P/1 – A gente vai começar pela sua identificação. Queria que você falasse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça; São Paulo, Capital, 16 de novembro de 1958.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Pedro Novaes Mendonça e minha mãe é Eolora Arbulu Mendonça.
P/1 – Esse nome Arbulu Mendonça, qual a origem?
R – Arbulu é basco, é espanhol, País Basco. Mendonça eu já não sei, mas diziam que tinha alguma coisa de francês na herança do meu pai, mas deve ter misturado de tudo aí, né? Português... A gente não conhece direito. Talvez até espanhol. Mas tem uma história de um tio dele, tio do bisavô, do tataravô dele que esteve com Napoleão Bonaparte na França, mas essa é uma história que eu não sei se é verdade ou se pode ser provada.
P/1 – É uma lenda da família!
R – É uma espécie de lenda. Agora, o Arbulu não. É da família da minha mãe, espanhol, e é basco. Todos esses nomes que terminam com U são bascos, quase todos.
P/1 – Sua família é de São Paulo, você passou a infância...
R – São Paulo.
P/1 – Como era a sua infância?
R – A minha infância é muito simples. O Jânio Quadros era overnador de São Paulo e construiu umas casas populares lá para o lado do Butantã, chama Jardim Previdência, hoje é no começo da Raposo Tavares, e meus pais foram morar lá. Nasci lá em 1958. Isso hoje é muito perto do Butantã, do Caxingui, da Universidade de São Paulo, da USP, no comecinho da Raposo Tavares. Vivi lá minha infância.
P/1 – Mas como era a sua casa? Tinha outras crianças?
R – Eu tenho um irmão e era um conjunto onde foram morar muitos casais novos, então todos eram da mesma idade, todos tinham filhos da mesma idade, então a gente tinha um grupo muito grande de amigos. Era gente simples, classe média para baixa, ou média média, sei lá o...
Continuar leituraP/1 – A gente vai começar pela sua identificação. Queria que você falasse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça; São Paulo, Capital, 16 de novembro de 1958.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Pedro Novaes Mendonça e minha mãe é Eolora Arbulu Mendonça.
P/1 – Esse nome Arbulu Mendonça, qual a origem?
R – Arbulu é basco, é espanhol, País Basco. Mendonça eu já não sei, mas diziam que tinha alguma coisa de francês na herança do meu pai, mas deve ter misturado de tudo aí, né? Português... A gente não conhece direito. Talvez até espanhol. Mas tem uma história de um tio dele, tio do bisavô, do tataravô dele que esteve com Napoleão Bonaparte na França, mas essa é uma história que eu não sei se é verdade ou se pode ser provada.
P/1 – É uma lenda da família!
R – É uma espécie de lenda. Agora, o Arbulu não. É da família da minha mãe, espanhol, e é basco. Todos esses nomes que terminam com U são bascos, quase todos.
P/1 – Sua família é de São Paulo, você passou a infância...
R – São Paulo.
P/1 – Como era a sua infância?
R – A minha infância é muito simples. O Jânio Quadros era overnador de São Paulo e construiu umas casas populares lá para o lado do Butantã, chama Jardim Previdência, hoje é no começo da Raposo Tavares, e meus pais foram morar lá. Nasci lá em 1958. Isso hoje é muito perto do Butantã, do Caxingui, da Universidade de São Paulo, da USP, no comecinho da Raposo Tavares. Vivi lá minha infância.
P/1 – Mas como era a sua casa? Tinha outras crianças?
R – Eu tenho um irmão e era um conjunto onde foram morar muitos casais novos, então todos eram da mesma idade, todos tinham filhos da mesma idade, então a gente tinha um grupo muito grande de amigos. Era gente simples, classe média para baixa, ou média média, sei lá o que seria hoje. Naquela época não tinha ônibus pra lá, a Raposo Tavares não era nem de longe o que é hoje, não tinha um conjunto grande chamado BNH [Banco Nacional de Habitação], que na época foi construído pelo Conselho Nacional da Habitação. Foi uma infância de jogar bola, de estudar na escola, essas coisas, mas nós tínhamos um grupo muito grande, tinha todo tipo de brincadeira nesse grupo. Estudávamos juntos, tinha um colégio pertinho, ia a pé. Estudei primeiro em colégio municipal, depois colégio estadual, tudo perto da minha casa, fazia tudo a pé nesse lugar que hoje é um lugar grande. Naquela época, minha mãe diz que, quando os filhos iam nascer, era um horror, buscar táxi para sair correndo, ninguém tinha carro.
P/1 – Foi nessa escola que você começou seus estudos?
R – Foi ao colégio ali perto, não me lembro bem do nome, mas é Escola Municipal do Caxingui. A gente ia a pé, é um pouco mais abaixo, o Caxingui é próximo desse bairro. Eu fiz o primário, depois o ginásio fiz bem perto da minha casa, num colégio que chama Virgília Rodrigues Alves Carvalho Pinto, mãe do Carvalho Pinto, que foi overnador de São Paulo.
P/1 – Você tem alguma lembrança dessa época de escola que tenha lhe marcado?
R – Escola? [pausa] Bom, eu entrei na escola com seis anos. Nos primeiros três meses, fiquei sendo testado para ver se podia cumprir o primeiro ano, porque na época já estava começando a ser obrigatório entrar com sete anos na escola. Então, fiquei dois meses sendo testado, mas entrei no primeiro ano. A minha professora morava em frente à minha casa, a tia, que era professora do primeiro ano. Foi uma infância comum, não teve nenhuma grande lembrança especial.
P/1 – E você começou a trabalhar com que idade?
R – Formalmente, comecei com 17 anos, mas antes cheguei a dar aula de inglês, coisa boba, bem passageira. Como trabalho regular foi quando entrei na faculdade. Logo que entrei, comecei a trabalhar, com 17 anos, na própria faculdade em que eu estudava. Mexia com computador, era programador, depois analista de sistemas, embora fizesse faculdade de Economia. Todo o tempo em que fiquei na faculdade, trabalhei na faculdade, fiz pós-graduação na própria faculdade, os seis anos que eu fiquei ali. Nessa época que eu comecei já a fazer bico para o Dieese, em 19… 78 comecei a trabalhar por aqui. Estava na faculdade, mexia com computação, não é essa computação que está aí hoje, né? Não aprendi essa nova tecnologia, mas na época eram os grandes computadores que a gente mexia, cartão de computador, enfim... E foi aí que vim parar no Dieese. Tinha um cara que trabalhava comigo que trabalhou muitos anos aqui no Dieese, já morreu, o Jorge Uehara; ele não queria mais, estava na função fazia tempo e passou para mim esse bico que fazia para o Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos]. Um outro amigo nosso que também trabalhava com a gente lá no Centro de Processamento de Dados da Faculdade de Economia da USP passou esse japonês, o Jorge, e ele passou para mim. E foi aí que conheci o Dieese, conheci o Barelli, o Dirceu também, e daí nunca mais me desliguei do Dieese até recentemente.
P/1 – Mas antes de vir para o Dieese você passou pela FIPE [Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas], né? Como foi esse processo?
R – FIPE, isso.
P/1 – O seu trabalho na FIPE e essa transição para o Dieese, fala um pouco.
R – Tive sorte pelo seguinte, o trabalho lá tinha muito a ver com a faculdade. Embora fosse na área de Processamento de Dados, eu lidava com os professores, lidava com pesquisas na área Econômica, então foi um aprendizado. O trabalho puxava, seis horas por dia, mais a faculdade, mais estudar, mais um monte de coisa, mas era um trabalho que me ajudava no estudo, então várias matérias foram facilitadas, até. Conhecia os professores por outros jeitos, tinha uma oportunidade boa de estar em um ambiente muito favorável. Eu trabalhava muito, era muito comum naquela época a gente virar a madrugada trabalhando. Quem trabalhou com processamento de dados, grandes computadores, sabe que a madrugada é um período de trabalho, quando dá pau nos programas, você tem que resolver, você tinha que passar a madrugada... Até, não sei se contei no outro depoimento, tem um caso muito engraçado. Eu estava com o Jorge uma madrugada lá no Centro de Computação da USP, na Poli, na Escola Politécnica, e tinha os caras, sempre os mesmos que ficavam de madrugada trabalhando, um deles era um físico que estava fazendo a tese dele de doutorado. Às vezes dava uns paus no programa e a gente não conseguia resolver, estava cansado, falava: “Vamos embora para casa que a hora que a gente acordar descobre o erro”, muito comum também, naquela época era muito comum. Aí esse cara saiu, no que ele saiu, fez uma curva que tem no final da Cidade Universitária e começou a pensar no erro e na solução do problema. Ele ficou tão concentrado no problema que enfiou o carro no poste, esqueceu de virar o carro e o carro entrou no poste. No dia seguinte, a gente brincou, uma história que eu me lembro até hoje, era muito comum você entrar num nível de... Mas como eu disse, essa coisa me ajudou com todas as matérias ligadas à Estatística, Estatística Econômica, Econometria, Processamento de Dados, ficaram muito fácil para mim pelo meu trabalho, o trabalho me ajudava na faculdade. Aí a área Econômica que eu sempre gostei, depois larguei essa área e fui ser economista, que era o que eu gostava e foi aí que eu conheci o Dieese, nessas ligações. O Barelli era um economista famoso, já começando a ficar famoso, tudo isso é final dos anos 1970, é o período de redemocratização do Brasil, o período das lutas sindicais, da anistia em 1979, é esse período. Eu estudei na faculdade de 1976 a 1979 e depois fiz pós-graduação de 1980 a 1981, então coincide com o período... não é o período duro da ditadura militar, mas já é o período da redemocratização, embora ainda quando eu estava na faculdade tenha morrido o Santos Filho, né?
P/2 - Não, tem o Santos Dias e o Manoel Fiel Filho.
R – Manoel Fiel Filho que morreu em 1976, no DOI CODI [Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna], e em 1975 o Herzog, né? Mas aí eu ainda não estava na faculdade. É um período bem interessante, o movimento estudantil também renasceu naquela época. Eu não fui um militante estudantil assíduo, até porque não tinha tempo na minha vida para ser. Trabalhar, estudar e ser militante, não dá.
P/1 – Militância precisava ter muito...
R – Mas eu participei, tive muitos amigos. Por exemplo, o Aloísio Mercadante que hoje é candidato a senador, eu fui calouro do Aloísio na faculdade. O Aloísio estava no quarto ano, tinha gente famosa lá, mas eu acho que ele é hoje o mais famoso de todos da minha geração.
P/1 – Por que você decidiu fazer economia? Qual era sua visão sobre essa faculdade quando você optou?
R – Eu não tinha. Fiz escola técnica, na verdade, de eletrônica, queria ser engenheiro, mas, no meio da escola técnica, percebi que não era bem minha vocação. Não tinha vontade, não tinha habilidade e conhecimento para aquilo. Tinha um cara que morou na frente da minha casa, também estudou, era mais velho do que eu, que fazia Economia, aí eu conversando com ele sentado na guia da minha casa, na rua, perguntando – e ele era um cara bem bacana –, ele foi me explicando e eu me interessei. Quando eu estava no terceiro ano da escola técnica, eram quatro anos, mas o terceiro já te dava equivalência do antigo colegial, resolvi fazer a faculdade sem grandes pretensões. Fui fazer esse vestibular, eu era muito novo e não tinha pretensão. Eu já ia trabalhar no ano seguinte na Telesp [Telecomunicações de São Paulo], porque tinha feito escola técnica, ia fazer o estágio, ia morar na casa da minha tia, no Cambuci, essa Telesp era do lado do Cambuci e eu ia fazer cursinho. Era isso que eu ia fazer, mas entrei na faculdade, dei sorte e entrei, então larguei tudo isso e fui estudar. A USP era do lado da minha casa, para mim era uma beleza, eu ia a pé para USP.
P/1 – Você entrou no Dieese em 1981?
R – A gente brinca que a gente era boia-fria no Dieese, porque a gente era tudo contratado sem carteira, sem nada. Desde 1978 eu fazia bico para o Dieese, a primeira carteira que eu tinha assinado foi em março de 1981, quando o Dieese estava fazendo uma grande pesquisa chamada esquisa adrão de ida e mprego. Eu estava no final da minha pós-graduação e fui contratado para trabalhar ainda com computação para essa grande pesquisa, mas no meio do caminho o que eu queria mesmo era virar técnico do Dieese, e surgiu a oportunidade já em meados em 1981. Fui sair dessa pesquisa, em que trabalhei muito pouco, para a área de Economia, de Estudos Técnicos do Dieese. Mesmo assim, esperei um ano e virei técnico do Dieese na área de Assessoria dos Sindicatos, lá junto ao Sindicato dos Bancários de São Paulo, em 1982. Em junho de 1982, mas antes disso eu já estava trabalhando, mas carteira assinada foi em março de 1981. Antes disso, de 1978 a 1981, eu fazia bico para o Dieese, eu e várias pessoas fizeram. Nunca teve dinheiro, não quiseram contratar, pagar. Mas era um período em que você vinha para o Dieese com militância na época. Era uma militância profissional, porque você recebia, mas era uma militância política. Ninguém veio para o Dieese naquela época como um mero emprego, pelo menos não os técnicos. Todos tinham, a seu modo, um engajamento político.
P/1 – E o Dieese na niversidade de Economia? Como ele era reconhecido?
R – O Dieese já estava ficando reconhecido porque, em 1977, apareceu a denúncia da manipulação da inflação em 1973. Então, quando eu estava no segundo ano da faculdade, o Dieese já começou a ser uma instituição importante, o Barelli, um economista reconhecido e nós estávamos estudando economia. As lutas sindicais, a greve de 1978 de São Bernardo, da Scania acho que foi a primeira, depois a da Mercedes, então tudo isso formava um clima. Para quem já tinha uma inclinação política, vontade de militar, eu lembro que a gente discutia muito, os meus amigos gostavam, falavam: “Que oportunidade você está tendo de trabalhar com uma coisa engajada politicamente!”. Então o Dieese já era uma referência nessa época, foi exatamente nessa época, 1977, 1978, que o Dieese passou a ser muito conhecido. E o Barelli, depois o Maurício, o César que eram outros economistas. Tinha um movimento de renovação dos economistas para ganhar as eleições das entidades dos economistas, essa posição de economistas mais à esquerda também estava crescendo e o fato de, na época, eu também dispor desse conhecimento de computação que foi o que me permitiu entrar no Dieese. Depois é que eu vim a trabalhar com economia, como técnico da área econômica em 1981, como a gente falou aí, depois 1982. Então foi uma sucessão de coincidências, de sorte, de vontade de também trabalhar, de militar politicamente, um trabalho profissional porém engajado politicamente.
P/1 – Mas como era a estrutura aqui? Você falou que tinha uma certa crise financeira para pagar as pessoas. Nessa época que você entrou como funcionava? Você sentia que era uma coisa estável ou não?
R – A gente tinha impressão que os sindicatos iam crescer e o Dieese ia crescer junto porque a luta política, a luta sindical estava crescendo na época. Foi um período muito efervescente, surgiu o Lula como grande liderança sindical no país. A ditadura militar, os voos dos helicópteros no Estádio de Vila Euclides, aquelas assembléias com 60 mil operários... A impressão que eu tinha, embora todos nós fôssemos muito jovens, era que o Dieese ia crescer e os sindicatos iam crescer. Também não tinha muita reflexão porque no engajamento político você vai embora. Mas o Dieese era do Sindicato dos Marceneiros, lá na ua das Carmelitas, pertinho da ua do Carmo, onde fica o Sindicato dos Metalúrgicos, ali perto do Brás, Centro, na verdade Praça da Sé, e era sempre com dificuldade, pouco espaço físico para trabalhar, trabalhava amontoado. É que eu, de fato, comecei diariamente, regularmente, a trabalhar como técnico no Sindicato dos Bancários. Algumas pessoas que ficaram depois, hoje estão vivendo, foi o inistro Gushiken, trabalhei muito com o Gushiken na época... Mas sempre foi isso, o Dieese sempre teve dificuldades, sempre pouco dinheiro, sempre atrasava salário. Eu lembro que, quando a gente entrou, comecei a ganhar o meu primeiro salário de técnico no Dieese em 1981, 1982, não era um salário ruim, não. Não lembro exatamente quanto era, mas era um salário que você vivia razoavelmente bem para quem não tinha grandes ambições. Eu não ia para o mercado financeiro, eu tenho muitos amigos que entraram no mercado financeiro, essa minha geração de economistas hoje está toda espalhada pelos bancos, muitos ricos inclusive.
P/1 – A época que você foi técnico foi de 1982 a 1990?
R – Isso, foi 1982. Aí aconteceu o seguinte: de 1982 a 1983 eu fiquei nos bancários, era o Técnico de Subseção. Subseção era um instrumento criado pelo Dieese em 1978, 1979. A primeira subseção, contrato assinado formalmente, foi em 1980. Em 1982 veio a dos bancários, que era um grande sindicato, a oposição já tinha ganho, a oposição sindical era mais engajada politicamente, e eu fui trabalhar lá. Só que em julho de 1983 teve uma greve geral, 21 de julho de 1983. Na verdade não foi bem uma greve geral, foi uma greve em São Paulo em que pararam algumas áreas: principalmente parou o Metrô, pararam os metalúrgicos, São Bernardo parou, os petroleiros. Na época, governo Figueiredo, houve intervenção nos sindicatos, alguns dirigentes foram afastados, outros foram presos. Presos por pouco tempo, não ficaram na cadeia, mas houve intervenção. O Sindicato dos Bancários sofreu intervenção de um ano e meio. Nesse período eu vim para o Dieese. Saí porque não tinha sentido ficar na subseção trabalhando, havia o interventor, uma junta interventora – acho que era um interventor se não me engano –, e eu fui puxado para o escritório nacional. Em 1984, o Dieese estava crescendo, houve uma mudança e eu fui convidado para assumir a coordenação de scritórios egionais e ubseções. Foi um ano em que fiquei no escritório nacional ainda como técnico. Fiquei dois anos como técnico, de 1980 a 1982 na pesquisa; de 1982 a 1984, como técnico; e de 1984 em diante, entrei na oordenação écnica, coordenava todos os escritórios regionais e as subseções, onde nós tínhamos técnicos. Na época, nós tínhamos poucos, eram poucos técnicos de subseções e poucos escritórios. Está um pouco relatado nessa história: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas, mas foi aí que o Dieese deu uma deslanchada, deu uma explodida. No final da primeira metade dos anos 1980 até o final dos anos 1980 foi quando o Dieese cresceu mesmo, e aí fazia sentido ter essa coordenação. Isso foi de 1984 a 1990, eu fiz parte dessa oordenação e o iretor écnico na época era o Barelli.
P/1 – Vocês trabalhavam meio em equipe. Como era o cotidiano, o que vocês faziam?
R – O Dieese era fantástico, a gente sempre trabalhou coletivamente, era um trabalho coletivo, a equipe era superengajada, trabalhava em mutirão. Foi a época dos planos, então nós enfrentamos a discussão do Plano Cruzado, do Plano Bresser, do Plano Verão, do Plano Collor. Tudo isso engajava a equipe, a equipe vinha para cá, passava madrugadas trabalhando, escrevendo texto. A gente teve sempre isso, as equipes anteriores, e isso continuou até hoje, o espírito de trabalho em equipe. O Dieese tem pouca assinatura pessoal, a assinatura dos trabalhos no Dieese é coletiva, é institucional. É um ambiente de trabalho fantástico, as pessoas são muito amigas, é realmente um lugar bacana. Você vinha trabalhar com o maior, e sempre assim com poucos recursos, mas com muito engajamento, muita vontade de trabalhar, e foi crescendo. Virou uma equipe nacional, não era só mais uma equipe de São Paulo, então a gente fazia reuniões nacionais uma, duas vezes por ano, juntava todos os técnicos... Uma espécie de família do ponto de vista de trabalho. Tanto é verdade que você vai ver que ocorreram muitos casamentos no Dieese. As pessoas casaram mesmo, tamanho era o envolvimento. Você vivia no trabalho, era um lugar bacana. Você vivia no trabalho. Dava para casar com o salário que se ganhava, por isso que eu digo, não era um salário muito ruim, nunca foi um salário muito alto, mas um salário razoável. E as pessoas eram tão amigas que chegou até a produzir alguns casamentos. E você vivia muito tempo no Dieese, eu sempre trabalhei bastante, passava boa parte do meu dia aqui no Dieese.
P/1 – Foi uma coisa que influiu bastante na vida pessoal?
R – Bastante. Eu depois até parei de estudar, tive possibilidade de ir para a carreira acadêmica, não fui, fiquei inteiramente dedicado ao Dieese. Em alguns cargos, o meu era o caso, viajava-se muito pelo Brasil, você tinha que viajar. Como eu coordenava escritórios regionais, subseções, viajei muito pelos escritórios do Dieese no Brasil, e isso também dificultava fazer outras atividades que não fosse o Dieese. Mas no meu caso era por opção, também de gostar, ficar, eu não tinha muito essa vocação acadêmica.
P/1 – Como foi para você ter se tornado um iretor écnico depois?
R – Foi um período em que os jovens estavam em alta. O que eu quero dizer com isso? É uma frase do Prado, nem é minha. Ele tem uma frase bem interessante porque é o seguinte, quando eu virei o Collor tinha virado residente do Brasil. E o Collor tinha 39 anos quando virou residente do Brasil, aquela coisa do homem fazer exercício, então havia uma benevolência com gente jovem. O Brasil vai mudar e vai mudar inclusive com gente jovem, e o Collor era a cara disso – não que a gente se iludisse com o Collor, não era isso, mas era o fato –, e nós aqui também. A direção que assumiu, nós tínhamos 30 anos, 31 anos: eu, o Prado, o Clemente. Depois virei Diretor Técnico, o Dirceu era um pouco mais velho, mas não era muito mais velho. Se a gente olhar para trás, a responsabilidade era enorme, mas a gente não tinha noção dessa responsabilidade. Nós éramos meninos, não tão meninos, evidentemente, meninos para assumir uma responsabilidade com os sindicatos, com os trabalhadores, uma coisa que estava assumindo um protagonismo, uma importância política no Brasil muito grande. O Barelli, por exemplo, na segunda metade dos anos 1980, talvez tenha sido um dos economistas mais influentes do Brasil, no sentido de que ele era chamado para conversar com o residente da República, com inistros, às vezes para dar palpite sobre política, às vezes os planos Cruzado, Bresser, como já disse, o Verão, a política de salário mínimo. Eu não tinha muita noção, aos 31 anos, foi em 1990 que eu assumi, era o que era isso, mas a gente ia fazendo as coisas. Também não tinha medo, já estava na democracia, você não estava correndo o risco de ser preso. A gente imaginava que tinha nossos arquivos na Polícia Federal, mas isso todo mundo tinha, no SMI [Sistema Militar Interamericano], e nós nunca fomos ameaçados, a minha geração nunca foi. Você ia fazendo, mas foi legal, a gente era jovem – eu digo a gente porque quando assumi já era antes de mim, mas a gente implantou de fato uma metodologia de ireção olegiada, então o iretor écnico é a figura, entre aspas, que aparece, mas não era bem assim. A gente dividia muito as decisões, sempre o trabalho coletivo como método de decisão. O olegiado, sempre a relação com a direção sindical, que era muito forte e a gente tem um preparo para lidar, preparo não, faz parte do nosso estatuto a forma de lidar. É um trabalho que envolve muita gente, obviamente que isso te dá mais tranquilidade, porque você sabe que a sua decisão não é uma decisão única, e que vai mudar o curso da história você fazer isso ou fazer aquilo, porque você está ouvindo um monte. Quando eu cheguei, a gente implantou, já era assim na direção do Barelli, mas o Barelli era uma figura muito relevante, famosa, então ele tinha todo o lado dele pessoal. Quando eu cheguei, inclusive para ser iretor écnico, muitos diziam: “O Dieese vai acabar! O Barelli vai sair, o Dieese vai acabar”. E nós investimos muito na visão institucional do Dieese, e eu acho que o Dieese sobreviveu também por causa disso, porque era uma equipe, um movimento sindical apoiando. O Dieese já tinha construído as raízes, já tinha 35 anos de vida quando eu fui diretor écnico, e isso tudo mais um trabalho coletivo muito grande, no fundo não te dá a noção da responsabilidade individual, ainda que ela exista, mas não é uma coisa “o Sérgio, diretor técnico”. Então o Dieese permaneceu tão presente em termos institucionais na mídia, na opinião pública quanto era antes, mas aí não era mais o Barelli, era o Dieese. O pessoal confunde muito, tanto é que eu já estava com cinco, dez anos como diretor e o pessoal: “Não é o Barelli o iretor técnico?” e a gente ria, não tinha nada demais. Foi tão forte esse período dos anos 1970, começo dos anos 1980, a figura do Dieese e do Barelli, mas com a gente não foi não. Com a gente que eu digo, essa direção que entrou e que eu fui diretor técnico, eu fui 13 anos.
P/1 – O que você destacaria como as coisas mais importantes que aconteceram como a sua gestão? Você falou da ireção olegiada, de ter essa visão mais institucional, o que mais?
R – Isso é uma coisa de que eu me orgulho pessoalmente, o Dieese ter sobrevivido. No fundo não dependeu de mim, teve uma contribuição pessoal, claro, todos tiveram e, sobretudo, ter sobrevivido bem institucionalmente. Eu acho isso uma coisa bacana, quantas pessoas que participaram têm essa percepção? Tenho e acho uma coisa legal. A outra coisa, a parte mais importante, isso foi um período já de baixa do movimento sindical, a maioria dos sindicatos já tinha chegado no auge do seu poder político no final dos anos 1980. Os anos 1980 já é um período de baixa dos sindicatos no mundo, mas no Brasil, eu lembro que a gente falava muito, na África do Sul que estava também se redemocratizando, os sindicatos ainda estavam crescendo, enquanto na Europa eles já estavam perdendo a importância, Estados Unidos também. Mas aqui no Brasil também estava subindo a ladeira ainda. Nos anos 1990, com ataque da abertura, da globalização, neoliberalismo, do Collor, aí os sindicatos começaram a cair. O desemprego cresceu muito, o desemprego dobrou de tamanho entre 1989 e 1992, foi uma porrada na espinha dorsal dos sindicatos e nós tivemos muitas dificuldades no Dieese, porque o Dieese sempre foi financiado pelos sindicatos. Nós partimos para uma outra agenda que já vinha também dos anos 1980 que foi o crescimento do Dieese pela participação institucional, financiamento com recursos públicos, com projetos. O Dieese sempre teve muita credibilidade, então isso também foi bacana. Basicamente, eu diria o seguinte: o tema central do período que eu estive na direção écnica foi a questão do emprego, do mercado de trabalho. Nós tínhamos uma pesquisa, a PED, Pesquisa sobre Emprego e Desemprego, que apoiou o trabalho técnico. Enquanto nos anos 1970 e 1980 o custo de vida foi muito forte, a inflação era muito pesada no Brasil, nos anos 1990 ainda tinha importância o custo de vida, mas passou a ter mais importância as pesquisas de emprego e desemprego. E nós tínhamos uma pesquisa aqui em São Paulo e em outras regiões, e foi o período que fui iretor écnico, então nós tivemos capacidade de intervir num debate politicamente importante, relevante, que propiciava até recursos do ponto de vista de financiamento de projetos, e nós tínhamos instrumentos técnicos e científicos para apoiar. Vamos dizer assim: se fosse isolar de forma bem macro, nós lidamos, no meu tempo como diretor técnico, com o tema do emprego, do desemprego e do mercado de trabalho e da participação institucional. Também foi o seguinte, como os sindicatos tinham conquistado muito poder até 1989, até o final dos anos 1980, os anos 1990, o comecinho, veio depois da Constituinte de 1988, então a Constituinte é uma Constituinte que abre o Estado à participação da sociedade. Os sindicatos entram no Codefat, Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador, as centrais sindicais... Já tinha o sindicato da CUT [Central Única de Trabalhadores] em 1983, depois a Força Sindical em 1991, a CGT [Central Geral dos Trabalhadores] já nos anos 1980 também, então começa a ter uma participação institucional das centrais, dos sindicatos nos espaços institucionais. Programas de governo como o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria e os sindicatos foram ocupando espaço, e o Dieese foi junto como órgão de assessoria técnica. Nós tivemos também um período de forte participação institucional, que alguns chamavam até de cooptação: “Os sindicatos estão sendo cooptados pelos governos, pelo overno ederal”, mas entramos com muita autonomia nesses espaços e também foi um espaço de novo aprendizado técnico para o Dieese, de participar nesses fóruns. Não foi uma novidade, não quero dizer que foi uma novidade dos anos 1990, foi antes que começou essa participação, mas cresceu muito e foi uma espécie de inércia da conquista da democratização pela sociedade e pelo espaço que o movimento sindical tinha, que ele ocupa nos anos 1990. Apesar de estar mais fraco, é como se ele arrastasse inercialmente esse poder político que ele tivesse conquistado nos anos 1980. Isso vai para os vários fóruns, e o Dieese, como era um polo de unidade das centrais sindicais, começou a ser chamado pelas próprias centrais. Quando havia menos espaço, era até o Dieese que representava, sempre tecnicamente, então foi um período que a gente avançou nesse espaço. Tematicamente, a questão de emprego e desemprego, e do ponto de vista político, a abertura de espaços de controle social, de controle democrático do Estado, e a gente foi junto com as centrais e com os grandes sindicatos. Período da Câmara Setorial, em 1992, a Câmara Setorial foi uma experiência importante de renovação do parque automobilístico no Brasil, São Bernardo, o sindicato de São Bernardo teve um papel importante. Na época, o Vicentinho era residente do sindicato, depois o Luís Marinho, que hoje é inistro do Trabalho, essa lideranças. O Medeiros, aí foi o racha da CUT com a Força Sindical na Constituinte de 88, o sindicalismo de resultados, mas que também tinha uma visão de participar politicamente desses fóruns. E o Dieese conseguiu se equilibrar nas centrais e começou a ocupar um espaço. No meu período de iretor técnico isso foi muito forte: a participação institucional e o tema do emprego e do desemprego, acho que são os dois pontos que destacaria mais fortemente. O Dieese, com essa participação institucional, rolava como um conjunto de pesquisas e sempre institucionalmente. Isso eu realmente me orgulho muito de ter participado, porque o Dieese é sempre uma instituição, teve momentos em que pessoas se destacaram, mas a força do Dieese é a instituição. Ela se revela nesses métodos que falei: decisão colegiada, trabalho coletivo. A gente brincava que nenhum texto podia sair do Dieese sem que duas pessoas lessem. Não tem autoria individual...
P/2 – Tem uma questão que eu gostaria de formular. Nas minhas pesquisas, observei que, durante a sua gestão, foi feito um trabalho muito intensivo sobre automação e produtividade do trabalho. Parece que você tinha um assessor que se chamava Mário Salerno. Acho que essa experiência que vocês tiveram de acompanhar a transformação nas relações de trabalho seria interessante, né?
R – É, mas foi antes, não foi na minha gestão. A participação do Dieese nessa discussão de automação, automação industrial, depois automação bancária, automação em comércio e automação dos serviços foi no começo dos anos 1980, quando tinha a Secretaria Especial de Informática, que era ligada aos militares, inclusive, ainda no governo Figueiredo, e o Dieese é chamado para participar. O Barelli era o iretor écnico, e algumas pessoas entram nessa equipe. O Mário Salerno foi uma pessoa importante na área de automação industrial, o Prado. Eu entrei para discussão de automação bancária, estava trabalhando com os bancários e foi um período de forte automação, foi aí que os bancos começaram a se automatizar. A gente tem um estudo sobre automação bancária interessante – interessante porque não é um grande estudo, mas ele era meio inédito na época.
P/2 – Isso, acho que foi você que fez.
R – Eu que fiz, eu e o Mário, acho que nós dois que escrevemos juntos, porque o Mário era engenheiro, ele tinha uma formação forte nessa área. Esse conhecimento acumulado que começa nos anos 1980, começo dos anos 1980, depois vai dar um acúmulo de conhecimento para instituição para operar no Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade. Envolvia de novo a questão tecnológica nas pesquisas que nós fizemos com o CNPq [Conselho Nacional de Pesquisa] ainda no final dos anos 1980 e depois muitas nos anos 1990. Agora tem uma pesquisa grande feita nos anos 1990 chamada “Emprego e desenvolvimento tecnológico” que o Dieese fez. O conhecimento começou a se acumular nos anos 1980, mas ele de fato também tem um peso grande, essa temática, que já não é mais automação de tecnologia, de qualidade, de produtividade nos anos 1990. Você tem razão, mas a origem é anterior e faz parte desses espaços que a gente conquistou e desses projetos que eu falei que ajudaram a financiar o Dieese. Também é bom lembrar, no final, o Dieese é assim: do ponto de vista do financiamento, não sei se alguém falou sobre isso, vale a pena falar – eu lidei tanto com isso que conheço muito bem – até os anos 1990, até 1989, 1988, o financiamento do Dieese, 90% vinha dos sindicatos, das entidades afiliadas sempre voluntárias – o Dieese também nunca foi uma afiliação compulsória, o Dieese sempre existiu pelos seus próprios méritos – e 10% vinha de projetos em que a gente amealhava recursos de todos os lados, inclusive internacionais, porque nos anos 1980 o Dieese tinha cooperação internacional com os alemães, principalmente com os alemães, com os suecos, depois mais para frente ampliou. Em 1989, a gente faz uma grande pesquisa com o Procon [Programa de Proteção e Defesa do Consumidor] de São Paulo. Existe até hoje a pesquisa da cesta básica diária, tem 17 anos. Essa pesquisa dá um bom recurso para o Dieese e a gente entra nos anos 1990, quando eu virei iretor écnico, com 30% dos recursos vindos de fora dos sindicatos e 70% dos sindicatos. E a gente, lá para 1993, 1994, nós já estávamos 50 a 50, e acho que é até hoje isso, nos últimos 12 anos. Hoje o Dieese é financiado 50% com verba sindical e 50% por projetos, em geral recursos públicos: federais, estaduais e municipais. Isso também é outra coisa boa do Dieese: o Dieese trabalha com a pluralidade política, então a gente tem acordo, projeto com o PT [Partido dos Trabalhadores], com o PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira], até com o PFL [Partido da Frente Liberal] na Bahia. Porque faz parte da pluralidade que são os sindicatos, as forças políticas que estão nos sindicatos. Então mudou o padrão de financiamento na minha época, nós tivemos uma mudança grande, já começou no final dos anos 1980, nós tivemos três grandes crises financeiras no final dos anos 1980. Eu entrei, quatro meses depois nós tivemos que fazer uma grande demissão, foi uma crise interna grande. Depois, em 1997, nós tivemos uma outra crise e depois agora, em 2003, uma outra crise. Crise, que eu digo, de demissões, e no Dieese é muito complicado porque as relações pessoais também são muito fortes, então demitir alguém é praticamente demitir um amigo. Era muito doloroso fazer isso, mas nós tivemos que fazer.
P/1 – Mas por que vieram essas crises?
R – O Dieese crescia, não tinha capacidade de se financiar com esse crescimento, tinha muita demanda, precisava de gente, às vezes o salário crescia até pelas leis do país, lei da política salarial e o financiamento não ia junto, então tinha descompasso. Por exemplo, nós passamos dez anos pagando uma dívida para o INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] que foi acumulada entre 1987 e 1990. Ficamos de 1991, 1992 até 2000 pagando uma dívida. Sempre foi muito difícil a gestão financeira do Dieese e com uma forte mudança no padrão de financiamento a partir do final dos anos 1980, começo dos anos 1990. E até hoje isso é um problema, eu creio que esteja presente a necessidade de se financiar com recursos extrassindicais. Mas continua sendo uma instituição sindical apesar dos sindicatos colocarem 50% dos recursos, eles que mandam no Dieese politicamente. Nunca houve esse risco, nós sempre nos preocupamos, a vida inteira, em que medida esse financiamento grande que não é dos sindicatos também vai trazer para dentro um problema de direção, e nós não tivemos essa perda da direção do Dieese continuar sendo conduzida pelos sindicatos, com autonomia. Quando eu digo sindicatos estou me referindo ao movimento sindical como um todo, estou simplificando.
P/1 – Tem muitos sindicatos que ficam fora desse processo? Como é essa relação entre o Dieese e os sindicatos? Os sindicatos aderem de um modo geral ao Dieese?
R – Não, os sindicatos grandes. Os sindicatos maiores e mais politizados, com maior nível de sindicalização e também com uma presença paulista muito forte. O Dieese sempre foi 40% paulista, ou mais, mas nunca menos que 40%, porque os grandes sindicatos estão aqui, as centrais sindicais estão aqui, a sede nacional do Dieese é em São Paulo, embora estejamos em mais de 16 estados, ou 15. Mas sempre alguns grandes sindicatos não vieram se filiar ao Dieese por razões políticas principalmente. Alguns acham que o Dieese é muito à esquerda, e sindicato mais conservador não quer se filiar ao Dieese; outro, por sua vez, acha que o Dieese é muito à direita porque trabalha para o Joaquinzão, trabalhava para o sindicato da Força Sindical, então alguns mais à esquerda não queriam. E a gente sempre achou bom. Enquanto tiver gente dos dois lados falando mal é sinal que estamos em um ponto de equilíbrio. É evidente que seria muito bom que o Dieese tivesse o dobro de sócios que tem, agora, isso não traria o dobro de recursos, porque os grandes sindicatos estão filiados ao Dieese, mas traria, evidentemente, uma representatividade maior. Os sindicatos de maior peso político, econômico, dos setores econômicos sempre estiveram no Dieese: bancários, metalúrgicos, químicos, servidores públicos, têxteis, gráficos, sempre estiveram. Alguns depois foram saindo por crises no setor, os gráficos acho que nós perdemos, têxteis que sofreram crises fortes no setor, abertura econômica; mas os metalúrgicos, os bancários, os químicos nunca saíram do Dieese. Petroquímicos, petroleiros, esses sempre grandes sindicatos, importantes, às vezes nem tão grandes, mas importantes do ponto de vista político no cenário sindical, sempre estiveram aqui no Dieese.
P/1 – Você falou das crises que geram muita demissão, tem algum caso que tenha sido muito dramático para vocês? Tem alguma coisa para contar de mais concreto?
R – Tem tantos. Por exemplo, a dona Maria, a dona Maria morreu, a funcionária mais velha do Dieese. Na crise de 1990, logo que eu virei diretor écnico – a dona Maria era muito religiosa, espírita, e ela dizia: “Vocês precisam de muita força, meninos”, tratava a gente de menino, na época não tão menino, mas bem mais menino. Saudade – a dona Maria não sabia o que fazer, então ela teve que sair do Dieese, mas a gente ficou pagando até ela morrer o plano de saúde dela, que era o mais importante para ela, e um salário simbólico. Ela nunca foi desvinculada do Dieese, mas ela precisava ser, não tinha mais trabalho para ela nem ela tinha mais condições físicas de ser. Teve demissões de funcionários importantes que sempre ficaram magoados aqui em algumas áreas. Teve o caso de uma equipe que até hoje é uma empresa de informática que atua no movimento sindical, chama Pandora, são amigos nossos, saíram do Dieese, mas ficaram amigos apesar de ter desmontado todo o setor deles na época – agosto, setembro de 1990 quando houve essa crise. Como eu disse, as relações interpessoais dentro do Dieese são muito fortes, as demissões marcam muito a gente. Nós trabalhamos a vida inteira para lutar contra o desemprego, a favor do emprego, dos trabalhadores, então, para nós, é óbvio, era o máximo da contradição para nós mandar as pessoas embora, mas a gente tinha que fazer pelas razões institucionais, senão a instituição poderia sucumbir inteira. Sempre teve essas razões definitivas: se não fizer, alguém vai fazer. E a instituição corre o risco de afundar. Teve esses casos, lembro da dona Maria, do Fernando que era da contabilidade, um contador que ficou mais de 20 anos no Dieese, são os casos mais emblemáticos, mas teve muito mais. E tem uma coisa, não sei se é para se orgulhar, mas eu acho que também permite que a gente durma com a cabeça tranquila, é que no tempo que eu e a minha equipe estivemos aqui dirigindo tecnicamente o Dieese, nós fizemos todas as demissões chamando as pessoas, nós nunca botamos uma lista na sexta-feira à tarde como as empresas fazem: “Olha, não precisa aparecer aqui porque você está demitido”. Isso era terrível do ponto de vista psicológico e humano, mas era bacana, porque a gente tinha um respeito grande pelas pessoas, e boa parte das pessoas compreendeu o processo. Obviamente que algumas não aceitaram nem era para aceitar, ninguém vai aceitar que vai ser demitido, mas elas tinham uma compreensão de que a instituição... E a gente arrastava até o fim, a crise aparecia e nós levávamos um ano para demitir, sempre com planos de proteção de demissão diferenciados, pagando alguma indenização adicional, então isso amortecia a crise. Os piores momentos da vida do Dieese foram os das crises, com certeza. Atrasamos salários, fizemos corte de salários, fizemos de tudo aqui, tudo que as empresas fazem, nós fizemos, para sobreviver. De um jeito diferente, mas nós tivemos que fazer. Esses são os piores momentos e os mais marcantes, eu diria, pelo lado pessoal.
P/1 – Você falou que teve uma crise em 1994 também, se eu não me engano.
R – 1997, 1994 não.
P/1 – 1994 teve o Plano Real, como foi o impacto?
R – 1994 teve o Plano Real. O Plano Real foi um impacto grande, porque também foi a queda da inflação, a inflação era muito pauta central da luta dos trabalhadores e do sindicato. Por isso que eu disse, e aí migrou para o tema do emprego, nos anos 1990, já vinha no começo dos anos 1990, mas a inflação era alta até o Plano Real. O Plano Real foi importante no sentido de mudar a agenda econômica, sobretudo no sentido de ter diminuído a inflação, e colocar essa temática do emprego, do desemprego na pauta. Como desafio para nós foi isso, como instituição. O que mais eu lembraria do Plano Real? Fora os estudos... O Dieese fez uma aposta grande na discussão do Plano Real, e a gente deu sorte em algumas apostas que nós fizemos. Primeiro, dissemos que o Plano Real ia ser duradouro. E sempre havia... pelo fracasso do Plano Cruzado, do Bresser, do Verão e do Collor I e Collor II, foram cinco planos antes do Real, pesados, se achava que não duraria. Mas a gente achou que nas condições que estavam dadas o Plano Real ia ser um plano duradouro, ia ter um impacto grande, inclusive político, na eleição de 1994, com a vitória do Fernando Henrique, que era o inistro da Fazenda que fez o plano junto com a equipe, então isso nós acertamos. E na crise de 1999, quando teve a desvalorização do câmbio, que o Real virou três, US$ 1,00 virou R$ 3,00, havia uma visão bem “catastrofista” de que o país ia explodir, e nós também falamos para os sindicatos que não ia acontecer, que a situação ia dar um solavanco e depois ia andar, e nós acertamos também nessas apostas. Muito por conta disso, com o trabalho coletivo é mais fácil acertar, você ouve muita gente, você trabalha, você não é um gênio que pensou. Alguns dão apostas, outros dão contribuições maiores ou menores, mas os sindicatos, a gente ouve muito os sindicatos, então nós fizemos algumas apostas em momentos importantes do Real. Na crise de 1999, no segundo mandato do Fernando Henrique, na desvalorização do câmbio, que na verdade é o fim do Plano Real, passa para uma outra agenda, nós acertamos nessas apostas. Por exemplo, a Força do Paulinho, que é o presidente da Força Sindical, que sempre foi um pouco desconfiado com a gente, acha que a gente é do PT, quando a gente apostou certo em 1999 ele nunca esqueceu: “Vocês foram os únicos que falaram que o país não ia para bancarrota”, ao contrário, em 2000 o país continuou a crescer. Depois teve a crise do apagão, em 2001, aí teve uma crise forte, o país desacelerou e ele passou a acreditar mais na gente em função de uma análise técnica, o que é o melhor papel que o Dieese pode ter: é poder assessorar tecnicamente os sindicalistas, eles que tomam a decisão política e nós, com essa análise técnica, permitimos que eles tomem uma decisão, digamos, adequada, acertada para o futuro. Eu acho que isso foi um momento importante para construir uma ponte de confiança com alguns setores que sempre tiveram muita desconfiança. Achavam que o Dieese era CUT, que o Dieese era do PT, sempre teve isso, e também o outro lado, o pessoal da CUT, do PT, achava que o Dieese era da direita.
P/1 – Mas são setores localizados que têm essa desconfiança?
R – É, porque sempre se conseguiu manter, na direção do Dieese, presente na filiação das entidades ao Dieese, as grandes entidades que são a base política das grandes centrais brasileiras. Os eletricitários, eu me esqueci também, sempre foram importantes. Aliás, o Dieese nos anos 1950 foi criado pelos sindicatos da área urbana, da área da luz, do gás, da energia, e esses sindicatos sempre foram importantes, o Sindicato dos Eletricitários, das indústrias urbanas... Não sei se vocês já ouviram o Peres, que foi residente indical. Na época ele era o residente da Federação dos Trabalhadores das Indústrias Urbanas, que é o pessoal da eletricidade, basicamente os eletricitários, depois veio a ser dirigido pelo Magri, inistro do Trabalho. Mas sempre assim, os grandes sindicatos de peso político, econômico, nunca saíram do Dieese. Isso que permitiu ao Dieese também crescer, não tenho a mínima dúvida. Se o Dieese tivesse perdido esses grandes sindicatos, ele teria perdido a credibilidade e a força política, porque o Dieese não fala politicamente, mas fala, é óbvio que fala, ele intervém num debate econômico, socioeconômico a partir de uma visão dos trabalhadores. Mas todo mundo sabe que a gente está dialogando com as forças que representam de fato os sindicatos organizados. Sempre foi um enorme desafio que a gente não conseguiu superar, trazer mais gente para o Dieese, sobretudo dos anos 1990 para cá. A filiação do Dieese deve estar em torno de 500 sócios, um pouco mais, um pouco menos nesses 15 anos. Agora subiu um pouquinho, fiquei sabendo, mas nunca voltamos a ter mil sócios como nós tivemos nos anos 1980. Chegamos a ter mais de mil entidades filiadas ao Dieese e, de 1990 para cá, ficou por volta de 500, 450; mas nesses 450 estão os 40 ou 50 que têm peso, não só em São Paulo, sobretudo em São Paulo, mas também no Rio, no Rio Grande do Sul, em Brasília, Minas, são estados que têm peso, na Bahia, enfim são estados importantes... Bom, não sei, já me perdi aqui.
P/1 – Dentro do Dieese tem algum conflito? Porque tem duas direções: a direção sindical e a direção técnica. Tem algum conflito aí?
R – A crise de 1990 foi uma crise de um fortíssimo conflito entre o papel dos técnicos e o papel dos sindicalistas que foi resolvida por um novo estatuto. O Dieese também teve esse lado que eu não comentei: nos anos 1990 nós fizemos um novo estatuto que mais ou menos re-equilibrou o poder dos sindicatos, das entidades sindicais, dos sindicalistas e dos técnicos dentro do Dieese. A tese na época era a seguinte, como tinha uma crise financeira no Dieese, os sindicalistas diziam: “A direção administrativa e financeira do Dieese tem que passar a ser indicada pelos sindicalistas”, e sempre foi indicada pelo iretor écnico. Os sindicalistas indicavam o iretor écnico, como se fosse uma espécie, digamos assim, de um residente de uma empresa que o Conselho de Administração o residente escolhe quem ele quer, e a briga foi isso. No final manteve o poder, o iretor écnico indicava, mas foi uma transição de poder negociado. No Dieese tudo é muito conversado, às vezes fica um pouco lento porque tudo tem que ser muito negociado, é uma empresa. E aí eu acho que a minha equipe, quando eu virei iretor écnico, que teve essa direção técnica colegiada. Acho que agora esse nome foi sepultado, mas nós trabalhamos com um negócio que chamava DTG, você pode perguntar para as pessoas: “O que é DTG?”, o pessoal sabe, é direção técnica geral. Éramos uns cinco que dirigíamos o Dieese e a gente sempre teve habilidade de conversar com a ireção indical. Então, formalmente, o poder era nosso porque o estatuto consagrou que quem indicava era a área administrativa, mas na prática a gente partilhou, durante uns três, quatro anos. Até que os dirigentes recuperaram inteira confiança na gente, nos técnicos, nós partilhamos o poder em termos de dar bastante transparência, informação para que eles tivessem acesso aos dados, foi no período que a gente começou a pagar essa dívida que eu falei que levou oito anos para pagar. Levou um tempo para eles recuperarem. Formalmente, nós não mudamos o estatuto, ele preservou o poder dos sindicalistas em cima e dos técnicos dirigindo inclusive a área administrativo-financeira, mas foi uma crise grande que consagrou o novo estatuto. De lá pra cá não teve outras grandes crises que eu me lembre nesses 16 anos. Eu acho que essa foi a pior crise. E o Barelli era uma figura muito importante, muito conhecida nos anos 1989, 1990, e ele se afastou do Dieese em 1989, no último mês do segundo turno para cuidar do Lula, para trabalhar na campanha do Lula, e o Lula perdeu por pouco do Collor, bem pouquinho, em 1989. Aí o Collor entrou rachando e o Barelli sabia que aquilo era meio o fim da carreira dele no Dieese, porque nunca ninguém fazia apostas tão claras partidárias, e o Barelli foi, embora ele fosse do PT, ele foi para campanha do Lula. Ele voltou, a Diretoria pediu para ele ficar, ele ficou mais uns três meses depois que o Collor ganhou – o Collor ganhou em dezembro de 1989, naquela época o segundo turno era em dezembro, foi em dezembro de 1989 – e tomou posse em março, aí o Barelli ficou até maio, foi quando eu assumi. Mas já era um momento mais complicado, porque o Barelli bateu boca com o Cláudio Humberto, na época o Cláudio Humberto era o porta-voz do Collor. Quando teve o negócio da inflação zero em abril, que foi uma manipulação da informação, o Barelli falou: “Não foi, essa inflação não foi zero”, o Cláudio Humberto falou: “Essas são as viúvas da eleição, perderam e agora estão falando” e carimbou no Barelli, porque ele era um dos assessores principais do Lula, aí ficou mal. O Dieese não podia, o Barelli já estava se preparando para sair e ele saiu. Como nós éramos jovens, não éramos vistos como engajados com ninguém politicamente, partidariamente, foi fácil, nesse aspecto, para a gente assumir a direção do Dieese, mas... E agora me perdi de novo!
P/1 – Estava falando dos conflitos internos.
R – Ah, dos conflitos! Aí, bom, formalmente não houve uma ruptura, mas foi um momento tenso na história do Dieese de 1989 para 1990. Tinha essa coisa do Barelli, tinha dirigente sindical mais ligado ao PT, mais contra o Collor ou mais a favor do Collor. O Medeiros, na época, o pessoal da Força Sindical, apoiou o Collor, o Magri virou Ministro do Trabalho do Collor e eles eram filiados ao Dieese, então a situação ficou um pouco tensa. Inevitavelmente, o Barelli saiu, a equipe do Barelli saiu, e nós entramos. Nós não éramos mesmo conhecidos, as pessoas não sabiam se nós estávamos de um lado ou do outro.
P/1 – Vocês não estavam tão comprometidos assim?
R – É, as pessoas têm filiação partidária. Eu, pessoalmente, nunca tive.Sempre limitei aqui no Dieese, nunca fui de partido nenhum. Mas a gente, durante um certo tempo, foi muito identificado com a CUT e, por extensão, ao PT. Porque a CUT era mais forte, ela que tem mais filiados no Diesse, e a CUT e o PT tinham uma certa ligação, mas eu, pessoalmente, você pode procurar em todos os registros de todos os partidos, não vai achar. Por Arbulu é fácil achar (risos).
P/1 – Me fala um pouco sobre essa equipe que dividia a coordenação. Você lembra dos nomes destas pessoas?
R – Da coordenação técnica?
P/1 – Técnica.
R – O Prado, era da técnica também, já tinha falado dele, o Prado; o Dirceu; o Clemente que hoje é o iretor écnico e a Adelaide, que saiu já, cuidava da parte administrativa e financeira. Logo depois, dois anos depois, veio o Reginaldo que também estava naquele debate que nós fizemos. Inicialmente foram esses: o Prado, eu, o Clemente, o Dirceu e a Adelaide na área administrativa e financeira. Adelaide ainda mantém contato aqui com o povo, ela está trabalhando em outro instituto e foi uma figura importante aqui. Ela pegou toda essa briga do estatuto, da parte administrativa e financeira.
P/1 – Como você avalia a trajetória do Dieese desde a fundação até hoje? Qual o papel que desempenha na sociedade? Enfim, uma avaliação breve.
R – Bem geral, né? Olha, é uma instituição, claro que qualquer um que sentar aqui para falar é suspeito, mas é uma instituição importante. Por que uma instituição é importante? Para tentar ser um pouco mais isento. São poucas as instituições no Brasil que têm 50 anos. O Brasil é um país jovem, o Brasil se urbanizou, na verdade, se você pensar o Brasil, pelo menos São Paulo: em 1900, acho que São Paulo tinha 300 mil habitantes. Hoje a cidade tem 11 milhões. Então o Brasil é um país novo, o Brasil tem um século e um pouquinho, a rigor, apesar de ter 500 anos de história, mas nesses cento e tantos anos, nesses 130, 40 anos teve um processo de crescimento e urbanização. Uma instituição que tem 50 anos é uma coisa de renome. Isso mostra o que foi uma sacada lá atrás, nos anos 1950, ter construído essa instituição que mistura essa coisa técnica com a pluralidade política, de intervir com os trabalhadores, com a classe trabalhadora num período que o Brasil estava se urbanizando e a classe trabalhadora estava crescendo... Tudo isso juntou e criou-se o Dieese. Quem criou o Dieese acho que não sabia de nada disso, pelo menos não tinha idéia de que isso ia durar 50 anos, mas criou uma instituição que tinha capacidade de sobreviver. Acho que foi uma boa ideia, o Dieese é uma instituição relevante na sociedade brasileira, tem credibilidade, é ouvida, tem respeito, respeito inclusive pelo cidadão simples. Quem conhece, não são todos, é claro que a massa não conhece, lá no interior do Nordeste ninguém nunca ouviu falar no Dieese. Mas fazendo um parênteses: ri demais outro dia o próprio Alckmin dizendo dele – estou pensando aqui, lá no interior do Brasil falar Dieese, nem sei como eles falam –, mas ele já está feliz da vida porque, no Piauí, andando na rua, o pessoal já chama ele de Geraldo Alves [risos], ele está feliz da vida porque pelo menos Geraldo Alckmin é Geraldo Alves! Imagina o Dieese no interior da Paraíba, os caras não têm ideia, pode ser um negócio desses, mas é uma instituição reconhecida na rua. Sobretudo pelos metalúrgicos, pelos bancários, os trabalhadores organizados. Não estou falando do trabalhador, estou falando do dirigente, acho que isso é uma riqueza. Intervindo em debates relevantes na história econômica e social, posso citar a questão do salário mínimo, a questão do custo de vida, cesta básica e agora, mais recentemente, emprego e desemprego. São temas chaves de qualquer discussão sobre desigualdade, distribuição de renda, desenvolvimento no Brasil, enfim, é uma instituição marcante, embora eu seja suspeito. É claro que tenho dificuldade em me distanciar, porque passei uma parte da minha vida aqui, mas acho que hoje, estou a três anos fora, sigo prestando atenção no que o Dieese faz. Ele tendo relevância, importância, as coisas que o Dieese fala são ouvidas. A questão salarial: outro dia mesmo foi a primeira capa de vários jornais a questão salarial. O Lula adorou, porque os salários subiram. Mas enfim, estou brincando porque é o que a gente dizia, às vezes a gente dizia que a inflação era mais baixa quando os sindicatos queriam que ela fosse mais alta e dizia que era mais alta quando o overno queria que fosse mais baixa, essa é a grande força do Dieese, trabalhar com os dados técnicos. Não que as pesquisas socioeconômicas sejam que nem matemática, elas não são. Elas exigiam demanda de interpretação e interpretação passa pelo crivo ideológico e político das pessoas, mas tem base científica nessas pesquisas, e o Dieese sempre foi uma instituição de pesquisa, essa é a grande força de ele ter se mantido. É uma instituição fortemente influenciada pelo viés político dos sindicatos, das centrais sindicais, mas nunca perdeu o rumo, porque está amparado pelo conhecimento técnico, pelo conhecimento das pesquisas, o conhecimento científico no que diz respeito às pesquisas que o Dieese faz, com metodologias respeitadas. Acho que é uma instituição que demonstrou um valor importante em temas altamente relevantes para a sociedade brasileira. Claro que mais voltados para a economia e a área social, vamos dizer, mas não a social no sentido amplo da educação, da saúde, mas as questões de impacto dessas políticas públicas de salário mínimo, inflação, custo de vida na vida das pessoas.
P/1 – Na roda de história que a gente fez, a Lenina Pomeranz falou em algum momento que, entre os economistas e os sociólogos, no trabalho, não tem tanta diferença porque eles vêm lidando com o mesmo tipo de situação e aprendizado. Como economista, o que você aprendeu de novo, de diferente, que tenha fugido do social?
R – Acho que a linha do trabalho entre os economistas e os sociólogos, para pegar esses dois exemplos de os profissionais de maior presença no trabalho técnico, é pequena. Acho que os economistas aprendem um pouco de Sociologia e os sociólogos aprendem um pouco de Economia aqui. A gente faz um trabalho, nunca é uma abordagem econômica strictu senso e nunca é uma abordagem sociológica strictu senso. Acho que tem uma interação grande entre as duas áreas, e outras também, a área de Pedagogia, de Educação também têm uma contribuição interna, mas principalmente essas duas. Se você ler os textos que o Dieese produz, eles sempre têm um pouquinho da cara social, não é um texto denso, tecnicamente, economicamente; às vezes é, e vice-versa. Também não tem em outras áreas abordagens puramente sociológicas, só com o instrumental da Sociologia de análise nos assuntos, embora nos anos 1990 a inclinação para o econômico tenha sido ainda maior, porque a agenda mundial foi a agenda econômica, meio chata na verdade porque ela é puramente econômica – globalização, você abre os jornais só vê falar de dinheiro, juros. E aqui não, aqui você teve essa chance de as duas escolas, vamos dizer assim, trabalharem junto. Não sei, a Lenina, a Heloísa, até a geração do Barelli, eles têm mais fortemente demarcada a sua formação anterior. O Barelli já menos, a minha geração menos ainda, nós somos técnicos do Dieese. Claro que eu me inclino para a Economia porque é onde eu me sinto mais seguro, é onde eu conheço mais, e outros pela Sociologia. Alguns economistas fizeram mestrado em Sociologia, ou sociólogos foram estudar Economia. Acho que isso é mais forte talvez na abordagem da Lenina lá atrás, mas no meu tempo já é menos importante, eu diria. Está no nome do Dieese: socioeconômico, o “S” ”E” do Dieese. Mas isso nunca foi uma questão problemática do ponto de vista da gestão do conhecimento, da produção técnica do Dieese: a combinação desses saberes do lado dos economistas e dos sociólogos. Não sei se respondeu a pergunta.
P/1 – Acho que sim.
R – Mas eu concordo com tudo que a Lenina falar. Sou tiete da Lenina.
P/1 – Qual você acha que é a perspectiva do Dieese pro futuro?
R – Do Dieese? Acho que o Dieese fez uma aposta interessante, difícil, que é a discussão da distribuição de renda e da desigualdade. Acho que está correta a aposta para além do debate que nós estávamos lembrando nos anos 1970, 1980: inflação, custo de vida; anos 1990: emprego e desemprego. Vamos dizer, nessa primeira década do século XXI, acho que a aposta na desigualdade é uma aposta importante, difícil, muito difícil, porque parece que esse é um assunto que o Brasil não consegue resolver. Dados mais estáveis de séries socioeconômicas são os dados de distribuição de renda, eles não mudam. Agora, talvez, tenha uma pequena mudança, nada dramática, mas essas políticas que vêm sendo praticadas de fato devem produzir algum efeito na distribuição de renda, mas não é um efeito estrutural, na minha opinião. Então é um ingresso num desafio, numa temática cujas respostas são muito difíceis, porque a distribuição de renda, a desigualdade é uma síntese de todas as dimensões do Brasil: da educação, da economia, da luta política, da luta dos trabalhadores, enfim, das políticas públicas, do papel do Estado. Quer dizer, tudo isso no fundo sintetiza na distribuição de renda e que não muda! Esse país que vai sendo reproduzido desigualmente apesar de ser um país muito importante, ter uma economia forte. Mas acho que é a aposta certa. Achei até, e acho, de certa forma, pode ser que eu esteja muito turvado, que nessa crise mais recente das instituições, a crise do mensalão, essa crise que afetou o PT, afetou algumas instituições, partidos, mas afetou o lado de cá, vamos dizer assim, o PT, partidos que até então estavam... Instituições com a credibilidade do Dieese ou que estão ao largo dessa crise, elas poderiam reforçar o seu papel. Não é uma boa análise no sentido até pelo enfraquecimento das outras, “Bom, vamos nos agarrar onde tem instituições com muita credibilidade”. A Igreja, por exemplo, aí a Igreja católica sim, mas a Igreja está cheia de pastor envolvido com mensalão, com crise e tal. Quais instituições passam ao largo da crise? Tenho a impressão que o Dieese pode continuar sendo um espelho, uma instituição de referência, de credibilidade. Mas o Dieese é pequeno, ele faz muito barulho, mas é pequeno. É isso que vocês estão vendo aqui, não é muito maior do que isso. Acho que a aposta está correta, a aposta na temática, no desafio, vejo como correta e acho que a atual direção técnica e sindical tem pela frente... Eles estão com esse desafio, pelo que eu estou sabendo agora, recentemente. Vai ser duro ter equipe para isso tudo, preparar não só a equipe, trazer gente jovem que se prepare para essa discussão, porque é uma discussão muito difícil. A gente sempre tentou fazer. Nos anos 1970, teve esse debate da distribuição de renda e depois foi deslocado para essa questão da hiperinflação, da inflação muito alta, pela questão do desemprego nos anos 1990 e está voltando agora com a inflação estável, o mercado de trabalho nessa situação, a globalização já com 15 anos de vida depois dos anos 1990. Qual o projeto do Brasil para frente? E essa questão da distribuição de renda e da desigualdade também está ligada à ideia de um projeto que nós não temos. Basta olhar que a eleição presidencial não sinaliza o grande projeto para frente. As forças que estão dadas aí, seja a reeleição do Lula, seja o Alckmin ou a própria Heloísa Helena, o Cristóvam, são os quatro candidatos à residente fortes, nenhuma coloca um projeto articulado. A não ser a continuidade, a ideia de fazer mais e melhor o que vem fazendo, mas não chega a ser um projeto de desenvolvimento articulado. Não é uma questão de ter cientistas escrevendo o projeto, as forças sociais e políticas estão engajadas nas questões do projeto de desenvolvimento? Tem início? Tem coesão? Tem uma ligação entre os trabalhadores e os empresários? Tem alguma coisa acontecendo dramaticamente na área da Educação que vai revolucionar o Brasil daqui a dez, 15 anos? Não tem, então é uma aposta, enfim, talvez a mais difícil que o Dieese tenha que fazer nessa sua longa trajetória dos 50 anos, bem complexa. Mas não tem saída, o Dieese tem que fazer isso, ele é uma instituição complexa, é uma instituição com credibilidade, bem ou mal ainda fortemente, umbilicalmente ligada à classe trabalhadora, com toda a perda de poder relativo que a classe trabalhadora e os sindicatos estão tendo nesses anos 90 e nessa década, mas ele ainda preserva um capital de credibilidade que lhe dá condição. Ele precisa ter capacidade, inclusive financeira, de ter gente bem formada, técnicos e direção política que esteja próxima do Dieese com força de dialogar, não só dentro do movimento sindical, como para fora, para a sociedade, o que é mais difícil. O movimento sindical está perdendo quadros, está difícil renovar quadros porque também nós temos uma questão, eu não sou nem sociólogo nem filósofo, mas tem uma questão dramática que é o problema do protagonismo, da predominância do individualismo nesses últimos anos. Hoje é um pouco salve-se quem puder, tá certo? Sindicato é uma instituição mal vista. Quando você vai ver o sindicato é porque fez greve do metrô, aí rola porrada no sindicato! A boa vontade que a sociedade tinha com organizações coletivas não tem mais, por quê? Porque na base desses jovens... Posso dar um exemplo do que eu estou vendo lá em Brasília: nós estamos fazendo, no atual governo, e é na minha área no governo, abrimos 80 mil vagas para concursos públicos no Brasil inteiro, para o serviço público federal. Lá em Brasília você tem não só os concursos do Executivo como os do Legislativo e do Judiciário, que pagam salários mais altos. Os jovens entram, esses jovens que saem bem formados da universidade, fazem concurso, passam num lugar e logo depois querem passar no outro. Eles não estão interessados em ser servidor público, eles estão interessados na vaga do serviço público que lhes dá o maior salário. Essa coisa individual também está impregnando todas as dimensões, inclusive quem vai trabalhar no setor público que quer ser servidor público. Não sei se o cara quer ser mesmo um servidor público, quando no passado ser servidor público era um significado enorme. “Quero ser servidor público” “Quero ser bancário do Banco do Brasil para sempre!”, né? Quero servir o público no sentido... Estou falando só para dar um exemplo de algo que eu estou vendo agora. Essa coisa do individualismo é fatal para o sindicato, porque o sindicato é uma organização coletiva que dependia também do quê? De grandes unidades homogêneas de trabalho com tecnologia estável. A hora que você fez todo esse processo de automação, especialização flexível... E também dentro da fábrica é o seguinte: “Vamos lá”, que quase como individualizar o trabalho do operário, mesmo numa fábrica, esse operário também não olha mais o sindicato, a não ser em grandes aglomerações. Você tem um problema estrutural da forma de organização da sociedade que vai contra as organizações coletivas e vai contra os sindicatos. Estou falando do ponto de vista do mundo do trabalho. Isso é um problema para o Dieese.
P/1 – Qual a raiz desse problema do individualismo? Qual a raiz histórica, você acha, desse enfraquecimento do sindicato?
R – Acho que tem várias, uma delas é o problema tecnológico. Mudou a feição, não tem mais fábricas, por exemplo. A Volkswagen, em São Bernardo, tinha 40 mil operários no final dos anos 1970, 40 mil trabalhadores, não eram só operários. Hoje você tem 14 mil na fábrica, menos da metade, tem muita gente terceirizada, mas trabalhador contratado... Você tem, de um lado, uma diminuição do emprego industrial que era a força da classe trabalhadora nos sindicatos, você tem o problema da dominação das ideias liberais. Com a vitória da Margareth Thatcher lá em 1979, o fracasso dos anos pós-guerra, dos anos dourados no final dos anos 1970 início dos anos 1980, o Reagan em 1980 e agora esse louco do Bush, você tem uma dominância de ideias do individualismo, de competição. Isso eu estou falando dos governos. No plano das empresas, uma competição absurdamente feroz, mercados abertos, globalizados que levam ao processo de competição e de desemprego que faz com que as empresas peguem para elas o que querem de melhor: os trabalhadores estão lá dispostos a se engolir. E essa competição não leva os trabalhadores a pensarem na solidariedade, no trabalho coletivo, que é o que dá a base da estruturação dos sindicatos. Historicamente, é um momento muito desfavorável, já está sendo há muito tempo, mas não está claro o horizonte de mudança. Ainda que as políticas que esse consenso de Washington propôs, essa discussão no final dos anos 1980, começo dos anos 1990, tenham dominado e os resultados dessa política nós estamos vendo aí, não são bons: desigualdade no mundo, está aprofundando zonas de conflito, você tem toda uma crise no mundo inteiro. Apesar disso, segue dominando, a hegemonia do pensamento liberal segue muito forte desde o final dos anos 1970. É uma geração inteira e, mais particularmente, nos anos 1990 no Brasil com a abertura econômica, é muito difícil a luta dos trabalhadores daqui para a frente e dos sindicatos em particular e, obviamente, para o Dieese. Mas como o pessoal daqui nunca desiste, o Dieese vai estar nessa briga até onde precisar estar. Tem hora que você sente que não vai dar, mas não vai dar até porque as pessoas se cansam depois de uma longa militância, mas o mais grave é não ter renovação. Se você pegar a direção dos sindicatos hoje, você não consegue mais trazer jovens para dirigir os sindicatos, os jovens não estão nem aí com os sindicatos. E isso é grave para a organização sindical que não renova. A minha geração já é, talvez, a que foi mais jovem dos dirigentes sindicais. Se você pegar os atuais dirigentes sindicais, eles são da minha idade, uns 47, o Paulinho, o Arthur, o Marinho – que está no Ministério do Trabalho, que foi Presidente da CUT, Presidente da Força Sindical – e não vem gente mais jovem. Tem, não dá para generalizar, mas está difícil a renovação e, sobretudo, a renovação na sindicalização, o jovem se sindicalizar. O jovem olha a sociedade e diz: “Eu tenho que ver como eu me viro”, e é verdade porque tem desemprego, tem que se virar, mas ele não está olhando: “Será que através da organização sindical, através do sindicato eu posso?”, ele não está pensando assim. Como dizem os astronautas da Apollo 13, temos um problema, temos um problema estrutural. Existe um cenário que eu diria que não é talvez um cenário que nós aqui, que trabalhamos muito tempo nessa geração no Dieese, consigamos apostar que é o cenário do Dieese descolar do movimento sindical. O Dieese tem uma credibilidade que faz ele pode ser uma instituição financiada por recursos públicos, mas aí ele perde muito do que foi, da história dele. Uma vez, quando a gente gravou um vídeo institucional, foi no Dieese 2000, lembro que fiz uma fala que depois a gente cortou, diz assim: “O Dieese tem as qualidades e os defeitos do movimento sindical. Quando o movimento sindical é muito bom, nós também vamos junto, somos bons; quando ele é ruim nós também não somos muito bons, também somos ruins”. Eu queria usar isso para dizer que nós refletimos essa visão política dos dirigentes, mas, nesse momento que o sindicato está perdendo força, haveria um risco de um descolamento dessa instituição que bem ou mal é uma grife e que poderia, mas seria outra coisa, seria outro Dieese. A minha geração acho que tem dificuldade de pensar nisso, no Dieese descolado dos sindicatos e do movimento dos trabalhadores.
P/1 – Voltando para as questões pessoais, você é casado?
R – Nesse momento não, mas eu quero casar.
(risos)
P/1 – Você tem filhos?
R – Eu tenho três filhos.
P/1 – Que idade eles têm?
R – São grandes, têm 22, 21 e 14.
P/1 – Eles são simpáticos à causa? O que eles falam?
R – Essa foi boa, essa sua pergunta. Outro dia nós saímos para almoçar, eu estou há três anos trabalhando no governo do Lula, apesar de ter dito que não sou do PT – nunca fui mesmo, pela minha militância no Dieese conheci os sindicalistas, os sindicatos e o Lula, e fui trabalhar lá. O Lula conhece muito o Dieese e eu fui parar lá não no começo do governo, foi em dezembro de 2003. E obviamente com todas as dificuldades que estão aí, não vou entrar nisso porque não faz parte da nossa discussão, estamos aí diante da reeleição e obviamente que vou votar no Lula, senão já teria ido embora do governo. Se estou lá até agora, acredito que tem um monte de coisa errada, mas um monte de coisa certa no governo, mais certa do que errada, por isso que, entre outras coisas, eu estou lá, na minha opinião, claro. Mas lá em casa, um filho vai votar no PSOL [Partido Socialismo e Liberdade], a outra vai votar nulo, então nem em casa eu estou...
[risos]
R – Mas eu estou brincando para dizer o seguinte: os meus filhos, eles também, bem ou mal, têm influência da nossa vida, da minha, da Rosana, que criou comigo os filhos, da mãe deles – os dois mais velhos que eu estou falando, são os que votam, o pequeno ainda não vota. Então eles têm uma formação, acho, também social, mais à esquerda e fruto da própria idade, no aspecto político, mas não estão militando no fórum da esquerda. Um está na Faculdade de Direito lá na São Francisco, e advogado é tudo conservador, mas ele está no fórum de esquerda, acho que esse vai votar no PSOL porque o Plínio Sampaio que é candidato a governador pelo PSOL tem influência nos advogados, acho que é mais por aí que entra o voto do PSOL. E a minha filha está fazendo arquitetura, ela também está numa política que nem sei qual é, também não quero saber muito – eu brinco com ela para não aderir demais a esses grupos políticos, porque eles não te deixam pensar muito. É bom ter militância política, mas aí sou eu falando para ela, e ela também me disse que hoje, se fosse hoje, vota nulo. Nem no PSOL. Acho que meus filhos também estão interessados nessa formação política.
P/1 – Que bom!
R – É. Um pouco diferente do que eu vinha falando, claro que a gente pensa que não influencia os filhos, eu nunca fiz um movimento nessa direção, mas eles estão vendo o que a gente faz na vida. Tem um pouco de orgulho sobre essas coisas. Agora, é da idade essa militância, como eu vivi 20 e tantos anos no Dieese, eles ouviram eu falar do Dieese, dos trabalhadores, dos sindicatos; estou a três anos no governo Lula, então não tem jeito. Podiam ser radicalmente contrários, mas não são, eles foram para esse lado. Também não sei se tem algum arquiteto que não seja ligado a movimentos mais sociais, fruto da profissão, da escolha da profissão. Já o advogado não, ao contrário, advogado vai pelo caminho mais... Estou estereotipando a análise, estou falando por causa dos dois. Já o Pedro, acho que esse sim vai ser o meu filho...
P/1 – É o seu filho mais novo?
(risos)
R – O Pedro ainda é menino, tem muita... Ele fica com raiva porque eu moro em Brasília, ele tem raiva do Lula, mas porque eu moro em Brasília, mais por isso.
P/2 – Roubou o pai dele.
R – O Lula roubou o pai dele.
P/2 – Quais foram as principais lições que você tirou da sua carreira?
R – Aqui?
P/2 – É, da sua carreira em geral, até hoje.
R – Minha carreira é muito fortemente influenciada pelo Dieese. Acho que a mais legal, eu já falei outra vez na nossa gravação, é aprender a trabalhar democraticamente, ouvindo os outros, montando equipes, tendo visão plural das coisas. Acho que isso é, claro é difícil falar de si mesmo, mas eu acho que é o meu grande aprendizado. E lá em Brasília consegui também fazer isso, montar uma equipe, trabalhar com os servidores públicos. Na minha Secretaria, nós levamos muito pouca gente de fora, a gente trabalhou com gente da casa, servidor público, acho que é uma equipe mais ou menos coesa, também não tenho ilusões. São três anos de trabalho. Mas acho que esse foi o grande aprendizado e ele é fortemente influenciado pelo trabalho no Dieese. O Dieese é um órgão que te obriga a estar o tempo todo atento no olhar do outro, além da formação técnica, mas sobretudo isso. A formação técnica cada um tem a sua, um economista melhor ou pior, um sociólogo melhor ou pior, mas a formação de gestão com um olhar democrático... E a gente está implantando no governo um processo bem inédito de gestão democrática nas relações de trabalho, com muita dificuldade, que é também fruto da formação de pessoas como eu. Não só eu, não fui eu que comecei a implantar, mas a gente está dando continuidade à equipe que está lá. Acho que essa é a maior marca aqui, acho que isso é fundamentalmente por conta do Dieese, estou convencido disso, desse trabalho coletivo e essa visão institucional das coisas, para mim é importante. Eu sou filho de servidor público federal, embora nunca tenha sido servidor público, meu pai era. Também fui parar num lugar... é muito gozado, a história dá voltas. De vez em quando, me lembro que eu sou filho de servidor público federal. Quando estou falando lá, porque eu não sou servidor, às vezes tem esses embargos: os que vieram de fora, nomeados, mas eu me lembro que meu pai era. E muitas vezes não quer dizer nada ser servidor concursado, o que você vê de defeito ali, de interesses muito particulares mesmo sendo servidor. E quem vem de fora com um interesse mais geral, mais público. Mas essa foi a marca principal.
P/1 – O que você acha de ter participado desse projeto de memória dos 50 anos?
R – Eu acho que o Dieese precisava disso. Foi um projeto bem bacana, sorte que o Dieese teve condição de fazer, inclusive financeira, de contratar uma equipe competente que conhece esse tipo de trabalho, como vocês, porque precisava resgatar essa história. O Dieese não tem... O Dieese tem muito pouco resgatado da sua história. A gente brinca que, mesmo nos momentos, aqui dentro, de felicidade, quando a gente ganhava uma parada, o sindicato ganhava uma parada, o Dieese fazia uma coisa bacana, já no dia seguinte estávamos enfrentando um problema. Nós não temos nem tempo de ser feliz aqui dentro, porque já vem outra pauleira. Essa parada que o Dieese está aprontando para resgatar a sua história, acho importante para a instituição, a instituição nunca conseguiu fazer isso. Acho um projeto bem bacana. Espero que dê para fazer uma síntese porque é muita coisa, nunca fez. A gente teve, mais recentemente, há dez anos, uns vídeos, mas coisas muito pontuais. Não sei se vocês já tiveram acesso a esse material. Mas é uma coisa muito específica, muito pontual. Agora não, acho que é uma coisa mais abrangente, pegando até o Rubens Ramacciato, esse cara nunca o vi. Como naquele filme Nunca Te Vi, sempre Te Amei, porque esse Rubens... Encontrei com a Rosana hoje, ela falou: “O Rubens está lá”, quase que eu tive vontade de sair de lá e vir ver o cara aqui, porque ele existe? É uma pessoa real? Dá para pegar? Imagina, passei 20 e tantos anos aqui no Dieese e não conheço esse cara. O Dieese nunca resgatou... embora eu tenha conhecido o Albertino, o filho do Albertino – o Albertino faleceu – nós tivemos alguns momentos aí. Mas acho um projeto fundamental porque o Brasil, como todo mundo sabe, tem pouca tradição de resgatar sua memória. E o Dieese, aí já é uma coisa muito particular, foi muito injustiçado na história. O Dieese teve muito mais importância do que na verdade aparece. As disputas políticas que vieram no final dos anos 1970, começo dos anos 1980, levaram as análises permeadas por essas disputas políticas e uma instituição plural, unitária como o Dieese ficou de fora, não estava. Tem muita coisa que você lê de história recente do movimento sindical dos anos 1980 e você fala: “Isso aqui nosso está aí e ninguém fala”. E ninguém fala. O Dieese... institucionalmente, não estou falando pessoalmente, institucionalmente foi injustiçado. Não vou citar casos porque nem vou lembrar, mas tem livros, coisas que foram escritas que passaram ao largo do Dieese e o Dieese estava lá. E teve importância, a sua importância não foi a principal, mas teve importância. Acho que em geral foi reconhecido, os sindicatos mais importantes sempre reconheceram o papel do Dieese.
Recolher