Entrevistado por Stela Tredice e Carolina Ruy
São Paulo, em 22 de março de 2006
Realização Museu da Pessoa
Entrevista BIO_HV011
Transcrito por Anabela Almeida Costa e Santos
Revisado por Wini Calaça
P/2- Eu queria que o senhor começasse falando o seu nome completo, local e data de nascimento.
R/1- Meu nome completo é Fernando Alves de Almeida, eu sou do Rio de Janeiro; e de 10 do 12 de 1952.
P/2- Tá. Qual o nome dos seus pais?
R/1- Meu pai é Fernando Schneider Alves de Almeida e a minha mãe é Beatriz Porto Monteiro Alves de Almeida.
P/2- Tá. O senhor lembra dos seus avós?
R/1- Muito.
P/2- Conhece seus avós?
R/1- É. Inclusive de uma bisavó. Era uma alemã que eu mal entendia o que ela falava, né? Mas eles eram do sul. Nós já tínhamos vindo pro Rio há muito tempo. Minha avó era prática, foi quem me criou porque os meus pais se separaram muito cedo. E a minha mãe era professora primária e ela precisava sustentar a família porque o meu pai, em suma, não tinha muita presença. Então, a minha avó falava alemão, e ela, ela, na realidade, foi que me ensinou como é que segura talher, né? Toda parte, porque a minha mãe trabalhava muito. Isso por parte de mãe. O meu avô era uma figura muito interessante, ele era jornalista e foi uma das minhas referências masculinas, mas ele era um homem muito culto, mas ele tinha um problema sério. Ele, naquelas revoluções contra e a favor do Getúlio, tal, ele sempre estava do lado errado. Então, ele sempre estava preso. Eu me lembro do meu avô sempre na cadeia por motivos políticos, né? Então, era fato. Até chegou, a partir de um certo momento virou curioso, né? Mas era ele que fazia as pipas pra eu soltar pipa, então... E era um homem extremamente correto, extremamente educado. Então, pelo lado do meu pai, eu não conheci os meus avós, a minha avó se chamava Elza Schneider, ela também era de descendência alemã. E ela casou com Landulfo Alves, que foi um personagem importante na época...
Continuar leituraEntrevistado por Stela Tredice e Carolina Ruy
São Paulo, em 22 de março de 2006
Realização Museu da Pessoa
Entrevista BIO_HV011
Transcrito por Anabela Almeida Costa e Santos
Revisado por Wini Calaça
P/2- Eu queria que o senhor começasse falando o seu nome completo, local e data de nascimento.
R/1- Meu nome completo é Fernando Alves de Almeida, eu sou do Rio de Janeiro; e de 10 do 12 de 1952.
P/2- Tá. Qual o nome dos seus pais?
R/1- Meu pai é Fernando Schneider Alves de Almeida e a minha mãe é Beatriz Porto Monteiro Alves de Almeida.
P/2- Tá. O senhor lembra dos seus avós?
R/1- Muito.
P/2- Conhece seus avós?
R/1- É. Inclusive de uma bisavó. Era uma alemã que eu mal entendia o que ela falava, né? Mas eles eram do sul. Nós já tínhamos vindo pro Rio há muito tempo. Minha avó era prática, foi quem me criou porque os meus pais se separaram muito cedo. E a minha mãe era professora primária e ela precisava sustentar a família porque o meu pai, em suma, não tinha muita presença. Então, a minha avó falava alemão, e ela, ela, na realidade, foi que me ensinou como é que segura talher, né? Toda parte, porque a minha mãe trabalhava muito. Isso por parte de mãe. O meu avô era uma figura muito interessante, ele era jornalista e foi uma das minhas referências masculinas, mas ele era um homem muito culto, mas ele tinha um problema sério. Ele, naquelas revoluções contra e a favor do Getúlio, tal, ele sempre estava do lado errado. Então, ele sempre estava preso. Eu me lembro do meu avô sempre na cadeia por motivos políticos, né? Então, era fato. Até chegou, a partir de um certo momento virou curioso, né? Mas era ele que fazia as pipas pra eu soltar pipa, então... E era um homem extremamente correto, extremamente educado. Então, pelo lado do meu pai, eu não conheci os meus avós, a minha avó se chamava Elza Schneider, ela também era de descendência alemã. E ela casou com Landulfo Alves, que foi um personagem importante na época do Getúlio. O Landulfo, ele foi governador da Bahia, foi senador, ele era o principal opositor ao Chateaubriand, às idéias do Chateaubriand. O vovô era considerado um dos artífices do Petróleo é Nosso. Então, a primeira refinaria do Brasil tem o nome dele que é a refinaria Landulfo Alves na Bahia, né? Então, eu não conheci meu avô. Ele, ele, na família, foi, digamos, o primeiro político. A família toda muito ligada à questão política. Depois eu posso detalhar um pouquinho. Mas, foi uma experiência dura porque acabou morrendo de infarto, muito em função de pressões políticas - que ele sendo um técnico. Meu avô tinha mestrado nos Estados Unidos. Você imagina isso, sei lá, década de 1930, na área de silos, ele era agrônomo, né? Ele que, dizem que, eu não sou dessa área, mas dizem que ele que introduziu as técnicas de silo no Brasil. Então, tudo que, a referência que eu tenho dele, os livros que eu já li dele, do Senado, são idéias muito atuais, que eu poderia estar conversando com vocês aqui agora, mas... E ele está em todas as publicações da Petrobrás como a grande referência da luta pelo “Petróleo é nosso”.
P/2- Tá. E qual que era a atividade dos seus pais?
R/1- Como?
P/2- Atividade dos seus pais.
R/1- Meu pai já morreu. Ele morreu num acidente em 1988. Ele era militar, ele se reformou como coronel aviador. Meu pai era extremamente hábil com, com... ele quase chegou a ir à guerra. E ele era, como piloto de caça, ele era considerado um dos mais precisos atiradores em avião de caça, na época, né? Então, foi morar no Nordeste, já com a minha mãe. E minha mãe, ela era professora primária. E sempre trabalhou a vida inteira como professora primária.
R/2- Tá. E o senhor tem irmãos?
R/1- Tenho, eu tenho um irmão do primeiro casamento da minha, do meu pai e da minha mãe, que já morreu. Eu tenho uma irmã, do segundo casamento da minha mãe, que ela se casou com um médico que se tornou deputado estadual durante vários mandatos no Rio de Janeiro. Daí, o meu viés muito político. Depois a gente vai comentar um pouquinho que eu já trabalhei no governo, já trabalhei na iniciativa privada, já trabalhei em ONG e em academia, quer dizer, então eu já, talvez seja muito essa coisa da política, mesmo, né? E então, ele foi, então o meu padrasto que era um homem, além de muito competente profissionalmente em fazer diagnóstico, ele tinha trabalhado no Serviço de Proteção aos Índios, então ele tinha vista tudo quanto é tipo de problema, né? Das doenças tropicais nesse país. E por ser uma pessoa, na época, considerada de esquerda, né? Eu me lembro na época da revolução, da gente enterrando lá em casa todos os livros dele, né? Porque, livros, livros que hoje seriam absolutamente normais, mas naquele tempo duro, né, da revolução, muito criança com dez, doze anos, eu me lembro disso. Mas a minha referência masculina é o meu padrasto, Maurício. Ele que mostrou o que que é, o que que é ser decente, o que que, o valor da educação, o valor da honestidade, o valor da família. Ele e minha mãe, né? Então, a minha referência masculina é o Maurício.
P/2- Mas, o seu sobrenome Almeida, ele vem do seu...
R/1- Do meu pai, Fernando Alves de Almeida
P/2- Sabe qual é a origem desse nome?
R/1- Português. Tinha um lado da família que era português, do Landulfo Alves de Almeida.
P/2- Tá.
R/1- Então tem, é uma mistura complexa que passa também, por menos que pareça, né? Mas meu avô por parte de mãe tinha uma influência também de afro-descendente. Vamos deixar assim, né? Então, tem uma mistura aí, bem brasileira. Apesar dessa minha cara de gringo, né?
P/2- Como todo o brasileiro.
R/1- É.
P/2- Assim, voltando um pouco na sua infância, falando da sua infância, o senhor lembra-se da casa que morava, do seu bairro, como que era seu cotidiano?
R/1- Lembro. Lembro bem. A minha infância é marcada por alguns pontos assim... Primeiro, eu nasci na Tijuca, no Rio de Janeiro, e fui morar na Zona Sul, né? E logo depois meus pais se separaram. Era comum a separação, na década de 1950, não ser a separação que temos hoje, né, que são acordadas, tal. Então, as coisas eram mais complicadas, né? Minha mãe optou por morar na Ilha do Governador, onde eu fui criado, né? Então, eu me lembro, e aí já começando a falar um pouco da minha vida, né, que está também, que introduz o meu livro "O Bom Negócio da Sustentabilidade". Na década de 1950, eu me lembro que a Ilha do governador tinha um sinal de trânsito. Era completamente arborizada, você via tudo quanto é tipo de bicho lá, no mar e na própria terra. Eu ia de bicicleta pro trabalho, pra escola, escola primária, né? E me lembro, na Copa de 1966, a gente ouvia por rádio, não tinha televisão, não tinha nada disso, né? Então, era uma família muito simples, que era baseada no salário de professora primária. E, e eu me lembro de morar em três casas lá. A primeira perto da praia, mas uma casa simples, mas com um quintal grande. E eu me lembro de ver, inclusive a gente tinha que tentar controlar, porque minha avó criava galinha e pinto até pra, pra alimentação, e os gambás comiam as galinhas, os pintos, tudo. Então tinha sempre um rolo à noite, era uma coisa engraçada, deles com esses bichos, né? Depois, eu fui morar numa outra casa nessa mesma rua, também com, foi onde nós enterramos os livros do Maurício durante muitos anos, né, que ele acabou sendo, num dado momento, preso e teve que responder o que tinha que se responder naquela época. E depois, já numa fase melhor da nossa vida, que essa relação da minha mãe tinha evoluído bem, nós fomos morar numa casa bem melhor, na Rua Babaçu 122. Foi quando ele se candidatou, se elegeu várias vezes, então eu me lembro nitidamente da... E um dado curioso é que quando eu falo dessa questão que eu estou envolvido, né, de desenvolvimento sustentável, acho que é importante colocar agora... o que eu prego, quer dizer, a minha missão está ligada ao exemplo que eu acho bastante carismático, ou pragmático. Na década de 1950, uma professora primária, ou seja, uma classe média muito simples conseguia educar os filhos em escola pública e eles chegassem a engenheiro, e aí, dependendo de cada um, chegar onde eu cheguei, né? Hoje é difícil. Em qualquer parte desse país. E uma das brincadeiras que nós fazíamos, que a gente não tinha brinquedos, brinquedos eram a natureza, daí começou a minha relação com a natureza. Porque o brinquedo era a natureza, não tinha, ninguém dos amigos tinha carrinho de pilha, isso a gente não tinha condição de ter isso. Era bola, futebol, que é coisa muito barata e eu me lembro de pegar cavalo-marinho na praia, fazer um buraquinho na areia, mas vários, porque aquilo era comum ali, era, e era um, era um ser vivo bastante diferente, né? Pré-histórico. Então, isso na década de 1950, né? Cinquenta anos depois, como eu falava, dificilmente uma professora primária educa um filho até chegar a ser engenheiro. E cavalo-marinho na Baía de Guanabara acho que nem fóssil, né? Então, e é isso que eu falo, então eu estou falando de que vi, estou falando do possível. Eu não estou falando: "Não, vamos transformar o Rio Tietê no Rio Tamisa ou..." Não, eu estou falando algo que a gente viu, algo que a gente, ontem, né? No meu tempo de vida. É justo que no meu tempo de vida, possivelmente, a população do mundo saiu de uns 3 bilhões pra hoje quase 7 bilhões. Então, as questões estão mais complexas, né? Mas a referência que eu gostaria de passar pra vocês da minha infância é essa.
P/2- Tá. O senhor falou que estudou em escola pública.
R/1- Sempre.
P/2- Lembra como que foi que começaram os seus estudos, assim, como começou a sua vida escolar?
R/1- Lembro, lembro. Era desde o primário, né? Não tinha jardim de infância, a gente ia, eu acho que ia pra escola com seis anos, alguma coisa assim, né? E aí, primário, ginásio. Ginásio tinha que fazer uma prova, que era o vestibular naquela época, pra entrar pra uma boa escola estadual. E foi difícil pra burro passar. E depois veio todo o processo. Então, eu fiz o primário na Escola Bernardo Feijó, o ginásio, Inês de Morais, depois eu estudei um ano no Pedro II, depois no Colégio de Aplicação da UERJ, e aí entrei no vestibular para a UERJ, onde eu me formei engenheiro sanitarista.
P/2- Tá. Tem alguma lembrança marcante desse período escolar, assim?
R/1- A lembrança marcante, naquela época, na idade mais, mais assim tenra, né? Mais criança. O marcante, eu me lembro que era ir pedalando durante quase 1 hora, com os meus amigos. Isso era muito pra mim, né? Aonde se desconhecia a questão da violência. Isso não, não passava pela gente, né? O que mais que eu posso dizer? Outra coisa marcante foi quando eu estava no Pedro II, não conseguir voltar pra casa algumas vezes porque o Pedro II foi uma escola muito ativa, no centro da cidade, eu estava no centro da cidade. E eu me lembro da repressão policial, né? Repressão militar. Então, por algum motivo acabavam os ônibus e não tinha como voltar pra casa. Então tinha que voltar andando. E eu morava na Ilha do Governador, então era longe, né? Então ia pra casa de amigos. Eu me lembro, essas são assim, a questão da repressão ficou muito marcada em mim, né? A questão de perder amigos, desaparecer de uma hora pra outra, você não saber com quem você falava. Isso também ficou muito marcado, né? Mas já numa fase mais adolescente, final de adolescência, né? Da minha infância, eu tive uma, apesar de muito simples, eu tive uma excepcional infância. Não tenho nada que reclamar. A não ser essa relação que sempre foi muito conflituosa com o meu pai, né? Mas que por outro lado ele, as poucas vezes que eu estive com ele, ele me mostrou também o caminho do mar. O mar já em outro espectro, né? Mais, digamos, mais sofisticado. Eu me lembro que nós fomos, desde pequeno, fui pra Paraty. E na época, ele era militar, deixava, rebocava um barco que ele havia feito, deixava a Escola Naval em Angra e de Angra a gente ia pra Paraty nesse barco. Aí, agora me lembro de uma imagem muito forte que ficou no dia em que nós tínhamos que voltar, e ele foi um dos precursores da caça submarina no estado do Rio. Então, ele era muito bom mergulhador, a gente ficava no barco olhando, tal, né? Ou ficava lá no Paraty num hotel que até não existe mais, o Hotel Brasil. E eu me lembro uma vez, que o meu pai era muito obstinado, e quando decidia alguma coisa... Uma vez ele decidiu sair de Paraty e ir pra Angra porque ele tinha que voltar a trabalhar. E em Paraty você não chegava de automóvel, só de caminhão, tal. E o mar estava muito violento. E todo mundo, eu me lembro das pessoas recomendarem: "Não vá, não vá, não vai”. E foi a única vez no mar, eu devia ter uns sete anos, eu me lembro como se fosse agora. Em que, depois a minha vida inteira foi no mar, sempre que eu pude, né? Eu tenho uma casa na Ilha Grande. Então meus filhos, eu tenho três filhos, meus filhos foram criados lá, sempre que possível estavam lá, né? A preocupação já, também, já foi outra, né, já era a coisa da droga, né? Então, como é que, então coloquei os garotos no jiu-jitsu que era - eles repeliam profundamente a droga - e no mar, né? Então, e deu certo, né? Ninguém se envolveu com nada disso, não tenho esse problema. Mas esse dia eu senti o que que é a ameaça da morte, né, a ameaça da, o barco era muito pequeno, ele era um bom piloto, mas, conhecia barco, conhecia mar, mas nós chegamos a nos amarrar todo mundo com bóia, tal. Nunca tinha visto isso na minha vida. Então foi uma experiência... E ele sabia que não devia fazer. Essa era uma característica dele. Então, ele não tinha limites. Tanto que quando ele morreu, ele morreu por ausência de limites. Então, essa, a vida dele foi uma vida sem limites. Então, o que nos afastou muito, né? Porque eu nunca, nunca estressei a esse ponto.
P/2- Mas, assim, durante o período escolar, assim, da escola, teve alguma influência que te levou pra questão ambiental, além do seu pai?
R/1- Não. Não. A questão ambiental, quem influenciou foi a minha avó que me criou, né? Minha avó falava assim: "Você vai ser sempre infeliz se você ficar trancado numa sala com ar condicionado”. Nem tinha ar condicionado. "Numa sala com ventilador”. Sei lá o que que era que ela falava. "Você tem que ser engenheiro de estradas, você tem que ficar viajando, ai você tem que ficar no meio das coisas”. E ela tinha toda a razão, absoluta razão, né? Então, isso eu ouvi muitas vezes. A família toda muito ligada ao exercício. Acho que talvez pela própria procedência, não sei, todo mundo muito ligado no exercício, né? E logo depois, não tanto na Ilha do Governador, porque não tinha, assim, tanto atrativo, né? Mas, já numa fase melhor, já em condições financeiras um pouco melhor, aí começou um pouco da vela, né? No mar, um pouco de experiência com vela, um pouco de experiência com mergulho, né? E aí, veio a experiência com o surf que foi definitiva, né? Então, era um esporte relativamente barato, né? Você não depende de ninguém. E você está ali perto da praia, que às vezes tem onda, às vezes não tem onda, né? O surf te dá uma coisa interessante, você começa a ter que conhecer a natureza, né? Então, muito antes da internet, eu já sabia por sinais da natureza, que eu sempre adorei ler, né, que tipo de vento que ia ter, que tipo de ondulação, de que idade. Então, pessoal brinca comigo, eu não consigo chegar num, eu chego de avião, de madrugada, em Bonn, a primeira coisa que eu quero saber é onde que nasce o sol. Quer dizer, se orientar pelos pontos cardeais pra mim é uma questão tão importante quanto saber se vai ter comida ou não. Então, e aí, essa, e eu algumas vezes passei algumas situações mais delicadas, né, de relacionamento com o mar. Mas, nunca com, muito pouco com real risco de vida. Uma experiência ou outra. Então, o que, foi minha avó que me ficava com essa coisa na minha cabeça. Acho que morar num lugar onde a biodiversidade ainda era muito preservada, muito preservada. A história do cavalo-marinho, né? Que criança hoje brinca com cavalo-marinho? Em qualquer canto? Não é uma coisa simples, né? Às vezes, eles viram em aquário, mas brincar, pegar, soltar, pegar de novo. Então, isso também me influenciou muito. E acho que tem uma coisa, talvez, meio mesmo genética, né? Meu pai era muito ligado ao mar. E essa questão do entendimento da natureza e a percepção de que nós dependemos da natureza, né? E a percepção que muito dos problemas atuais que essa iniciativa fantástica de vocês vai produzir, muito é uma esquizofrenia do afastamento do homem da natureza. Então, os conceitos mais recentes dos chamados serviços ambientais, que a gente vai entrar mais adiante, que ainda eu não estou falando de uma tartaruga ou de uma baleia azul. Eu estou falando daquilo que nós necessitamos pra sobreviver, né? Então, esses serviços que a natureza presta ao homem, eu comecei a ter contato muito cedo. Tive também uma, um momento muito marcante, muito marcante. Uma vez, muito garoto, estava mergulhando próximo à praia da Barra, no Recreio dos Bandeirantes, era um final de tarde, a água estava muito clara, ali tem umas lajes. E muito calmo, estava tudo muito calmo. E bem no final da tarde, eu fui cercado por um cardume de sardinhas. Mas não era um cardumezinho, eram acho que milhões de sardinhas, né? E aquele momento eu fiquei quieto, né? Muito quieto. Enquanto, enquanto eu conseguia ficar quieto, que eu sei, tentando segurar a respiração, os peixes foram se aproximando, se aproximando, a ponto de você não ver mais o chão raso, o chão. Você não vê mais nada, você só vê o brilho dourado do final da tarde dos peixes passando por você. Eu acho que se existe alguma forma de a gente enxergar Deus, aquela foi uma das formas, né? E estava ali, justamente, a presença maior do que, do que eu considero a natureza na sua forma mais bela, né? E mais necessária. E por que que eu estou usando a sardinha. Porque graças a estupidez do setor empresarial, uma parte dele, que quando a tecnologia possibilitou, ele acabou com a sardinha no estado do Rio de Janeiro. E a estupidez foi de tal ordem - e isso está acontecendo em 30% dos oceanos do mundo - em que as sardinhas, acabando as sardinhas, acabaram as, as fábricas que produziam, beneficiavam sardinha. Primeiro, todas desapareceram na década de 1970, na Ilha Grande, em Angra dos Reis. E depois, começaram a desaparecer aqui, na região de São Gonçalo, do outro lado da Baía de Guanabara. Não é à toa que... E um dado interessante, essas fábricas, eu conheci muitas, elas tinham linhas de produção, de limpeza do peixe, que era tudo manual, e eram sempre mulheres, 400 mulheres, 600 mulheres, aquelas linhas de produção. Então, quando desapareceu a sardinha porque a estupidez consome mais do que o estoque ecológico lhe permite consumir, que tudo tem um limite, né? É a coisa da falta de limite. Programada, pensada, avisada, mas eu achava que é uma competição suicida entre as empresas, o que aconteceu? Houve o desemprego. Hoje tem barcos e estruturas todas apodrecendo. Esse desemprego levou, não foi reposto esse emprego, né? Hoje, São Gonçalo tem um dos menores IDH do Brasil e é uma das regiões de mais violência. Essas questões estão todas interligadas, né? Mas o que eu estou falando aqui com vocês sobre o Rio do Janeiro, da sardinha podia estar falando sobre a Terra Nova no Canadá, ou em Boston, com relação ao bacalhau. Exatamente a mesma coisa. Obviamente lá tem uma infra-estrutura social que protege mais o, mas com gastos brutais, sempre em função da falta de visão do setor empresarial em relação àquele serviço ambiental que ele necessita.
P/2- E com esse seu envolvimento com o mar, com o meio ambiente, o que que te levou a optar por fazer engenharia?
R/1- É. O que acontece é que eu gostava muito de matemática. Gosto até hoje. Então, essa coisa de gostar de matemática, eu tinha que ir pra alguma coisa de ciências exatas, né? E aí, eu procurei, desde as primeiras cadeiras, por exemplo, a primeira cadeira que apareceu interessante, eu me lembro que depois de cálculo diferencial, aquelas coisas todas. Estatística apareceu, topografia. Então, topografia, pelo menos a gente saía dali, ia pra algum canto, ficar olhando, aquela... Hoje, já mudou tudo, né? E, mas muito cedo, eu já comecei a sair da questão da… Eu me lembro de um fato engraçado ligado, eu fui reprovado apenas em uma cadeira durante a universidade, que era justamente fortran, que é uma linguagem de computador, que acho que não existe, óbvio que não existe mais. E aquilo era muito chato, era muito chato. E eu tinha uma prova no sábado, e a aula era sábado. E eu falei: "Eu vou”. Nessa época, meus pais já tinham comprado uma casa em Itacoatiara que é um, do outro lado da Baía de Guanabara, em Niterói, em que eu ia passar lá os fins de semana. E eu soube, me ligaram dizendo que o mar estava excepcional, eu falei: "Eu vou hoje e volto amanhã”. E os meus amigos falando assim: "Você não vai voltar, o mar vai estar bom, você não vai voltar”."Não, lógico que eu volto, não sou irresponsável”. Ah, mas não deu outra. O mar estava bom demais. E aí, eles de gozação foram dizer pro professor que eu não ia fazer prova nenhuma não, porque eu estava pegando onda, fazendo, aí ele me deu segunda chamada, me reprovou direto por causa do negócio das ondas, né? Então, esse foi um fato engraçado. E me reprovou mesmo. Eu tive que fazer aquilo, a única vez que eu tive, e eu queria matar os meus amigos, né, que fizeram a brincadeira, que eles também não tinham ideia que o professor ia radicalizar tanto, né? Mas, de qualquer maneira, foi a questão da engenharia, depois eu comecei a ver a parte de engenharia de saneamento, que aí já se aproximava. E aí, teve uma experiência muito interessante porque eu fui trabalhar no estado, na Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente, ainda como estudante, e logo que eu me incorporei, eu passei a trabalhar fora do estado do Rio. Havia um convênio com o antigo BNH, que acabou, e eu fazia a revisão das estações de tratamento de esgoto no Acre, em Amazonas, Mato Grosso. Então, eu comecei a conhecer esse país, né? Que é um país fantástico. Eu sou apaixonado pelo Brasil, né, então um país fantástico, com todos os problemas que nós temos, né? Então, e do saneamento, mas eu estava numa entidade que trabalhava com a questão ambiental, né? Já em 1978, em 1976, eu me formei em 1975, em 1976, eu tive através da Ana, a oportunidade de fazer o meu mestrado em Nova Iorque, né? E aí, começou a ampliar a cabeça, tal, e aí me envolvi até meados da década de 1980, início da década de 1990, com a questão ambiental.
P/1- E agora, o senhor é professor também?
R/1- Sou. É, eu comecei a dar aula em 1978, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade Federal do Rio de Janeiro. E tenho relação com a COP, eu dou aula em alguns cursos da COP. Dou aula em um curso que nós montamos com a Fundação Dom Cabral em Nova Lima, né, em Minas. E agora, já tem alguns anos, eu estou me envolvendo também com o curso da PUC que me interessa muito porque eu acho que esse assunto, ele ainda é muito elitista. Você tem que que baixar o nível dessa conversa porque senão nós não vamos a lugar nenhum. A gente acha que, lá na COP 8, né, que eu estou vindo da COP 8 de Biodiversidade, tem quatro mil pessoas, parece muita gente, né? O que que são 4 mil pessoas frente a seis bilhões. Não é nada. Então, a metáfora que eu faço é a seguinte: enquanto o motorista de táxi não entender o que eu estou falando, tem alguma coisa errada, né? E isso foi um esforço muito grande num período que eu trabalhei na CBN. Eu trabalhei lá três anos, eu tinha um programa meu sobre desenvolvimento sustentável, na CBN. Eram entrevistas e comentários que eu fazia diariamente. Então, essa questão ambiental, ela, de certa forma, ela foi acontecendo naturalmente.
P/1- Essas, você trabalha muito com o conceito, né, imagino, de eco-eficiência, né?
R/1- É verdade.
P/1- Eu queria que você dissesse, explicasse, como surgiu esse conceito, e como você procura transformar esse conceito numa linguagem mais coloquial, passar adiante tanto pros seus alunos, como até pro ouvinte, que eram os ouvintes do seu programa.
R/1- É. Eu acho que se eu consegui aprender alguma coisa, foi essa capacidade. E ela veio por dois motivos. Ela veio primeiro porque com o tempo, isso se tornou pra mim uma lição que eu vou ter até morrer, né? Eu tenho a percepção do caminho equivocado do desenvolvimento que nós temos hoje, né? Clara. Eu vou falar depois um pouco do milênio, da relação ecossistêmica do milênio mais adiante, em que isso é comprovado de forma inequívoca. Mas essa questão começou, acho que dando aula. Eu sempre gostei muito da relação com os alunos, sempre aprendi muito com eles, né? E depois houve um treinamento, não foi um treinamento, foi uma, foi uma, algo assim, sob uma brutal pressão, que me convidaram, um pouco, logo, quer dizer, quando aconteceu a Rio 92, a cúpula do Rio, eu fazia, eu fui chamado pela CBN pra fazer a tradução do que estava acontecendo naquela linguagem hermética, né? E que é proposital, e na minha opinião equivocada, mas tem uma linguagem hermética. Em toda profissão tem, né? Economista, por exemplo, né, ele procura falar da forma mais hermética possível porque o que ele falou hoje não se comprova amanhã, né? Então, tem muito disso. E eu acho isso um equívoco grande. Isso não ajuda a resolver os problemas. Então, mas na CBN, o que acontecia? Eu tinha que explicar, por exemplo, falando do Rio Tietê, né? Em um minuto e meio, em dois minutos, né, que eram... Então, quando eu comecei, eu levava 40 minutos pra gravar um boletim. E suava, desesperado. Até, eu, eu tenho um grau grande de exigência em relação ao resultado. Então, até que eu concordasse, então aquilo pra mim foi, assim, uma, era um pesadelo no início. Mas, com eu tempo, eu fiquei lá, gravei mais de 1000 programas. Depois de alguns meses, eu em uma hora, gravava uma semana inteira, ou várias semanas, que às vezes eu viajava e tal. Então, e o que e fazia também, eu pegava, por exemplo, a pessoa que trabalha lá em casa, né? A menina que trabalha lá. Ou então, estava num táxi, aí entrava o meu programa, eu perguntava pro motorista de táxi: "O senhor está entendendo o que esse cara está falando?" Aí, quando eu falava, ele já, aí olhava pra mim, era uma coisa curiosa, olhava pra mim, aí: "O que que eu falei?" "Ah, o senhor falou, foi?" "O que que eu falei?" Aí, muitos entendiam. Aí, eu falei: "Pá, esse é o caminho, né?" Então, não utilizar jargão específico. Vou dar um exemplo, desenvolvimento sustentável, sustentabilidade, o nome sustentabilidade, dependendo do ambiente, e até pernóstico, é arrogante. Agora, se você falar sobrevivência, sobrevivência das empresas, sobrevivência dos recursos naturais, sobrevivência das pessoas com melhor..., todo mundo entende. Se você falar perenidade, todo mundo entende, né? Então, esse esforço de mudar a minha cabeça, foi um esforço duro. Foi difícil porque a gente é treinado a ser hermético, né? É uma forma de proteção. E isso é um equívoco muito grande. Então, se você quer ver a sua mensagem florescer, você tem que ter uma linguagem mais acessível à população em geral, né? E vice-versa, né? Eu comentava um pouquinho antes da entrevista essa viagem que eu fiz pelo Brasil de 17 mil quilômetros, certamente eu aprendi muito mais do que repassei informação, né? E aí, você senta pra conversar durante - entrevistar, como eu entrevistei - durante 3 horas, a maior líder ambiental e que hoje é uma empresária de Bonito, né? Você vai ter que falar a linguagem dela. Senão você... Ou você conversar com um analfabeto, mas que sabe tudo da natureza do deserto do Jalapão, né? Que pra quem não conhece, é o ecossistema brasileiro que eu mais recomendo que conheça. Mais do que o Pantanal, mais do que a Amazônia, mais do que a Mata Atlântica, porque ainda está no século XVIII. Intocado, né? E de uma beleza e de uma agressividade única. De cores únicas. No Brasil, aqui do lado.
P/1- E essa linguagem coloquial, você procurou passar no seu livro "O Bom Negócio da Sustentabilidade".
R/1- Exatamente.
P/1- Que público você procurou atingir com esse livro?
R/1- É o público que está se iniciando nessa área, né? Você falou de eco-eficiência. E aí, é interessante a gente entrar em uns conceitos mais radicais, né? Eco-eficiência é fundamental, quer dizer, é como é que você produz menos, mais com menos. Então, como é que você produz esse paletó com menos tinta, essa gravata com menos água, e assim por diante. Menos energia, recicla, aumenta a vida útil dos produtos, né? Essa obsolescência programada, não tem nada mais insustentável do que isso, né? Porque as pessoas não entendem que seja lá o que elas estiverem usando, via de regra, alguma coisa foi retirada da natureza. Houve um processamento que gerou resíduo, gerou efluente líquido ou emissão pra atmosfera, e o que sobrou, e o que você está usando, um dia vai ser resíduo. Há agora uma tentativa absurda de flexibilizar a lei de exportação de resíduos, porque os Estados Unidos está com um problemão. Parece que ele já tem 250 milhões de televisores e de, na verdade, computador, a tela, tal, e não sabem o que vão fazer com aquilo. Essa questão da importação de pneus usados é outro absurdo que ainda acontece aqui, né? Então, quer dizer, a sociedade que nós estamos vivendo, ela vai ter que passar por um processo de digamos, de levar a noção de eco-eficiência muito além, né? Esse é um lado da questão do dia a dia meu. O outro lado. São as duas grandes pernas. O outro lado é a questão da responsabilidade social corporativa, né? Eu, possivelmente, não vou agradar o telespectador, mas eu hoje, eu não acredito mais em que essas medidas que a gente de soluções continuadas, né, quer dizer que elas são, elas são importantes, elas são necessárias, algumas são fundamentais. Mas, o que que a gente está vendo? O que que eu vi? Aí, tem que, nesse momento, explicar um pouco da avaliação ecossistêmica do milênio que foi inventário lançado pelo Kofi Annan em 2000, em que participaram 1360 professores ou cientistas do mundo inteiro, quase 100 países, 800 revisores. E eu estava no Conselho Diretor desse estudo, desse inventário. E o que o inventário diz é que dos, elencaram vinte e quatro serviços ambientais: água limpa, ar limpo, controle de enchente, até serviços culturais. O que um parque urbano oferece, né? Você está tenso, vai pra um parque ou dá um mergulho, você se sente outro, né? Redução de produção genética, produção de fibra, ou seja, dos vinte e quatro, quinze serviços encontram num estado avançado de degradação. Sem esses serviços, não há como você sobreviver. E quando eu falo não há como você sobreviver, não é só... E aí essa questão da degradação, ela é muito perversa. Ela é muito perversa porque, via de regra, a elite, ela tem como se proteger, via de regra. E mais ou menos, já um Katrina já não dá muita chance pra mesmo a elite se proteger, como a gente viu lá. Então, a questão da mudança climática, ela é mais democrática no impacto, vamos dizer assim, né? Então, o que a gente está percebendo e o que o milênio fala é que ainda há tempo de mudança, mas o modelo tem que ser mudado. A dúvida hoje nesse aspecto é a seguinte: melhoria contínua, tipo eco-eficiência, resolve? Não. Eu vou ter que decepcionar, mas eu vou dizer que não. Eu não acredito mais nisso. Porque há necessidade de haver uma mudança no padrão de desenvolvimento. A China inaugura a cada duas semanas uma usina a carvão sem nenhum controle de CO2. Uma coisa brutal. Brutal. Então, há necessidade de você trabalhar com as chamadas tecnologias disruptivas ou um conceito já antigo do Schumpeter, que é o conceito de destruição criativa. Algumas empresas já estão nessa linha. Então, vai haver, porque a mudança vai acontecer. A pergunta é se com uma tragédia de proporções globais ou programada. E aí, a gente fala de destruição criativa é você cortar num determinado momento aquela forma de caminho, aquele caminho, né? Mudar e partir pra um caminho que seja perene. O nosso caminho não é perene. Nós, eu tenho dois netos, né? Então, quer dizer, quando o meu primeiro filho nasceu, essas coisas começaram a ficar um pouco mais complicadas pra mim, né? Quando os netos nasceram, então, eu falei: "Ôpa!" E aí, há algo nítido pra quem está nessa área - e não está nessa área apenas por uma questão de sobrevivência material - porque acredita. A Marina Silva fala uma coisa muito interessante, o problema dessa área é quando ela te pega, não é quando você... né? Isso é verdade. Então, há uma, a dúvida, primeiro, é se nós temos tempo. E esse tempo é curto, a gente está falando de poucas décadas. E quando eu falo de uma década, sei lá, mas quando eu estava em Johanesburgo, eu fui conversar com o presidente da Renault. E conversando sobre essas coisas, ele me falou: "É, Fernando, você tem razão, porque um carro que eu estou projetando, começo a projetar hoje, ele vai estar no mercado daqui a cinco anos e ele vai existir durante 20”. Esse carro vai poluir durante vinte anos. Ele não vai desaparecer, esse modelo não vai desaparecer em vinte anos, né? Então, hoje o que eu vejo, e eu vou dar os exemplos interessantes, eu posso dizer que, por exemplo, na questão de eco-eficiência, o pessoal da área de papel e celulose, eles já hoje reduziram nos últimos quinze anos 90% do uso da água. Isso é fundamental. Setor siderúrgico, muito parecido, as empresas mais avançadas. E assim, tem uma série de exemplos. E eu poderia passar aqui, não uma hora e meia, mas eu poderia passar um ano e meio falando dos bons exemplos. O que acontece? É que os bons exemplos não estão mudando a tendência. Se você pega o milênio ou pega qualquer outra avaliação, tem algumas coisas que realmente evoluíram. Você pega, por exemplo, produção de alimentos. O preço caiu, a quantidade aumentou, entretanto, quando você fala do agronegócio, é um problemão, inclusive no Brasil. Por quê? Aí, entra um outro lado perverso que é o subsídio. Se você dá subsídio ao nutriente, por exemplo, ao nitrogênio, fósforo e potássio, aquilo se torna barato, e é lançado mais do que a biomassa vegetal, a soja, tem capacidade de absorver. E aí, você despeja aquilo nos rios. E aí, você torna os rios igual à nossa represa aqui, de Guarapiranga, né? Aquele tapete verde, morta. Morta. Quer dizer, aquilo, a gente até podia falar brincando excesso de vida. Mas, por que você tem excesso de nutriente, excesso de crescimento. E isso inviabiliza outras atividades empresariais, inviabiliza navegação, inviabiliza abastecimento de água e assim por diante. Então, vai haver, na minha opinião, e essa é a, justamente o que eu estou escrevendo nesse segundo livro, a necessidade de uma, de se inserir o processo de destruição criativa. Como, eu ainda não sei. Porque eu também, óbvio que isso é um processo de tentativa e erro. O que a gente percebe, vou te dar um exemplo dessa tendência em algumas empresas, a que eu costumo citar é a Du Pont. A Du Pont começa no século XVIII, trabalhando exclusivo pra família Du Pont. Metade da família morre numa explosão. No final do século XIX, eles já estão muito poderosos e na área de petróleo. Na área de petróleo, não. Na área de lycra, quer dizer, derivados de petróleo. Agora, eles estão saindo completamente disso. Abandonando e entrando na área de biotecnologia, pra produzir roupa. Então, você vai produzir camisa a partir do milho, o que hoje se autodenomina empresa da ciência, alguma coisa assim. Ou seja, é o que a gente chama em inglês de foot plant, quanto mais você puder tirar sua pegada daquilo que você faz, né? Então, essa é uma questão. Outras questões, por exemplo, ontem, não, hoje é o dia mundial da água, se não engano, né?
P/1-Sim.
R/1- Então vamos falar um pouco sobre a água. A água, ela existe no planeta pra população? Existe. Apesar de que, infimamente, a quantidade, porque o resto da água não pode ser utilizada, a água salgada não pode ser utilizada, das geleiras não pode ser utilizada. Então o que fica pra ser utilizado é muito pouco. Portanto, a água é muito, é distribuída de uma forma muito desigual. Inclusive no país. Senão não estava toda essa polêmica com a transposição do Rio São Francisco. E tem dados impressionantes no mundo. Vou te dar dois dados, morrem diariamente três mil e novecentas crianças por ingestão de água contaminada. Então, no tempo que nós estamos falando aqui, centenas de crianças estão morrendo. Todo dia, só ligado à diarréia, causada por água contaminada, doença de verificação empírica, cai doze Boeings, 747 de pessoas que ingeriram água e vão morrer. Isso vai acontecer todo dia. Então, há um enorme esforço de reversão desse quadro, né? Vários, Europa, norte da África, Ásia, a utilização da água do subsolo está sendo muito mais intensa do que a reposição pela chuva. Então, os lençóis estão baixando, em alguns casos em 150%, ou seja, daqui a dois anos não tem mais água. Então, a água certamente vai custar mais do que o petróleo em alguns, talvez em algumas, não sei quanto é que custa uma garrafa de água aí no supermercado, mas não deve ser muito longe do preço da gasolina, né? Então, há necessidade de uma gestão adequada. Quer a gestão por bacias. Um exemplo é o exemplo do Ruhr, na Alemanha; do Delaware, nos Estados Unidos; a tentativa no Rio Piracicaba. Então, e eu estou falando de algo absolutamente crucial. O que nós percebemos hoje em termos de grandes problemas globais são os que estão sendo tratados. Um, a questão da mudança do clima. Isso é claro. E outro é a questão, está ligado à água, mas é excesso de nutrientes na água. Então, esses são, de acordo com o próprio milênio, questões assim fundamentais.
P/1- E você costuma lidar, o seu trabalho é basicamente lidar com…
[pausa]
P/1- É lidar com o meio empresarial e com economistas.
R/1- Isso.
P/1 Você tem essa abordagem.
R/1- Isso.
P/1- Queria saber como é que você sente o retorno por parte deles diante dessas questões que você coloca.
R/1- É. A chave que eu encontrei pra conversar sobre esses assuntos, ela parte do seguinte: não há empresa saudável em sociedade falida. Falida lato sensu. Não é só falida monetariamente. Se você não tem água, você não tem mar limpo, se você não tem um solo razoável, se você não tem produção de fibras, se você não tem produção de, né? A empresa não pode evoluir. Isso é um dado. Outro, eu não estou falando do mundo construído, logística, mercado, eu estou falando do mundo básico, né? Da base da sobrevivência. Isso é um lado. Por outro lado, quem não entender que o desenvolvimento vai ser formatado pelas questões modernas. Quais são? Mudança do clima, ainda não falei de miséria, miséria. É uma vergonha o mundo hoje ainda ter 3 bilhões de seres humanos com menos de dois dólares por dia; 1,2 bilhões com menos de 1 dólar por dia. O Brasil com 50 milhões de miseráveis. Isso é inaceitável! E isso, isso gera tensões que elas começam a aparecer nitidamente, nessa questão social, quem imaginava, se eu perguntasse a qualquer pessoa... a vocês. Vocês podiam imaginar um ano atrás que Paris ia pegar fogo de novo. Ninguém podia imaginar isso. Paris, pegar fogo? Todos os dias, milhares de carros serem queimados. Tensões sociais de modelos completamente ultrapassados, né? E eu estou falando de você dar cidadania. Eu não estou falando aqui que todos têm que ter computador de última geração. Isso não existe. Não há essa possibilidade. Mas cidadania, então direito a saúde, a educação, a oportunidades, né? Então, voltando à sua pergunta, quando eu vou falar, eu acho que há, uma pergunta muito interessante, primeiro vai haver a necessidade desse corte. Só com eco-eficiência e responsabilidade social não vai dar, não vai dar. Inclusive eu sou um crítico de responsabilidade social stricto sensu. Isso vira filantropia, não resolve, vira bobagem, acaba sendo bobagem. Então, você tem que envolver a questão social, a questão de recurso natural e a questão econômica. Então, a evolução natural de responsabilidade social é o que a gente chama de sobrevivência sustentável. Depois eu posso te dar um exemplo que é conhecido, lá da Serra da Capivara. Melhor até dar agora, senão depois eu perco. Serra da Capivara, em poucas palavras, era uma região no sul do Piauí. Eu fui lá uns três anos atrás, voltei lá agora. E, quando você chega, você já sente o drama, as pessoas não te olham nos olhos, como nós estamos nos olhando. Elas não têm sandália, né, não têm dente e a prostituição é imediatamente perceptível. Bom, o sudoeste do Piauí que tem o pior IDH do Brasil, né? Lá existe o Museu do Homem Americano, da professora Niéde, e que ela estabelece alguns projetos de desenvolvimento. Eu posso falar isso com tranquilidade que eu não tenho nada, foram eles que fizeram. Então, ela desenvolveu uma cerâmica, que é uma das cerâmicas mais bonitas que eu conheço, em que inicialmente pegava madeira do parque pra aquecer pra aquecer, né, pra tostar, sei lá, a cerâmica. O que era um absurdo, né? Mercado, eles não tinham. Então, o que ela fez com toda a capacidade de liderança que ela tem? Ela conseguiu algum recurso italiano e tecnologia, e hoje a Serra da Capivara está aqui na
, está em vários lugares. A cerâmica é belíssima. E reproduz as pinturas rupestres que estão lá há 11 mil anos. Esse foi um dado. Outro dado, a madeira foi substituída por gás, que o negócio avançou. E eles conseguiram colocar no mercado. Com muito esforço, mas conseguiram. Então, você vai nesse local, nessa região, nessa vila, todo mundo te olha nos olhos, todo mundo está calçado, todos vêem as novelas que for, porque tem lá uma antena parabólica, e ninguém, não tem um que queira vir pra Rio e São Paulo. Então, a felicidade não está ligada ao nosso padrão de vida, de exigência, muito pelo contrário. Se tiver saúde, educação e tiver no seu meio, na sua cultura, você não for obrigado a ser refugiado. Porque a idéia do refugiado ambiental, né? E são milhões no mundo, você alcança a felicidade, você alcança a essência da harmonia, né? E nesse sentido que eu estou falando. A conversa, então, com os empresários, eu te digo, não é, alguns já estão bem avançados, são lideranças, o universo que eu lido, é um universo muito pequeno de cinquenta grandes empresas nacionais e multinacionais. Tem vários níveis de envolvimento com o assunto, mas todos estão envolvidos. Mas, no geral, no geral, a conversa ainda é tensa, difícil, né? Não é, não é algo que você sinta uma coisa, assim, que há uma percepção de que isso é importante, que isso deve ser feito. Entretanto, o caminho a percorrer, eu vou te dizer... Eu estou com esse negócio do livro, né? Nós estamos no prefácio, né? Até porque o que tem sido feito de bom não está mudando o rumo. Qualquer avaliação em qualquer parte do mundo está dizendo isso. Você tem esse ou aquele exemplo, tudo bem, mas o rumo em geral não está sendo mudado, né? Então, perguntei outro dia, eu tive a oportunidade de ter, nessa casa de fim de semana, levei pra lá alguns pensadores que vieram pro nosso congresso. Nós fizemos um congresso grande, ano passado, chamava-se Sustentável 2006, faremos o próximo aqui em São Paulo, vocês estão mais do que convidadas. E a conversa nossa foi essa, e esse pessoal, eles, é um lugar muito agradável, tal, né, é muito bom tomar, sei lá, um vinho ou uma caipirinha, mas eles, a gente falou sobre sustentabilidade 24 horas por dia. Teve uma hora lá que eu falei: "Espera aí, não, nós vamos fazer alguma coisa, vamos sair? Vamos dar um passeio de barco, tal”. Há uma percepção de que a mudança tem que acontecer de uma forma mais rápida. E, às vezes, por processos, de... Vou te dar um exemplo claro também pro nosso registro, se você pegar as grandes montadoras que investiram no que eu estou falando, porque esse é o meu diálogo com os empresários, elas hoje saltaram na frente. E as que acharam que isso tudo era bobagem estão demitindo e quase fechando. Exemplo: GM e Ford, lado negativo. Exemplo positivo: Honda e, especialmente, Toyota. Hoje, pra você adequar um automóvel da BMW às regras de mudança do clima, de controle de emissão, você vai pagar por cada unidade 650 dólares. Os carros da GM, isso dado Road Resource Institute, que estava no New York Times, GM e Ford algo em torno de 450 dólares e Honda, 25 dólares. Que investidor vai colocar recurso nessas condições? É óbvio que você tem uma vantagem competitiva enorme. Então, você também tem que mostrar isso. Entretanto, a gente tem uma expressão muito usada que é em inglês, né? O ‘the business case for system develop’ ou seja, a gente tem que tentar fazer com que sustentabilidade, desenvolvimento sustentável seja um bom negócio, que é até o nome do meu livro, né? Mas o meu livro foi impresso, apareceu em 2002. Em 2006, eu acho que a gente tem que ir além. Você não pode colocar a sua liderança, a sua força, tem empresas que faturam muito mais do que muitos países, um poder enorme, só naquilo que é o seu bom negócio, porque senão você não muda. E se você não mudar, o futuro vai mudar como? Aí, vem a pergunta, pra esse grupo, que eu fiz, e a gente ficou conversando: muda com ou sem tragédia? Em que um Katrina seria apenas um cafezinho. E que você começa a ter perda de biodiversidade, perda de produtividade, contaminação de água, ou seja, você passa a ter um mundo muito mais difícil de ser, de ser vivido, né?
P/2- Inviável, né?
R/1- Eu não sou aqui arauto da tragédia, muito pelo contrário. Quem trabalha nessa área tem que ter um otimismo absoluto. E eu sou um otimista, mesmo com tudo isso. Agora, a realidade que milhares de cientistas mostraram, e que ninguém contestou, é essa. A declaração, eu posso depois até mandar pra vocês esse documento, ele fala claramente disso, falando que ainda há tempo de mudança. Mas ela tem que acontecer. Ela tem que acontecer porque senão não só as tensões ambientais, criando os refugiados ambientais, como as tensões sociais, elas vão ter dificuldades... Bom, eu vi um pedaço, mas o pouco que eu vi agora dessa reportagem desse MV Bill sobre os falcões, esse negócio do tráfico de drogas, essas crianças, é absolutamente estarrecedor. E essas questões, elas estão ligadas.
P/1- Voltando um pouquinho à questão das convenções, Fernando. Você disse, então, que você participou da Rio-92.
R/1- Foi.
P/1- Queria que você colocasse o que que você se lembra, o que que te marcou, o que que você sentiu naquele momento que acontecia essa conferência.
R/1- A conferência, na minha opinião, a conferência de 1992 no Rio, ela, ela se por um lado as convenções não reproduziram aquilo que nós tínhamos expectativa, né? Sem a conferência do Rio, sem a criação do conceito de forma mais clara pela Gro Brundtland - quando ela lança o livro o Nosso Futuro Comum, né? Era da Comissão Brundtland, e determina que cinco anos depois haveria a Rio-92, né, ela lança em 1997 - Sem, não estaríamos aqui conversando, né? O setor empresarial deu um passo significativo, e eu falo com tranquilidade porque eu não sou egresso, eu sou egresso de universidade do setor público, né? Em 1992, o discurso do setor empresarial, ele foi feito pelo, o cidadão se chama Stephan Schmidheiny - que é um empresário visionário, tem uma cabeça privilegiada, que pega 10 milhões de dólares dele, constrói um livro, chama Mudando o Rumo, desenvolve um livro e organiza o setor empresarial, e o discurso está muito em cima de eco-eficiência, em 1992, que era o grande barato daquele momento, né? E foi só. Não teve, o setor empresarial ainda achava que isso era coisa de eco-chato, entendeu? Eles não viam isso como uma questão de negócio. Em 2002, nós, eu ajudei a organizar, o conselho brasileiro, aí é uma coisa importante, né? Como o conselho brasileiro, você tem 55 conselhos no mundo inteiro. E tem um conselho que chama-se New business causes for system development, que hoje as empresas lá faturam duas vezes o PIB da América Latina: 5,4 trilhões de dólares. Tem 2 bilhões de clientes por dia. Então, você pode imaginar o poder que essas empresas têm de mudar. Então, a Rio 92, ela teve uma coisa muito interessante, ela teve a reunião formal, né, lá no Riocentro, onde eu fiquei praticamente os quatorze dias. Vi o próprio Stephan falar, vi o Fidel Castro falar. Eu me lembro que, inclusive, ele brincou com a platéia porque ele em geral fala vinte horas seguidas, sei lá, ele era obrigado a falar sete. Vi o Fernando Collor falar sete minutos porque é muito, lá não tem conversa, o pai Bush falar também, tal, quer dizer, sempre que eu podia, eu ia pra plenária pra ver. Então, acho que sem a Rio-92, nada, acho que nós não estaríamos aqui conversando, né?A Rio 92 ela tem, e aí você tem um movimento imenso, que nunca mais se reproduziu, das Organizações Não-Governamentais no Aterro, né? Que tem o aspecto aparentemente aleatório, digamos, meio sem muita organização. Mas, de lá pra cá, houve uma depuração muito grande, e hoje não há solução sem o conceito das três dimensões: o social, ambiental e o econômico, né? Como não há solução só com uma das partes. As três partes é o que a gente chama de mundo tripolar. O setor governamental, o setor de ONGs e os empresários têm que se entender de alguma forma. Por que que apesar, segundo o PEA 2002, o setor privado colocou quase 5 bilhões de dólares em responsabilidade social e não mudou o IDH no Brasil. Não mudou por dois motivos. Primeiro, que o setor empresarial não está organizado o suficiente, então cada um aplica de um jeito. E porque não tem relação mais eficiente com o governo. O governo continua vendo o empresário como capitalista selvagem, no fundo é isso. E o empresário vê o governo como burocrático, lerdo. Isso tem que acabar. Quando acabar, você levanta o IDH, como foi o caso da Escandinávia. Então, eu acho que essa é uma questão importante. Eu acho que uma outra questão que eu gostaria também de registrar pra vocês, que faz parte também da minha reflexão nesse segundo livro. Nós estamos precisando, e falavam - o Fábio estava lá inclusive, nesse dia - anteontem quando nós lançamos o livro sobre biodiversidade, que é uma questão, essa questão do tempo da mudança. Hoje eu não vejo na planície, eu não vejo no mundo, né, uma liderança na área da sobrevivência. Eu não vejo uma liderança na área da perenidade, lato sensu. Não na elite. Sei lá, isso vai, dos recursos naturais, das empresas, né, e da sociedade com uma qualidade de vida, menos injustiça, com qualidade de vida menor, melhor. É isso que eu a partir de, eu estou me preparando pra me dedicar - quer dizer, eu sou da década de 1950, então já não há mais tempo - a me dedicar à formação de lideranças. Se eu puder, profissionalmente, vai ser o que eu vou me dedicar daqui a algum tempo. Já numa, já numa fase em que eu não quero estar completamente tomado de atividades ligadas a representar empresas do porte que eu represento, nessa área. Então, você não tem… Eu vou exemplificar. A questão do racismo dos Estados Unidos ganha uma outra forma, um caminho de solução, quando essa senhora, que agora me foge o nome dela, que acabou de morrer, ela diz o seguinte: "Não vou levantar da minha cadeira que estou sentada, aqui nesse ônibus, pra uma branca sentar”. O ato mais simples do mundo, a partir dali, você tem uma mudança de algo impensável de mudar, né? Então, eu acho que a gente tinha que, de alguma forma, e não é só um, eu acho que isso tem que ser aos milhares, aos milhões se fosse possível, formar lideranças na área da sobrevivência. E aí, eu estou falando do seguinte: a gente não vê um Mandela da sobrevivência, a gente não vê um Gandhi da sobrevivência. Ou, em momentos críticos da história da humanidade, um Churchill ou um De Gaulle da sobrevivência. Você não vê isso. Você teve Stephan Schmidheiny que está num processo de afastamento, né? E não houve essa substituição. E aí, eu não estou querendo, de forma nenhuma, menosprezar quem quer que seja, mas eu estou falando uma pessoa desse porte, que tenha capacidade pela liderança, pelo carisma, pela honestidade, por tudo, né? De influenciar todas as culturas. Ou um Pelé da sustentabilidade, que é a pessoa mais conhecida desse mundo.
P/1- O que a gente tinha no Brasil, infelizmente, os líderes natos na questão da Amazônia foram assassinados, né? Então, infelizmente, a gente tem aliado a isso a questão da violência, né?
R/1- Exatamente. É verdade. E é violento, e é uma questão delicada. Pra valer é delicado. Então, mas de qualquer maneira, eu acho que hoje a questão da liderança, ela vai determinar a velocidade da mudança, né? Então, e aí, eu estou falando de alguém que incorpore esse peso, sem dúvida. Mas, eu estou falando também de lideranças no governo, de formar lideranças no governo. Nós não podemos ter um país controlado só por taxas de juros e de câmbio. Isso não é a realidade desse país. É importante? Óbvio que é, mas não é a realidade desse país. Quer dizer, nós não podemos ter todos os ministros da economia não podendo falar mais do que, talvez, cinco minutos contínuos sobre sustentabilidade. Isso não é razoável, isso não é a solução.
P/1- E ao seu ver, na sua opinião, você acha que as convenções tanto de diversidade biológica, quanto de mudanças climáticas, é capaz de ajudar a pautar essa nova ordem que é necessária no planeta?
R/1- É. Aí, tem duas questões interessantes, né? Uma, elas são necessárias, mas não suficientes, de novo. Até porque os avanços são extremamente lentos, né? Algumas empresas estão... Aí, o que que acontece? O Financial Times fez uma pesquisa em que eles concluíam o seguinte: 75% a 90% do valor de uma empresa hoje é marca, reputação, capacidade de trabalhar com grupos de interesse, de enfrentar risco, de se adaptar. Muito disso tem a ver com a dimensão social, com a dimensão ambiental. Empresa com forte passivo social e ambiental vai desaparecer. Então, as empresas já perceberam isso. Então, você pega uma BP, independente, da posição do Tony Blair, já faz CBN internamente, né? Então, empresas que, empresas americanas, né, que claramente a política externa americana é contra, é contra. Ainda nem ratificaram a Convenção da Biodiversidade, não ratificaram Kyoto e assim por diante, ou o Tratado das Pequenas Armas, qualquer, né? Então, é uma administração reconhecidamente sectária, mas muitas das empresas tendem abaixo, muitos dos mercados das empresas americanas não estão, estão até mais fora dos Estados Unidos do que nos Estados Unidos. Elas não podem ser vistas com artífices ou, ou sendo, propagando aquele tipo de posição que no mundo não é aceito, né? Então, eu acho que via as empresas, muitas vezes, você vai ter essa possibilidade, né? Outro, na minha opinião, é a conscientização da sociedade em geral, não só a sociedade civil organizada, mas em geral. Você já começa a ver agora, nos Estados Unidos, começando uma, um movimento sério contra a guerra lá do Iraque, né? Coisa que demorou muito até, né, pra quem viveu, por exemplo, a Guerra do Vietnã, como eu me lembro de ler, tal, os movimentos todo que aconteceram lá, né? E essa guerra tem indicadores completamente inadmissíveis com a questão da prisão de Abu Ghraib, né, aquilo é... Eu, agora, é, volto a te dizer, a minha unidade de tempo é década. No que eu faço, eu sei que as coisas não vão mudar tão rapidamente. E aí, fica: eu não sei te responder. A dúvida fica se há tempo ou se não há tempo, né? Essa é que é a grande dúvida. Em que penso que há sinais também muito interessantes de conscientização da sociedade, de um discurso que cada vez perpassa mais os governantes, né? Há sinais interessantes, né? Mas, entretanto, os indicadores sociais e ambientais, e muitos dos indicadores econômicos, eles na sua maioria ainda são no sentido de degradação e não no sentido de recuperação.
P/1- E pra você qual que é a relação entre política e meio ambiente? Não política partidária, necessariamente. Política, né?
R/1- Absoluta, né? Eu já fiz um pouco de política, até pra ajudar meu padrasto, depois fui candidato a vereador no Rio de Janeiro, tal. Mas essa não é a minha, minha, isso não é a minha vida. Mas, política, eu só faço política, o dia inteiro. E a relação das pessoas é uma relação política, né? Na questão, o processo de decisão, né, numa conferência, que eu estou saindo de lá pra vir pra cá e estou voltando pra lá, na COP de biodiversidade. E, especialmente, nessa questão da perenidade, da sobrevivência, da sustentabilidade, a questão política, ela é absolutamente fundamental. Se você não tiver a capacidade, né, de encontrar parceiros, de agregar valor via essas parcerias, não vai pra frente, né? Então, acho que tem uma série de características que a gente precisa praticar no dia a dia, uma nós falamos que é uma linguagem que todos entendam. E outra, tem a ver com o relacionamento político entre os diversos atores. Ontem mesmo me perguntavam como é que pode se contrapor, né, a influência, por exemplo, americana, apesar de não ter ratificado, eles estão como observadores, mas eles influenciam todos os satélites, né? É a formação dos grandes grupos, do G20, o G67, e aí, você entra em determinados embates mesmo, né, de natureza política. E a questão da biodiversidade, o Brasil é o país mais mega diverso, então há uma possibilidade teórica de você fechar, né? Existe inclusive essa possibilidade. O que, na minha opinião, é equivocado. A questão da COP8, a dificuldade maior vai ser a repartição de benefícios, essa que é a questão maior, né? E ela é eticamente uma demanda, uma determinação, que quando pode, você, de um habitante local ter conhecimento, há uma essência qualquer que eles usam pra curar qualquer tipo de infecção. Essa essência ser manipulada, ser utilizada e ser transformada num antibiótico que vai gerar alguns bilhões de dólares. E que aquela comunidade não tem recurso pra comprar esse medicamento. É completamente inadmissível, sob qualquer aspecto. Então, não tocar na questão da biodiversidade é inadmissível. Entretanto, como que se dará esse tipo de retorno, por exemplo, a Natura vem fazendo isso bem, né? A Natura tem uma relação importante com os chamados povos da floresta, tal. Vem daí boa parte do sucesso da empresa, né? Agora, a Natura é uma exceção. Não vem me dizer que a Natura é uma regra. A Natura é uma exceção. Então, é o que eu digo, falei ontem e tenho dito: nós, empresários, temos que assumir a nossa parte na destruição que aconteceu até hoje. Claramente. Sem nenhuma... Eu assumo, enquanto me deixarem, eu assumo. Assumo pública aqui, que é pública, e assumi ontem lá. Algumas ONGs até olharam assim pra mim um tanto quanto espantadas, né? Mas eu assumo também que sem o setor empresarial, assumo não, eu defendo enfaticamente que sem o setor empresarial não tem solução. Até porque o setor empresarial tem duas coisas muito importantes: tem recursos e tem disciplina. Então, uma vez você convencendo que essa é uma questão para sua sobrevivência, né, ela muda. Muda porque tem meta, tem prazo, tem objetivo, tem cobrança, não é algo, assim, né: "Não a gente vai ser avaliada a cada quatro anos pela eleição”. É uma avaliação relativa nós sabemos disso. Nós sabemos que alguns deputados que foram cassados vão ser reeleitos, ontem o pessoal de Pernambuco estava falando isso. Eu fico estarrecido. Não vou citar nomes, né, mas todo mundo sabe quem é. Então, essa avaliação do setor privado, o setor privado tem que ter resultado. E o resultado nessa área, ele pode realmente acontecer, na minha opinião.
P/1- E falando em resultados, como você vê o papel, né, a atuação do Brasil nas negociações internacionais desse porte, né, como das convenções? Você acha que o país está incorporando diretrizes e esses valores que foram acordados?
R/1- Olha, eu acho que o papel do Brasil, vou te dizer uma coisa, com a maior sinceridade. Eu acompanhei várias convenções do clima, fui a várias COPs, né? E eu vi a atuação da chancelaria brasileira, especialmente do Ministério de Relações Exteriores, mas também do Ministério do Meio Ambiente, tal, e eu fiquei orgulhoso de ser brasileiro, né? Porque eu sei o que que é você lidar com esse pessoal, eu morei fora, né? E quem já morou fora sabe muito bem que não adianta ter, ser loiro de olho azul porque há uma diferenciação no tratamento, né? Há um racismo implícito de quem está abaixo do Equador. E você vai pra essas negociações já num clima, por exemplo, eu me lembro de ter quatrocentos negociadores americanos e, sei lá, trinta brasileiros. Onde a estratégia de ganhar uma certa discussão é pelo cansaço, então discute-se doze horas uma vírgula. E isso pra engenheiro é a morte, né, então, mas eles estão acostumados a isso. Então, eu vi pessoas como, por exemplo, Gylvan Meira, o Everton, agora o Figueiredo, quer dizer que são pessoas de um nível tal, e você vendo a negociação, você vendo, a idéia do CDM brasileiro, que começa com a proposta de uma multa e evolui pro CDM, que é um mecanismo brilhante, econômico inclusive, né? Como vai ser agora lá, a CDB, Convenção da Diversidade Biológica, exatamente no início, né? As coisas estão começando a acontecer. Eu não sei o que vai ser. Mas, eu não espero grandes avanços. Há uma certa diferenciação, né, a CDB, ela não tem, digamos, números, ela não é quantificável, né? A do clima é quantificável e já está mais... No CDB é comum, hoje as pessoas tem uma idéia, né? Biodiversidade, até esse livro que nós lançamos, o nome é curioso é Biodiversidade para Comer, Vestir e Passar no Cabelo. Que a turma acha que biodiversidade é mico leão, é baleia, não é isso, não é isso. Quer dizer, são medicamentos, cosméticos, daqui a pouco já roupa. Quer dizer é tudo aquilo que você consegue reciclar, né? Tudo aquilo que está, de certa forma baseado no sol, né? Porque é o que, via fotossíntese, é base da cadeia alimentar, né, e depois... Então, eu vejo com otimismo, mas não acredito que saiam ali, assim, grandes avanços. Mas, se não existisse, você não teria pelo menos quatro mil pessoas discutindo, trabalhando isso, trocando idéias. Há um dado interessante nessa CDB deste ano. A CDB sempre foi dominada por ONGs radicais. E nós fomos convocados pelo secretariado da CDB, eu fui convocado, porque eu estava, como eu disse no board do milênio. Então, eu me lembro que tinha muita relação com a convenção, com todas, mas com a convenção. Então, naquela época, eles já me pediram se eu poderia ajudar a trazer o setor empresarial. Nós estamos fazendo tudo com o setor, o setor empresarial nunca foi por causa do radicalismo, diferente de mudança do clima, e o setor empresarial estará lá, está lá, né? Então, estar participando com lançamento de livro. Estar participando dos eventos paralelos. Eu vou falar na plenária, então, e vou dizer isso: eu assumo. E eu estou representando tanto o conselho brasileiro, quanto o mundial. Eles passaram todo, o que pra mim foi algo, assim, único, né? Porque, afinal de contas, é uma entidade, a entidade mais respeitada pela ONU nessa área, em termos de parceria. Agora, é uma das queixas que eu vou fazer lá, não só assumir nossa parte na degradação e na solução, mas uma das questões que eu quero comentar lá é a seguinte: que é pelo menos espantoso, né, que o milênio - que está sendo hoje extremamente referência pra tudo - que o milênio crie esse conceito do serviço ambiental. Que é uma coisa muito interessante, né? E o Kofi Annan não ter tido tempo pra ir lançar pessoalmente o milênio. Isso é impensável pro setor empresarial. E não é possível que não tenha vinte minutos pra chamar a CNN e dar uma entrevista de vinte minutos pra CNN. Foi lançado no mundo inteiro em algum momento, e essa expectativa não aconteceu. Então, quer dizer, quando eu falo dessa coisa da liderança, né, cadê? Cadê o Gandhi da sustentabilidade, cadê o Mandela, o Martin Luther King da perenidade. O secretário que propôs, que botou todo mundo lá, quatro mil pessoas trabalhando de graça, não ganhei um tostão, fui pra tudo quanto é parte do mundo, né? Todo mundo deu o seu... E aí, óbvio, que uma entrevista do Kofi Annan, falando na CNN, falando sobre isso, tem um impacto brutal, pra que todo mundo saiba. Não adianta ele pegar aquelas dez mil páginas e colocar na prateleira ou num CD-ROM.
P/1- E por quê?
R/1- Não, na época, as explicações, aí entra aquela questão da ONU. A questão da ONU que é, tem o seu tempo, né, que aí as razões eu não sei direito. O que eu sei é que pro movimento foi muito ruim e eu vou cobrar, porque eu acho que esse também... Eu ajudei, aquilo mudou minha cabeça, o milênio mudou minha cabeça em relação a essas questões e eu vou cobrar. Quer dizer, eu acho que essas questões, aí volta a queda, que eu chamo a queda do ciclo pernicioso da elite, né? Ficar isso na elite universitária, empresarial ou das ONGs, é muito pobre, é uma perda muito grande.
P/1- Pra gente começar a encerrar, Fernando, você disse então que tem três filhos, né?
R/1- Ah, sim.
P/1- E o que que eles fazem?
R/1- Essa é uma boa pergunta, né? É até difícil falar, pra mim. Eu tive três, Deus me deu três graças na vida, né, eu acho. A primeira foi meus três filhos. Ricardo, Flávio e o André, que são realmente a razão de muito do que eu faço, de muito do que eu penso. Um deles, hoje, mora nos Estados Unidos e se envolveu com outras coisas, né? Outro está indo agora, está indo estudar, fazer mestrado, mas volta, acho eu, e é muito, tem um potencial muito grande. Eu tenho o meu pequeno, que é uma, por ser o pequeno é um certo xodó, né? Que, esse eu acho que não sei bem o que ele vai fazer, que ele ainda é muito... mas ele nasceu com uma coisa curiosa, que é a capacidade de entender as pessoas. E às vezes eu falo de coisas que eu estou preocupado com ele e quando eu olho assim pra ele, olho assim pra ele, o olhar dele parece que ele tem uma sabedoria milenar. Eu não sei de onde ele tirou aquilo. Eu fico até, assim, meio, às vezes, eu fico meio desconcertado. Eu olho pra ele assim. Bom, então, acho que esses são... a gente tem um filho 28 anos, mas de qualquer maneira. Os meninos são, são a minha vida mesmo, né? A segunda graça que Deus me deu foi as ondas. Eu acho, as ondas me levaram pra essa questão do meio ambiente, da sustentabilidade. E mais do que isso, na época que eu fazia terapia, a minha, a minha terapeuta me falava: "Olha, eu vou até um certo ponto, a partir daqui você vai pegar suas ondas, porque..." Eu escrevi o meu primeiro livro pegando onda e quando ia pegar onda, as coisas mais complexas que estavam no livro, elas se resolviam, né? E saía de pegar onda e sentava no laptop e ficava, ficava, ficava, né, sei lá, centenas de horas. O negócio de escrever livro, eu sou escritor duro, é um processo, né, assim, complexo. Eu acho que a terceira graça que eu tive foi descobrir algo que eu me sentisse útil, né? Fazer algo que eu me sinta útil, né? Então, obviamente, que com, já com 53 anos, a gente começa essa parte executiva, né, das viagens, de não ter hora pra terminar de trabalhar, né? Desses instrumentos fantásticos. Fantásticos, mas que cada vez nos pressionam mais, tipo telefone celular e e-mail. Eu vou ser o homem mais rico do mundo o dia que eu puder não atender mais a isso. Não há dinheiro que pague você não atender a isso, né? Mas não há essa condição, né? Então, acho que essas foram as questões, assim, e aí quando eu falo das ondas, não só das ondas. Por exemplo, acordo de manhã, né, vejo a Pedra da Gávea, com o sol por trás. Às vezes, chego em casa, a lua está por trás da Pedra da Gávea, eu penso comigo mesmo: vale a pena estar vivo pra ver isso, né? E também vale a pena estar vivo pra ver a evolução que o tema está tendo, né? Acho que vale a pena estar vivo pra estar conversando com vocês aqui, num projeto tão interessante, né? Num país que não tem memória, e a pouca que tem tenta exterminar, né? Então, quando o Fábio me falou disso, eu falei: “`Pó, imediatamente, eu falo.” Quando enviaram não sei o quê, e que é uma confusão, estou pra lá, vou pra cá. Mas isso nós temos que atuar de tudo quanto é jeito.
P/1- E da sua carreira, qual a principal lição que você pode dizer que você tirou?
R/1- Vale a pena ter paixão. Vale a pena, sem ser tonto, né? Mas vale a pena ter paixão, vale a pena acreditar em alguma coisa, vale a pena você lutar por aquilo que você acredita, né? Eu acho que eu tiraria isso, né? Vale a pena ter paixão. O que eu desejo a todos, eu queria emocionar também os meus alunos, que me ajudaram muito, né, muito. Eu aprendi muito com eles e continuo aprendendo, que eu dei muita palestra, né? Então, não só do estímulo, né, deles entenderem, mas vale a pena procurar fazer aquilo que você realmente gosta, mas vale a pena, no meu caso, valeu. Certamente, eu já estou numa fase final da minha carreira desse tipo de atividade, né? Como eu falei, eu quero me voltar pra formação de liderança. E até já voltei pra UFRJ, que eu tinha me afastado durante seis anos porque eu não conseguia hora pra dar aula, né? Então, vale a pena ter paixão, vale a pena passar por todo o sofrimento que você passa mesmo, passar por todas as decepções que você passa. Mas você também observa que está evoluindo, né? Talvez ainda não tanto no mundo, digamos, no mundo da natureza, mas está evoluindo muito no mundo cultural, né? E o que diferencia o ser humano dos animais é a cultura. Então, eu rogo, eu rezo pra que essa coisa evolua mais rápido, né? E enquanto eu puder, eu vou estar influenciando isso. Mas, eu terminaria te dizendo que de tudo o que, tudo o que essa experiência de trabalhar e viver no âmbito de academia, no setor privado, lidar com todo esse pessoal foi muito enriquecedor, né? E eu fico pensando, a gente chega a avô e tal, você já começa a pensar o que que valeu a pena, né? E valeu a pena ter paixão.
P/1- Muito obrigada, Fernando. Legal seu depoimento.
R/1- Está bom. Muito obrigado a vocês.
P/1- Puxa, bacana.
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