P/1 – Seu Carlos, primeiro eu gostaria de agradecer a sua presença aqui, de vir conceder esta entrevista. E para começar, gostaria de pedir que você falasse seu nome completo, local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Carlos Alberto Seiji Nomoto. Eu nasci em Lins, no interior do Estado de São Paulo, no dia 28 de novembro de 1969.
P/1– E como que é o nome dos seus pais?
R – Meu pai se chama Takashi Nomoto e a minha mãe se chama Massako Sato Nomoto.
P/1 – Certo. E você sabe como foi a chegada deles para cá, se foram seus pais que imigraram, se foi a família deles...
R – Quem veio, a minha mãe, já é segunda geração de descendentes de japoneses no Brasil, e por parte de pai, medimos isso pela geração do pai, então, o meu avô, pai da minha mãe, nasceu no Rio de Janeiro, em São Cristóvão, ele era carioca – o que é muito pouco comum, você encontrar um japonês velhinho e carioca. Ele falava pão careca doce, Carlinhos, era muito engraçado. Então, ele já era nascido no Brasil. A minha avó, mãe da minha mãe era imigrante, se conheceram aqui. Meu pai é imigrante veio do Japão, com tanto tipo de navio, ele veio no Argentina Maru, tinha o Kasato Maru… Eu falei “Pai, mas com tanto navio para você vir, você tinha que vir nesse?” Por isso é que não ficamos milionários, é ou não é? Então, basicamente a família toda da minha mãe, boa parte dela é imigrante.
P/2 – E você sabe por que o seu pai veio, com quantos anos que ele veio?
R – Meu pai veio para o Brasil com dezoito anos de idade naquele grupo de pessoas que vieram depois da Guerra. O pai dele, o meu avô, lutou na Segunda Guerra, ele veio também para o Brasil, morreu meio ruim da cabeça, pois essas coisas de guerra são meio difíceis. E eles vieram para o Brasil tentar a sorte, como muitos outros vieram, para trabalhar em fazenda de café, esse foi o motivo.
P/2 – E...
Continuar leituraP/1 – Seu Carlos, primeiro eu gostaria de agradecer a sua presença aqui, de vir conceder esta entrevista. E para começar, gostaria de pedir que você falasse seu nome completo, local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Carlos Alberto Seiji Nomoto. Eu nasci em Lins, no interior do Estado de São Paulo, no dia 28 de novembro de 1969.
P/1– E como que é o nome dos seus pais?
R – Meu pai se chama Takashi Nomoto e a minha mãe se chama Massako Sato Nomoto.
P/1 – Certo. E você sabe como foi a chegada deles para cá, se foram seus pais que imigraram, se foi a família deles...
R – Quem veio, a minha mãe, já é segunda geração de descendentes de japoneses no Brasil, e por parte de pai, medimos isso pela geração do pai, então, o meu avô, pai da minha mãe, nasceu no Rio de Janeiro, em São Cristóvão, ele era carioca – o que é muito pouco comum, você encontrar um japonês velhinho e carioca. Ele falava pão careca doce, Carlinhos, era muito engraçado. Então, ele já era nascido no Brasil. A minha avó, mãe da minha mãe era imigrante, se conheceram aqui. Meu pai é imigrante veio do Japão, com tanto tipo de navio, ele veio no Argentina Maru, tinha o Kasato Maru… Eu falei “Pai, mas com tanto navio para você vir, você tinha que vir nesse?” Por isso é que não ficamos milionários, é ou não é? Então, basicamente a família toda da minha mãe, boa parte dela é imigrante.
P/2 – E você sabe por que o seu pai veio, com quantos anos que ele veio?
R – Meu pai veio para o Brasil com dezoito anos de idade naquele grupo de pessoas que vieram depois da Guerra. O pai dele, o meu avô, lutou na Segunda Guerra, ele veio também para o Brasil, morreu meio ruim da cabeça, pois essas coisas de guerra são meio difíceis. E eles vieram para o Brasil tentar a sorte, como muitos outros vieram, para trabalhar em fazenda de café, esse foi o motivo.
P/2 – E sabe por que o Brasil?
R – Tinha um programa, quer dizer, até onde eu entendi era meio que “vamos para Miami fazer compras”. Era uma coisa equivalente, mais ou menos assim. As pessoas vinham para cá, tinham muitas notícias de que aqui era um lugar bom de viver, o Japão estava passando por uma crise, em diversos sentidos. Meu pai me conta umas histórias de quando ele era pequeno, que para você ganhar uma bala, que era um torrão de açúcar, tinha que ficar na fila algumas horas, na neve. Então, isso tudo foi diminuindo as esperanças naquele país. E essa foi a razão, buscar uma vida melhor aqui no Brasil.
P/1 – Você sabe como seus pais se conheceram?
R – Meus pais se conheceram em Lins, meu pai foi trabalhar em fazenda de café lá. Minha mãe também, já nascida em Lins, eles se conheceram em um supermercado onde meu pai era gerente e minha mãe trabalhava de caixa ou algo assim, e foi lá que eles se conheceram, no trabalho.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho um irmão, mais novo. Somos filhos dos mesmos pais, mas com doze anos de diferença. Ele é 12 anos mais novo do que eu.
P/1 – E como é que era a sua casa da infância, em Lins, quais eram os costumes japoneses que vocês mantiveram?
R – A minha casa em Lins era uma casa muito simples... Eu tive uma infância relativamente boa, eu acho. Em termos de brincar, por exemplo, eu ficava o tempo todo na rua, eu morei até nove anos de idade em Lins, eu lembro bem da infância. Era muito gostoso, tinha muita liberdade, não tinha essa história de assalto, não tinha nada, ficávamos na rua o dia inteiro brincando – o que era muito gostoso. Não era sítio, chão de terra batida, mas era uma cidade pequena, muito gostosa, isso foi muito bom. O relacionamento com o meu pai nunca foi muito próximo, foi meio distante até pela forma como ele foi criado, eu nunca tive muito vínculo com ele, mas com a minha mãe o vínculo era muito forte. Então, essas são as boas lembranças que eu tenho em Lins, muita brincadeira e uma aproximação grande da minha mãe.
P/1 – E qual que era a atividade dos seus pais?
R – Meu pai mudou-se, veio para São Paulo – sem a gente – veio para tentar a vida. Saiu do Japão para Lins, e de Lins ele saiu para tentar a vida em São Paulo. Ele falava japonês, obviamente, era a língua nativa dele, e fala português muito bem, sem sotaque algum. Ele conseguiu um emprego como intérprete numa empresa de componentes eletrônicos, e logo depois assumiu a gerência financeira e mais tarde se tornou diretor desta empresa. Montou uma fábrica em Manaus que não deu certo, e acabou retornando à empresa e saiu como executivo. Minha mãe é dentista, ainda em Lins, enquanto meu pai estava em São Paulo, minha mãe estudava Odontologia à noite. Então de dia, ela saiu do supermercado, dava aulas em escola pública e à noite fazia faculdade de Odontologia. Quando ela se formou, ainda trabalhou um tempo em Lins, mas eu me lembro bem do dia que mudamos para São Paulo, o meu pai estava mais estabilizado nesta empresa e então viemos. Minha mãe montou um consultório aqui, e hoje ela tem alguns consultórios e tem pessoas que trabalham para ela.
P/1 – E como é que essa mudança para São Paulo, como é que foi a viagem, chegar aqui, na cidade grande, para você menino?
R– Olha, a cidade grande é uma maravilha, né? Porque você pode fazer o que quiser e ninguém sabe quem é você. Então, eu aprontei muito (risos). Eu fiz muita... Quer dizer, eu aprontei bastante. Estudar nunca foi o meu forte, o que foi um grande atrito com o meu pai, que é uma pessoa, imagina o pessoal do Japão, oh, japonês estuda. Quer dizer não é que estudar nunca foi o meu forte: não era o meu forte as Ciências Matemáticas, tudo que era cálculo, essas coisas, eu não gostava muito. As Ciências Humanas, História, Geografia, Português, Inglês eu sempre fui muito bem, mas o que ele achava importante – que eram os cálculos – eu não ia muito bem. Vindo para São Paulo, eu já não estudava muito, foi bem legal em termos de pré adolescência e adolescência, era uma cidade onde aprontamos muito, quer dizer, eu me envolvi muito com brigas, repeti o ano... Imagina, no dia em que repeti o ano, a casa caiu. Foi um momento muito turbulento, essa coisa de chegar numa cidade grande coincidindo com a pré adolescência, e a adolescência foi uma coisa que ficou muito intensa, no sentido da rebeldia. Meus pais tiveram sérios problemas aqui comigo nesta fase.
P/2 – Você disse que aprontou muito, tem alguma coisa que você queira registrar? Tem alguma coisa que valha a pena?
R – Tem, mas se eu falar o pessoal do banco queima meu filme. Os caras não vão mais investir em mim, é ou não é? (risos) Na época, quando eu tinha uns 14 anos, em São Paulo tinha uma coisa que chamava fliperama. Hoje já não tem mais, é um lugar que tem um monte de máquinas de videogame. Hoje você joga videogame em casa, PS3, Xbox, mas antes você jogava nesses lugares, tinha um mínimo de 15 ou 14 anos e eu vivia lá dentro, com um monte de gente que também, não eram das melhores companhias. E um dia a FEBEM [Fundação Estadual do Bem Estar do Menor] apareceu e me pegou lá, fez uma ficha, me colocou no camburão e me levou para casa. Você imagina, eu chegando em casa dentro de um veículo da FEBEM. Aquilo foi uma experiência marcante, de ruim, da crise que estava. A casa caiu. Depois daquilo, o vínculo de confiança, principalmente com o meu pai ficou muito mais baixo. Então, é difícil para os japoneses perdoar essas coisas, para eles é muito difícil você recomeçar o relacionamento. Quando você erra uma, duas vezes, dependendo do grau de intensidade, isto afeta muito. Com eles então, acho que a partir daquele dia, a coisa ficou bem ruim.
P/2 – Você aprendeu alguma lição?
R – Ah, não, não aprendi nenhuma lição, continuei aprontando, voltei outras vezes (risos). Não resolveu. Foi resolver mais para frente, mas daí aos dezoito anos foi bem difícil.
P/1– E como é que foi para você neste momento, numa pré adolescência, ganhar um irmãozinho? Como é que foi a chegada do irmão?
R – Eu tinha 12 anos de idade, depois de tanto tempo, ter um irmão mais novo foi uma coisa muito legal, a vida toda. Meus pais acabaram por se separar quando eu tinha 18 anos, e estão separados até hoje. E quando eu tinha 18 anos, meu irmão tinha sete, oito anos, coisa assim... Então foi uma coisa legal, meu relacionamento, pela diferença de idade, acabou sendo quase que paterno, mantidas as devidas proporções, óbvias, eu me lembro bem aos 20, 20 e poucos anos de idade, ia em reunião da escola dele, reunião de pais. Minha mãe não podia ir porque trabalhava, e eu ia. É engraçado, porque o pessoal olhava para mim e pensava: “nossa, esse menino, ele começou cedo, como ele está numa reunião de pais, aqui, tão novinho?” e quando via, não era... Era por causa do meu irmão, ele foi muito gente boa, nunca resistiu, eu sempre procurei não me colocar na posição de pai, mas dizer o que é certo. E ele nunca foi resistente, nunca jogou na cara: “ah, você não é meu pai para fazer isso comigo”, ele entendia. Até hoje temos um relacionamento muito legal. Muito legal mesmo.
P/1– E como é que era dentro de casa, vocês falavam em português?
R – Sempre falamos em português. Meu pai... Apesar de tudo, tem essa coisa da distância, acho que ele sofreu muito com a imigração. A língua, a cultura, os costumes... Em casa, ele sempre fez questão de falar em português e nunca nos aproximou das comunidades japonesas, até hoje existem, têm nomes específicos, o que é a comunidade? É uma associação de pessoas descendentes de japoneses: então eles se encontram fim de semana, tem atividades desportivas, saem à noite para a balada, têm grupos assim em São Paulo e em outras cidades do país. E meu pai, ele não participava disto e nunca nos incentivou também, nem nos incentivou a aprender a língua japonesa. Há pouco tempo atrás ele me falou o porquê: “eu não queria que vocês virassem um bicho esquisito”. Você não é nem japonês, nem brasileiro. A sua face você nunca vai poder negar, mas a sua língua, a sua cultura... Eu queria que vocês fossem brasileiros, já que vocês estão no Brasil – o que é muito legal, é muito legal. Outro dia eu brinquei– briguei com ele: “mas você tinha que se naturalizar?” se ele não tivesse se naturalizado, talvez eu conseguisse cidadania japonesa, mas o animal se naturalizou, e agora, ele ferrou minha vida e a do meu irmão: agora nós não podemos ter cidadania japonesa, e não precisava nem de visto para os Estados Unidos. Mas acho que isso foi muito legal, e só agora está caindo a ficha, ele decidiu mesmo que o Brasil era o lugar dele; ele voltou ao Japão uma vez só, a trabalho, e ele decidiu mesmo que aqui é o lugar que ele vai ficar, e isso é muito legal.
P/1– Você já falou um pouquinho da escola, mas eu queria que você contasse para nós as suas primeiras lembranças desse momento de estudar, o que era bacana lá, de encontrar com pessoas da mesma idade...
R– Quando eu mudei para São Paulo?
P/1 – De pequeno, primeiro.
R – Ah, tá. Mais ou menos da escola? Eu não tenho boas lembranças da escola, não. Eu lembro sempre que eu ficava de castigo. Eu tinha uma professora, dona Alcinda era o nome dela. E a minha mãe era professora na escola também, onde eu estudava. Só que isso piorava as coisas, porque as notícias chegavam no real time para ela: “olha, seu filho está de novo no castigo”. Então eu não sei, eu não tenho boas lembranças da escola, não. A escola para mim é um lugar que... Eu tenho lembranças ruins. Eu não tenho nada de legal, eu lembro bem dos meus amigos, óbvio, mas escola de aprender, de gostar, professores que me inspiraram... Eu não tive nenhum.
P/2 – Era uma escola pública?
R– Uma escola pública. Em Lins, era uma escola pública que era melhor que as escolas particulares que tinham lá, na época. O ensino público no Brasil nesta época, segundo o que a minha mãe fala, ele foi muito bom... E no interior, então, tinham escolas muito fortes. E a minha escola era uma delas. Era Escola Estadual de Primeiro Grau 21 de Abril. Então, escola mesmo, além dos amigos, não tem muita coisa, não.
P/1– E aqui em São Paulo, além do fliperama, que outras coisas você gostava de fazer para se divertir?
R– Sempre gostei muito de música. Tenho ouvido bom para isso; toquei bateria; lecionei bateria; estudei guitarra; estudei violão clássico. Essa foi uma coisa que a minha mãe me estimulou bastante. O meu pai não gostava muito dessa ideia não; mas a minha mãe sempre me estimulou… Se eu tinha alguma habilidade com música, ela sempre me estimulou, sempre pagou aulas para mim, eu podia escolher o instrumento que eu quisesse, quando eu era muito jovem. Ela falou “ah, vai estudar, aí” e eu podia escolher o instrumento que eu quisesse. Eu gostava muito, muito... A minha diversão era música; esporte eu nunca fui muito bom por alguns motivos: com sete meses de idade o meu coração parou, ainda em Lins eu fui para a mesa de cirurgia, o médico perguntou para a minha mãe se eu era batizado. Ela falou “não”, daí ele batizou na mesa, “esse cara daqui, já era”. E aí, pela graça de Deus não era o momento, fiz a cirurgia, melhorei, operei o coração de novo aos 13 anos, por outro problema, e aos 15 anos eu operei a perna. O problema da perna era consequência do problema do coração. Habilidades físicas eu nunca tive, eu nunca me interessei; mas a música para mim sempre foi a grande diversão, especialmente heavy metal. Ouço até hoje, mas antigamente eu gostava muito. Tive banda, tive uma banda muito boa, que fazia cover do Metallica, do Iron Maiden. Recebi um convite para ser músico profissional, cantor de música brega, mas não importa o estilo de música, era a minha chance de entrar. Imagina, falar isso para o meu pai, eu tinha dezessete anos. Minha mãe virou para mim e falou: “esquece, cara, o seu pai não vai deixar, esquece. Isso é hobby, não é para você viver disso”. E aí eu parei aqui no Santander, e estou feliz da vida. (risos)
P/2 – Você lembra o nome do cantor?
R – Era Ricardo Reis.
P/2 – Ele cresceu ou não?
R – Eu sei lá (risos), mas para mim aquilo seria uma oportunidade muito boa.
P/2– Você se lembra de algum lugar, você chegou a se apresentar ou não?
R– Sim... Coisas pequenas de escola, festivais de música. Eu tocava bateria com esta banda de heavy metal e nossa, era muito bom, essa era a minha diversão. Até hoje é um pouco, hoje eu não tenho muito mais tempo, mas para mim na juventude música era a minha diversão.
P/1– E como é que foi esse caminho da juventude de terminar a escola, escolher uma profissão, um caminho a seguir?
R– A primeira ideia era ser dentista como a minha mãe. A minha mãe sempre foi uma pessoa que eu tive muito próxima; acho que influenciou nisso. Fiz cursinho, aquela história toda, passei em Odontologia. Depois de meio ano, a minha mãe virou para mim e falou: “olha, faz meio ano que você está estudando Odontologia, e você não veio uma vez aqui no meu consultório saber o que quê eu faço. É isso que você vai fazer da tua vida mesmo?” Mais uma vez, nossa... Mãe é mãe. Quer dizer, foi direto no ponto: se o cara gosta por que que não vem aqui ver? E de fato, eu comecei a pensar e esse negócio de Odontologia é um negócio meio chato. O que eu vou fazer agora? Eu queria fazer Propaganda e Marketing, meio que não passei. Prestei Administração de Empresas só para prestar, para não ficar parado, e nesse meio tempo enquanto eu parei Odontologia e voltei para o cursinho para estudar alguma coisa, à noite eu fiz seminário teológico, eu fui estudar teologia; era uma coisa que eu estava começando a me interessar; mas parei também. Era quase que um passatempo, à noite estudava isso e durante o dia, cursinho. E aí então eu não passei no que eu queria, que era Propaganda e Marketing, passei só em Administração de Empresas mesmo, porque na época ficou meio assim: “ah, não passou em nada, fez isso”. Mas hoje eu vejo que houve uma convergência muito grande, eu gosto muito do que eu faço; eu não consigo me imaginar sendo dentista mais: “nossa, eu vou ser um cara estressado, infeliz”, não porque era, mas porque para mim aquilo lá era; eu fico vendo o trabalho da minha mãe, fazendo canal, outras coisas pequenininhas na boca, eu não tenho paciência para isso. Eu acho que foi uma coisa que a vida foi levando, mas foi muito bom eu ter feito administração, depois eu fiz dois MBAs; hoje eu leciono. Leciono na FGV, leciono duas matérias da área de gestão estratégica de negócios. Então a minha vida foi indo por um caminho que ninguém, nem eu imaginava que poderia, alguém que não gostava de estudar... Hoje eu leciono, e gosto (risos). Então, é muito legal esse negócio, de deixar a vida te levar.
P/1 – E como é que foi entrar na faculdade, seguir os caminhos da Administração, descobrindo essa área?
R – Olha, Fernanda, eu entrei primeiro. Eu não fui fazer Administração intencionalmente; eu fiz porque eu não passei em outra coisa; este é o fato (risos). Mas logo quando eu entrei, nos primeiros dias, eu gostei do curso. Puxa isso aqui é legal, Contabilidade, Sociologia, tem um monte de coisas legais aqui e para mim foi muito bom, logo eu já comecei a trabalhar, no primeiro ano de faculdade, eu já não estava mais tão novinho, com a idade com que eu estava entrando em administração de empresas, tinha gente que estava saindo da faculdade; então é duro, e já comecei a me mexer, meu primeiro emprego foi vender cartão de crédito por telefone, por lista telefônica, uma coisa horrorosa. Eu pegava a lista telefônica e ia com a reguinha ligando para vender cartão de crédito, mas eu tinha que começar. Depois eu fui trabalhar na Varig, eu fazia reservas internacionais. Eu falava inglês muito bem por conta da música, como eu gostava de música estrangeira, eu falava inglês relativamente bem, eu também sempre fiz aula particular de Inglês, tinha uma fluência boa, tinha ido para os Estados Unidos para passear. E eu passava seis horas por dia falando inglês, ligação das operadoras de fora do país, e eu fazendo reserva. De lá eu falei “bom eu preciso mudar daqui; fazer isso para o resto da vida, não vai dar”. Foi então que eu mandei, tinha uma proposta, um caderno de empregos, tipo Estadão [Jornal O Estado de São Paulo], eu vi um anúncio para trabalhar no Banco Real. E foi aí que eu mandei meu currículo e me chamaram para uma primeira entrevista. Nesta entrevista eu me dediquei bastante, depois me chamaram para o seguinte “a vaga é para trabalhar na área de telemarketing”. O seu próximo teste é que você tem que vender alguma coisa por telefone para a gente, dia tal, tal hora você liga. Aí eu falei “acho que eles não estão preocupados com o que eu vou vender, mas como”. Aí eu pensei, deixa eu pensar em alguma coisa bem inusitada para me destacar. E eu vendi um passeio de elefante na Paulista. Isso é legal, não sei de onde veio isso, foi um midnight oil, apareceu assim, um negócio, e eu vendi isso por telefone, foi divertidíssimo. A mulher fez muita pergunta difícil para mim, depois eu fiz entrevista com o diretor e entrei no Banco Real. E aí no Banco Real fui ajudar, fui um dos primeiros gerentes de uma área que atendia pessoas, abria contas, cuidava dos investimentos, mas tudo remoto, por telefone. Era uma agência virtual, o gerente, hoje em dia isso não existe mais. Foi uma época que investiu-se muito nisso. De lá eu ainda fui para outra área. Eu soube que tinha uma vaga para trabalhar no Private Bank, uma área que cuida de clientes com maior sofisticação e volume financeiro. Eu bati na porta e falei: “olha, eu soube que tem uma vaga para trabalhar no Private Bank, eu trabalho aqui no banco, e queria saber como é que é”. E a diretora olhou assim, ah, sente aqui, conversa, gostei de você. “Fale agora com o outro diretor geral”, conversei com ele na sequência. Ele já começou falando inglês comigo, eu falava muito bem o idioma, e em uma semana, eu já estava contratado. Ir para o Private foi muito bom, e de lá recebi um outro convite do próprio banco, para montar uma área que trabalhava com investimentos também, à distância; e então eu recebi um convite para sair do banco, para ir para um outro banco, o Lloyds. Não sei se você quer parar um pouco.
P/1 – Não, você pode...
R – Eu fui para o Lloyds onde eu fazia a mesma coisa; eu gerenciava uma equipe grande, fiquei pouco tempo, achei a estratégia um pouco diferente o que eles estavam fazendo, todos os bancos que queriam crescer no Brasil, ou compravam agências ou estavam crescendo organicamente, abrindo as próprias agências, como fazemos hoje no Santander. E o cara fechou as agências e foi para uma agência escritório aérea, dentro de um andar de um prédio. Eu falei: “eu sou uma pessoa que veio do varejo, como é que eles estão falando que estão investindo no varejo e estão saindo da rua, estão fechando lojas, então é uma coisa esquisita”. Aí eu saí.
P/2 – Deixa eu só voltar um pouquinho. Como essa coisa de vender o produto, de vender o passeio de elefante na Paulista foi um divisor de águas, de onde você começou, você se lembra do que você usou para convencer, como foi a sua venda?
R – Ah, lembro bem. A venda foi o seguinte. Eu falei “olha, estou ligando para você para vender um passeio de elefante na Avenida Paulista”. Como assim? “No final de semana, as pessoas não têm diversões diferentes aqui em São Paulo, culturais... Então o passeio, ele tem uma coisa inusitada, ele sai do Paraíso e vai até a Consolação, e termina o passeio num restaurante indiano. Você pode ir com a sua família, pode passear como naqueles red bus”. Ah, mas é seguro? Primeira coisa que ela me falou. Falei: “claro que é seguro. Este transporte é utilizado há milênios na Índia. Você pode ficar tranquila”. E ela perguntou se o animal transmitia doença, se tinha pulga, ela fez de tudo para testar a minha argumentação. Eu falei “não, o animal é vacinado”. Argumento era o que não faltava. Quando você cria uma coisa inusitada, os argumentos são mais... Tem mais argumentos. Enfim, acho que foi isso, foi muito legal. E depois quando eu fui contratado, o RH [Recursos Humanos] lembrava bastante desta história: “ah, este é o cara do elefante?” Foi uma sacada para a época, eu era muito jovenzinho, foi uma sacada legal.
P/2– Foi um marco então?
R– Acho que foi, porque eu voltei para o banco depois. Eu saí do banco, trabalhei em outras duas empresas, o Lloyds e a Eletricidade Portugal, e depois recebi o convite para voltar, mas era já na gestão do ABN Amro.
P/2 – Então, voltando então a falar deste primeiro momento no Banco Real, como é que foi começar o trabalho em banco, fazer estes relacionamentos com clientes, por telefone, como é que era este processo todo?
R– Olha, para mim não foi muito difícil não. Foi um desafio grande, mas eu acho que fazia com certa naturalidade, tinha a coisa, como sempre tem, da meta, mas não era isso não eu aprendi, eu tive que estudar muito a parte de produtos financeiros, especificamente em investimentos, o banco dava muito treinamento, principalmente em investimentos, que é algo que pode ser difícil de entender, mas aquilo foi muito, muito legal, e foi agradável, começar a lidar com pessoas, ter carteiras de clientes, foi uma experiência agradável. Eu gosto de banco, eu trabalhei seis meses fora de banco, fui para o Lloyds, passei pela Eletricidade Portugal onde fiquei seis meses e não aguentei. Não via a hora de acontecer alguma coisa. Um amigo meu do banco me perguntou se eu queria vir para cá, para voltar para o Banco.
P/2 – Por que você acha que se identifica com o Banco? Qual é a sua característica que você acha que...
R – Eu acho que tem a ver com o dinamismo, com o mercado altamente competitivo, acirrado, com a dinâmica das coisas. Você vai para uma indústria, em específico uma distribuidora de energia elétrica, primeiro que você não tem concorrente. Você não perde negócio. Você tem que trabalhar para manter a qualidade, o nível de distribuição de energia; mas não tem o cara que vai tomar o cliente de você. Você tem as pessoas daquela região que você tem a concessão. Agora em banco é o tempo todo, e você tem que inovar, tem que se superar, pensar em alternativas de poder driblar a concorrência, de ganhar mercado, de ganhar quota de mercado; acho que esta dinâmica toda ela é uma coisa que para mim, eu sempre gostei muito. Já trabalhei nas duas pontas, tanto no atacado quanto no varejo; trabalhei muito mais no varejo, mas fiquei sete anos já dentro de operação de atacado, mas varejo para mim é uma coisa que eu gosto mais. A dinâmica para mim é uma dinâmica que me atrai bastante. Enfim, acho que é isso, do banco. A indústria, eu já trabalhei em indústria, o meu pai teve uma fábrica, é algo mais programado. Tem seus estresses, tem sua pressão, mas é outra dinâmica. A dinâmica do mercado financeiro, para mim, eu fiquei fora seis meses e fiquei maluco. Minha mulher falou assim para mim: “foram os piores seis meses da tua vida. Você chegava em casa estressado, bravo, nervoso. E quando você está no banco não, você parece que está satisfeito lá”. E estou mesmo, eu gosto de trabalhar em banco.
P/1 – E para um leigo, antes da gente continuar a falar da sua carreira, qual é a diferença no banco, do atacado para o varejo?
R– Eu acho que tem, no varejo cuidamos das agências. São três mil agências, cuidamos da pulverização. No atacado cuidamos das grandes empresas. Você faz as operações estruturadas, são operações de volumes muito maiores, e os gerentes de relacionamento têm carteiras com menos clientes, óbvio, são clientes gigantes, eu estou falando das maiores empresas do Brasil; nós operamos com todas elas, todas. A dinâmica, há uma certa dinâmica de negócio. A dinâmica do varejo, essa coisa de ter loja, agência, cliente pessoa física, o pequeno empresário, em larga, em grande quantidade. Isso para mim, sempre me atraiu. Acho que isso explica um pouco, a história, meus pais sempre trabalharam em supermercado e supermercado é isso, é varejo. Então, pode ser que tenha alguma coisa aí, mas esta é a diferença fundamental. Grandes empresas; e pequenas empresas e pessoa física.
P/1 – Carlos, como é que foi então voltar para o Banco Real já com outras características, já não era mais só o Real era todo o ABN Amro.
R– Foi muito legal. Quando eu saí do Banco Real, eu saí por um convite; eu sinceramente não estava atrás naquela época. Então, foi muito legal voltar; eu tinha as portas abertas. Quando eu voltei, grande parte dos meus amigos continuava aqui. E revê-los, voltar às áreas, voltar a falar com as pessoas daqui, para mim foi tão natural, tão gostoso. Já em uma outra gestão, a gestão do ABN Amro, mas foi muito gostoso. Até porque se eu não tivesse boas experiências aqui, não voltaria. Mas eu saí com as portas totalmente escancaradas. Quase que foi um estágio fora do banco o tempo que eu passei; porque eu voltei e me senti muito bem. Nossa, esse retorno foi muito tranquilo. Voltei para uma área que chama área de segmentos, e enfim; de lá, depois, abrimos outros projetos que é onde eu estou até hoje, mas foi muito bom.
P/1– Você sentiu alguma diferença de sistema, de pessoal?
R– O sistema era o mesmo, as pessoas eram quase; em sua maioria as mesmas, eu não fiquei muito tempo fora do Banco Real. Eu brinco que foi uma experiência marcante, eu chegar de volta ao banco. Tinha um sistema que chamava Barra Zap, era um sistema horroroso, mas funcionava ali, não era nem plataforma Windows, era aquela tela preta com números verdes. Eu me lembro quando eu sentei de volta ali na minha baia, Barra Zap apareceu na tela para logar. Eu falei: “Nossa, eu lembro desse tal Barra Zap...” Essas coisas foram assim, para mim, foi como voltar a um lugar que eu já estava, e foi uma experiência muito boa. Então não teve problemas, pelo contrário, foi muito gostoso voltar para o banco. E estou até hoje.
P/1– Quais foram seus novos desafios, no banco, com esta outra gestão, com outras funções?
R– Olha, eu voltei para uma área de segmentos, que é uma área que cuida da estratégia comercial do Banco; e para uma área específica que chama Segmento Clássico, que é o segmento de renda que hoje é o de quem ganha em torno de mil e duzentos reais, é um segmento que vem muito através de folha de pagamento; vim para trabalhar nesta equipe, com outros colegas; e depois, o que aconteceu de diferente foi que eu voltei para cá no ano 2000. No ano 2002, eu saí para umas férias, e de vez em quando, eu faço projetos humanitários durante elas. Eu sou envolvido com uma ONG britânica, já levei uma equipe de médicos e dentistas para Angola, durante a guerra, já estive em Burkina Faso, em Níger, onde eu fiz este filme, fui para o Haiti na época do terremoto, no ano passado. Eu lembro que o terremoto foi em Janeiro, em Abril eu fui para o Haiti ajudar na reconstrução de algumas moradias... Então, de vez em quando, eu dedico algum tempo das minhas férias para projetos como estes. Em 2002, eu tinha ido para Angola em Janeiro, levei uma equipe de médicos e dentistas, passamos vinte e poucos dias lá, eu minha esposa e eles. Quando eu voltei, tinha um convite para eu integrar uma diretoria, que era a Diretoria de Desenvolvimento Sustentável. E eu falei: “nossa, o que se quer com isso? Minha carreira sempre foi na área de negócios, e então, na época o presidente do banco, e a diretora da área hoje que é a Malu [Pinto], falaram claramente para mim: “olha Nomoto, estamos procurando alguém, nosso objetivo hoje é permear a questão das pessoas, do planeta e do lucro. O banco precisa fazer negócio de uma maneira que seja boa para o acionista, para os clientes, para o funcionário, para a comunidade, para o meio ambiente, com ética, transparência, tudo isso. Queremos alguém que conheça muito bem as operações bancárias, os negócios de um banco, para ajudar a colocar esses aspectos todos, incluir aspectos ambientais, sociais, ética, transparência, cuidado com o cliente, tudo isso, sair da visão produto para a visão cliente dentro dos negócios do banco. Você, como tem uma visão de tudo isso; trabalhou em mesa de operação; trabalhou com produtos; trabalhou na área comercial; gostaríamos de fazer um convite para vir para esta área”. Falei com quatro diretores do banco e os quatro foram unânimes: todos eles falaram “Nomoto, você tem que ir”. Isso eu estou falando em 2002. Hoje em dia, até que sai muita matéria, é legal trabalhar com isso. Mas em 2002, não existia isso. E os quatro falaram o seguinte “Nomoto, essa área vai crescer e as empresas não terão outro caminho se não for através disso. Vai porque você vai se dar bem lá”. Nunca me arrependi, nunca. Não foi nem ter dado uma guinada na carreira, não foi, mas acho que eu continuo na mesma direção mas em uma outra pista: como que eu ganho dinheiro com isso? Como eu ganho dinheiro com operações que reduzem água, consumo de energia e resíduos? Como que eu ganho mais dinheiro com energia renovável? Como eu ganho mais dinheiro com a mudança climática? Como que eu aumento a rentabilidade para o acionista com tudo isso? É isso que a gente faz. Então, este foi um momento importante e convergiu com algo que eu já atuava, não é? Eu achava que o mundo podia ser melhor de alguma forma, e convergir isso com os negócios, para mim foi divino.
P/2 – E eles já tinham conhecimento deste seu envolvimento com questões sociais, e o convite foi por conta disto também?
R – Eu acho que também, eu acho que também. O Jerônimo [Ramos], que já falou aqui, ele toca o microcrédito hoje, e logo que eu fui para a área – antes de eu ir para a área de Desenvolvimento Sustentável, o banco já estava estudando o mercado de microcrédito e tinha um colega, que já se aposentou, que era diretor de crédito e estava avaliando isso, o assunto, este novo mercado. Eu soube disto e eu fui lá na cara dura e falei “você que está trabalhando com microcrédito?” Ele falou: “Sou”. Aí eu falei: “Puxa, posso juntar com você; vamos fazer isso juntos?” “Tá bom.” Aí eu falei com o meu chefe: “Olha, posso dedicar algumas horas, que não vão atrapalhar o trabalho, mas eu queria participar desse projeto. Pode?” E o banco tinha umas coisas legais assim, o microcrédito não começou porque o banco definiu que vai fazer; tinha um diretor que acreditava, pediu para avaliar com o vice-presidente e falou: “Vamos montar um banco desse”, designou um diretor de crédito para cuidar do assunto e eu que não tinha nada a ver, grudei neles e ele falou vamos juntos, vem aqui, vamos descobrir o que é isso. E então, quando eu fui para a área de Desenvolvimento Sustentável, foi o meu primeiro projeto junto com este colega: implementar o banco do microcrédito. Que está até hoje, tem uma carteira, já emprestamos mais de um bilhão de reais para empresários com pequenos negócios. Quando eu vejo a operação do microcrédito, foi uma coisa muito legal, ter um banco que atende essas pessoas; esse alinhar as duas coisas, o fazer negócios, melhorar a qualidade de vida das pessoas, desenvolver negócios que cuidem dos ativos ambientais. Tudo isso para mim, que é o que eu leciono também na FGV [Fundação Getúlio Vargas], em uma das matérias que eu leciono lá no MBA, converge muito com aquilo que eu acredito, converge com os meus valores.
P/2 - Só voltando um pouquinho, em que momento você percebeu a necessidade de colocar um pouco do seu tempo para as questões sociais? Você falou muito da carreira, mas e esse meio tempo, aqui?
R - Eu acho que isso tudo vem muito em função de uma decisão que eu tomei com dezoito anos de idade, que eu elegi a fé cristã como sendo a minha crença. Poderia ter elegido outra, todas são boas, mas eu elegi que a fé cristã seria a minha crença. Então, se é a fé cristã, o exemplo é Jesus Cristo e ele fazia coisas muito diferentes, estava sempre disposto a fazer algo pela humanidade, então eu acho que foi daí que brotou essa coisa de poder extrapolar um pouco os limites... Eu e a minha esposa, desde quando nós éramos namorados; sempre fizemos alguma coisa assim; algum projeto social, muito naturalmente. Não é uma coisa tão heróica assim. E um dia vimos que podíamos estender um pouco mais isso, e conhecemos um angolano; e esse angolano falou “olha tem muita coisa a ser feita na Angola, por que vocês não ajudam a gente?”, aí eu falei “é, por que não?”. E foi aí que começou um pouco dessa coisa de ir mais longe além do que fazíamos no nosso dia a dia. Acho que foi daí que veio; daí um pouco do exemplo. Quero deixar claro para vocês também, como eu falei uma vez no TEDx [Tecnologia, Entretenimento e Design] aqui no banco, essa coisa de dedicar as férias, às vezes as pessoas pensam assim “poxa, o cara dedica as férias para fazer uma coisa pela humanidade...” Eu falo assim: “Olha, não é uma coisa tão especial, eu também passo férias na Disney, eu também vou para Chicago, eu vou para a Europa...” Eu faço coisas como pessoas normais, não sou nenhum bicho diferente não. E eu digo mais: eu vou para esses lugares, em 20 dias você não muda muita coisa. Você não muda quase nada. Em 20 dias você praticamente não ajuda a vida de ninguém, ajuda a vida de poucas pessoas. Para as pessoas que estão lá, elas ficam felizes de ver alguém que vem de tão longe, trazer uma palavra; conversar; brincar; mas você efetivamente não muda a realidade daquele país em tão poucos dias. Por que eu vou para esses lugares? Honestamente, esses lugares me ajudam a equilibrar os meus valores; no Haiti, foi uma experiência muito forte, eu dormia numa barraquinha, fui preparado para dormir numa barraca com um monte de gente, e eu tinha o privilégio de ter uma barraca só para mim; cabia uma pessoa, mas era só para mim. E não tinha luz elétrica, então dava sete da noite, escurecia. E de ficar sozinho das sete da noite às seis da manhã do dia seguinte; sem ninguém para você conversar, sem luz elétrica, então... Aquele momento para mim, aquilo me ajuda a alinhar muito os valores, o que que é importante e o que não é na vida, sem radicalismos. Gosto de tecnologia, tenho videogame, Ipad, Ipod, todas essas tranqueiras. Mas também podemos viver sem isso, isso pode ter seu devido lugar; não é viver sem isso, mas ter o devido lugar. Mesmo carreira, mesmo profissão, tudo isso tem que nos trazer prazer. Mas a vida também é mais do que isso. Tem valores, família. Cultivar o relacionamento com a com a minha esposa, se eu deixar largado, vai acabar um dia; com meus filhos, cultivar o meu relacionamento com Deus; com meus amigos, cuidar do meu corpo... Eu acho que isso, quando eu vou para esses lugares, tudo isso me ajuda a colocar tudo isso nos devidos lugares. Não é deixar a coisa de lado, mas a coisa estar no devido lugar. Sem saber, uma coisa vai ocupando o lugar da outra e aquilo vai nos desestabilizando.
P/1– Carlos, queria saber como é esse exercício de balancear todos esses valores, por que isso é importante, para o dia a dia? Como é que você faz isso no quotidiano?
R– Eu acho que diversas coisas nos levam ao oposto disso, né, Fernanda? Me perguntaram outro dia se eu sou uma pessoa feliz. Eu não sei se eu sou feliz, acho que sou. Mas eu sou uma pessoa satisfeita. E satisfação, não vou dizer que depende só da gente, já vi situações onde não depende só do cara ser feliz ou estar satisfeito porque ocorre uma catástrofe e a pessoa não tem culpa de estar lá; então é muito ruim. Mas tirando esses casos, como o Haiti, como Angola na época da guerra, tirando essas coisas críticas, mas concentradas em outro lugar, eu acho que é importante, Fernanda, essa coisa do estar satisfeito; e escolhemos a nossa satisfação. Como que isso se dá no dia a dia? Primeiro, eu acho que eu tenho uma missão, como tendo um cargo de certa responsabilidade no banco, eu acho que eu tenho a missão de proporcionar às pessoas que trabalham comigo, à minha equipe que elas sejam, que elas estejam satisfeitas. Eu não tenho a intenção de satisfazê-las 100%, porque eu acho que o ser humano busca sua satisfação de diversas formas e em lugares que não é somente no trabalho; mas no que for trabalho, que é o motivo pelo qual estamos juntos, que eu estou junto com uma equipe, eu tento fazer com que isso seja uma forma de satisfação para eles. Cada um tem um; então eu tento entender um pouco o que satisfaz cada um. Alguns é salário, é grana. Teve um, há um tempo que virou para mim e deu um queima roupa em mim, “eu quero que você aumente o meu salário”. Opa, que é isso, tá bom, então vamos conversar. Outras pessoas são outras coisas, é relacionamento, outras o ambiente de trabalho, é muito forte isso. Outras não, o ambiente de trabalho pode estar, tem que estar bom no mínimo sempre. Mas alguns lidam mais, outros menos com pressão. Outros gostam de desafios muito intelectuais, outros preferem desafios de influência, gostam mais de estar influenciando as pessoas do que ficar numa planilha trabalhando com números ali, com análises. Então, eu acho que como sendo um dos gestores desta organização eu tento me atentar para isso; ajudar o outro também a estar satisfeito. Se vai estar feliz, aí já é outra coisa, mas satisfeito na questão profissional, aí é um papel, é uma oportunidade que eu tenho de desempenhar com eles.
P/1– Certo. E voltando então um pouquinho para essa sua fase da criação de novas iniciativas em desenvolvimento sustentável, como é que foi; quais eram os primeiros desafios que essa área enfrentou; como é que era discutir desenvolvimento sustentável numa época em que não se discutia isso?
R– Foi muito legal Fernanda, falar de uma coisa que ninguém falava... Eu digo legal porque vanguarda é uma coisa que eu sempre gostei. E eu acho que as pessoas gostam em geral. Mas, como é que era falar isso? Para nós, o primeiro exercício é conosco mesmo, é difícil mudar o outro. Nós só podemos mudar a nós mesmos; então, como que eu falo numa linguagem que a pessoa entenda? O cara tem uma meta de abertura de contas; o cara tem uma meta de venda de seguros. Como é que eu falo do planeta, das pessoas, para alguém que o que está o tempo todo na cabeça dele, o que tira o sono dele não é isso. Como fazemos as pessoas pensarem de forma mais sistêmica? Então, no começo foi muito difícil como conectar isso com a realidade de cada pessoa. Então o cara do RH: o que sustentabilidade tem a ver com alguém de Recursos Humanos? Então, diversidade, pessoas portadoras de deficiência, diversidade de ideias e de opiniões além da diversidade étnica e de gênero, uma coisa. Você vai pegar o cara de finanças. O que é que o cara de finanças pode ter com sustentabilidade? Indicadores, que reduzam o consumo de água e energia elétrica do banco. O que uma pessoa de marketing pode ter? Reputação, quer dizer, como a gente pode melhorar a marca do banco, em relação à concorrência com esse atributo de sustentabilidade. O cara da área comercial, como é que você pode identificar clientes que tenham necessidade de financiar e trocar máquinas que reduzam, que tenham menos consumo de energia e portanto, o cliente tem um custo menor e sobra mais capital para ele investir na empresa. Hoje, eu falo com uma certa facilidade, mas no começo, foi muito difícil: ficar mostrando foto de urso polar, a calota de gelo derretendo... Ok, são problemas globais mas no dia a dia das pessoas, o urso polar está muito longe; e você falar “ah, não fractal. Uma borboleta que bate a asa aqui e influencia ali” o cara fala “ah, me desculpa. No dia a dia essa história da borboleta não funciona”. Pode ser que seja, eu não estou criticando, mas eu não vejo essa borboleta que batendo asa aqui... Isso não existe. Temos que trazer um bilhão de reais de captação de um determinado produto. E como é que sustentabilidade me ajuda nisso? Esse é o pragmatismo que a gente foi aperfeiçoando ao longo do tempo e segundo, mobilizando as pessoas, essa coisa de as pessoas também ter uma pitadinha de acreditar. Tudo que ainda não existe, você precisa acreditar. Isso é fé: fé é a certeza das coisas que não existem e vão existir um dia; isso é fé. Se já existe, então não é mais necessário você ter fé, então fé é isso. E sustentabilidade no começo foi muito isso. E eu acho que precisamos ter um pouco dessa pitada. Nós trabalhamos muito a questão do engajamento, que é a palavra que nós usamos, então a pessoa está engajada. É ganhar dinheiro, é bater sua meta, mas é também entender o seu papel. Através do seu trabalho, você pode ajudar a fazer um mundo melhor. Você pode ajudar uma ONG e ir para o Haiti, Angola, esses lugares, mas você também pode fazer isso no seu trabalho, através da sua atividade. Se as pessoas entenderem isso e eu comecei a entender um pouco mais isso, eu acho que isso ajuda a trazer um pouco mais isso... Eu acho de sentido para o seu dia a dia, que tem a ver com satisfação, de encontrar sentido nas coisas. Quando você não encontra sentido nas coisas, você começa a ficar, meio parece insatisfeito.
P/1 - E por que isso é importante? Você trazer toda essa reflexão do planeta, da economia para o trabalho; você pensar daqui a cinco anos; por que você pensar na sustentabilidade é importante?
R – Bom, na perspectiva do acionista é importante porque isso dá dinheiro, isso melhora a reputação do banco e reduz risco. Ok? Pragmaticamente é isso. Agora, no aspecto da essência do negócio das empresas enquanto organizações potentes e que são responsáveis por muito da direção que o planeta toma hoje... São as empresas que definem hoje as grandes tendências, são as empresas; através do consumo. É assim que eu vejo. Então acho que neste sentido, vai além do que eu acabei de responder para vocês tão friamente. Eu acho que é importante. As empresas têm um potencial de mudança muito grande, positivamente é o que eu quero dizer. Imagina uma grande mineradora querendo fazer isso do jeito correto e mantendo todas as características possíveis dentro de uma intervenção dela dentro do meio ambiente. Isso é muito bom, e em alguns momentos, ela pode deixar melhor do que estava, dependendo da situação que ela encontrou. Você imagina um banco: nós lidamos com fluxo de recursos, nós financiamos empresas. Na medida que fazemos isso com as empresas que promovam as melhores práticas, o potencial de mudança que a gente tem é fantástico. Como mensurar é ainda um desafio, mas o potencial existe. Se eu financio cada vez mais negócios de energia renovável eu ajudo a melhorar a forma como as pessoas vão consumir energia – que diga-se de passagem, vai aumentar 50% nos próximos 30 anos – quer dizer, vai acabar; os modelos atuais não vão atender. Se eu financio formas alternativas eu estou contribuindo para perpetuidade deste planeta. Então, esse é o outro aspecto, respondendo à sua pergunta. Tem o aspecto mais pragmático e direto, que isso aqui é muito retorno para o acionista, reduz risco, e aumenta a rentabilidade do banco; é isso sim, sustentabilidade é reputação, também, e existe o outro aspecto que é o papel das organizações, que é um outro aspecto na minha opinião inclusive mais potentes que os primeiros que eu mencionei a vocês.
P/1– E qual foi o impacto dessa área para as atividades do banco? O que mudou na prática efetivamente com as discussões de sustentabilidade?
R– Olha, eu acho que tiveram algumas mudanças importantes. Foram várias, mas uma delas é o cliente. Nós estamos aqui porque nós temos clientes; no dia que não tiver mais clientes, e clientes rentáveis... Se não tiver mais clientes rentáveis aqui no banco, fecha as portas: são os clientes que trazem a receita para nós. E os clientes, acho que primeira mudança; nós começamos a despertar este assunto entre os clientes. Como nós operamos com todos os setores da economia, nós temos um potencial de indução muito grande. E cada interação que nós temos no financiamento, via propaganda, numa interação via call center, no internet banking, todas as frentes de interação, através do gerente de relacionamento, essas frentes de interação, elas estão levando mensagens para os clientes. E uma destas mensagens é que ele pode fazer alguma coisa. E se você não acredita que isso é importante, saiba que se não for porque você acredita, saiba que a legislação vai começar a te pegar. A sociedade vai começar a cobrar isso de você, seus funcionários vão cobrar isso de você, os teus clientes vão começar a cobrar uma postura de você. Então, se não é porque você acredita, não importa, a pressão virá. E nós ajudamos um pouco nessa pressão positiva. Nós ajudamos mais os clientes a essa mudança; a outra mudança é o nosso próprio negócio, entender que nossos negócios podem ter impactos positivos e negativos. E quando nós passamos a avaliar as iniciativas do banco a partir de critérios ambientais e sociais, significa que estou financiando empresas que têm boas práticas, e quando eu não financio empresas que têm boas práticas eu estou – entre aspas – meio que limitando o acesso delas ao capital para continuar fazendo práticas ruins. E uma terceira é a inovação, criação de novos produtos, coisas que não existiam; processos operacionais hoje que utilizam menos papel, menos água; negócios que nós antes não colocávamos tanto o olhar, e que hoje nós desenvolvemos com muito mais volume também foi outra mudança. E terceiro, as pessoas. Colegas começaram a entender um pouco mais, colocar um pouco mais de sentido na atividade... Eu acho que sustentabilidade tem um pouco disso também, Fernanda, não vou dizer que é a única coisa que pode trazer sentido para o seu trabalho, mas é um dos elementos que podem te ajudar a encontrar sentido para o que você faz.
P/1 - E como é que funciona aqui a questão do consumo consciente, como isso é divulgado?
R - O consumo consciente tem diversas faces de você tratá-lo, aqui no banco tratamos muito por uso dos nossos recursos; e aí tem um outro ponto que acho que é até mais importante do que esse inclusive, que no nosso caso, é a orientação financeira. Ajudamos a educar - a começar pelos nossos funcionários, e depois incluindo os nossos clientes - em como começar a usar melhor os nossos recursos financeiros. Ainda ontem, antes de ontem, eu estava numa reunião e falando sobre – numa linguagem mais popular – sobre dinheiro que emprestamos e o cara não paga; temos que lançar isso como uma provisão, basicamente é isso; é uma perda, e isso é insustentável. Porque dinheiro é um recurso; e se o cara não me paga, e se ele quebrar financeiramente e a empresa fechar, os recursos foram todos embora. Se eu coloquei um milhão de reais naquela empresa e a empresa quebrou, perdemos um milhão de reais; ele perdeu um milhão, todo mundo perdeu. Para onde foi esse dinheiro? Esse dinheiro foi embora e isso é altamente insustentável. Uma empresa quebrar é uma coisa insustentável, não pode quebrar. Então esse foi o outro aspecto e o nosso recurso é financeiro, é dinheiro. Consumo consciente para os bancos e para nós, é muito mais isso. É muito mais como lidar melhor com esse recurso que é o nosso negócio. É como lidar com os recursos financeiros: investir melhor, saber que tipo de produto você deve tomar como empréstimo, tem produtos que não são os mais adequados para você. Tinha uma coisa, o banco poderia ter aproveitado mais, eu não sei se teve alguma coisa de regulação ali, mas... O banco utilizou pouco uma campanha que fizemos que é “se você vai daqui até a Zona Norte de São Paulo, o táxi é a melhor opção. Mas táxi não é a melhor opção daqui até Pernambuco. Então, cheque especial é uma boa opção, se você vai andar daqui dez dias, se você precisa de um empréstimo para seis meses, um ano; cheque especial não é a melhor opção, você tem que fazer um crédito parcelado. Eu acho que aquilo ficou muito legal, e tem muito disso e ainda tem muito por fazer. Não acho que nós ainda somos benchmark disso não.
P/2 - E falando nessa sua trajetória, aí nesse caminho, de todo esse desenvolvimento da área da sustentabilidade, teve a chegada do Santander no grupo do ABN. Como é que foi isso, como é que esta chegada do Santander iniciou, na prática, o que mudou?
R - O Santander ajudou a acelerar o pragmatismo que temos de fazer isso virar negócio. Não é que não tinha antes. No Banco Real, sempre foi a estratégia incluir isso no core business do banco, na estratégia principal. E conseguimos. Mas em alguns momentos nós não ganhamos escalas em algumas frentes. E uma das frentes que nós não ganhamos escala foi financiar pequenas e médias empresas em água, energia e resíduos. E isso está acontecendo. Então, pela primeira vez temos a oportunidade de alavancar essa escala dentro do varejo. Essa foi uma coisa esplêndida, nós sempre aguardamos este momento. Eu particularmente sempre tive vontade de chegar no momento que estamos agora. Temos até uma meta de captação, o que é bom. Isso ajuda a induzir esse movimento; e o Santander ajudou a ganhar escala, a ampliar mais esse assunto. Eu acho que é isso; O Santander ajudou a abrir “olha, vamos ganhar essa escala com isso”. Sempre fizemos, sim, mas antes não tinha escala. E agora o Santander é um banco muito grande; é um banco que me impressiona “como ele é gigante”. Semana passada eu estava, o Don Emilio [Botin] estava aqui. Ver o Don Emilio [Botin] falando é uma coisa impressionante. De como esse banco... Primeiro, que ele está muito bem durante a crise, é um banco capitalizado. Ele está mais capitalizado do que exigência dos acordos internacionais que estão sendo feito agora. Enquanto os bancos estão com problemas de capital, o conservadorismo que tem no crédito do banco para este momento, está sendo muito positivo, extremamente, muito muito positivo. Então acho que o Santander veio neste sentido. No mais, Fernanda, esse é um discurso que pode soar como institucional, mas me fala onde pega. Chegaram, mas e aí, os caras não tinham isso na veia, e o Banco Real tinha. No fundo a sua pergunta tem um pouco disso também, né, acho. Todo mundo ficou receoso, preocupado, se o assunto não ia morrer, se não ia... O assunto não morreu, diria para vocês que é interessante que agora, colegas que diziam que acreditavam e que estavam engajados no assunto, agora nós temos alguns produtos, algumas estratégias comerciais para sustentabilidade, e esses colegas não ajudam muito. Então, ah, mas é você que achava que o assunto tinha morrido? O assunto não morreu, olha, está vivo, nós nunca conseguimos fazer isso, tem produto específico, tem premiação, são dezesseis motos elétricas para as melhores produções nesse tipo de... Poxa que legal, nunca tivemos algo assim. Interessante que nem todo mundo que se dizia, que entendia, que estava engajado, está engajado agora, que temos as condições que a sempre quisemos. Então não é tudo às mil maravilhas não, eu acho que o Santander dá oportunidade de ter escala. Tem colegas que estão aproveitando esta oportunidade e tem colegas que não estão. E o ser humano, a gente nunca vai entender, não é?
P/1– E quais produtos são esses? Como é que o cliente se relaciona com esses produtos?
R - Muito bem, o produto já é uma linha de financiamento esse ano, que tem até uma taxa reduzida, eu acho que esse ano, Fernanda e Ana, conseguimos uma coisa que nunca tínhamos conseguido, que é ter um plano comercial de sustentabilidade. Que é um plano comercial? Eu tenho um produto específico, que é uma linha de financiamento, chama K Giro Sustentabilidade. O que tem que ter? Público, então nós temos uma base de clientes que foi selecionada para os gerentes entrarem em contato, que eles têm maior potencial de consumo, de soluções que reduzam água, energia ou geram muitos resíduos, que esta linha de produto atende. Então tem produto, tem base de clientes, separada para isso. Tem base comercial, tem abordagem de material de suporte, como abordar os clientes sobre este assunto. Temos uma premiação, as dezesseis melhores, maiores produções; os dezesseis gerentes que se destacarem vão ganhar uma moto elétrica, que é super legal, uma coisa nova no Brasil. Temos o apoio do diretor executivo de rede e do vice presidente do varejo; o apoio direto deles... Isso é um plano comercial. Tem todos os elementos para uma estratégia comercial e nós nunca tivemos isso. Tivemos um elemento pontual aqui e ali, mas todos eles concentrados é a primeira vez, e o que vai fazer a sustentabilidade permanecer é quando ela virar negócio. Se você fica falando só do institucional, que é importante; ou só da parte de doação, que é importante também, no momento em que vier uma crise, quanto a gente vai ter que apertar, quanto a gente ganha de dinheiro com isso começa a ficar difícil dar algumas respostas, e agora a gente consegue dar algumas respostas, a carteira já tem alguns milhões de reais. Isso dá dinheiro? Dá, eu vou trazer para você, a carteira que a gente tem só deste tipo de financiamento. Podemos crescer, mas já tem um negócio. Então é isso que eu acho que é o grande passo que a gente vem dando hoje, não só no varejo, mas no atacado também. Tem outra colega que toca o atacado e eles já conseguiram um volume excelente neste tipo de negócio. Ainda é um diferencial, mas vai ter um momento em que não vai ter empresa nenhuma que no fim não tiver redução de água e de resíduos, todas elas vão ter que buscar isso um dia.
P/1– E na fala sobre sustentabilidade, também tem a questão da inovação. Que tipo de inovação é essa, qual que é a importância de se inovar?
R– Eu acho que a inovação é um jeito bastante positivo de se falar da própria sustentabilidade, né? Sustentabilidade às vezes é colocada num viés de culpa, destruição, porque estamos detonando todos os recursos, e é verdade. Ok. Qual que é a sua proposta? Coloca a sua proposta na mesa, então. Acho que a inovação é a proposta. Temos que conseguir viver melhor e ganhar dinheiro de uma forma cada vez melhor; rentabilizar o acionista, a inovação vem muito nesse driver, né, ela vem muito com esse direcionamento dentro de sustentabilidade. Como eu gero produtos que consumam menos energia e gerem mais luminosidade? O Led [Light Emitting Diode] é uma dessas soluções também, tem outras lâmpadas que têm também esta característica. A inovação eu gosto muito. Ela é o jeito de falar sobre ter negócios, modelos de negócios melhores, uma sociedade melhor. Para isso acontecer, vamos precisar inovar. O modus operandi, o modelo mental que foi até hoje já sabemos que pode estar desgastando-se, então para isso precisamos inovar, em todos os sentidos.
P/1 - E ainda há pouco você estava falando do Santander, da grandeza que tem o banco... Como é que é a relação de sustentabilidade aqui no Brasil, na área que foi se estabelecendo; com o Santander da matriz, ou com os outros bancos Santander mais pertos, da América do Sul?
R - Eu acho que o Brasil ainda tem um histórico de destaque neste tema. No Investors Day que teve a semana passada teve uma sessão que foi mencionada somente o tema sustentabilidade no Santander no mundo e o Brasil teve ali uma tintazinha um pouco mais carregada nele, né? Então a operação no Brasil é uma operação que tem modelos, projetos e práticas mais instaladas. Agora tem outra unidade no Banco que tem microcrédito, mas nós éramos a única. Acho que México, não sei onde já está começando também. Esse trabalho de plano comercial que eu comento com vocês, quando nosso chefe da Espanha veio aqui e nós apresentamos, ele usou um termo legal e falou: não é coisa de lunático, porque ganhamos dinheiro com isso, isso aqui é uma coisa que em outros países está muito longe, vocês estão muito avançados nisso. O Brasil ainda é benchmark, o Brasil ainda é uma unidade que se destaca nisso.
P/2 - Resumindo um pouquinho esta questão da sustentabilidade entre o ABN e o Santander. Com o ABN basicamente veio com a ideia e o Santander veio com a força financeira e impulsionou todo esse negócio?
R - Eu acho que o Santander está ajudando a dar escala nisso. A vinda do Santander, na minha opinião ajudou a dar escala nisso, ajudou a trazer isso mais para o negócio ainda, não fazer uma ou duas operações, mas fazer escala.
P/2 - Ele individualmente já tinha uma área de sustentabilidade?
R - Tinha sim, o Santander inclusive tinha algumas ações que eram melhores que as do Banco Real, só que não valorizavam tanto; então uma delas era a mesa de operações dele. A mesa de operações do Santander não tinha CPU na mesa. E mesa é um lugar que tem muita gente com muita CPU. Ficavam todas num cooler, uma geladeira em outro lugar. Quando eu vi isso pela primeira vez “ah que legal por que vocês fizeram isso?” “Ah, redução de consumo de energia, ergonomia e segurança da informação”. Fizemos uma coisa no Real, numa sala muito menor do que a de vocês. Só que valorizou, inscreveu numa revista The banker, e ganhou como banco mais green banker do mundo em determinado ano; se eles tivessem inscrito, eles teriam ganhado. Tinha sim, só que não era pela porta de entrada, não era pelo ponto de partida que nós tínhamos; mas tinha sim, tinha uma área específica que cuidava desse assunto.
P/1– E como é que foi então o processo de junção dessas duas áreas?
R – A nossa área é uma área que obviamente que se fala em todas as empresas do Brasil, o Banco Real foi um daqueles que mais se destacou, então tínhamos uma área com expertise, uma experiência mais apurada; isso não há dúvida. Então, na integração que tivemos das áreas acabou prevalecendo tanto mais pessoas como toda a proposta que vínhamos com o Banco Real.
P/1 - E vendo assim, na parte de perspectiva, como você vê o relacionamento, num futuro próximo, de sociedade, sistema financeiro e o meio ambiente, também pensando nessa questão de sustentabilidade, de desenvolvimento local?
R - Eu acho que o que vai puxar tudo isso é o mundo dos negócios, ajudando a estimular consumidores. Eu acho que cada vez mais todo mundo tem um papel muito importante nisso. A mídia tem um papel importante de divulgar o que acontece de bom ou de ruim. A educação nas escolas hoje já é diferente, eu vejo pelos meus filhos, pelo menos na escola em que eles estudam, é diferente a forma como eles tratam já das coisas do mundo, do aprendizado... é melhor. Na minha época eu não estava nem aí, eu já falei para vocês, na minha fase de escola eu detestava a escola. Mas é diferente de hoje, pelo menos na escola dos meus filhos, eu vejo a forma como eles lidam com as conexões, o pensamento sistêmico; como que uma coisa depende da outra. Eles instalaram uma coisa de captação de água de chuva na escola e eu achei aquilo muito legal, não é porque eles fizeram. Fica meia boca, assim, mas o importante não é o resultado final por incrível que pareça. Mas são as conexões que você faz com aquilo. A água vem e a usamos no banheiro, e essa água eu não posso beber, mas eu posso usar para outras finalidades. E essa coisa do ciclo todo, essa coisa da visão sistêmica é algo que eu quero acreditar que cada vez mais as empresas vão caminhando para isso de uma forma ou de outra; de entender que tudo está conectado. E está mesmo, não no sentido de que se vier um desastre vai morrer todo mundo, mas se tiver benefícios vai ser bom para todo mundo também. Gosto da parte de produtos, acho que produto, consumo, isso vai puxar as mudanças. Esses dias eu estava em uma reunião com uma área do banco que trabalha muito consumo, financiamento de consumo, de roupa, sapato, tudo que é tranqueira, carro, e isso é uma coisa legal. Ninguém até hoje trabalhou o consumo como você Fernanda, nenhuma empresa de consumo trabalhou isso de um jeito legal. Não é que eu deixe de comprar uma blusa como essa, mas é “como é que essa blusa foi feita?” Será que ela pode ser uma blusa super legal, fashion, atraente, bonita e ser feita não só em termos materiais, mas a produção dela ter sido feita por pessoas que tiveram uma distribuição de renda melhor que é o que se chama em Inglês de fair trade. Vocês viram esses dias uma loja famosa, isso aqui não vai para público não? Fica só dentro do banco. Uma notícia pública da Zara, teve um problema com o fornecedor deles aqui, isso é o que vimos porque a Zara tem fornecedor no mundo inteiro. Já aconteceu com ela, mas pode acontecer com outros, essa coisa da visão sistêmica que tudo afeta tudo está ficando cada vez mais latente, e isso é muito bom, porque quem souber usar isso bem, vai se sair muito na frente dos demais. Eu acho que quando o Steve Jobs morreu, as pessoas ficaram mais tristes do que quando o papa morreu. Você pega um líder religioso, se morrer hoje, as pessoas vão ficar tristes. O Steve Jobs morreu, você já imaginou se o presidente do Santander morrer e colocarmos flor na agência? Foi o que aconteceu na loja da Apple. As pessoas iam colocar flor, porque o cara morreu. Elas nunca viram essa pessoa ao vivo, a grande maioria. O que eu quero dizer, no contexto das conexões é que as pessoas se expressam hoje. Você vê os movimentos que tem hoje, Occupy Wall Street, e as pessoas começam a ocupar os lugares. Não tem uma ONG [Organização Não Governamental], não tem um partido político, são as pessoas. Tem um consultor do banco que fala uma coisa e eu acrescento uma terceira que é, quando você queria mudar o mundo em 1970, 1980, se filiava a um partido político, na década de 1990, 2000 as pessoas se filiavam a uma ONG [Organização Não Governamental], agora, se você quer mudar o mundo, você vai para uma rede social. É isso, está tudo interconectado. Isso faz com que as empresas tenham que ter uma visão não só madura, mas assumir que ela não tem controle sobre algumas coisas. A coisa do comando e controle vai funcionar durante um tempo, mas durante outro tempo eu acho que talvez não; tudo isso que vai ter, vai estar tudo muito mais pulverizado, as informações diluídas, as reações das pessoas estão diluídas. Você não consegue controlar um cliente nosso que vai reclamar no facebook e o cara tem três mil seguidores, três mil amigos no facebook. Tem cara que tem mil e quinhentos, mil e setecentos seguidores no Twitter, que é um número bom, o cara reclama ali. Você não controla mais isso. O que é bom e o que é ruim, não cabe agora criticarmos. O que vai acontecer, eu acho que isso é muito bom para a sustentabilidade. Vamos ter que aprender a lidar com isso, gerenciar nossas práticas de forma cada vez mais diluída e difusa.
P/1– E pensando assim neste contexto de redes sociais, da virtualização, como é que você vê, também de acordo com a sua prática espiritual, o relacionamento entre as pessoas, entre as pessoas e as instituições financeiras neste futuro próximo?
R – Na minha opinião, não mudou muito a relação das pessoas com os bancos ao longo dos anos. Algumas tecnologias mudaram, mas por exemplo o Mobile bank no Brasil não decolou. No mundo eu não sei, mas internet banking não há dúvida. Não tem nada melhor na vida do que o Internet banking. É tão bom você resolver a maioria das coisas, boleto, pagar tudo. Mas de fato, inovações da interação das pessoas com o serviço financeiro, eu não tenho visto mudanças significativas em escala. Talvez tenha uma mudança pontual ou outra, alguns bancos dos Estados Unidos se não me engano, são dezesseis mil bancos, eles arriscam e de vez em quando tem umas coisas novas, eles inovam; tem muitas coisas diferentes e é legal. Mas com escala, eu não sei se eu consigo ver mudando ao longo do tempo, e eu não sei se poderia mudar muito. A relação com o banco tem que ter solidez. E nisso, o Santander está provando mais uma vez ser um modelo de negócio vencedor. Alguém pode falar, ah, esse seu discurso institucional, hipócrita... Aí eu falei “olha, o que é que está acontecendo, o banco no meio da crise, o banco está bem, está capitalizado. Se a gente passar por uma situação financeira difícil, sem dinheiro, muito ruim, ele passa a situação toda, como na Europa está passando, banco tem que ser sólido. É uma atividade altamente criticada, mas o outro lado dela é uma atividade que se espera uma solidez inquestionável. E nisso, o modelo do Santander quando se fala em fortaleza de balanço, isso é fortaleza mesmo. O investidor, o cliente Santander é uma pessoa que colocando o dinheiro aqui é um banco que demonstra isso na prática, outros bancos oscilam muito. A relação das pessoas com os serviços financeiros nos últimos anos não mudou muito. Talvez elas mudem uma coisa ou outra mas eu não consigo ver mudanças tão bruscas como, por exemplo, se você tinha um Ipod, hoje em dia você tem um Ipad e não consegue mais usar outra coisa. Desktop. As pessoas que têm um tablet, elas não usam mais desktop. E não usam mesmo. Então, essa é uma mudança muito grande; nos bancos é financiar consumo, o crédito... Eu acho que o que os bancos vão ter que mudar, dando um pouquinho o tom diferente na pergunta, no Brasil, eu acho que os bancos vão ter que acelerar mais a não dependência de receitas só de crédito, mas depender nossas receitas também de comissões e de serviços. A tarifa que se cobra da pessoa física, o advisory de grandes empresas, estruturação de operações globais, enfim temos que começar a diversificar a nossa receita de outras formas, não somente com o crédito, mas este é um movimento que já está acontecendo no mercado financeiro aqui, o que tem nos Estados Unidos é nesse estágio que eles operam hoje, e isso talvez faça com que tenhamos que ter uma integração melhor. Eu não vejo que tenhamos que mudar, acho que temos que melhorar.
P/1 - E como é que o senhor vê ou define o negócio banco? O que existe nesta relação que o senhor falou que não mudou e que tem que ter solidez?
R – Não sei se banco tem que mudar, acho que ele tem que melhorar. De fato, em geral, eu acho que não temos um atendimento ao cliente que é o que eles esperam, em sua grande maioria. Não acho que é responsabilidade só dos bancos, mas também é responsabilidade dos bancos. Clientes muito simples não entendem o que é IOF [ Imposto sobre Operações Financeiras], e quando tinha CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira] ele achava que isso era tarifa bancária. Então isso não é problema do banco, não é, mas alguém tem que explicar para o cara. Eu acho que o modelo de atendimento bancário precisa melhorar muito. Existem diversas propostas, nós do Santander temos sim. Nós temos um modelo de negócio, temos uma estrutura enquanto modelo de negócio. Talvez o que precisamos agora é ter o espírito deste modelo de negócio. Uma vez o Fernando Henrique Cardoso falou uma coisa muito legal: no Brasil, nós temos a estrutura da democracia, mas ainda nós não temos o espírito da democracia. A estrutura tem, você vai votar, tem Congresso [Nacional], a estrutura existe, mas não tem o espírito da democracia, aquela coisa de empoderar o cidadão, o eleitor empoderado de quem ele vai votar, participando. Acho que é isso que ele quer dizer com espírito da democracia. Acho que no banco hoje, temos a estrutura de um modelo de negócio vencedor, mas acho que falta o espírito do modelo de negócios. Precisamos incorporar isso, colocar em prática. Nós ainda temos algumas situações que não são situações que deveriam acontecer no relacionamento com o cliente. Ainda às vezes tem. Se eu melhorar o processo eu reduzo drasticamente os custos e quais vão ser os custos para os clientes? O que os clientes vão ser impactados nisso? Precisamos colocar esse impacto do cliente na nossa gestão de custos. Eu não acho que tem que parar a gestão de custos, temos tem que ter uma gestão de custos que nem unha que vai crescendo e temos que ir cortando, se você não fica em cima, vai crescendo. Tem que ter sim, melhorar cada vez mais o processo, mas temos que incluir mais a perspectiva do cliente quando tomamos decisão de custo. E não é deixar de tomar decisão de custo, mas como incluirmos mais o cliente. Acho que tem muito a melhorar, falamos de banco hoje com cliente, acho que tem muito a melhorar no seu relacionamento.
P/1 - Para irmos encerrando, queria voltar às questões mais pessoais. Você falou muito da sua esposa, queria saber como o senhor a conheceu, como é o nome dela?
R - A minha esposa se chama Celise, eu a conheci através do irmão dela. Como eu disse, eu gostava muito de música e o irmão dela também era músico – aliás, o cara era muito bom, muito bom – e éramos muito amigos. Eu costumava ir na casa deles, por causa do irmão dela, éramos amigos, ensaiava na casa dela, fazia uns barulhos ali. E foi ali que a gente acabou se conhecendo, eu nunca imaginava que um dia fossemos casar, mas foi assim.
P/1 - E como é que foi o casamento?
R - Foi muito legal. Eu aprendi uma coisa, uma vez me perguntaram: você casa para ser feliz? Sim, eu caso para ser feliz. Mas coloca em mente que você também casa para fazer a outra pessoa feliz. “Ah, é mesmo, né, esqueci só eu que queria ser feliz”. Acho que é sempre um propósito. Depois que vieram os filhos, Fernanda, acho que tem uma coisa que é dedicar tempo para nós. Hoje é sexta feira. Então hoje é o dia que deixamos as crianças com a babá à noite e fazemos alguma coisa juntos, vamos ao cinema, ou vamos jantar, ou vamos na casa de algum amigo; e precisa ter um tempo só nós dois juntos, acho que isso é muito importante dentro daquela linha de estar satisfeito. Temos que investir no relacionamento. Outro dia eu vi uma comparação que é muito pueril, “ah, no começo, namoro, recém casados, aquele fogo todo, depois você vai ver que com os anos não é bem assim”. Eu não esperava que seria isso também o tempo todo. Acho que a coisa de investir para crescer juntos, isso é legal. Não basta você ter os mesmos objetivos, o meio de chegar aos objetivos também tem que ser muito parecido, que ela também é envolvida com essas causas humanitárias; ela trabalha também numa indústria farmacêutica, está muito bem lá, então estamos muito bem.
P/2– Eram jovens?
R– Eu tinha 28 anos, ela não sei. Não sei quantos anos ela tem. Ela nasceu em 1972, 39. Vixe, o ano que vem ela faz 40 anos, tem que fazer uma festa. Homem é uma desgraça né...
P/1– E os filhos, você falou dos filhos, qual que é o nome deles, quantos anos eles têm?
R– Eu tenho uma filha de nove anos é a Emily, e um de três anos, é o Thomas. Perdemos um no meio do caminho. A Emily nasceu depois de três anos de casados; vamos esperar, vamos curtir a vida, juntos... Veio no tempo certo. Eu não sou o tipo do pai que consegue passar o final de semana inteiro brincando com criança, não sou, não tenho paciência, não é o que eu consigo fazer. Mas eu tento dedicar, para mim é importante vê-los todos os dias. Se tem algo que eu fico triste é sair de casa quando eles estão dormindo, e chegar em casa quando eles já estarem dormindo. Tudo bem, quando eu estou viajando, mas quando eu estou em São Paulo, isso me pega, me pesa, não vê-los nem que seja um pouquinho. Que eu faço? Às vezes tento sair cedo do banco, tento chegar antes deles dormirem, eles dormem cedo, umas nove horas mais ou menos, chego antes disso. Às vezes consigo jantar, às vezes não. E aí depois que eles dormem, faço o que tem que fazer e que eu não consegui fazer durante o dia, respondo os e-mails, leio os relatórios que tem que ler, despacho algum papel. Faço isso depois que eles dormem, só para tentar conseguir vê-los todos os dias. Ficamos muito em casa, temos um espaço gostoso então saímos muito pouco.
P/1– Indo agora para uma parte avaliativa para a gente fechar.
P/2– Você mencionou os seus valores. Quais são destes valores que convergem com o banco? Como você se identifica com o banco e vice-versa.
R – O Santander é um banco que tem 150 anos. Eu me identifico. E tudo o que é colocado hoje pela liderança é construir este banco para os próximos 150 anos, a coisa mais ou menos assim. Isso eu me identifico. Eu me identifico com uma organização que tem uma visão que tem não falar do longo prazo no sentido mais chavão, mas que de fato é uma organização que se preocupa em construir valor. O Santander não é um banco que compra e vende operações financeiras a torta e a direita; ele não fez isso ao longo da história. Ele é um banco que quando compra uma operação – algumas ele acabou comprando e vendendo muito rápido, porque fazia parte da negociação. Mas não é no sentido de compra: “aí não deu certo, a gente vende”... é claro que tem operações de lucro, mas não no sentido de negociador de curto prazo. Vendemos operações, vendemos uma participação agora, vendemos um banco muito rápido, mas não é aquela coisa de entrar ver se dá certo e ir embora. Quando o Santander decide por um investimento, ele decide pela consolidação deste investimento, isso tem a ver com os meus valores, decisões tomadas hoje e que devemos construir algo no futuro, isso é uma coisa que eu vejo. Uma outra é a seriedade. A seriedade do Emílio [Botín] falando, a forma como ele coloca os resultados, o modelo de negócio, seriedade claro, todos no mercado financeiro, todo profissional é sério, mas acho que tem a ver muito com o primeiro ponto, de criar solidez. Precisamos de um banco hoje, a fortaleza do balanço, um banco sólido, um banco que tem capital. Um banco sólido que, vindo turbulências temos fôlego para aguentá-las. Isso tem a ver comigo, tem a ver com o meu estilo de vida, meu e da minha esposa, de não gastar tudo que tem. Eu sempre procuro ter um nível de liquidez alto, dinheiro guardado, não ficar se endividando desnecessariamente. Temos ensinado nossos filhos a isso também. Os dois têm uma conta de poupança e uma conta de previdência, desde o dia em que eles nasceram, colocamos um salário mínimo em cada uma. A conta de poupança, quando eles fizerem dezoito anos, será para eles pagarem algum projeto humanitário. Então, vai ser para ajudar alguém no Afeganistão, fazendo parte de uma equipe que vai para lá, eles vão ter que ficar um ano lá. E aí eles vão poder tirar deste recurso. Pagar passagem, estadia, podem usar este dinheiro só para isso. E a da previdência, para pagar os estudos no curso superior; desde o dia em que eles nasceram, fazemos isso. Isso está alinhado um pouco com esse construir o futuro e está alinhado com o que hoje falamos do Santander. O Santander quer ser o banco que quer construir os próximos 150 anos, então essa coisa da longevidade, é algo que também tem um alinhamento muito grande com os meus valores, com os valores do Santander. Que é outro jeito de se falar sustentabilidade. Longevidade. Perpetuidade.
P/1– E falando nisso, o que precisa para essa longevidade?
R– Para o Santander? Para mim?
P/1– Para os dois, pode fazer uma avaliação dupla.
R– Primeiro, acho que precisamos ter muito claro as nossas crenças, muito claro aquilo que eu faço, aquilo que eu não faço. Clareza sobre o futuro, aonde quer chegar, eu acho muito difícil. Eu não consigo ter clareza sobre o futuro, acho que poucas pessoas conseguem, mas eu não consigo. Mas o que eu acho importante para obter essa longevidade é você conseguir definir para você mesmo os seus valores, os seus pilares, o que para mim eu não abro mão. Ao longo do tempo aquilo ali vai se aperfeiçoando, mas naquele tempo é muito importante. Quando eu falo crença, eu estou dizendo pilares, valores, aquilo que te faz estar em pé. Então, pode ser família, pode ser a ética, tem gente que tem o esporte: o esporte é um pilar da vida da pessoa, cuidar da saúde. Não tem problema, que seja. Acho isso muito importante para longevidade. Segundo, você saber o que te desequilibra. Isso é muito importante. Parte do consumo da nossa longevidade é quando as coisas nos afetam. Tem coisas que eu sei que me irritam, que eu sei que me afetam. Então quando eu sei que me irrita e me afeta, eu preciso estar muito mais atento quando isso acontece. E terceiro, sendo muito prático, ter dinheiro guardado. Precisa ter grana. Se você não tem dinheiro, quando vier uma oportunidade, você não vai conseguir abraçar; ou quando vier uma crise, você não vai conseguir suportá-la bem. Longevidade tem a ver com guardar dinheiro sim, tem a ver com recursos. No caso do Santander, ele é um banco capitalizado, o que traz uma segurança muito grande, não vou dizer 100%, mas é muito grande. E nós, pessoas, precisamos ter dinheiro guardado. Se você não tem dinheiro, gasta tudo o que tem e deve, não guarda nada por mês, você vai ver que vai chegar daqui a alguns anos e você não tem nada de dinheiro, você está mal. Você precisa ter dinheiro guardado. Isso ajuda muito a garantir longevidade e tranquilidade para tomar decisões, tira um monte de pressão e eu acho que é isso.
P/1– Certo. E quais foram os aprendizados que você teve na sua carreira no banco?
R– Agora, tem que ter mais duas horas, né, Fernanda? (risos). Primeiro, eu aprendi que gestores, líderes têm que ter habilidade, sensibilidade, de conseguir tratar pessoas diferentes de formas diferentes. E um grande aprendizado que eu tive durante a gestão de pessoas foi durante um tempo ter tratado todas as pessoas igualmente. E aprendi a duras penas, hoje estou muito fortalecido, mas as pessoas não são iguais. Acho que uma primeira lição é essa. A segunda lição aprendida, é que as pessoas mudam. Hoje as pessoas estão de um jeito e amanhã estão de outro. Nos dois sentidos, hoje as pessoas estão legais do seu lado e amanhã não estão; e vice-versa, pessoas que de repente não estavam nem aí e de repente, começa a acontecer uma coisa legal. Eu acredito que as pessoas mudam de acordo com contexto, com a pressão colocada, com as situações. As pessoas mudam.
P/2 - O que você acha do banco resgatar a identidade dele através da memória dos seus colaboradores em um projeto voltado para as pessoas?
R - Não podia ser melhor, porque através das pessoas, de não sei quantos bancos estão aqui dentro hoje, já me falaram, uns 15. É Muito! Se somar todos os bancos que foram vindos e bancos que compraram bancos é bastante, e essas pessoas até hoje você encontra, elas estão aqui. Elas foram sendo agregadas ao Santander e o Santander foi dando espaço para umas; outras não se viram aqui dentro, isso vai continuar acontecendo, é algo dinâmico é um tecido. Acho excelente começar pelas pessoas, começar pela história das pessoas. Se tem algo, na integração, que faz que as pessoas se sintam mal é negar a história delas. Tudo que nós temos é a nossa história e eu acho excelente, nós temos que reconhecer a história das pessoas porque é isso tudo que ela pode ter na vida dela e o que ela mais valoriza. E agora que estamos num momento novo, vamos construir uma nova história a partir de 50 mil histórias. Vamos construir a identidade do banco; que é a identidade dos 50 mil que estão aqui hoje, e que vem com todas as suas histórias. Estou 100% de acordo com isso, se não estivesse eu falaria. Acho que este é o caminho de construirmos a identidade do banco que é a identidade dos 50 mil que aqui estão hoje e que vem com todas as suas histórias.
P/1– Para encerrar, então o que você achou de participar desta entrevista e contar um pouco da sua história para a gente?
R– Ufa, eu cansei. Mas foi muito bom, eu gostei, e de novo quero reforçar isso que eu falei. Poder começar e trabalhar a identidade do banco a partir da história de cada um e da minha história para mim é um privilégio, eu agradeço a oportunidade. Para mim, é um privilégio poder ajudar a construir isso e a minha história poder ser uma pecinha minúscula a construir a história do Santander.
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