de quem eram os compradores e quando o produto chegava em Rotterdam, eu fazia o contato e depois a Petrobras mandou o Bernardo Rubinstein, que era engenheiro do Decom, para nos auxiliar, porque a atividade se desenvolveu muito. O Bernardo foi lá conhecendo bem o mercado de petróleo e nós dois trabalhamos juntos e foi um sucesso muito grande essa entrada da Petrobras ali em Rotterdam pra vender produtos produzidos aqui na Petrobras no Brasil.
Um dos clientes era a Defrol, uma associação da companhia francesa de petróleo e de uma empresa alemã, eram sócios, a companhia francesa de petróleo era uma das seven sisters, das grandes empresas de petróleo e uma empresa de petróleo local na Alemanha. As negociações eram feitas ao telefone ou por telex, fechávamos um contrato no telefone e três dias depois o produto estava embarcando. Não estava formalizado o contrato, isso é tradicional na indústria do petróleo, a confiabilidade entre os operadores, porque se um operador desse falhar nunca mais ele tem negócio na área porque todos vão dizer: “fulano não é sério, essa empresa falhou comigo.” Então o mercado está sempre atento pra saber informações entre os operadores de mercado e por isso no mercado de petróleo se desenvolveu essa confiabilidade de você fechar um contrato de grande valor que não tem nada escrito e depois se faz a formalização quando ele já está em operação. Isso facilita bastante o trabalho.
INTERNACIONALIZAÇÃO
Como foi muito bem sucedida essa aproximação da Petrobras do mercado, já estávamos sendo conhecidos e mandando todo mês carregamento, ela decidiu, e eu fui instruído pra procurar uma refinaria na Itália, famosas por fazerem refino de produtos sobre contrato de refinação. Eu fui autorizado a ir à Itália, e tinham lá três companhias que tinham refinarias grandes na Sicília, no sul da Itália, para contratar com eles uma refinaria pra Petrobras. Contratamos uma refinaria na Sicília, a Saras que era muito conhecida ali no mercado, com isso a Petrobras mudou o fluxo: o petróleo em vez de vir pro Brasil pra refinar e voltar pra Europa, o petróleo vinha do Oriente Médio direto para a Itália onde nós refinávamos sob contrato e dali da Itália o produto saía pra Rotterdam ou pra outros destinos conforme a venda que fizéssemos. Então quer dizer houve uma evolução natural. A Petrobras sempre foi muito prudente nas suas ações, primeiro vê o mercado como é, consolida, está bom, então vamos ver uma refinaria no sul da Itália que faça o refino e manda o produto lá pra Rotterdam. Isso durou bastante tempo, enquanto eu estive na Europa funcionou assim, fiquei lá durante quatro anos. Então terminado os quatro anos a Petrobras renovou o pessoal da área e eu voltei pro Brasil, mas as operações continuaram.
A tancagem de Rotterdam continuou alugada. Depois, a Petrobras entrou também no porto de Hamburgo, onde se fez a contratação de tancagem.. Era Rotterdam e Hamburgo, os dois mais importantes portos de petróleo da Europa. Aí surgiu a Braspetro. Logo depois que eu voltei para o Brasil, a atividade passou para a Braspetro, que passou então a dar continuidade ao trabalho lá.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Nos dois primeiros anos em Paris, eu fiquei como assistente comercial do Eceu. Depois a Braspetro se organizou e criou uma subsidiária lá, em que eu fui gerente-geral, pra dar continuidade ao trabalho como Braspetro; evidentemente com técnicas do Decom. A Braspetro estava se expandindo, houve uma conveniência da Petrobras e da Braspetro também de ficar com essas áreas comerciais não só do Eceu, mas de outros escritórios que já estavam tendo atividades comerciais; centralizou na Braspetro. Voltando ao Brasil em 1974, eu vim para o Decom. Em 1976, foi organizada a Interbras. Com a experiência que eu estava trazendo da Europa, passei a trabalhar na Interbras como diretor da Área de Manufaturados.
INTERBRÁS / CONTRATOS DE CONTRAPARTIDA
A Interbras foi formada com o pessoal do Decom na Área Comercial. O Carlos Sant’ Anna era o superintendente-geral e passou a ser o vice-presidente executivo da Interbras. Eu estava vindo da Europa e não tinha ainda uma função específica, estava como assistente do diretor e passei para a Interbras. Existia uma vinculação da Interbras com o Decom: o superintendente-geral do Decom passou a ser o vice-presidente executivo e eu, que era diretor-adjunto, passei a ser diretor na área de Produtos Manufaturados e Petróleo. Foi uma bolação do Carlos Sant’Anna, nos contratos de petróleo, nós passamos a exigir uma cláusula de que as companhias que forneciam petróleo à Petrobras ficariam obrigadas a comprar produtos manufaturados do Brasil em contrapartida até um certo valor. Essa obrigação de contrapartida deu também um vínculo mais forte para a Interbras, porque ela era uma empresa nova operando no mercado bastante competitivo, como trading. Nós vamos exigir que os fornecedores de petróleo do Brasil se comprometam em contrapartida a comprar produtos manufaturados do Brasil, porque era um produto mais difícil de vender.
Nós vendemos coisas incríveis, fizemos um contrato na Argélia pra vender eletrodomésticos. A Interbrás criou uma marca própria chamada Tama e com essa marca, nós entramos com os eletrodomésticos nos principais países importadores de manufaturados e eletrodomésticos como a Nigéria, a Argélia, a Arábia Saudita muito pouco. Outra atividade que se beneficiou muito foi a de calçado, nós vendemos muito calçado na Europa com base nessa cláusula de contrapartida. As empresas alocavam uma certa quantidade do petróleo dos recebimentos da Petrobras para ser dedicado à compra de produto manufaturado, as companhias internacionais ficaram muito aborrecidas com isso “o que eu tenho que ver com a Shell, com a Esso e comprar calçado do Brasil, nós não somos vendedores e nem compradores de sapato”. Nós da Interbrás também não éramos. Eu fui a Moscou pra negociar sapato por causa das contrapartidas, a Interbrás já estava consolidada, tinha contrato com os fabricantes de calçados, que disseram: “Nós estamos tentando vender calçado na União Soviética e é dificílimo, eles não acreditam no sapato brasileiro, nós precisamos de uma empresa com a força da Interbrás para vender.” Nós aceitamos o desafio, fomos lá eu com o representante de calçados – os calçadistas de Novo Hamburgo do sul do Brasil e de Franca em São Paulo – para vender sapato na União Soviética. Chegamos lá, eles já conheciam o mercado, sabiam quem eram os grandes compradores, mas não tinham força e também a capacidade do risco financeiro de vender um calçado e depois não receber o pagamento, embora a União Soviética fosse ainda um país de economia muito centralizada. A Interbras pegou os fabricantes de calçado no Brasil, levou-os até Moscou e lá nós vendemos seis milhões de dólares de calçados em três dias de negociação. Nessa época, a indústria de calçado no Brasil não estava ainda muito bem, as exportações para os Estados Unidos e para o Oriente não estavam sendo muito felizes. Esse reforço da Interbras consolidou a posição dos fabricantes de calçados no Brasil. Foi um grande esforço e ajuda que a Interbras deu.
APOSENTADORIA
Me aposentei na Petrobras, mas continuei trabalhando como assessor. Eu deixei a Petrobras e me associei a dois companheiros, eu ia continuar trabalhando na atividade de petróleo numa empresa trading, eu procurei o Presidente Ueki e disse pra ele: “Presidente, estou deixando a Petrobras e estou levando o conhecimento da empresa muito grande de mercado e de pessoas de mercado, eu quero saber se o senhor vê alguma incompatibilidade em que eu continue trabalhando na área de petróleo. O que o senhor disser eu aceito”. Ele disse: “Você é um homem livre, faça os negócios que quiser, porque aqui na Petrobras você deixou uma boa tradição, você está livre, pode negociar petróleo com quem quiser, os produtos que quiser, você não tem nenhuma amarração de Interbras, não há nada ético que o impeça de trabalhar com independência.” Então eu passei a trabalhar com independência. A firma de consultoria se chamava Lumotrading, fazíamos comércio utilizando os meus conhecimentos e principalmente os vínculos meus com a Petrobras, porque eu conhecia todo mundo, conhecia as empresas. A Lumotrading fazia vendas para a Petrobras, de produtos que eu sabia que a empresa precisava, e também para a Sonangol., a estatal de Angola.
CONSULTORIA ECONÔMICA
Quando eu comecei na Consultoria Econômica e depois no Decom com a minha formação de Estatística, fiz um trabalho de previsão de consumo do mercado brasileiro. Era importante a Petrobras conhecer o mercado e se posicionar melhor. Não foi o trabalho de uma pessoa só. O trabalho, inicialmente, na Consultoria Econômica e, depois, no Decom, foi de uma extensão tão grande que as previsões que eu fazia do mercado consumidor brasileiro para os próximos cinco anos permitiram a Petrobras estabelecer um plano de refinação, estabelecer quais eram os pontos onde deveria ter refinaria. A densidade do consumo indicador desse ponto, dessas áreas, porque o estudo incluía as regiões, os portos e destacava os produtos em cada região. Esse primeiro trabalho na Consultoria Econômica serviu de base para a Petrobras fazer uma distribuição de refinarias no Brasil, foi um trabalho de longo prazo. Era um trabalho qüinqüenal, mas todo ano a gente fazia a correção. Tive a satisfação de ver o método estatístico funcionar, nas previsões feitas com o cuidado técnico necessário e as margens de erro do consumo, de três ou quatro anos depois, eram pequenas. O mercado seguia aquela tendência, o trabalho era técnico de observação de tendências e de definições de funções em função das tendências. Era uma coisa muito bem amarrada e mais matemática do que uma simples suposição: “Ah, eu acho que o mercado vai crescer 10%”. Havia um fundamento matemático nesse trabalho que eu fiz e tive a satisfação de ver que funcionou bem. Nessa época, na Petrobras tinham outros técnicos de outros departamentos que achavam que para fazer previsão de consumo, a gente parte do consumo per capta de produto, o consumo per capta tinha umas quatro ou cinco funções, misturavam tudo e faziam uma equação e nunca deu certo, não podia dar certo, era quase por uma operação mágica. O trabalho técnico não tem emoção, é a técnica que diz se tem uma fundamentação matemática pra se fazer.
CASAMENTO
Eu casei antes de entrar pra Petrobras, em 1954, minha esposa se chama Gilda, estou casado há 54 anos. Tivemos quatro filhos e seis netos, as filhas são Ângela Cristina a mais velha, Ana Margarida, Edson e Alessandra que nasceu na Itália.
MEMÓRIA PETROBRAS
Eu gostei muito, porque Isso me obrigou a reviver um pouco a história pra escrever, consultar documentos e me fez muito bem.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS
Quando eu fiz essa primeira viagem com o diretor Ueki ao Oriente Médio, resolvi levar a minha esposa, mas eu não tinha o dinheiro, porque a Petrobras não ia custear a passagem da esposa do técnico que estava viajando. Então, eu vendi um automóvel DKV que tinha pra pagar a passagem e a estadia dela, porque era uma viagem muito bonita pro Oriente Médio, eu já conhecia, mas ela não, eu quis proporcionar. Quando nós estávamos em Teerã veio um telex da Petrobras – ela acha muito engraçado e falava: “Isso é um desaforo da Petrobras, você comprou a passagem pra mim, a Petrobras não me deu nada, está tudo custeado por mim.” No Telex, veio a instrução do que eu tinha que fazer, a relação dos países que teria que visitar: “Em Paris você fica liberado, com relação a sua esposa Gilda, fique informado que não consideraram nenhum problema”. Mas determinava que a Gilda me esperasse na Europa, capacitando-me a ficar mais tempo com o diretor Ueki, para dar todos os subsídios a ele. Quando ela viu isso, ela falou: “O quê? A Petrobras quer que eu fique na Europa?” Mandou Gilda ficar me esperando na Europa o tempo necessário, eu achei esse documento também muito interessante, porque mostra que na Petrobras a família também se envolve com as atividades.
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