Entrevista de Maria Aparecida
Entrevistada por Jonas Samaúma
São Paulo (SP), 28 de outubro de 2022
Projeto Vida, Morte e Fé - Programa Conte Sua História
Entrevista: PCSH_HV1280
Transcrita por Fábio Gonçalves
Revisado por Larissa Colejo
P/1- Muito agradecido, Madrinha, pelo seu tempo, né, por você dar essa entrevista pra gente. E eu pedi pra gente começar, na mesma energia, se você pudesse cantar um ponto, pra gente abrir com um ponto.
R- Qual? Do Preto Velho? Pode cantar?
P/1- Pode ser, Preto Velho.
R- Vou cantar esse: vamos abrir o mundo de mãe Maria José / vamos abrir o mundo de mãe Maria José. Só isso? Ou quer mais?
P/1- Você que sabe.
R- É... no céu se acende as estrelinhas, no céu se acende / no céu se acende as estrelinhas, no céu se acende / o céu se acende as estrelinhas, no céu se acende.
P/1 - Muito obrigado... eu ia te perguntar, assim, qual que é a primeira coisa que você lembra na sua vida?
R- Na minha vida?
P/1- É...
R- Mas boa ou ruim?
P/1- A coisa mais velha, mais antiga. A mais… pode ser boa, ruim, qual que for? A primeira lembrança.
R- Tenho que dizer onde eu nasci, o que passou lá?
P/1- Pode ser, pode ser. Onde você nasceu, como era?
R- Eu nasci em Aparecida do Norte.
P/1- Uhum. O que você lembra de Aparecida do Norte? Como era lá?
R- Ah, tinha igreja, assim, a igreja. Na saída, do lado esquerdo, tinha a igreja de São Benedito, que ainda tem ainda, né? Lá em Aparecida. O que mais que eu lembro de lá? Eu nasci, fui criada lá, né? Aparecida do Norte.
P/1- Você foi criada por quem?
R- Pela minha avó.
P/1- Pela sua avó?
R- É...
P/1- E o que você lembra de marcante da sua avó? Teve algum ensinamento dela, alguma história com ela importante pra você?
R- É porque depois a minha avó que me criou.
P/1- Isso.
R- Porque minha mãe morreu... minha avó chamava-se Risoleta.
P/1- Uhum...
R- E o que mais? Estudei lá no grupo escolar, lá mesmo em Aparecida... eu vim pra São Paulo... bom, aí tinha tias...
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Entrevistada por Jonas Samaúma
São Paulo (SP), 28 de outubro de 2022
Projeto Vida, Morte e Fé - Programa Conte Sua História
Entrevista: PCSH_HV1280
Transcrita por Fábio Gonçalves
Revisado por Larissa Colejo
P/1- Muito agradecido, Madrinha, pelo seu tempo, né, por você dar essa entrevista pra gente. E eu pedi pra gente começar, na mesma energia, se você pudesse cantar um ponto, pra gente abrir com um ponto.
R- Qual? Do Preto Velho? Pode cantar?
P/1- Pode ser, Preto Velho.
R- Vou cantar esse: vamos abrir o mundo de mãe Maria José / vamos abrir o mundo de mãe Maria José. Só isso? Ou quer mais?
P/1- Você que sabe.
R- É... no céu se acende as estrelinhas, no céu se acende / no céu se acende as estrelinhas, no céu se acende / o céu se acende as estrelinhas, no céu se acende.
P/1 - Muito obrigado... eu ia te perguntar, assim, qual que é a primeira coisa que você lembra na sua vida?
R- Na minha vida?
P/1- É...
R- Mas boa ou ruim?
P/1- A coisa mais velha, mais antiga. A mais… pode ser boa, ruim, qual que for? A primeira lembrança.
R- Tenho que dizer onde eu nasci, o que passou lá?
P/1- Pode ser, pode ser. Onde você nasceu, como era?
R- Eu nasci em Aparecida do Norte.
P/1- Uhum. O que você lembra de Aparecida do Norte? Como era lá?
R- Ah, tinha igreja, assim, a igreja. Na saída, do lado esquerdo, tinha a igreja de São Benedito, que ainda tem ainda, né? Lá em Aparecida. O que mais que eu lembro de lá? Eu nasci, fui criada lá, né? Aparecida do Norte.
P/1- Você foi criada por quem?
R- Pela minha avó.
P/1- Pela sua avó?
R- É...
P/1- E o que você lembra de marcante da sua avó? Teve algum ensinamento dela, alguma história com ela importante pra você?
R- É porque depois a minha avó que me criou.
P/1- Isso.
R- Porque minha mãe morreu... minha avó chamava-se Risoleta.
P/1- Uhum...
R- E o que mais? Estudei lá no grupo escolar, lá mesmo em Aparecida... eu vim pra São Paulo... bom, aí tinha tias que moravam em São Paulo, de vez em quando eu vinha visitar as tias, né?
P/1- Mas da sua avó, teve algum dia que ela te ensinou alguma coisa? Ou você lembra do que vocês faziam juntas?
R- A minha avó era muito católica. E depois eu fiz a primeira comunhão, fui batizada, tudo em Aparecida do Norte.
P/1- Uhum...
R- E estudei lá também no grupo escolar, que ainda existe o grupo lá, perto da igreja de São Benedito. Fui até o quarto ano lá. O que mais?
P/2- E assim, da sua infância, se você fosse pensar assim, qual que foi o momento mais bonito, melhor momento da sua infância? De quando você era criança. Tem algum momento que você lembra?
R- Quando eu era criança, com onze anos, não, menos… eu fiz o grupo escolar lá mesmo, estudei lá mesmo. Grupo escolar, Aparecida do Norte. E tirei diploma lá. Depois vim para São Paulo. Minhas tias já moravam aqui em São Paulo.
P/1- Você veio para São Paulo fazer o que? Você veio trabalhar, veio estudar?
R- Eu estudei aqui em São Paulo. Mas primeiro eu fiz o grupo escolar lá de Aparecida.
P/1- Uhum.
R- Ainda existe o grupo escolar lá, que eu estudei.
P/1- Como era esse grupo escolar?
R- Eu gostava da professora, dos... e fiz o quarto ano só, até lá. Aí depois, vim para São Paulo com a minha avó, né? Me arrumaram um emprego para tomar conta de criança (risos) aqui em São Paulo, né? E agora, estou aqui (risos)
P/1- E... e você, como foi que a senhora conheceu a mãe?
R- Doente. Estava muito doente. E... aí minha avó me levou num terreiro, lá em Aparecida... em Guaratinguetá. Era o que ela me levou. Aí desenvolvi. Lá em Guaratinguetá. Mas eu sofri muito... enquanto eu estava... porque a minha avó, ela não acreditava em espiritismo. Só católica, né? Mas não adiantou. Aí quando eu vim para São Paulo, fiquei ruim. Aí que me levaram num centro espírita, que eu desenvolvi lá.
P/1- E se sua avó não acreditava, como é que ela resolveu te levar, assim? Você sabe? Ela te contou?
R- No centro?
P/1- Foi no terreiro ou no centro que ela te levou?
R- É no centro.
P/1- Centro.
R- Era centro. Eu desenvolvi lá naqueles centros.
P/1- Uhum.
R- E aí comecei a trabalhar tudo. Veio os orixás, né? E até agora. Ainda estou continuando (risos).
P/1- Você lembra do... qual que foi a sensação a primeira vez que você chegou nesse centro?
R- Eu me lembro que eu desmaiava muito em casa. E a minha avó era católica apostólica romana. E aí veio uma comadre dela e me levou, falou, “olha, precisa levar essa menina num centro”. Aí que a minha avó... porque a minha avó era católica apostólica... ela não acreditava. Aí a minha madrinha que me levou no centro. E aí eu desenvolvi lá naquele centro.
P/1- A primeira vez que você foi, você foi já para desenvolver ou você foi receber um tratamento?
R- Um tratamento.
P/1- E aí como foi que você resolveu se desenvolver?
R- Bom, eu não podia sair sozinha, né? Em qualquer lugar ficava com o espírito. Voltava lá para o centro, tudo até que me prepararam lá naquele centro. Era centro Santo Agostinho, até chamava esse centro. Aí desenvolvi lá e comecei a trabalhar.
P/1- Como é que foi a sua preparação? Você podia me contar como foi essa preparação?
R- Ah, foi banhos e rezas também... deixa eu ver mais o que eu fiz. Bom, depois que eu fui para o centro, que eu desenvolvi, aí eu já fazia a cura, o espírito que encostou em mim...
P/1- Você lembra a primeira?
R- Eu resolvi ir lá na Umbanda, chamava pai Aniceto, ainda chama, né? Pai Aniceto, era um preto velho. Aí continuei lá naquele centro. Até que fui batizada lá no centro, tudo, até que meu padrinho morreu. Dono do centro, né? E aí eu continuei.
P/1- Continuou no centro ou continuou por conta?
R- Não, quando ele morreu aí eu comecei a dar passe, né? Vinha o espírito, eu recebia e dava passe. Até agora, né (risos).
P/1- Você lembra a primeira vez que você fez uma cura?
R- Que eu me lembro, nesse centro onde eu frequentava, vinha uma moça que o espírito tanto rondava ela, ficava doida. Aí eu recebia os guias e o guia preparou a moça. Mas tinha o chefe lá do centro, né? Que era meu padrinho. Chamava Agostinho até. E aí fiquei trabalhando lá no centro e até agora estou aqui (risos).
P/1- Está aqui, né? E você disse que ficou trabalhando lá. O que você fazia lá no centro de trabalho?
R- Dava passe, fazia cura também. Meu padrinho me preparou, chamava Agostinho, meu padrinho. Me preparou tudo para eu continuar trabalhando como até agora.
P/1- Qual que foi o grande... você disse que seu padrinho te ensinou, né? Seu padrinho te ensinou muita coisa.
R- Me ensinou muita coisa.
P/1- Qual você acha que foi a coisa mais importante que seu padrinho te ensinou?
R- A concentrar, né? Tinha que concentrar para vir o meu guia. Desenvolvi lá nesse centro. E continuei lá até meu padrinho morrer.
P/1- Assim ficou quanto tempo nesse centro?
R- Nossa, fiquei muitos anos. Depois eu me casei e tudo. Deixava... tive filhos, né? Deixava com a minha avó para fazer os trabalhos lá no centro. Tinha os dias da gente dar passe. E aqui que estou (risos)
P/1- Uhum. E você recebia quais entidades?
R- Eu recebia uma preta velha, "Bocambina", chamava. E depois, que tinha a direita e a esquerda. Aí na esquerda, eu recebia o "Casaca de Ferro", que até agora eu recebo, né, que dava passe, tudo. E veio a "Bocambina"... e o "Casaca de Ferro" era da esquerda. Tinha da direita e da esquerda.
P/1- Uhum.
R- E até agora, estou assim.
P/1- Qual que era a sensação de incorporar? O que você sentiu? Você lembra da primeira vez que você incorporou?
R- A primeira vez eu fiquei ruim em casa, aí me levaram lá para o centro. A minha avó conhecia esse centro lá. Aí lá que eu desenvolvi nesse centro. Aí meu padrinho, que era o chefe do centro, me ensinou rezas, tudo. E aí fiquei frequentando lá até que ele morreu.
P/1- Hum...
R- Que era lá em Tucuruvi, na época.
P/2- Tinha muitas festas, muitas giras nesse centro?
R- Nesse centro?
P/1- É. Tinha?
R- Tinha. Ele era muito famoso, meu padrinho, de Apareci… lá no centro.
P/1- Qual que foi a festa que você mais gostou? Você lembra de alguma festa marcante?
R- Lá no centro?
P/1- Lá no centro.
R- Eu gostei muito da Corrente de Preto Velho. O meu preto velho chamava pai Aniceto. Gostei muito. Na direita. Aí quando veio da esquerda, que veio o Casaca de Ferro.
P/1- E você disse que... que... conta um pouquinho mais sobre qual que é a sua relação com os pretos velhos. Teve algum momento que os pretos velhos já te ajudaram na sua vida?
R- Já me ajudaram.
P/1- Tem alguma história que você lembra? Que você poderia contar pra gente, de preto velho?
R- Antes de eu desenvolver, eu recebia um espírito. Mas a minha avó não acreditava em espiritismo. Aí veio um conhecido da minha avó, que o filho dele se curou nesse centro. Aí eu ficava... recebia espíritos de qualquer lugar. Aí me levaram nesse centro, meu padrinho, que se chamava Agostinho, até. Me preparou tudo, aí eu comecei a trabalhar. E até agora...
P/1- E até agora trabalhando?
R- Tô trabalhando.
P/1- Você tá com quantos anos?
R- Tenho meu terreiro lá na mata, né? E continuei trabalhando.
P/1- Uhum... como é que você fundou o seu terreiro? Como é que nasceu o terreiro?
R- Será que eu lembro? Pera aí... não me lembro.
P/1- Tá tudo bem.
R- Porque aí eu continuei indo nesse terreiro, né? Do meu padrinho, que me preparou tudo pra trabalhar.
P/1- E aí você ficou nesse terreiro do seu padrinho, e depois você já montou o seu ou você foi pra outro terreiro?
R- Não. Foi sempre lá.
P/1- Foi sempre lá.
R- Depois ele morreu, aí eu continuei.
P/1- Aí você continuou.
R- É...
P/1- Qual que foi a cura mais, assim, difícil que você já fez em uma pessoa?
R- Nossa, eu já fiz bastante cura.
P/1- Ah, se puder contar algumas curas pra gente.
R- Lá no centro, é... que eu me lembro, foi um senhor, chamava Bento, parece que era esse senhor, ele desmaiava na rua, recebia espírito na rua, era uma misturada, sabe? Aí levaram esse senhor lá nesse centro que eu frequentava, e ele sarou. Era um espírito que encostava nele, que ele ficava doido. E ficou bom, graças a Deus. Já morreu, né?
P/1- Você curou ele como?
R- Hã...?
P/1- Foi com reza, foi com banho?
R- Preto velho.
P/1- Preto velho.
R- É.
P/1- Você já curou alguém do alcoolismo?
R- Já!
P/1- Podia contar, você lembra?
R- Mas aí já foi no terreiro agora, que eu tenho o terreiro lá. E ele ficou bom e frequenta o terreiro até agora.
P/1- E como você fez pra curar ele do alcoolismo?
R- O espírito, eu concentrava, né? E recebia o espírito. É o espírito que fez a cura, né? Porque eu... eu fico inconsciente, eu não... quando vem o espírito, eu não... eu fico inconsciente, eu não lembro.
P/1- E aí depois é que contam pra você?
R- Hã?
P/1- Você não lembra nada, não lembra?
R- Não. Não lembro nada. Não lembro nada.
P/1- Madrinha, qual você acha que foi, na sua vida, o momento de mais dificuldade, mais provação que a senhora já passou?
R- Passei com o meu marido, depois de casada. Ele me batia, ele era ruim. Nossa senhora! Aí nesse centro que me levaram, porque eu sofria muito. E lá eu fiquei curada. Meu... eu era… centro... Agostinho era dono do centro. Que me curou lá, que eu apanhava, do marido, tudo. Aí que levaram eu nesse centro, aí eu desenvolvi lá. Chamava Agostinho, o dono do centro, meu padrinho. Ele que me preparou tudo.
P/1- E aí ele parou de te bater depois que você desenvolveu?
R- Ah, parou... parou... um dia eu estava na minha... era minha... minha sogra. Aí teve uma festa de crianças, aí levei toda a criançada de onde eu morava lá pra casa da minha sogra. Aí na hora de ir embora, minha sogra falou, “olha, melhor você deixar, deitar, dormir aqui e depois você leva as crianças lá pra onde você morava”. Aí meu marido chegou, me deu um soco na cabeça que eu desmaiei, dormindo, não voltei. Aí precisaram chamar o meu guia, pra ele fazer eu voltar. Mas graças a Deus, estou aqui agora, né (risos). Mas eu sofri bastante, viu? Com o marido. Mas graças a Deus...
P/1- E aí foi depois desse episódio que ele parou?
R- É...
P/1- Ou depois disso ele ainda continuou?
R- Ele morreu.
P/1- Ah, ele morreu.
R- Ele morreu.
P/1- Você já presenciou, Aparecida, algum milagre? Você já viu algum milagre?
R- Lá no centro?
P/1- É, no centro.
R- Já. Já vi... Já vi muitos, não é uma vez só, não. Chegava gente ruim, com dor, outros chegavam já com espírito, fazendo aquele barulho e tudo. Mas, já sim.
P/1- Qual foi o milagre que você viu acontecer assim, que te impressionou bastante?
R- O que eu me lembro, eu recebia o meu guia. Aí não havia mais nada, né? Nas curas. Mas aí tinha o meu padrinho, tudo, né, os dias de consulta. E era lá em Tucuruvi, que era o centro.
P/1- E você ia de que dia pra Tucuruvi? Você ia todo dia, ia duas vezes por semana?
R- Não, tinha o dia certo, né? Tinha o dia de caboclo, de preto velho e da esquerda tudo bem.
P/1- Podia falar um pouco como essa relação com a esquerda? Porque muitas vezes as pessoas que não conhecem muito, têm um pouco de preconceito com isso? Então eu queria que você pudesse contar um pouco o que é essa esquerda, como é na sua vida isso, essa relação com esse espírito.
R- Porque na esquerda eu recebi "Casaca de Ferro", ele era muito forte. Chamava "Casaca de Ferro". Eu trabalhava… porque tinha a esquerda e a direita, o preto velho e a esquerda.
P/1- Casaca de ferro é um Exu?
R- É.
P/1- Você lembra de alguma história do casaca de ferro? Alguém já te contou alguma coisa que ele fez incorporada em você?
R- Não, eu não me lembro, porque quando eu recebia, eu não me lembro.
P/1- Hum, sim...
R- Mas fez cura... Aí depois eu ganhei, onde eu tenho o terreiro agora na mata, né? Eu tenho um terreiro na mata agora. E foi de presente. Um senhor muito rico, que ele ficou doente e foi nesse centro e ficou bom. Aí ele deu de presente pra mim esse lá na mata, que eu trabalho até agora.
P/1- E aí o que acontece nesse terreiro? Vocês fazem que tipo de festa lá?
R- Lá no terreiro a gente recebe guia da direita e da esquerda. E é um centro grande, tem o altar, tudo lá direitinho.
P/2- A senhora falou lá de Mairiporã. Como é que é a sua conexão com a mata?
R- Foi um senhor que se curou nesse centro e deu de presente esse terreiro. Era mata, né?
P/2- Sim.
R- E lá que nós formamos o terreiro.
P/2- Ah, então era tudo mato antes de você chegar lá?
R- Era mato.
P/2- E a senhora tem conexão?
R- Eu tenho lá o terreiro.
P/2- E a conexão com a floresta, com a mata, a senhora tem muito isso? Tem muito a ver com a história da sua casa? Dos caboclos? Ou...
R- Tem preto velho, tem caboclo.
P/1- Uhum…
R- E aí, depois da meia-noite tem os Exus, né… da esquerda.
P/1- Você, por exemplo, quando pega uma planta, você já sabe para quê que ela serve para curar? Você consegue conversar com uma planta?
R- Não. Só quando eu estou concentrada.
P/1- Mas quando se concentra, consegue se conectar, assim, com a mata?
R- É... e meu terreiro lá na mata é grande, viu? Bem grande. Eu ganhei de presente também aquele terreiro. E a gente vai. Tem os dias certos, né? Da gente ir lá para a mata. Aí trabalha a noite inteira.
P/2- E a noite inteira a senhora fica com as entidades?
R- Não. Tem os intervalos, né? Que tem da esquerda e da direita. Preto velho, né?
P/1- Uhum...
R- E até agora, estou segurando lá (risos).
P/1- Você está com quantos anos agora, a senhora?
R- Ih, pergunta para a minha neta (risos).
P/2- Noventa e nove?...
R- Hã? A minha idade?
P/2- Noventa e nove. Fala!
R- Noventa e nove (risos).
P/2- Ah, é isso aí.
P/1- Que massa (risos). A gente quer ir no seu centenário. E você falou que cura muito, né? Muita gente... você não! As entidades, né? Cura. E você já foi curada, já precisou de cura também?
R- Também. Também.
P/1- Como é que foi essa história?
R- Porque aí me levaram nesse centro, que me batizou, tudo lá no centro. Meu padrinho chamava Agostinho. E lá me desenvolvi e tudo, e comecei a trabalhar.
P/1- E o que você tinha de doença? Porque eu entendi que você estava doente, mas o que você tinha?
R- O espírito me pegava em qualquer lugar. Aí que me levaram lá para esse centro, que ele dominava. Qualquer lugar que eu tivesse, em festa, tudo, tinha que vir, vinha mesmo (risos).
P/2- Estando na mata, a senhora lembra também de fazer alguma bênçãos na cachoeira, alguns movimentos assim?
R- Não, porque lá na mata não tinha cachoeira.
P/2- Mas em outros lugares?
R- Em outros lugares, até agora ainda vou, né?
P/2- E como é esse momento?
R- A cachoeira, a única cachoeira que a gente vai?
R(neta)- Tem várias, várias cachoeiras.
R- A gente batiza muita criança, gente na cachoeira. É lá em...
R(neta)- Mairiporã.
R- É, em Mairiporã.
P/1- Conta pra mim, como é que é o batismo? Por exemplo, nunca vi um batismo, como é que ele funciona?
R- Ah, recebe, concentra. Aí vem o Preto Velho pra batizar.
P/1- Você lembra de quando você foi batizada?
R- Ah, não lembro... Não lembro.
P/1- Porque você teve um batismo católico, mas teve outro batismo da umbanda?
R- Ah, tive.
P/1- Teve?
R- Tive. Católico foi na Aparecida do Norte, eu nasci lá, né?
P/1- Uhum.
R- Mas... eu lembro... e eu antes de desenvolver, o espírito pegava em qualquer lugar, até que me levaram nesse centro, que aí controlou o horário todo dos espíritos, né? Porque qualquer lugar, festa, qualquer lugar, vinha e eu mudava completamente. Sofri bastante, viu? Em festa, tudo, tinha gente que não acreditava, né? Mas, graças a Deus, tô aqui (risos).
P/2- E com os seus filhos? Porque pra você, você começou na Igreja Católica…
R- Hã?
P/2- Com você, você nasceu na igreja católica.
R- Nasci na católica, nasci na Aparecida do Norte.
P/2- E com os seus filhos? Como você fez esse processo? Cada um seguiu o seu caminho? Ou você falou, ó, tem esse caminho aqui, se vocês quiserem seguir, pode seguir.
R- É, isso mesmo.
P/1- Não, mas aí seu filho foi batizado na umbanda ou católico?
R- Católico.
P/1- Católico. E não batizou na umbanda?
R- Foi preparado também. Tem o padrinho da umbanda, né, que é o dono do terreiro.
P/1- Aham. Mas qual que é o nome da sua mãe?
R(neta)- Lúcia.
R- A Lúcia.
R(neta)- Ela não é a filha.
P/1- Ah, não é a filha.
R(neta)- Ela é a nora que virou filha.
P/2- Quantos filhos a senhora tem?
R- Eu tive... dois, né? O Hilton e o Baldo... é...
P/1- Você lembra de como foi a sua relação com seus filhos? Você podia contar um pouquinho deles, da relação que você teve com eles pra gente?
R- Lembro. O Hilton... o Hilton era... não, meu sogro era músico, né? O Hilton era músico também. Não, o Hilton, não. O Baldo, né? O Baldo era meu filho mais novo. Ele era músico, e era famoso, na época, né? O que mais que eu lembro?
R(neta)- E o Hilton?
R- Hã?
R(neta)- Lembra do Hilton.
R- O Hilton também era músico, né? Não... ah, não me lembro (risos). Do Baldo eu me lembro, que era o mais novo, né?
P/1- Uhum
R- Mas do Hilton eu não lembro. O Hilton estudou, né, ele era advogado. É... o mais velho era advogado.
P/1- Uhum.
R- E o Baldo era músico famoso (risos).
P/1- E dos seus netos? Você tem alguma história que você lembra dos seus netos? Você tem uma relação com seus netos?
R- Tenho até agora, né?
P/1- Teve algum momento com eles que foi marcante pra senhora? Algum dia especial que você lembra?
R- Lembro da Kelly (risos).
P/1- O que da Kelly?
R- Porque ela era muito levada (risos). Um dia ela fez uma arte e correu de mim. Aí eu não me lembro o que eu peguei. Você já estava lá no portão e daqui de cima eu joguei... ah, chinelo. Daqui de cima eu joguei... Ela caiu lá no portão, eu acertei nas costas dela. (risos) Ela ia correndo. Ela fez a arte e correu. E eu corri daqui de cima, joguei o chinelo, atei direitinho nas costas dela (risos).
P/1- Uhum.
R- Não é Kelly? Você lembra?
R(neta)- Lembro (risos)... Lembro também que a senhora me levava lá na igreja dos aflitos.
R- Ah, ia, né... Acender vela para as almas, né?
P/1- Você podia contar um pouco pra gente a relação que você tem com vela? Como é que você acende uma vela? Você já teve alguma vela que te ajudou? Ou você já fez cura com vela?
R- Eu acendia muito pra Preto Velho. Vela branca. E já consegui muita coisa também, consegui até essa casa que eu moro agora, né? Eu não tinha nada (risos).
P/1- Foi com vela?
R- Hum?
P/1- Foi com vela que você conseguiu essa casa?
R- Não, eu me casei, tudo, né?
P/2- O segundo marido, tá?
R- O segundo marido, porque o primeiro... Hã... (risos).
P/1- Hum...
R- Mas o segundo é que eu ganhei essa casa, tudo, né?
P/2- E você tem uma fé muito grande, né? Tem uma fé.
R- Tenho.
P/2- Como é que você faz para as pessoas que não têm muita fé? Para a pessoa passar a ter fé, como é que você ajuda a pessoa a desenvolver a fé dela?
R- Ah... Eu concentro, né? É o guia que faz, porque eu sou... eu não sou consciente. É o guia que faz.
P/1- E como a senhora enxerga, assim, Deus? O que é Deus para a senhora? Como é a sua relação com Deus?
R- Ah, eu sou muito católica.
P/1- Uhum...
R- Mas... desenvolvi no centro, né? Porque o Espírito me pegava em qualquer lugar, até que me levaram no centro, aí... lá fui batizada, tudo no centro.
P/1- Você já teve algum sonho com Deus? Ou alguma vez que você sentiu que Deus estava falando com você? Alguma experiência com Deus?
R- Deus?
P/1- É, Deus.
R- Não me lembro. Não me lembro.
P/2- E São Benedito?
R- São Benedito, sim... São Benedito, eu sou muito católica... A igreja de São Benedito. Mas foi em Aparecida do Norte, né? Que eu nasci.
P/1- Uhum...
P/2- E Aparecida ou... a entidade, né? Não sei como a senhora fala. Como é a sua importância com ela? Qual é a sua troca com ela? Que você já tinha de lá e depois de entrar na Umbanda, como foi isso pra você?
R- É porque eu desmaiava. Desmaiava e me levava no centro. Minha avó me levava no centro. E lá que eu sarei, porque de qualquer lugar que eu ia, o espírito vinha e atrapalhava tudo, né?
P/1- E aí você pedia pra Aparecida também te ajudar?
R- Aí... ahn?
P/2 Você pedia pra Aparecida também te ajudar?
R- Ah, pedia... E aqui estou até agora, com essa idade toda (risos).
P/1- Você já teve algum sonho? Você lembra de já ter algum sonho que foi marcante? Algum sonho que foi forte pra você? Sonho de dormindo, mesmo. Algum sonho?
R- Ah, isso eu já tive, viu? A minha avó era muito católica. Eu já tive sonho. Até de dia do sonho... eu sonhava ao Espírito... a pessoa quando morria. Eu sentia o Espírito pedir socorro.
P/1- Nossa...
R- Às vezes o pessoal falava que eu estava ficando louca (risos), Mas graças a Deus estou aqui. Pratiquei muita caridade, graças a Deus. Ainda estou praticando.
P/1- (risos) Você lembra de alguma pessoa específica que quando morreu apareceu pra você depois?
R- Minha avó. Minha avó apareceu pra mim muitas vezes. Minha avó Risoleta.
P/1- E aí ela contava alguma coisa? Te dava algum conselho? Como ela aparecia, você lembra?
R- Lembro dela, velhinha, sainha curtinha, assim, de velha. Mas eu me lembro bem dela, chamava Risoleta, minha avó. E aqui estou (risos).
P/1- E aqui está.
R- Com essa idade toda (risos).
P/1- Madrinha, eu queria continuar perguntando um pouquinho dessas memórias. Você já passou por alguma situação de preconceito por causa da sua religião?
R- Já. Já sim.
P/1- Você podia me contar como é que foi?
R- Não foi nem uma e nem duas, foi mais. Tanto até que desfaz tudo, que não acredita. Eu passei por muitas, mesmo.
P/1- Você já teve que rezar escondido?
R- Já.
P/1- Como é que foi isso?
R- Me concentro, né? E peço pros orixás, né? Fico num cantinho, concentro, converso. Aí dá tudo certo (risos).
P/1- Uhum... e... você podia contar um pouquinho como foi sua escola, quando você estava na escola?
R- Hum... eu estudei num grupo escolar, lá em Aparecida do Norte. Ainda existe esse grupo lá, na Aparecida do Norte.
P/1- Existe, né?
R- É.
P/1- E você já passou por alguma situação de preconceito ainda na escola, com seus colegas?
R- Ah, passei sim. Mas sempre, né? Todo lugar tem. Ainda... a escola onde eu estudava, o meu avô trabalhava na fazenda da professora. E ela era fogo, viu? (risos) E meu avô gostava de beber um pouquinho. Ai, minha Nossa Senhora. Ah, mas deu tudo certo, graças a Deus.
P/1- Mas aí ela falava o quê? Ela te provocava? Como é que era?
R- A professora?
P/1- É.
R- Não. Ela era... meu avô gostava de beber um pouquinho (risos). Ela se vingava, sabe, comigo lá na escola, na hora das aulas (risos). Mas aí, graças a Deus, deu tudo certo, né? Meu avô trabalhava na fazenda dela. Mas... preconceito sempre existe, né?
P/1- Uhum
R- Mas eu fui muito danada também, criança. Não, eu não era fácil, não (risos).
P/1- O que você fazia?
R- Ah, e... principalmente com a professora (risos). Um dia, tinha uma menina na minha escola, e ela tinha muito piolho. Aí eu falei, vou me vingar dessa professora. Olha, vou dar uma caixinha de fósforo pra você. Quando você sentir que tiver o piolho, você põe na caixinha de fósforo, que eu vou pôr na cabeça da professora. E ela fez. A professora era gorda, mas pra ela passar no corredor não dava, então ela tinha que dar a volta. Quando ela deu a volta, eu peguei a caixinha de piolho, abri e derrubei toda a cabeça dela. Eu era malvada, viu? Eu não era fácil, não. Ai, meu Deus do céu. Coisa de criança, né?
P/1- Uhum
Mas eu era muito triste, viu? (suspiro) Minha avó... porque minha avó que me criou. E ela... ela batia, tinha hora que ela tinha um chicote, e ela dava na gente de chicote (risos). Mas eu merecia, eu era danada. Não tinha... onde a gente morava não tinha fruta, não tinha nada. Então eu tinha um vizinho… ele até era... tomava conta da Igreja da Nossa Senhora Aparecida, aí eu ia roubar fruta na casa dele (risos). Um dia ele pegou... tinha um barranquinho, ele pôs bastante sabão e eu não vi. Escorreguei lá pra apanhar fruta. E ele vinha vindo. E eu fui correr, chegava no barranco, não sabia escorregar, mas deu pra mim fugir. E a minha avó falava, “eu não sei o que você tem na cabeça, menina, que coisa horrível" (risos). Eu fui muito elevada. Nossa Senhora... Mas... eu comprava… tinha uma menina que tinha muito piolho. Falava, olha, você pega os piolhos, põe numa caixinha de fósforo, aí eu dou um presente pra você… Pra pôr na cabeça da professora. E a professora era gorda, então ela não passava entre as cadeiras. Você acredita que eu pus o piolho na cabeça da professora? Meu Deus do céu, viu? E a minha avó ficava louca. Nossa Senhora. Mas, tadinha, né? Me criou, com tanto sacrifício, mas ela me criou. Mas era um instinto assim, sabe? Eu gostava de fazer malvadeza. E eu consegui pôr o piolho no cabelo da professora. Ai, credo viu.
P/1- E a professora, na hora que você botou o piolho na cabeça dela, o que é que... Ela...
R- Ela nem viu. Porque ela era classe... Assim, as cadeiras, né? E o meio era estreitinho. E ela era gordinha, a Dona Rosinha chamava. Pus o piolho na cabeça da professora. Agora eu falei, meu Deus do céu. (risos) E a minha avó, quando ela me batia, ela falava, viu? Batia, falava pra mim, "tu era pra ser macho!", de tanta arte que eu fazia. Tadinha dela, Deus que ajude ela, viu? Onde ela estiver. Mas ela... Ela era... Ela me adorava, tadinha.
P/1- Madrinha, você... você ia toda segunda acender vela na Liberdade?
R- Não, quando eu era criança, não.
P/1- Não, já mais velha.
R- Ah! Eu acendia muito na Liberdade, lá na igreja. Na Liberdade. Toda segunda-feira eu ia na igreja acender vela.
P/1- E se chovia?
R- Hã?
P/1- Se chovia, se chovesse?
R- Todo dia?
P/1- Não, se vinha chuva.
R- Não entendi.
P/1- Se na segunda chovesse, você ia mesmo na chuva?
R- Ia, ia sim. Segunda-feira eu ia acender vela na Liberdade, pelas almas.
P/1- Uhum. Como é que você começou a ter essa prática mesmo, né? De ir acender vela lá. Por que você ia acender vela lá?
R- Para as almas.
P/1- Uhum.
R- Eu fazia pedido, né, para as almas, mas... rezava e até falava. Toda segunda-feira, o que eu pedir, eu vou acender a vela e agradecer lá na Liberdade. Aí eu ia... toda segunda-feira, lá na Liberdade, eu ia acender as velinhas.
P/1- Uhum, e você... Podia contar um pouco do... é Jaquiere?
R- Hã?
P/1- O filho de santo? Que a sua neta estava falando, é Jaquiere? Que tinha uma escola de samba?
R- Não entendi.
P/1- Qual que é o... Ela falou que você chegou a batizar uma escola de samba, né?
R- Escola de samba?
R(neta)- A escola de samba que eu andava. Na Barroca.
P/1- Na barroca? Pé Rachado?
R- Ah, do Pé rachado. O Pé rachado eu frequentava aqui.
P/1- Uhum. Você podia contar um pouco pra gente, como foi que eles conheceram aqui, como é que você foi lá fazer?
R- Porque o Pé Rachado, na época, ele era da escola de samba, né? E ele veio trabalhar, o senhor trouxe ele pra arrumar a casa, né? Aí eu fiquei com amizade com o Pé Rachado, que era da escola de samba. E ele tomava passe, ele ia no terreiro, tudo. Aí aquela... Vai Vai, chamava a escola de samba dele, né? Pé Rachado...
P/1- Uhum. E também tem uma história que você teve alguma relação com o municipal, chegou a fazer uma... no teatro, né? Fazer uma reza lá, né?
R- Lá no teatro?
P/1- É.
R- A gente... o chefe, ele vinha na minha casa. E um dia, eu não sei o que aconteceu, que ele falou, “você não quer ir de noite lá no Teatro Municipal, você concentrar lá?". Aí eu falei, “eu vou!”. Pô, eu levei meus cambones (risos) e fomo lá no teatro. Só que a gente ia lá na cúpula, não ficava ali, né… subia a escada e ia na cúpula. Fiz o terreiro lá (risos). E esse rapaz, é o Pé Rachado, o apelido dele, e ele que arrumou para a gente fazer o trabalho lá no teatro. Aí a gente foi, o pessoal subiu, fomos lá na cúpula e trabalhamos lá.
P/1- Uhum.
R- Ele chamava Jaquiere, ele era chefe lá do Teatro Municipal. Mas ele frequentava o espiritismo.
P/1- Uhum. E aí como foi o trabalho... a noite lá, foi a noite inteira?
R- A noite. Porque a noite fechava, né? Principalmente de sexta-feira. Aí ele fechava e abria a porta para a gente subir a escada na cúpula. Aí eu fiz trabalho no Teatro Municipal (risos). Ah, meu Deus!
P/1- Qual foi algum outro lugar marcante que você fez trabalho? Um outro lugar que não foi seu terreiro, que foi diferente assim, do teatro?
R- Eu não me lembro, mas eu fiz trabalho em casas também, né?
P/1- Uhum.
R- As pessoas pediam e a gente ia com os médiuns, para fazer os trabalhos.
P/1- Uhum. Você já chegou a fazer trabalho, assim, em cemitério?
R- Cheguei. E eu era muito medrosa. Morria de medo, né? Mas aí eu tive que fazer uma concentração lá. Só que não foi todos do terreiro, né? Foi só as pessoas mais... Mas fui no cemitério. Cheguei a fazer, sim.
P/1- Uhum. Como é que você vê essa relação com os mortos? Com a morte? O que é a morte para você? É... a pessoa... o ser humano...
R- Tem o espírito, né?
P/1- Uhum.
R- Cheguei até a conversar. Quando meu avô morreu, ele voltou para conversar comigo. Ele voltou para conversar comigo. E eu tenho muita fé. Quando eu vou no cemitério, eu peço licença na porta, né? Antes de entrar. Quando morre alguma pessoa também, que eu vou no velório também, eu tenho minhas palavras para pedir licença para as almas, né? Eu tenho muita fé nas almas.
P/1- O que que o seu avô te falou? Ou é segredo? Você falou que seu avô voltou para conversar com você.
R- Dá conselho. Me deu conselho. Pra mim tomar cuidado, porque...a gente, quando é jovem, faz coisa que não deve, né? E aí meu avô voltou, sim, no sonho, né? Ele conversou comigo. Chamava... O apelido dele era Bento. A minha avó, Risoleta. Eles gostavam muito de mim, né? E a gente morava na Aparecida do Norte nessa época. Porque o meu pai era turco, e a minha mãe era negra. Mas foi um "forrobodó", né (risos).
P/1- Nossa, e como é que foi que uma negra se juntou com um turco?
R- A minha mãe era empregada na casa do turco, né?
P/1- Uhum.
R- E nasci eu (risos).
P/1- Você... Podia contar também como é que você... O que você trabalhou durante a sua vida? Você chegou a trabalhar de que?
R- Não. Eu nunca trabalhei. Minha avó me criou. Tinha empregada, eu nunca trabalhei, né?. Aí depois a minha mãe veio aqui pra... veio para São Paulo, né?
P/1- Uhum.
R- Eu fiquei com a minha avó. Depois... aí eu vim para São Paulo, minha mãe morreu. Mas a minha avó ficou viva. E ela... você sabe que ela ia descalça, andava descalça, né, na época. Mas ela chegou em São Paulo, descalça, para me ver, minha avó, Risoleta. Ela é tão boazinha, viu?
P/2- E esse cuidado que a senhora tem com as crianças, com as coisas do lar? Você já tinha isso nessa época? Você chegou a cuidar de crianças? Você lembra disso?
R- A minha avó que me criou, né?
P/2- Sim.
R- Eu era muito danada. Nossa senhora! Eu era...
P/1- Mas você já chegou a ser babá, trabalhar como babá?
P/2- Cuidar das crianças, assim?
R- Eu cheguei... filho do Turco lá da Aparecida. Eu que cuidei de criança e um dia ainda... Lá é a ladeira. Não sei se vocês conhecem Aparecida do Norte. Aonde... é tinha a ladeira, porque as lojas tudo lá em cima, mas tem o barranco. Um dia eu sentei com... depois que eu tinha três crianças, sentei assim na beira do barranco, na tábua. Eu rolei lá embaixo com as crianças (risos). Ai meu Deus do céu, viu? Eu era muito levada. Já era menina, né? E aqueles turcos lá era fogo, viu? Mas eu lidei muito com criança também.
P/1- Você quando era criança, você chegava a ver espírito?
R- Cheguei a ver. Cheguei a ver. E o meu avô também, quando morreu, eu cheguei a ver ele. Apareceu pra mim.
P/1- Uhum. Você não tinha medo? Como é que era pra você ver espírito?
R- Pra mim era santo. Porque eu não conhecia espiritismo, nada, nem sabia que existia. Pra mim tudo era santo. Minha avó era muito católica, né? Mas... pra mim... me levaram no centro. Foi lá no centro que eu me curei, porque o espírito me pegava em qualquer lugar. Aí lá no centro eu desenvolvi. Meu padrinho chamava Agostinho.
P/1- Você chegou a ser formada mãe de santo?
R- Eu?
P/1- É.
R- Como assim? Explica direito.
P/1- Você é considerada mãe de santo na umbanda?
R- Não.
P/1- Mas tem isso?
R- Com o tempo, né?
P/1- Com o tempo.
R- É.
P/1- Eu queria te perguntar isso. Como é que foi um pouco dessa preparação para você fazer essas curas em todo mundo? Que nem você vem a pessoa, você cura a pessoa incorpora, cinco minutos já está assim. Você tem muito preparo, né?
R- Tem, tem preparo. Tem uma reza, né? Tem preparo.
P/1- Aí eu ia pedir pra você contar um pouquinho como é que foi essa sua preparação, quem que te preparou, como foi isso?
R- Eu fui levada no centro, porque o espírito me pegava em qualquer lugar. Eu não tinha sossego. Aí que me levaram nesse centro. Aí eu desenvolvi lá no centro, que era o espírito que encostava. E eu saía, subia, minha avó me procurava, não achava. Dei muito trabalho pra minha avó, tadinha. E ela era católica apostólica romana... Não acreditava nessas coisas, não. Aí eu sofri bastante. Aí me levaram no centro, porque o espírito me pegava em qualquer lugar. Eu não sabia, né? Aí depois que eu desenvolvi tudo aí, só concentrava lá no centro, né? Era um salão grande, tinha as concentrações, tudo. E lá que eu comecei. A dar passe, tudo, né? E agora eu estou aqui (risos).
P/1- E sua avó passou a acreditar um pouco depois que...
R- Não. Ela morreu católica romana.
P/1- Mas ela aceitou você se desenvolver?
R- Não. Depois ela morreu, né? Aí a minha tia que acabou de me criar.
P/1- Hum.
R- Fiquei com a minha tia.
P/1- E depois que ela morreu, ela também já chegou a visitar a senhora?
R- Não. Ela é muito católica, nossa senhora. Quer perguntar mais alguma coisa?
P/2- A senhora quer trazer alguma coisa pra gente? Qualquer curiosidade, se você quiser contar. O que você gosta de comer, por exemplo?
R- Eu como de tudo. Na minha época, lá na minha... em Aparecida, era tudo turco, né? Eu gostava muito de... enrolado na...na...
R(neta)- Charuto
Hã?
R(neta)- Charuto
R- Charuto. Comi muito charuto, né? Que é de árabe, né? Enrolado na folha de repolho, folha de uva. Eu comi muito charuto lá em Aparecida. E era muito levada também. Fazia muita malvadeza, viu? (risos) Era triste, viu? Ai, meu Deus.
P/1- Você já chegou a ver algum... Algum santo, alguma santa? Santa Bárbara, Santo Antônio, São Jorge? Que nem você viu o Espírito?
R- São Jorge eu cheguei.
P/1- Como é que foi?
R- Só que ele não estava a cavalo. E eu vi ele todo vestido mesmo, com aquelas roupas, né? Mas eu sou muito medrosa. Eu vejo essas coisas, eu rezo (risos). E eu fui batizada, fiz primeira comunhão, tudo em Aparecida, né? E a minha avó não acreditava nessas coisas, não.
P/1- Mas você viu criança, São Jorge?
R- Hã?
P/1- Você viu criança, São Jorge? Como é que...Era criança?
R- Era criança.
P/1- Hum, e você sabia que era ele? Na hora que você viu, você sabia que era São Jorge?
R- Eu vi São Jorge, mas não foi a cavalo. Foi assim, vestido, né? Com a roupa de São Jorge.
P/2- E a balança de São Miguel?
R- Hã?
P/2- A balança de São Miguel, você tem alguma recordação?
R- Eu não entendi.
R(neta)- Balança de São Miguel... É, de São Miguel Arcanjo, a história da balança lá, que pesa as almas.
R- Hã?
R(neta)- Conta a história.
R- Eu vi a balança de São Miguel. Foi... não, foi na igreja. Porque a minha avó era muito católica, sabe? Apostólica romana. Mas eu vi São Miguel.
R(neta)- Foi no velório...
R- Mas ele não estava a cavalo. Mas eu cheguei e vi São Miguel. E levei muito susto também, né? Minha avó era apostólica. Nossa Senhora! Não podia nem falar em espírito.
P/1- E os seus filhos de santo, é só pra gente já caminhar, você conta da Tia Ká, Tia Cícia?
P/2- Tia Ká, tia Nata?
R- Tia Nata, que era minha cunhada, né? Nata. É...
P/1- O que você lembra dele?
R- Meu padrinho espiritual chamava Agostinho. E ele tinha muita força, viu? Que eu desenvolvi no centro dele.
P/1- Você já viu ele fazendo alguma cura em alguém?
R- Ah, sim. Ele fazia cura.
P/1- Uhum. Você podia me contar alguma cura que você viu ele fazendo?
R(neta)- Do filho da tia Nata...
R- O Ronilson. Ele era cego, né? E ele curou no centro. O Ronilson.
P/1- Curou o que?
R- Ele começou a enxergar com a reza que o padrinho fez. É o Ronilson.
P/1- E como é que foi isso? Você lembra da história? Ele chegou lá, falou que era...
R- A gente levava, né? A gente levava o pai dele, que levou ele no centro. E uma reza que o padrinho fez, ele começou a enxergar.
P/1- Na mesma hora?
R- Na mesma hora. Agora, a reza que o padrinho fez, eu não sei. Sei que ele pôs a mão na cabeça e rezou. Mas essa reza ele nunca ensinou pra nós.
P/1- Ele te ensinou alguma reza?
R- Não. Eu lia muito, né? Eu tinha muito livro espírita. E eu conseguia também muita coisa, né? Eu tinha muita fé, né?
P/1- Você sempre teve essa fé?
R- Sempre. Sempre tive, viu?
P/1- Como foi pra senhora contar a sua história hoje aqui pra gente, dar essa entrevista? O que você achou?
R- Eu gostei. Achei que podia confiar, né? Porque tem coisa que a gente não se abre, né? Mas vocês eu achei... eu achei... confiavél. Graças a Deus. E gostei muito, viu?
P/1- Você autoriza a gente a usar essa história nos projetos do Museu da Pessoa?
R- Ah sim, né?
P/1- Pra gente encerrar, você poderia fazer um canto, cantar um ponto?
R- Um ponto?
P/1- É.
R- Peraí, deixa eu lembrar.
R(neta)- Esquindim Ganga.
R- Hum?
R(neta)- Esquindim Ganga, ou hino da umbanda.
R- Esquindim, Esquindim, Esquindim Ganga. Olha meu Congá. Olha minha gente, Calunga. Meu Congá. Minha terra é muito longe, Calunga. Ninguém pode ir lá. Olha minha gente, Calunga. Olha meu Congá (aplausos). Obrigada.
R(neta)- Ela sabe cantar samba também.
R- Hã?
P/2- Você quer cantar mais alguma música? Você gosta?
R(neta)- Canta a Chora Viola. A senhora gosta? Pra eles gravarem.
R- Chora viola?
R(neta)- (cantando) Chora Viola...
R- Chora Viola. Chora Viola. Que eu também quero chorar. Chora Viola. (batendo palmas no ritmo do canto) Chora Viola. Chora Viola. Que eu também quero chorar…
R(neta)- Já cantei partido alto…
R- Já saí na bateria / Puxei samba no asfalto / Até irromper do dia / Hoje eu sou considerada / Trago meu pergaminho / Mas tenho o corpo cansado / Da poeira do caminho (batendo palmas) / Chora Viola, chora viola, chora viola / Que eu também quero chorar. Chora viola, chora viola, chora viola / Que eu também quero chorar (aplausos e gritos).
R- Obrigada.
- Fim.
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