.Foi um período negro, algumas vezes eu cheguei a pensar se tratar do anoitecer de meus dias mas na verdade foi apenas mais uma de minhas crises, afinal para que eu pudesse ver dois dias amanhecerem eu teria de passar por uma noite escura...mas dentro de mim quando a esperança claramente me abandonava, algo me impelia sabendo que após cada noite escura eu iria vislumbrar um amanhecer.
Aconteceu logo após a minha separação de Malu, minha ex-mulher, eu fiquei perdido sem saber para onde ir, meus pais não concordavam com a separação, eu de certa forma tinha algumas casas disponíveis para ir, mas por diversos motivos não queria fazer isso, eu já estava bem confuso, bastante carente com toda a situação emocional que vinha passando na época e pra completar tudo as coisas tomaram uma sequência muito forte e perigosa...primeiro eu acabei com meu casamento, depois eu tive atritos com meus pais e pra fechar o pacote meus problemas com Sara(ver o Link paixão) tomaram um grau neurótico e eu e ela rompemos de forma brusca e agressiva...daí por diante foi uma decadência só.
Um pouco por impulso e um pouco pela minha identificação com o centro de São Paulo eu me dirigi pra lá e fiquei o dia inteiro subindo e descendo a Av. São João, quando anoiteceu e o “minhocão” deixou de funcionar eu fiquei andando por ele, indo e voltando...e assim foram sendo meus dias e noites, eu andava por todo o centro, do Largo do Anhangabaú até a Marechal Deodoro, do largo do Paysandu até o Parque da Luz, do Largo do São Bento à Praça João Mendes...Av. São João, Riachuelo, 25 de Março, Aurora, Gusmões, Andradas, Rio Branco, Oriente, Formosa...todos os locais, todas as ruas, todos os becos, todas as “bocas” tornaram-se o meu meio, o meu ambiente...durante alguns dias, apesar de estar dormindo na rua eu ainda estava apresentável e por isso mantive contato com algumas pessoas...
Continuar leitura.Foi um período negro, algumas vezes eu cheguei a pensar se tratar do anoitecer de meus dias mas na verdade foi apenas mais uma de minhas crises, afinal para que eu pudesse ver dois dias amanhecerem eu teria de passar por uma noite escura...mas dentro de mim quando a esperança claramente me abandonava, algo me impelia sabendo que após cada noite escura eu iria vislumbrar um amanhecer.
Aconteceu logo após a minha separação de Malu, minha ex-mulher, eu fiquei perdido sem saber para onde ir, meus pais não concordavam com a separação, eu de certa forma tinha algumas casas disponíveis para ir, mas por diversos motivos não queria fazer isso, eu já estava bem confuso, bastante carente com toda a situação emocional que vinha passando na época e pra completar tudo as coisas tomaram uma sequência muito forte e perigosa...primeiro eu acabei com meu casamento, depois eu tive atritos com meus pais e pra fechar o pacote meus problemas com Sara(ver o Link paixão) tomaram um grau neurótico e eu e ela rompemos de forma brusca e agressiva...daí por diante foi uma decadência só.
Um pouco por impulso e um pouco pela minha identificação com o centro de São Paulo eu me dirigi pra lá e fiquei o dia inteiro subindo e descendo a Av. São João, quando anoiteceu e o “minhocão” deixou de funcionar eu fiquei andando por ele, indo e voltando...e assim foram sendo meus dias e noites, eu andava por todo o centro, do Largo do Anhangabaú até a Marechal Deodoro, do largo do Paysandu até o Parque da Luz, do Largo do São Bento à Praça João Mendes...Av. São João, Riachuelo, 25 de Março, Aurora, Gusmões, Andradas, Rio Branco, Oriente, Formosa...todos os locais, todas as ruas, todos os becos, todas as “bocas” tornaram-se o meu meio, o meu ambiente...durante alguns dias, apesar de estar dormindo na rua eu ainda estava apresentável e por isso mantive contato com algumas pessoas da criminalidade e da contravenção, pessoas do submundo da região que eram as que de fato mandavam no lugar e desenvolviam uma “economia informal ilegal” que movimentava milhões de dólares por ano...eu conhecia muitas prostitutas na região e por isso ficava muito tempo conversando com elas, mas como elas estavam ali “trabalhando” não podiam ficar conversando comigo, por isso eu passava a maior parte do tempo andando ou sozinho nos bancos das muitas praças, as prostitutas foram as primeiras a perceber que havia algo de errado, me viam o dia inteiro, na semana inteira e muitas vezes em alta madrugada, começaram a perguntar o que havia acontecido, pra algumas eu falei pra outras não, muitas que moravam em casas, apartamentos ou cortiços na região me chamavam pra dormir na com elas, em todas eu recusei...conheci mais algumas prostitutas nesta época e fiquei sabendo de novas histórias, era engraçado as muitas motivações que as colocava nesta vida...algumas estavam lá apenas por opção os maridos trabalhavam honestamente ou no crime e ganhavam o suficiente pra manter a casa e até sobrar dinheiro, mas elas estavam lá para poder ter um dinheiro DELAS, ganho por ELAS e que elas poderiam gastar com si mesmas ou com coisas que desejassem sem dar muitas satisfações ou ter que pedir dinheiro para alguém, outras estavam por julgarem àquela ser a “melhor” opção, pois já haviam trabalhado de outras formas, de empregadas domésticas à secretárias de grandes empresas( algumas ainda trabalhavam, havia uma que estudava no Mackenzie, trabalhava de enfermeira no Hospital das Clínicas e a partir de sexta feira estava lá na Av. São João) e viram na prostituição um serviço mais rendoso e lucrativo, algumas delas chegava a faturar o equivalente a cinco salários mínimos por semana, havia algumas onde a prostituição foi a ultima ou única (se é que se pode usar este termo) opção pois não conseguiram outra forma de ganhar a vida quer por falta de qualificação, oportunidade, vagas no mercado de trabalho ou ainda por estar em uma determinada faixa de idade, lembro-me de duas, uma que gostava muito de mim e me chamava pra almoçar com ela que o marido estava desempregado há anos e era alcoólatra e a depois de tentar trabalhar até de marreteira optou pela prostituição para sustentar seus cinco filhos e outra que o marido estava preso e que depois de alguns meses quando o fantasma do despejo bateu em sua porta por causa do aluguel atrasado ela optou pela prostituição como forma de se obter dinheiro rápido e segundo ela “fácil”, mas por incrível que pareça haviam muitas prostitutas que o eram por PREGUIÇA....mulheres que não gostavam de trabalhar, de exercer quaisquer atividades remunerada que exigisse esforço, compromisso, obrigações como levantar cedo e ficar um determinado horário presa em algum lugar, estas prostitutas faziam programas o suficiente para conseguir dinheiro pra atender suas necessidades e expectativas imediatas ou mesmo em troca de boas roupas.
Foi através das prostitutas que eu conheci uma ramificação da malandragem e da bandidagem que permeava todo o centro de São Paulo, elas tinham este tipo de pessoas entre seus clientes, amantes, namorados ou maridos...o primeiro que conheci foi um “profissional” ele tinha um agencia de carros na região da Santa Ifigênia que servia de fachada para seus negócios escusos ...ele comprava e vendia objetos roubados, diziam que tinha até uma equipe de ladrões e trombadinhas que ficavam 24 horas por dia pelo centro roubando pessoas, carros, arrombando carros pra pegar rádios e coisas do tipo, também comprava e vendia documentos roubados como identidades, CPF’s e talões de cheques, outro que conheci de uma vez só explorava o lenocínio(agenciava prostitutas), com o dinheiro deslanchava uma pequena rede de tráfico de drogas e com o dinheiro arrecadado desta atividade fazia agiotagem forte emprestando dinheiro a juros extorsivos, outro que eu achei muito interessante foi um que eu conheci através do “dono da agencia de carros”, tratava-se de um homem na faixa dos 70 anos que passava uma boa parte dos dias na Praça da Sé, ele na região vivia de vender documentos falsos, desde as mais simples carteiras de identidade até diplomas de curso superior, ele o “dono de agencia” tinham muito contato pois era ele quem conseguia documentos para “esquentar” carros roubados ou requeridos pela justiça por não terem sido pagos, fazia desde “cartas de quitação de financiamento” até os próprios documentos dos veículos, documentos de pessoas inexistentes os populares “fantasmas” para comprar carros financiados sem jamais ter de paga-los e tantos outros documentos, só que o interessante é que este homem utilizava esta atividade como um “complemento de renda” sua grande fonte era fraudar e burlar instituições como o atual INSS, bancos e similares recebendo indenizações, pensões, aposentadorias, sacando contas de FGTS ou PIS tudo se utilizando de ampla documentação falsa, “fantasmas” e similares, haviam pequenas “máfias” se assim pode-se dizer, cada uma delas cuidando de ramos específicos da criminalidade, lembro-me de que havia uma “cadeia de pessoas” que cuidava de uma rede de prostituição na região do Largo do Anhangabaú, outro grupo cuidava do tráfico de drogas um pouco mais pesadas na região da Estação da Luz, lembro-me de uma máfia forte e muito bem ramificada que eles chamavam de “Os capitalistas” que eram responsáveis por 70% dos empréstimos feitos por agiotas na região, haviam até mesmo alguns grupos excêntricos, pra se ter uma idéia havia uma “máfia” que cuidava dos “engabeladres”, pessoas que ficavam no meio da rua com um caixote sobre o outro e em um tabuleiro sobre estes caixotes eles manipulavam cartas ou xícaras com uma bolinha dentro delas fazendo apostas para que as pessoas descobrissem a carta certa ou a xícara com a bolinha dentro, na verdade estas jogadas não eram honestas haviam subterfúgios para esconder a carta escolhida ou a bolinha ficando as três xícaras vazias, existiam até “máfias” típicas dos filmes americanos, conheci um cara que fazia parte de um grupo que comandava os marreteiros na região central, eles é quem determinavam o local onde um marreteiro poderia se instalar, controlavam os preços, o abastecimento (pois eles determinavam de quem o marreteiro deveria comprar suas mercadorias), subornavam os fiscais e depois cobravam uma “taxa” de cada marreteiro, também ouvia falar de dois grupos formados por orientais (japoneses e coreanos) inimigos mortais e que cobravam um tipo de “taxa” dos muitos comerciantes da região da Liberdade, estas “taxas” eram tanto para proteger os comerciantes do “grupo rival”(muitas vezes eles mesmo cometiam crimes e davam a entender que eram os rivais ou nem se preocupavam com isso deixando clara a extorsão) como para controlar a calma do bairro e evitar a entrada de pessoas indesejáveis como marreteiros e mendigos, outra “máfia” era formada por pessoas que contrabandeavam bens como videocassetes, videogames e outros eletroeletronicos que geralmente eram vendidos na Galeria Pajé, estes grupos eram associados a outros que em pequenas fábricas clandestinas produziam vinhos “importados” portugueses, espanhóis, chilenos e argentinos, Whisky também “importado” do meio-oeste americano ou da Escócia, roupas “de grifes” caras e famosas e outras coisas, algumas destas fábricas também “fabricavam” dinheiro geralmente dólares e notas de 5, 10 e 50 reais...intimamente ligadas a estas duas “máfias” existia um grupo que eu apenas ouvi falar chamado de “doleiros” que apesar do nome trabalhavam com quaisquer tipo de moeda, do peso uruguaio ao real, do escudo português a libra esterlina, eles compravam e vendiam todo o tipo de moeda, trabalhavam mais comprando e vendendo dólares e faziam as trocas na moeda desejada, geralmente em reais, mas podiam vender dólar e serem pagos em libras ou comprar dólares e pagarem em marcos alemães, eles possuíam um forte esquema de “exportação e importação” de dinheiro onde traziam de ou mandavam pra fora grandes volumes de dólares sem perguntar ou informar a origem ,mas sempre garantindo o destino, os maiores clientes destes “doleiros” eram de uma outra “máfia” chamada de “lavanderia”, pessoas que tinham um esquema de empresas reais ou fantasmas e pessoas reais ( chamavam de “laranjas”) ou “fantasmas” que utilizavam para trocar dinheiro estrangeiro ( geralmente dólares) de origem ilícita em reais lícitos e tributáveis ou mesmo reais de origem criminosa por outros de origem legal e declaráveis no imposto de renda.
Na bandidagem eu encontrei de tudo, conheci assaltantes comuns que praticavam à mão armada e arrombadores que iam aos bairros mais nobres em busca de casas com jóias e dinheiro, conheci garotos que andavam em grupo para cercarem um pedestre, ou ataca-lo por trás com um segurando-o pelo pescoço enquanto os outros tomavam relógio e carteira, conheci até mesmo golpistas que viviam de vender cheques falsos ou aplicar o popular “conto-do-vigário” nas pessoas, mas o que eu achei mais engraçado foi perceber que um certo mito a respeito da criminalidade caiu frente aos meus olhos, a maioria dos bandidos não vinha das classes desfavorecidas, dos pobres, daqueles que vinham das favelas e cortiços da periferia, um pouco mais da metade deles eram filhos de classe média, uma “classe média baixa” mas ainda assim “média”, eram pessoas que haviam estudado no mínimo até a sexta série( muitos tinham o segundo grau completo), muitos já haviam trabalhado honestamente, muitos antes da criminalidade moravam com os pais, a maioria em casa própria, independente de casa própria ou não quase todos vinham de casas onde haviam mais de uma televisão, videocassete, máquina de levar e tantas outras coisas que os ditos “pobres, carentes, desfavorecidos” não tem acesso, contudo descobri que o que levava estas pessoas à criminalidade e à contravenção eram um ou a soma de dois fatores: O primeiro e mais comum era a PREGUIÇA pessoas que queriam muito dinheiro, mas sem muito esforço e o mais rápido possível e no crime eles conseguiam grandes volumes de dinheiro em apenas um serviço( um assalto, uma extorsão ou uma fraude)e sem muito esforço físico, eles gostavam de conseguir dinheiro em um ou dois dias para depois poder ficar uma semana ou duas sem fazer nada, até topavam ficar uma semana ou dez dias em um mesmo “serviço” desde que depois ficassem um mês ou dois sem fazer nada pra se ter uma idéia uma frase comum entre estes bandidos era “Trabalhar só depois que eu morrer e for cremado pra colocar as cinzas dentro de uma ampulheta àqueles relógios de areia”, o segundo motivo era o de querer apenas ganhar dinheiro e nunca ter que dar dinheiro, eles detestavam ter de PAGAR por algo, era comum fazerem compras com cheques roubados ou simplesmente roubarem o que queriam, para eles a função do dinheiro era facilitar as coisas, dar uma fachada de respeitabilidade junto à família e os vizinhos e poder comprar para os familiares (em especial os pais, esposa e filhos) coisas “limpas” sem o risco de serem tomadas por serem frutos de crimes ou ainda “realizar sonhos” como viagens, roupas caríssimas e hotéis de luxo, por isso este segundo fator muitas vezes era a ruína deles pois era comum ao por exemplo após um golpe bem sucedido e com muito dinheiro se hospedarem em um hotel caríssimo com a intenção inicial de pagarem todas as contas, geralmente com um nome falso optavam por dar o calote, pagar com cheques falsos ou coisa semelhante até que deixando um rastro de crimes acabam presas.
.Pra se ter uma idéia do “nível social médio” na bandidagem, na época eu conheci uma “casta” formada por pessoas com CURSO SUPERIOR a grande maioria (mais de 70%) de advogados(a maioria estelionatários ou receptadores), mas com muitos médicos ( a maioria fornecedores de drogas lícitas ou ilícitas), contabilistas e administradores (a maioria falsários e falsificadores) e muitos professores das mais diversas áreas( a maioria traficantes ou estelionatários), este grupo “seleto” estava tão envolvido com os demais quanto os analfabetos, contudo por possuírem curso superior de julgavam igualmente “superiores”, e costumavam “contratar” pessoas para fazer a parte mais suja dos serviços por eles ( os populares “laranjas”) e muitas vezes tentavam eles mesmos formas suas “redes criminosas” as chamadas “máfias”, posso citar um médico que tinha uma forte ramificação e abastecia de morfina, psicotrópicos na linha de anfetaminas, barbitúricos, estimulantes e antidepressívos alguns pequenos traficantes da região do Largo do Arouche e da Santa Cecília, chegando até parte da Rua Augusta, posso citar um administrador de empresas que fazia discos “LP” piratas e abastecia algumas lojas das galerias do centro e posso citar um advogado que cuidava de uma rede que falsificava dinheiro, documentos, cheques e com essas coisas aplicava diversos tipos de golpes para abastecer seus negócios legais, ele por exemplo fazia compras em mercados para abastecer sua mercearia em Itapeví, fazia compras de máquinas, peças e periféricos de aparelhos como computadores, videocassetes e similares para sua loja de eletro - eletrônicos em Santo André, fazia compra de carros antigos para seu desmanche em Suzano e tantos outros negócios abastecidos com compras com dinheiro falso, cheques roubados ou falsos, também fazia suas compras pessoais assim, andava com um “Gol zero quilometro” financiado com cheques roubados e a última vez que eu soube dele havia sido preso em um mercado do grupo “Pão de Açúcar” ao levar um de seus “laranjas” para fazer uma compra com um cheque falso, como o tal “laranja” já havia passado um cheque do mesmo talão naquele mesmo mercado( e ele não sabia) o cheque foi identificado e ambos detidos.
Mas tambem havia muita gente boa neste mundo, era muito comum eu ser acordado no meio da noite por um pessoal que vinha em uma perua Kombi trazer sanduíches, café, leite e chocolate quente pra todo mundo que dormia na rua, quando não eram eles era uma outra turma que com enormes caixas de isopor organizavam uma fila e serviam um tipo de sopa, algumas vezes até mesmo traziam embalagens tipo “marmitex” com refeições quentes, nos fins de semana um grupo de comerciantes da região juntavam as sobras de seus restaurantes e faziam um sopa que era dado para os moradores de rua em igrejas e até mesmo o então poderoso dono das lojas G. Aronson muitas vezes organizava grupos que distribuía comida para o pessoal, às vezes eram lanches com copos de suco, às vezes era comida mesmo, prato feito à base de arroz, feijão e bife...muitos destes “anjos noturnos” não se limitavam a dar comida, tiravam a pressão e a temperatura, medicavam, faziam ou trocavam curativos, administravam injeções, davam vitaminas e até mesmo fornecia anticoncepcionais e camisinhas para a população de rua em uma clara conduta pra evitar a gravidez( e o consequente crescimento desta população e o aparecimento de novas crianças de rua) e a proliferação de doenças venéreas.
Neste submundo que tanto tinha a ver com minha alma sombria eu fui pouco a pouco entrando em decadência, mal comia, não me barbeava, não falava com ninguém, dormia embaixo do Viaduto Costa e Silva ou nos bancos do Largo do Anhangabaú...até o dia em que a polícia me recolheu e me levou à um distrito na região(creio que tenha sido o 1º DP na Liberdade) onde fiquei vários dias, fui colocado em uma cela com presos comuns, que pensavam que eu era um “louco” e por isso não mexiam comigo, eu passava o tempo todo sentado de cabeça baixa no canto da cela, eles me forçavam a tomar banho e às vezes até a comer, até que um delegado mandou me colocar na rua sob o argumento de que “se não tinha lugar nem pra ‘bandidagem’ ainda vai colocar um maluco na cela”...eu fui para a rua apenas com uma calça jeans, uma camiseta e um par de tênis...eu consegui um cobertor velho em um tipo de albergue no Braz e daí pra frente fiquei na rua, andando enrolado em um cobertor, sujo e fedendo...cheguei a dormir algumas vezes no famoso “castelinho da Rua Appa” mas geralmente ficava na rua...foram cerca de dois meses na rua, passando fome, sem tomar banho, sem me barbear, sem pentear os cabelos, sem fazer absolutamente nada, tornei-me um verdadeiro indigente, um dos muitos que perderam pra vida...conheci muitos outros, a maioria bêbados, viciados em drogas e até portadores de doenças como a AID’S abandonados pela família, alguns diziam Ter vindo do norte-nordeste e acabaram na rua, outros diziam que antes eram pessoas de certo “status” chegando até a riqueza, mas ou foram roubados por pessoas inescrupulosas, ou foram roubados por pessoas da família(geralmente os filhos) ou simplesmente não souberam administrar e perderam tudo... dormindo nos bancos da praça da Sé havia uma mulher que jurava ser viúva de um homem que era tão rico que rivalizava com o Conde Matarazzo, mas quando seu marido faleceu por não saber administrar os negócios delegou estas responsabilidades a dois advogados que lhe tomaram tudo no decorrer dos anos...uma outra não só dizia como apresentava fotos de um tempo em que ela dançou bale em diversos locais importantes, em uma das fotos da década de 50 ficava claro que sua apresentação foi no Teatro Municipal na Praça Ramos de Azevedo, havia um homem de cerca de 50 anos mas que parecia ter 70, ele jurava que havia sido um poderoso delegado de policia na região central, mas na virada dos anos 60 para os 70 quando o aparelho de tortura do DOI-CODI começou a trabalhar ele foi contra, passou a ser perseguido dentro da própria polícia, depois foi acusado de subversão, foi expulso e antes de ser indiciado para responder ao crime optou por “desaparecer”, utilizando documentos falsos assumiu outra identidade e se escondeu em guetos, cortiços e por fim na rua, inicialmente foi dado como “morto” e depois os registros foram, alterados para seu nome constar no “Dossiê de pessoas desaparecidas” contudo ele nunca me deu seu nome real pra que eu pudesse confirmar a história, por outro lado ele tinha um amigo de bebida e infortúnio que dizia ter estado no outro lado da história, claramente perturbado ele alternava momentos de alucinação com de sobriedade onde muitas vezes era difícil identificar qual era qual, mas dizia haver estudado na USP e feito parte de um grupo chamado “Vanguarda Popular Revolucionária Palmares” possuía três ou quatro identidades diferentes, algumas com documentos falsos para legitima-las havendo sido capturado, torturado em meados dos anos 70, fugiu e desde então ficou nas ruas onde se encontrava desde sua fuga a quase vinte anos tendo sido dado como morto pelo governo da época, tanto ele quanto o suposto ex-delegado contavam histórias da época, situações de confronto, ataques terroristas, capturas e torturas com uma riqueza de detalhes que deixavam poucas duvidas de serem fatos reais, outro que me chamou muito a atenção foi um tal de Kitta, ele jurava ter sido jogador do São Paulo, ter sido trazido do Calouros do Ar do Ceará e haver assinado um contrato de profissional, mas ter sido enganado por dirigentes, até quebrar a perna e ser abandonado...tantas pessoas, tantas histórias, tantos dramas...
Um dia então simplesmente eu resolvi que era hora de voltar...foi engraçado eu acordei e senti algo semelhante à saudade, à falta de casa, por isso fui até a Praça da Sé tomei banho em uma fonte, depois a pé voltei para Osasco e fui reencontrar com meu primo Victor, pedi para ficar administrando sua oficina e ao mesmo tempo morando nela, ele concordou...fui recuperando minha auto-estíma, passei a me reencontrar com Cristina e Cecília(Ver o Link paixão) e pouco a pouco eu estava de volta.
Hoje boa parte de meu caráter foi moldado nesta época, eu já tinha uma índole meio marginal e contraventora, quase subversiva, mas ela se solidificou nesta época, passei a me sentir muito mais próximo da escória da sociedade que da sociedade em si, criei uma alma sombria que me caracteriza até hoje e minha personalidade de “advogado” e meus conhecimentos ligados a certos tipos de crime foram aprendidos nesta época.
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