Farma Brasil
Depoimento de Walter Pohl
Entrevistado por Cláudia Leonor de Oliveira e Márcia Ruiz
São Paulo, 19/10/1995
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº FR_HV008
Transcrito por Rosália Maria Nunes Henriques
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Bom, eu gostaria de começar a entrevista com o senhor falando seu o nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Meu nome é Walter Pohl. Nasci em São Paulo, Capital, [no] dia 28 de junho de 1934.
P/1 - Senhor Walter, o nome dos seus pais e onde eles nasceram.
R - O meu pai é Otto Herbert Pohl, ele era cirurgião dentista. Ele nasceu na Alemanha, numa cidade perto da fronteira da Tchecoslováquia e perto de Dresden; cidade pequena, Baiersdorf.
P/1 - Certo.
R - E a minha mãe é de origem holandesa, dona Helena Pohl. Ela nasceu em Minas Gerais em João Pinheiro, distrito de Sete Lagoas.
P/1 - Certo. Senhor Walter, como é que o senhor se define, como o senhor faria um autorretrato do senhor?
R - Bom, como é que posso me definir? Eu sou normal, né, assim me defino. É difícil dizer, né? Como é que eu posso me definir? Eu me defino... Bom, eu sempre… Aparentemente, talvez, não, mas eu sempre fui bastante ambicioso, queria sempre chegar a alguma coisa, alcançar algumas coisas, mas a imagem que muitas vezes eu passava era uma imagem de uma pessoa meio irreverente, meio de quem não estava dando bola pra coisa. Mas não é isso, no meu íntimo eu era bem diferente.
Realmente eu tinha decidido estudar Biologia, o meu sonho sempre era… Quer dizer, no início não, quando eu comecei a minha ideia era ser engenheiro de minas e metalurgia, mas depois, no vestibular… O vestibular, na época, era na Politécnica. Era meio difícil, por causa do problema de Matemática e Físicas. Eu não tinha lá muita aptidão para essas duas matérias, então eu decidi estudar Geologia e Mineralogia na USP, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
Durante o curso, no primeiro ano eu já...
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Depoimento de Walter Pohl
Entrevistado por Cláudia Leonor de Oliveira e Márcia Ruiz
São Paulo, 19/10/1995
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº FR_HV008
Transcrito por Rosália Maria Nunes Henriques
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Bom, eu gostaria de começar a entrevista com o senhor falando seu o nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Meu nome é Walter Pohl. Nasci em São Paulo, Capital, [no] dia 28 de junho de 1934.
P/1 - Senhor Walter, o nome dos seus pais e onde eles nasceram.
R - O meu pai é Otto Herbert Pohl, ele era cirurgião dentista. Ele nasceu na Alemanha, numa cidade perto da fronteira da Tchecoslováquia e perto de Dresden; cidade pequena, Baiersdorf.
P/1 - Certo.
R - E a minha mãe é de origem holandesa, dona Helena Pohl. Ela nasceu em Minas Gerais em João Pinheiro, distrito de Sete Lagoas.
P/1 - Certo. Senhor Walter, como é que o senhor se define, como o senhor faria um autorretrato do senhor?
R - Bom, como é que posso me definir? Eu sou normal, né, assim me defino. É difícil dizer, né? Como é que eu posso me definir? Eu me defino... Bom, eu sempre… Aparentemente, talvez, não, mas eu sempre fui bastante ambicioso, queria sempre chegar a alguma coisa, alcançar algumas coisas, mas a imagem que muitas vezes eu passava era uma imagem de uma pessoa meio irreverente, meio de quem não estava dando bola pra coisa. Mas não é isso, no meu íntimo eu era bem diferente.
Realmente eu tinha decidido estudar Biologia, o meu sonho sempre era… Quer dizer, no início não, quando eu comecei a minha ideia era ser engenheiro de minas e metalurgia, mas depois, no vestibular… O vestibular, na época, era na Politécnica. Era meio difícil, por causa do problema de Matemática e Físicas. Eu não tinha lá muita aptidão para essas duas matérias, então eu decidi estudar Geologia e Mineralogia na USP, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
Durante o curso, no primeiro ano eu já não gostava muito dessas matérias mineralógicas, aí passei a estudar Biologia e fiz o curso lá. Mas no fundo eu gostava muito disso, sempre gosto. Até hoje eu sempre… Eu gosto muito dessa parte que lida com vida, com ciências não muito exatas. Não é o meu forte, eu não sou… Eu não gosto muito de ciências exatas do tipo Matemática, Física e às vezes até Química. Gosto mais dessa parte biológica, essa parte de história natural, funções de vida, que estuda a vida, que estuda a sua fisiologia - enfim, o desenrolar da vida. Por isso é que eu me especializei mais tarde em Microbiologia e Parasitologia na Faculdade de Medicina da USP. Também fiz cursos depois de pós-graduação em Imunologia, Hematologia, Microbiologia, por causa desse campo que eu realmente gostava e trabalhava nisso, praticamente - trabalhei nisso na Johnson praticamente nos meus 34 anos que estive lá. Eu me defino assim, uma pessoa que gosta desse tipo de ramo de atividade, dessa coisa que mexe com animais e coisas assim, como plantas.
P/2 - Senhor Walter, eu queria que o senhor colocasse, que o senhor dissesse alguma coisa que marcou muito a sua infância. Que o senhor teria...
R - Bom, eu tive dois episódios que me marcaram bastante, eu já tinha conversado com você sobre isso. O primeiro foi que quando eu tinha um ano e meio de idade a dois anos eu tive paralisia infantil. E isso foi uma época difícil pra mim. Eu não conseguia mais andar, então eu andava com equipamentos ortopédicos, que eram trilhos pra poder andar porque foi essa perna aqui foi afetada. Naquela época, em São Paulo não tinha grandes tratamentos pra poliomelite. O médico doutor Domingos Define, que era o titular da cadeira naquela época, me tratou e eu fui tratado com irradiação, irradiaram a medula pra matar o vírus e ficou só nisso. E depois a segunda etapa teria que ser uma operação no tendão, porque o meu pé estava, ele não tinha movimentos próprios. Foi aí que ele conversou com o meu pai e disse: "Olha, doutor Pohl, esse menino… Aqui no Brasil só tem esse jeito, fazer essa operação. Ou então o senhor tem que ir pra Alemanha porque lá se faz um tratamento fisioterapeuta." Foi aí que a nossa família se decidiu: meus dois irmãos, eu, minha mãe e o meu pai decidiram ir pra Alemanha ficar lá [por] meio ano, fazer o tratamento e voltar.
Só que nada disso deu certo. [Em] primeiro lugar, nós chegamos lá [e] pouco depois começou a guerra. Nós não podíamos mais voltar porque o meu pai era alemão por nascimento. Ele foi engajado nas tropas, na Vermack alemã e eu então comecei a fazer o tratamento em Berlim.
Nós ficamos um ano, um ano e pouco em Berlim, mas porque tivemos praticamente toda noite bombardeios decidimos ir morar em Dresden. Era uma cidade que era chamada a "Florença da Europa Central”, realmente uma cidade linda. E lá eu passei a minha infância até 1945, por ocasião do bombardeio que teve lá em treze de fevereiro, que por sinal foi o maior bombardeio da Segunda Guerra Mundial, inclusive Nagasaki e Hiroshima. Esse foi maior, morreram mais pessoas e eu estava lá. Então passei o bombardeio, passei o pós-bombardeio, passei a época de fugitivo porque nós estávamos fugindo da frente russa.
Até sete ou oito de maio o meu pai encontrou-nos numa cidade num acampamento de fugitivos. Lá nós atravessamos depois o front russo, porque eles já estavam praticamente dentro da cidade. No dia oito, se não me engano, terminou a guerra, à noite; no dia nove, nós encontramos os primeiros veículos do exército americano e aí pra nós terminou praticamente a guerra, nessa época. Mas nós não [nos] entregamos sozinhos não; o meu pai, como era da Cruz Vermelha e era cirurgião na frente russa, juntou-se a um comboio da Cruz Vermelha cujo destino era entregar-se pro exército americano. Já estava inclusive em contato com o rádio e tudo, mas ainda era guerra, foi o último dia da guerra.
Então, pra nós, a guerra praticamente terminou aí. Depois, fomos colocados em acampamentos de fugitivos. Ficamos em Bruxelas algumas semanas, em Paris ficamos nove semanas em acampamentos de fugitivos no Parque Bois de Boulogne - tinha um parque diversões lá que nós ficamos acampados, com todos os latino-americanos que escaparam da guerra.
Viemos para o Brasil em 45, em outubro, no primeiro navio francês que atravessou o Atlântico para vir para o Brasil. Tivemos várias passagens bastantes complicadas no navio também, ele praticamente quase naufragou em Dacar e quase naufragou na entrada da Baía da Guanabara; [um] navio velho, de cinquenta anos.
O que me impressionou barbaramente foi a saída, porque nós saímos do Porto de La Rochelle e uma coisa que me impressionou demais - até hoje penso nisso - foram as gavetas onde ficavam os submarinos alemães. Aquilo era um porto de submarino alemão e tinha alguns ainda lá, novos. Nós nunca tínhamos visto isso, então aquilo, realmente... E depois a montanha de navios afundados na entrada do Porto de La Rochelle - pra vocês terem uma ideia, pra sair do Porto de La Rochelle nós levamos um dia; era só destroços de navios, navios de guerra e navios de transporte. Isso nos impressionou muito, porque aí que a gente realmente começou a ver os estragos da guerra, do que aconteceu lá.
Isso foi bastante marcante pra mim, quer dizer, dois episódios que eu achei extremamente... Depois teve mais um, onde eu fui atropelado por um jipe do exército alemão, que também acho que foi bastante crítico. E é isso, depois vim pro Brasil, estudando e fiquei por aqui, em São Paulo.
P/1 - Quando o senhor chegou ao Brasil, seus pais o incentivavam a seguir alguma carreira?
R - Não. A minha mãe veio conosco em 45, meu pai ficou na Alemanha até 49 porque ele foi detido pra trabalhar num hospital militar americano. Depois, pela embaixada brasileira de Amsterdã, onde nós temos família também, ele veio pro Brasil.
Meu pai não, quem me incentivou realmente pra estudar, fazer faculdade era o meu avô. O meu avô, o senhor Bruno Pohl, era entomologista, ele trabalhava com insetos. Ele que realmente me incentivou bastante pra entrar nesse curso da Faculdade de Filosofia. Realmente é um curso bastante… É um curso nos moldes europeus, de Sorbonne; naquele tempo, nós ainda copiávamos bastante aqui no sistema universitário o modelo francês. E é realmente um curso muito bom, um curso bastante amplo, com uma visão bastante ampla.
Foi ele que praticamente me incentivou, estudei com ele pra fazer o vestibular. E foi isso.
P/1 - Certo. E como o senhor começou a trabalhar?
R - Eu, como estudante, já comecei a trabalhar no Instituto Sabbado D'Angelo, que era o Instituto do Coração da época, [com o] doutor Hugo Felipozzi. Eu comecei a trabalhar na área de pesquisa. Esse instituto foi o primeiro instituto a pesquisar transplantes e implantes cardíacos, então eu participei daquela equipe como bolsista durante um ano e pouco.
Depois disso, continuando dentro dessa parte de biologia eu entrei no [Instituto] Adolfo Lutz, também como bolsista, mas já trabalhando como biólogo lá. Lá trabalhei durante… Não é só trabalhar; eu estudava e trabalhava durante o dia, porque o meu curso era noturno na faculdade. E lá eu me especializei nas… Em doze ou treze setores que eles têm no instituto, no instituto eu fiz todos: Microbiologia, Parasitologia, Meios de Cultura, Fisiologia Animal, Fisiologia Humana, Bromatologia, Virologia - estava iniciando na época -, Sorologia, Imunologia… Enfim, fiz todos os departamentos.
Depois disso eu fiz a minha pós-graduação. Quer dizer, não é bem uma pós-graduação; eu fiz uma extensão universitária na Pinheiros em Microbiologia e Parasitologia com o doutor Carlos da Silva Lacaz.
Depois eu peguei o meu primeiro emprego relativamente bem remunerado, que foi no laboratório Veafarm, como assistente de produção farmacêutica, fórmulas e desenvolvimento de novas fórmulas. Isso foi na época de… Já era em 59.
Em fins de 59, outubro de 59, eu... Desculpa. Eu, através de um anúncio de jornal do Estadão - [um] anúncio pequeninho, porque naquela época a Johnson não fazia os seus grandes anúncios. Não tinha nada disso, era tudo muito pequeno - para microbiologista... Aí me candidatei, fui aprovado e entrei no dia três de novembro na companhia, como assistente de microbiologia. Foi aí que começou meu trabalho todo dentro da companhia.
Naquela época, a farmacêutica existia como um departamento. Nós tínhamos lá meia dúzia de produtos, naquela época a Johnson ainda fabricava soro glicosado pra injetar, uso injetável, fabricava glicose em pó com vitamina C, com vitamina B1. E tínhamos alguns produtos da Cilag também na época, alguns cremes vaginais também da Ortho, anticoncepcionais também. E tínhamos dois produtos ou três que despontavam na companhia: era o Rarical drágeas, o Rarical infantil em suspensão e o Kalyamon suspensão. Eu me lembro bem desses três produtos porque a minha primeira tarefa dentro da companhia era desenvolver os métodos microbiológicos pra dosar vitamina B12, ácido fólico e pantotenato de cálcio. Foi assim que começou, isso foram os meus primeiros contatos com a Farmacêutica.
Foi uma época de transição, porque a Farmacêutica… Realmente, eu acho que ela nasceu, teve impulso quando o senhor Sanches teve o seu primeiro contato com a Janssen, quando a Johnson & Johnson adquiriu a Janssen Farmacêutica na Bélgica. Começamos com produtos de alto nível, tipo Haloperidol, um ressocializante que foi um marco na história da psiquiatria. E depois começaram os produtos do tipo Fentanil, anestésicos e aí já tivemos alguns anti-histamínicos, produtos pra coração e por aí.
Eu acredito que foi esta época, com o senhor Sanches e mais um grupo de pessoas - o Urbano, o William, o Toledo e o João Alfredo, o senhor José Augusto Pinto, que começou a Farmacêutica. Foi aí que começaram a vir os produtos todos da Janssen, a Ortho também, com novos produtos. Nessa época, a Farmacêutica era um... Eram dois departamentos, Farmacêutica e Produtos Diagnósticos, isso tudo era a Farmacêutica. Os produtos de diagnósticos à parte, digamos, da sua tecnologia, ela vinha da Ortho dos Estados Unidos e nós aqui também no Brasil desenvolvemos uma tecnologia própria para sorodiagnósticos para grupos sanguíneos, fator Rh.
Eu acredito que nessa época que veio um primeiro produto que foi um marco na área de diagnósticos no Brasil. Foi a época que nós introduzimos o Gravindex no Brasil. Para vocês terem uma ideia, nessa época fazia-se teste de gravidez com sapo - era o teste do Galli-Mainini. Aconteceu que levava algumas horas, às vezes meio dia; não era muito preciso, uma coisa antiquada, difícil de trabalhar, precisava-se ter um bom conhecimento da anatomia do animal. E nós então entramos com um avanço impressionante nessa área, que era o diagnóstico imunológico através do Gravindex, uma técnica por látex. Você tinha praticamente o resultado em dois, três minutos.
Eu acredito que isso foi um marco, a Johnson se sobressai bastante nesta área médica com esse produto. Foi o primeiro, depois vieram outros. O Haloperidol, por exemplo, foi outro marco; eu acho memorável porque mudou todos os conceitos de psiquiatria da época - internamentos, confinamentos e depósitos humanos, esse tipo de coisa. O Haloperidol possibilitou em muitos casos a ressocialização, o indivíduo podia voltar ao convívio; isso era um negócio absolutamente assim, como se diz, um highlight da área farmacêutica. Eu acredito que isso foi um dos pontos máximos de avanço farmacêutico da época.
P/1 - Dentro do dia a dia do trabalho, o que o senhor coloca como sendo mais importante, que ocorreu durante toda a trajetória profissional dentro da...
R - Nós pegamos uma época… Eu sou de um grupo de pessoas que que fazia parte desse grupo que praticamente construiu a companhia. Na época era uma companhia pequena, a Johnson fazia fraldas, mas não descartáveis; na época se fazia fraldas reusáveis. Fazia-se Band Aid, gases, algodão, talco, algum óleo, talvez, e só. Então não é uma companhia... Sutura já começava-se a fazer mas importava-se o fio, comprava-se de terceiros; não se fazia dentro da companhia. Na área de produtos farmacêuticos talvez tivéssemos meia dúzia de produtos, mas não produtos assim... Eram produtos farmacêuticos da época, mas produtos [do] tipo oficinais, que poderiam ser facilmente copiados.
Na Diagnósticos, nós éramos… Naquele tempo, nós éramos fortes na área porque fazíamos soros, tipo para tipagem de fator sanguíneo, fator Rh. Acho que isso era o que era a Farmacêutica na época. Eu nem me lembro, mas se constituía de poucas pessoas: era o senhor Sanches, a gerência, que talvez era umas oito, nove pessoas; a fabricação, talvez umas quinze ou vinte, era pouca coisa.
A área de vendas também era pequena. Ela cresceu com o início das atividades da Janssen, com o impulso que foi dado por esse grupo, [um] pessoal de mercado que era profissional e com algumas inovações na área terapêutica da época. Uma dessas era o Haloperidol. Depois nós entramos com os antimicóticos, que mudaram bastante a visão da época porque ainda se usava iodo e certas coisas sem soluções. Entramos com o Miconazol, depois nós entramos com o cetoconazol, o Nizoral. Também acho que foi um highlight bastante grande na Farma porque foi o primeiro laboratório farmacêutico que possibilitou o tratamento seguro de uma série de micoses internas do tipo blastomicose, actina, candidíase. Isso realmente abriu o caminho, mudou o conceito da dermatologia, da micologia, das infestações parasitárias por fungos e foi uma coisa de grande importância, eu acredito que isso foi outro highlight.
Em paralelo, na Diagnósticos nós tivemos outro ponto também que mudou conceitos médicos no Brasil. Foi o lançamento do Rhogan, que é um produto que previne a eritoblastose fetal através de uma injeção após ter o primeiro filho. Ele não deixava a mãe Rh negativa se sensibilizar pelo feto Rh positivo, então isso possibilitou que a mulher tivesse três, quatro, cinco filhos sem nenhum problema de sensibilização, agressão imunológica ou qualquer coisa. Um produto fantástico, foi um highlight também.
P/1 - Senhor Walter, eu queria que o senhor fizesse uma avaliação da sua trajetória profissional e pessoal também, da sua vida toda.
R - Voltando ao Brasil, em 1945, comecei a estudar novamente - quer dizer, aprender português porque eu não falava mais português. Na Alemanha era proibido falar português na época do nazismo, então nós tínhamos que aprender o alemão.
Comecei a fazer o ginásio, o científico - naquela época, se chamava científico - e depois faculdade. Nessa época, eu já me… Quando eu estava no terceiro ou quarto ano da faculdade casei e um ano depois tinha a minha filha. E um ano depois - não, vinte e poucos anos depois tive o meu neto.
A minha trajetória foi a seguinte: em 59 entrei na Johnson como assistente de microbiologia. Um ano depois eu já era chefe de sorologia e biotério, a parte de animais. Naquele tempo se usava ainda animais pra sensibilizar, pra pirogênio, pra testes de anti-histamínicos e toxicidade. Alguns anos depois, por ocasião de uma reunião de acionistas em New Brunswick, fez-se aquela célebre pergunta se a Johnson ainda usa animais em seus laboratórios e foi aí que mudaram uma série de coisas. Vieram orientações de New Brunswick para que substituíssemos todo e qualquer teste em animais por testes químicos, biológicos, enfim, in vitro.
Isso foi um trabalho muito grande, porque tivemos que substituir o teste de pirogênio por um teste imunológico, o teste de toxicologia por um imunológico e por aí vai. Isso mudou também o conceito de trabalhos laboratoriais com animais. Acabaram-se os animais, não usamos mais nem pra testes de toxicologia e qualquer coisa assim. Nessa época, eu já era chefe de microbiologia também, isso foi alguns anos depois.
Isso foi até 1972, um pouco antes do doutor Bruno Vasques, que era o nosso diretor de pesquisas, sair da companhia; entrou o doutor Pereira que veio dos Estados Unidos mas ele ficou só um ano e pouco e foi substituído pelo senhor Hans Fage e eu. Hans Fage pegou toda a parte da Johnson Consumidor e eu fiquei responsável por toda a parte da Johnson Médico-Hospitalar; naquele tempo a Médico-Hospitalar era Farmacêutica, Dental, Diagnósticos, Veterinário e Hospitalar. Nós tínhamos cinco setores de produtos.
Foi uma época muito importante, porque a gente assumiu uma... Eu vinha de um laboratório, era chefe de um laboratório de sete, oito pessoas e de repente tive que assumir uma gerência de cem pessoas, mais ou menos. Foi uma época muito importante nessa minha vida, nessa minha trajetória dentro da companhia. Nós tivemos que rever tudo, porque uma série de coisas ficaram guardadas em caixotes, não se responderam correspondências, enfim, tudo teve que ser refeito. Isto durou praticamente até eu sair da companhia, porque depois fui promovido a diretor de pesquisas e me aposentei em dezembro de 93 pela Johnson. Mas nessa época nós tivemos grandes modificações; começamos com esses cinco setores, depois passamos a ter só a Veterinária, a Diagnósticos e Farmacêuticos. Mais tarde, nós ficamos com Veterinária e Produtos Farmacêuticos e, alguns anos depois, só a Farmacêutica; esses departamentos praticamente foram fechados.
Mesmo assim, desenvolvemos uma série muito grande de produtos no Brasil também. Pra vocês terem uma ideia, nessa época nós estávamos em época da revolução - um país fechado, sem muito acesso a tecnologias, então praticamente todas as formulações novas de novos produtos tinham que ser desenvolvidas aqui no Brasil porque não podíamos importar os ingredientes originais, quer dizer, as fórmulas originais. Com isso, nós tivemos um departamento de desenvolvimento farmacêutico, tivemos um departamento de desenvolvimento biológico, porque toda a metodologia tinha que ser adaptada a técnicas brasileiras, não podíamos importar equipamentos também. E a parte de química também teve que ser adaptada toda aos equipamentos existentes nos nossos laboratórios, eram equipamentos velhos. Foi toda uma época de transição, adaptação e crescimento porque o crescimento depois foi exponencial, quer dizer, a coisa foi... Não foi nem em termos aritméticos, nem geométricos.
Nós acompanhamos isso tudo com o novo laboratório que construímos no centro de pesquisas em São José dos Campos, que inauguramos em 73 quando fomos pra São José. Nessa época, todos nós estávamos ainda em São Paulo. A coisa foi crescendo, os laboratórios crescendo e acompanhando e com isso a Farmacêutica formou-se praticamente [como] uma empresa separada, deixou de ser uma divisão da Johnson & Johnson. Então essa época toda, toda essa transição… Eram muitos novos produtos, porque a Janssen era uma empresa extremamente criativa. Lançamos o Eprex, que é um produto imunológico, primeiro produto de engenharia genética feita pelo grupo Johnson. Depois lançamos uma série de produtos mais modernos.
Essa coisa toda nós acompanhamos até 93, foi a época que… Depois eu saí, hoje o pessoal evidentemente continua. Mas eu digo [sobre] a época de crescimento. Pra você ter uma ideia, quando nós entramos em 59, 60 a companhia toda faturava nem um… Nem cinco por cento do que fatura hoje. Você vê, ela cresceu noventa, cem, duzentos, quer dizer, uma coisa exponencial. Ela cresceu ______, foi de dezoito milhões pra trezentos e tanto, foi uma coisa impressionante. E nós estávamos à frente dessa coisa toda, acompanhando o crescimento e vendo tudo isso.
P/1 - Ok.
P/2 - Eu só queria fazer uma última pergunta pra encerrar. O senhor tem ainda algum sonho pra realizar, senhor Walter?
R - O meu grande sonho é ver o crescimento do meu neto. Eu sei que hoje continuo na ativa ainda, faço alguns trabalhos na área de imunologia; trabalho prum outro grupo em produtos diagnósticos, temos uma joint venture com o laboratório. Eu continuo trabalhando dentro dessa área, ainda dou cursos em hospitais do governo. O sonho é esse, continuar, eu não quero fazer nada mais. Quero continuar pelo menos na ativa por alguns anos ainda e prestando alguma coisa, fazendo algum serviço dentro dessa área, que sempre foi a área que eu gostava mais.
P/2 - Está bom. A gente queria agradecer a sua presença.
R - Pois não.
P/1 - Obrigada, senhor Walter.
R - Muito obrigado.
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