No século XIX, foram marcantes as viagens de europeus pelo Brasil, estimulados pelo exotismo de nossa terra e pelas facilidades então surgidas pela abertura do país às chamadas “nações amigas”. Na época, Saint-Hillaire, Langsdorff, Burton, Von Martius e muitos outros narraram aos seus compatriotas ávidos de informações suas observações sobre aquele mundo ignoto, em tons que variavam do maravilhado ao perplexo.
A era das viagens ao Brasil, entretanto, não acabou. Eu mesmo acabo de chegar de uma delas, com duração de uma semana e percurso de mais de mil quilômetros pela Serra do
Espinhaço até o Vale do Jequitinhonha. Andei por lugares variados como Serro, São Gonçalo do Rio Preto, Senador Modestino Gonçalves, Itamarandiba, Capelinha, Araçuaí e outras comarcas mais remotas e menos conhecidas de Minas Gerais. Conto agora a vocês uma parte do que vi e senti em minha travessia, autêntica “Viagem ao Brasil-Real”.
Em primeiro lugar, as estradas. Ah, as estradas do Brasil-Real Elas são simplesmente “solúveis em água”, de tal forma que, uma vez atacadas pela chuva persistente, fica difícil afirmar onde realmente se encontra aquilo que um dia foi chamado de “estrada”.
E o que faz o povo do Brasil-Real? De tudo um pouco para continuar sobrevivendo. Há poucos empregos fixos fora do setor público. As pessoas plantam suas rocinhas de subsistência, tiram carvão (quando sobra alguma árvore na paisagem), mantêm um gado vaqueiro. Nada mais... Dinheiro mesmo, com que as famílias possam contar regularmente, só o dos aposentados e o dos funcionários públicos – aliás, pessoas muito estimadas e valorizadas nas plagas do Brasil-Real.
A maioria dos brasileiros-reais é pobre, muito pobre. Uma pequena parte, porém, é rica, muito rica. Os políticos, quase sempre pertencentes ao segundo grupo, são mestres em auferir seus votos baseados em promessas que geralmente não podem ou não querem cumprir. Nada de novo, portanto.
E na...
Continuar leitura
No século XIX, foram marcantes as viagens de europeus pelo Brasil, estimulados pelo exotismo de nossa terra e pelas facilidades então surgidas pela abertura do país às chamadas “nações amigas”. Na época, Saint-Hillaire, Langsdorff, Burton, Von Martius e muitos outros narraram aos seus compatriotas ávidos de informações suas observações sobre aquele mundo ignoto, em tons que variavam do maravilhado ao perplexo.
A era das viagens ao Brasil, entretanto, não acabou. Eu mesmo acabo de chegar de uma delas, com duração de uma semana e percurso de mais de mil quilômetros pela Serra do
Espinhaço até o Vale do Jequitinhonha. Andei por lugares variados como Serro, São Gonçalo do Rio Preto, Senador Modestino Gonçalves, Itamarandiba, Capelinha, Araçuaí e outras comarcas mais remotas e menos conhecidas de Minas Gerais. Conto agora a vocês uma parte do que vi e senti em minha travessia, autêntica “Viagem ao Brasil-Real”.
Em primeiro lugar, as estradas. Ah, as estradas do Brasil-Real Elas são simplesmente “solúveis em água”, de tal forma que, uma vez atacadas pela chuva persistente, fica difícil afirmar onde realmente se encontra aquilo que um dia foi chamado de “estrada”.
E o que faz o povo do Brasil-Real? De tudo um pouco para continuar sobrevivendo. Há poucos empregos fixos fora do setor público. As pessoas plantam suas rocinhas de subsistência, tiram carvão (quando sobra alguma árvore na paisagem), mantêm um gado vaqueiro. Nada mais... Dinheiro mesmo, com que as famílias possam contar regularmente, só o dos aposentados e o dos funcionários públicos – aliás, pessoas muito estimadas e valorizadas nas plagas do Brasil-Real.
A maioria dos brasileiros-reais é pobre, muito pobre. Uma pequena parte, porém, é rica, muito rica. Os políticos, quase sempre pertencentes ao segundo grupo, são mestres em auferir seus votos baseados em promessas que geralmente não podem ou não querem cumprir. Nada de novo, portanto.
E na saúde, como se arrumam os moradores do Brasil-Real? Há enormes dificuldades em se conseguir uma simples consulta, principalmente se for medianamente especializada. Apesar disso, a taxa de cesarianas é elevadíssima As filas dobram esquinas já nas madrugadas. Os serviços e profissionais disponíveis são muitas vezes privados e, certamente, causará pasmo aos leitores tal informação, pois a maioria dos clientes é pobre demais para pagar qualquer coisa.
Quando comparamos o Brasil-Real com o Brasil que as aparências nos revelam, principalmente a nós que residimos em cidades desenvolvidas como Uberlândia, as diferenças são marcantes. Nossas estradas (em que pese os buracos) permitem trânsito o ano inteiro, nossa agricultura e nosso comércio fornecem empregos (embora menos do que o necessário), nossa renda média per capita é substancialmente melhor, nossos políticos viram reduzida sua capacidade de iludir o povo, principalmente porque este está cada vez mais consciente de seus direitos.
Na saúde, contudo, creio que estamos ainda próximos do Brasil-Real. A batalha inglória por uma simples consulta continua sendo uma tormenta na vida de milhões de pessoas, os indicadores de saúde não melhoram na intensidade esperada, os interesses privados e das corporações continuam a influenciar negativamente o alcance da meta de saúde para todos, impondo, em seu lugar, a “saúde para quem pode pagar” e a oferta de serviços modulada pela disponibilidade do mercado e não pelas necessidades gerais. Na saúde, o Brasil das aparências está muito próximo, lamentavelmente, do Brasil-Real...
Flavio A. de Andrade Goulart
Médico; Doutor em Saúde Pública; Ex-Secretário Municipal de Saúde de Uberlândia.
Recolher