P1 - Senhor Memeco, boa tarde! Nós gostaríamos de começar a entrevista com o Sr. dando o nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Américo Horácio Mendonça Vieira, eu nasci em Niterói e estou lá até hoje, meu nascimento foi dia seis de março de 1930.
P1 - E seus pais, quais os nomes deles?
R - Meu pai chamava-se Anilar Vieira e minha mãe era Aracir Mendonça Vieira. Eles sempre gostaram de clubes, meus pais são fundadores do Clube Central, em Niterói, na Praia de Icaraí, clube muito bom, mas hoje são falecidos.
P1 - O Senhor conhece a origem de sua família?
R - Todos, praticamente, desde o tempo de meu avô, que também nasceu em Niterói, meu avô era Capitão do Exército e chegou depois a Secretário do Governador Nilo Peçanha, ele funcionou assim. Minha avó era do lar, era uma mineira de Barbacena, do lar. Meu pai nasceu também nasceu em Niterói, no bairro do Fonseca, e minha mãe nasceu em Belo Horizonte, mineira. Essa é a origem dos meus avós e meus pais.
P1 - E o Senhor sabe como foi o encontro de sua mãe e do seu pai?
R -. É uma coisa linda, se bobear eu posso chorar porque foi até radiofonizado na Rádio Globo, foi uma coisa linda! Meu pai era de família mais pobre e minha mãe era metida, se vestia em Paris e tal, de uma família um pouco melhor financeiramente. Meu pai era muito humilde, mas meu pai era pianista. Aí, na inauguração do Clube Central, em 1920, meu pai foi convidado para tocar no baile, e antigamente não existia orquestra, não existia nada. Tipo, o Nono, que é irmão do Cauby Peixoto, pianista que tocava aquela polca, as mulheres dançando e tal, e meu pai foi. E aí, a minha mãe era a organizadora do baile, aquelas normalistas na época em que ela se formou. Então, quando viu meu pai tocando piano e tal, meu pai sempre foi muito quietinho, muito humilde, mas ela… Foi amor à primeira vista, ela gostou do meu pai e tal, e meu pai ali, quietinho, eles se conheceram...
Continuar leituraP1 - Senhor Memeco, boa tarde! Nós gostaríamos de começar a entrevista com o Sr. dando o nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Américo Horácio Mendonça Vieira, eu nasci em Niterói e estou lá até hoje, meu nascimento foi dia seis de março de 1930.
P1 - E seus pais, quais os nomes deles?
R - Meu pai chamava-se Anilar Vieira e minha mãe era Aracir Mendonça Vieira. Eles sempre gostaram de clubes, meus pais são fundadores do Clube Central, em Niterói, na Praia de Icaraí, clube muito bom, mas hoje são falecidos.
P1 - O Senhor conhece a origem de sua família?
R - Todos, praticamente, desde o tempo de meu avô, que também nasceu em Niterói, meu avô era Capitão do Exército e chegou depois a Secretário do Governador Nilo Peçanha, ele funcionou assim. Minha avó era do lar, era uma mineira de Barbacena, do lar. Meu pai nasceu também nasceu em Niterói, no bairro do Fonseca, e minha mãe nasceu em Belo Horizonte, mineira. Essa é a origem dos meus avós e meus pais.
P1 - E o Senhor sabe como foi o encontro de sua mãe e do seu pai?
R -. É uma coisa linda, se bobear eu posso chorar porque foi até radiofonizado na Rádio Globo, foi uma coisa linda! Meu pai era de família mais pobre e minha mãe era metida, se vestia em Paris e tal, de uma família um pouco melhor financeiramente. Meu pai era muito humilde, mas meu pai era pianista. Aí, na inauguração do Clube Central, em 1920, meu pai foi convidado para tocar no baile, e antigamente não existia orquestra, não existia nada. Tipo, o Nono, que é irmão do Cauby Peixoto, pianista que tocava aquela polca, as mulheres dançando e tal, e meu pai foi. E aí, a minha mãe era a organizadora do baile, aquelas normalistas na época em que ela se formou. Então, quando viu meu pai tocando piano e tal, meu pai sempre foi muito quietinho, muito humilde, mas ela… Foi amor à primeira vista, ela gostou do meu pai e tal, e meu pai ali, quietinho, eles se conheceram assim. Praticamente em 1922 eles ficaram noivos e minha mãe deu esse anel aqui para ele como noivado, mamãe é quem deu, tá aqui: AV, de Anilar Vieira. Interessante é que em 1924 eles casaram, então a vida, que foi radiofonizada, meu pai tocando piano e minha mãe conversando com ele, e a família, foi uma coisa muito bem feita, muito sentimental. Eu, quando recordo disso, fico até emocionado, como é que meu pai e minha mãe se conheceram... Foi assim, viveram 64 anos juntos sem eu nunca ter visto meu pai brigar, nunca brigou, minha mãe era mais agitada e meu pai era muito calmo. É minha origem, eu sou um pouco assim, paciente, é do meu pai. Minha mãe é de briga.
P1 - Quantos filhos eles tiveram?
R - Sou o caçula e mais o meu irmão, que se chama Anilar também, eu vim depois de cinco anos que ele já tinha nascido. Meu irmão também foi uma pessoa do esporte, ele foi um dos maiores caçadores submarinos do Brasil, esteve catorze anos na CBD dirigindo a caça submarino e chegou à campeão mundial, campeão sul-americano, pescou em caça submarina em todos os oceanos, Pacífico, Atlântico, na Europa, em Fernando de Noronha. Ele foi um grande mergulhador. E hoje vai fazer 76 anos, ainda vai lá embaixo, cada mergulho é um peixinho que ele trás, até hoje. Lagosta então, é brincadeira! Você vai na casa dele e tem umas vinte congeladas, você vai lá e ganha de presente uma lagosta.
P1 - E o Senhor aprendeu?
R - Eu também fiz caça submarina com ele. Ele tinha dezessete anos quando começou a fazer, ninguém conhecia, e eu tinha doze. Ele importou uma arma da Itália, ficava na praia pescando e parava gente no cais porque ninguém conhecia uma pessoa assim. Pois eu aprendi um pouco com ele, mas eu, perto dele, era muito fichinha. Mergulhei bastante em campeonato brasileiros em Angra dos Reis, mas aí eu ia como… Fazia batida de limão para eles. Eles eram uma grande equipe do Estado do Rio, estava ganhando o Brasileiro, estava sempre ganhando; teve uma época que tinha bons caçadores submarinos no Rio. E nisso, da pesca submarina, o meu irmão é pioneiro, tem muitos troféus, recorde de peixes. Então sempre foi de esporte, também jogou basquete, mas o negócio dele era caça submarina.
P2 - Senhor Memeco, a sua infância sempre foi em Niterói?
R - Em Niterói, sempre morei em frente à Praia, então a minha vida era praia, pegar siri, pescar, fazer aqueles rachas de futebol que tem na areia. Passei a minha infância toda na praia e no colégio, que era perto também. Depois foi o basquete. Já com dez anos eu jogava basquete no mirim, sempre foi de basquete. Depois fui para a Faculdade de Direito, que foi o final do esforço que eu fiz.
P -. O Senhor Morava onde em Niterói?
R - Eu morava na Rua Presidente Pedreira, 27. Eu nasci em casa, não tinha hospital, a parteira ia lá. Eu morava em frente quase à Faculdade de Direito e ao Palácio de Ingá, Palácio do Governador, era uma rua sempre bem movimentada. Mas a primeira casa dessa rua era a casa do meu avô, não tinha nada, eu tenho fotografias que tem a casa e todos os terrenos assim, que nem em Icaraí, não tinha nenhum edifício, não tinha nada. Na época que eu era garoto, já tinha alguma coisa, o primeiro edifício. Era um areal Icaraí, que hoje tem alguma coisa lá. É um patrimônio, tipo Barra da Tijuca, ninguém acreditava e de repente aquilo virou uma grande cidade. Quem tem visão, não é? Muitos portugueses dominam quarteirões lá em Icaraí.
P1 - O Senhor Pode descrever a casa em que morou?
R - Posso. Era uma casa grande, antigamente tinha uma sala de visitas, uma sala de jantar. Quando eu era garotinho, não existia nem rádio, nem televisão, a orquestra era o piano, então existia a hora de artes na casa das pessoas, então o negócio era declamar poemas e poetas, e se fazia aquela horas de artes na sala de visita, era isso. Tinha sala de visita, uma sala grande de jantar, tinha quatro quartos, tinha a sala grande, que não se usa direito, mas tinha uma outra sala que a gente usava mais no cotidiano. Terreno grande, com fruteiras e tal, que até eu gostava muito e eu tenho uma lembrança impressionante, porque eu sou muito emotivo e gosto dessas coisas demais, eu fecho os olhos, vejo todo o quintal como era, as fruteiras como eram, fruta de conde, aquela coisa gostosa, horta, tudo isso.
P2 - O Senhor comia no pé as frutas?
R - A fruta de conde é um negócio sensacional, algumas pessoas falam pinha, mas não é pinha, pinha é outra coisa. Fruta de conde é aquela rolicinha, a pinha é mais espigada. Então o ideal era você amarrar um meia no galho e deixar até quando ela começasse a ficar bem madura. Era uma fruta de conde enorme. Para você ter uma ideia, quando saía uma fruta de conde, a família tinha que partir para um, para outro, ninguém comia uma inteira porque era demais. Porque quando ela caía dentro da meia, ela ficava com uma babazinha, uma doçura, você ia cortar e via cada gomo bonito. Mas quando eu guardava uma para mim, eu escondia e comia sozinho. Abacate, mangueira, goiaba, tinha tudo. Hoje a gente compra muita fruta bonita, mas em casa é diferente.
P2 -. Quais as brincadeiras de crianças?
R - A gente fazia umas brincadeiras. Eu tinha um cachorro que chamava Engatilhado, era um Fila com um Dog, você olhava o cachorro e tremia, mas era manso com as pessoas. E uma das travessuras que eu fazia era para ele, eu falava para ele “gato” e ele ficava louco, e os gatos também sumiam, parecia desenho animado. E eu levava o cachorro para o colégio, ele ia perto de mim e entrava na aula comigo, todo mundo queria que eu fizesse isso, e aí era uma bagunça geral, porque ninguém tirava o cachorro da sala. E eu dizia que não tinha nada com isso não, porque o cachorro era do vizinho que me acompanhou: “Eu não mexo com ele, não.”
P1 - Senhor Memeco, quando e como surgiu o apelido Memeco?
R - É engraçado, eu tenho um livro de bebê desde que nasci de depoimentos, quando eu fiz isso primeiro, quando fiz aquilo primeiro, comunhão, as pessoas presentes. O meu pai gostava muito de escrever e o Memeco estava lá, foi o tio, isso ou aquilo, ficou meio na dúvida. De repente, Memeco mesmo, ninguém sabe quem foi o primeiro a chamar, como Memeco é José Américo, devem ter escolhido assim. Meu pai me chamava de Meco-meco, está anotado lá no livro de bebê. Então eu tenho uma história todinha,com os colos das primas, desde garotinho até eu me formar. Aí meu pai me deu a alforria, a carta de que “agora você vai em frente”. Quem tem essa base de pai sempre se lembra bem com saudade.
P1 - E o Senhor estudou em que escola?
R - Até o clássico, foi no Colégio Bitencourt Silva, um colégio bom na época, que era de uma prima-irmã de minha mãe, a Senhora Bitencourt. Então era primário, ginasial e, pra quem fosse para a área científica, científico. Quem fosse para Letras, era o clássico, eu fui até o clássico, com dezessete anos. Com dezessete anos eu entrei para a Faculdade, eu até fui considerado um dos advogados mais novos que já teve, porque eu me lembro que eu não tinha feito 22 anos, com 21 anos eu já era advogado, ninguém ia acreditar em mim
P2 - Qual foi a faculdade?
R - Faculdade de Direito de Niterói, que é boa. Está lá até hoje, no mesmo local, bonita. A juventude também está hoje muito bonita, naquela época era menos gente. Muitos paulistas vieram estudar aqui, não tinha muita gente aqui para estudar para ser advogado, médico, isso ou aquilo.
P1 - Em que momento o Senhor passa a gostar do Flamengo?
R - Olha, o meu pai era Fluminense, naquela época os homens só andavam assim: de colarinho duro e chapéu de palha. E meu pai me levou para ver um Fla-Flu nas Laranjeiras. Eu tinha oito anos e eu fui com ele, eu lá vendo o jogo e o Flamengo ganhou de dois a um. Eu ali e meu pai sendo Fluminense, mas ele não obrigava, não. Eu disse: “Eu sou esse time aí agora, de preto e vermelho. Eu sou Flamengo e não quero saber de mais nada.” Que eu me lembro eu tinha oito anos de idade, nas Laranjeiras, levado pelo meu pai. Desde a época que eu jogava botão, os números dos jogadores do Flamengo era o número dos botões.
P1 - E o Senhor lembra mais ou menos dos jogadores daquele time, quem eram naquela época?
R - Eu lembro, zagueiro era o Domingos da Guia, Newton Canegal e também o Lourival. O goleiro era o Jurandir, Fausto, foi antes de _______ Jaime. A linha, se não me falha a memória, foi Perácio e Vevé. Era um timaço o Flamengo, eu me lembro disso. Eu jogava lá, tinha um campeonato entre nós, tinha vascaíno, tinha isso, tinha aquilo. Eu não era ruim de botão, não!
P1 - E com essa idade, oito, nove anos, o Senhor continuou frequentando o estádio com seu pai ou foi só essa ida?
R - Foi só essa vez que ele me levou, depois eu fiquei emancipado. Eu ia ver o Flamengo e tudo o que fosse possível. Eu me lembro até quando o Flamengo ia ao Caio Martins, em Niterói, era um sucesso. Aí eu já tinha onze ou doze anos e era muito mais seguro, a gente não tinha problema nenhum do filho sair para ver o jogo porque eu morava… O Caio Martins era perto, eu morava em Icaraí.
P2 - Uma pergunta, Senhor Memeco, como fazia para ir de Niterói para Laranjeiras?
R - Era a famosa barca da Cantareira, só existia a barca. Então, todos de terno e gravata no dia-a-dia, gravata e chapéu. Então você pegava a barca da Cantareira, chegava no Rio e tinha o ônibus. Perdão, tinha o bonde Laranjeiras, tudo era bonde. Se eu fosse para a Gávea, muitas vezes eu ia até ver corridas de cavalos na Gávea quando tinha doze anos, treze anos, pegava o bonde Gávea que parava em frente ao Jóquei. Laranjeiras, o bonde era perto, foi assim que meu pai deve ter ido. Não tinha táxi naquela época e meu pai não era de gastar dinheiro, não. Tinha que ser bonde.
P2 - Onde era o ponto da Gávea localizando, hoje em dia?
R - Naquela Praça Santos Dumont, o bonde ia até ali, ele não subia a Marquês de São Vicente, ele fazia a volta e voltava novamente até a Praça XV.
P2 - E como era a Gávea naquela época, já existia o Flamengo quando o Senhor tinha treze anos?
R - Eu fui muito de bonde porque era do lado, o Jóquei Clube era ao lado do Flamengo, então era nessa fase, antes de vir para o Flamengo, com dezesseis anos, que eu ia ao Jóquei. A juventude ia muito para lá, para o Hipódromo da Gávea, existia fã clubes, tinha cavalos que tinham fã clubes, arquibancada cheia (________________?). Era uma égua também famosa, ela tinha torcida tipo facção, igual Flamengo e Vasco, e a turma ia para lá ver mesmo, eu me lembro como se fosse hoje. O Flamengo, naquela época, não tinha nem ginásio de basquete, o Flamengo tinha uma sede pequena e o campo de futebol. “Bola na lagoa”, como se fala, porque a água na lagoa vinha até na Praia do Pinto. Aquele negócio ali, Selva de Pedra, aquilo tudo era água e tudo foi aterrado, tanto que quando a gente estava vendo jogo do Flamengo, aí nego dizia “bola na lagoa”, porque estava ganhando e faltava pouco tempo e não tinha outra, não, tinha que esperar a bola para vir para jogar. Então eu vinha à Gávea e, de vez em quando, no Flamengo, quando jogava na época.
P2 - E o Senhor descia no mesmo ponto para ir para a Gávea?
R - Exatamente, no mesmo ponto. Fica mais em frente ao Jóquei, você saltava ali e ia a pé porque era pertinho.
P1 - Senhor Memeco, o Senhor falou que naquela Fla-Flu, o primeiro que o Senhor foi, homens e mulheres iam todos elegantes. E as crianças?
R - As crianças também, todas vestidinhas direitinhas, porque o Fluminense era o clube mais aristocrático, mais famoso. Os sócios do Fluminense eram figuras da sociedade. Não existia esse negócio de colocar calção sem camisa, isso era um crime. Mas era assim, mulheres, adultos etc.
P1 - E o Senhor se lembra da participação da torcida na hora do jogo?
R - Era como hoje, só que num campo menor. Laranjeiras é um campo menor que cabe quatro mil pessoas, então o Flamengo já era metade no campo do Fluminense e a gritaria era imensa, mas não existia essa briga de torcida, que eu me lembre. Não existia, era mais tranquilo.
P2 - Havia algum grito de torcida em especial?
R - Flamengo é Flamengo sempre, a vida toda a turma gritava. Muitos marinheiros eram flamengos, tanto no basquete quanto no futebol. Marinheiro ia em peso, era até para sair briga, mas era a torcida era separada, não era misturada, não. Sinceramente, não lembro se era “Mengo”, mas era “Flamengo, Flamengo!”, o Fluminense também era “Fluminense, Fluminense!”, não era “Nense”, não. O maior clássico do futebol no Brasil era o Fla-Flu, sempre foi.
P1 - E depois dessa ida que ganhou o Flamengo, quando o Senhor voltou a frequentar campos de futebol para ver o Flamengo?
R - Já com quinze ou dezesseis anos, eu ia ver o Flamengo quando ele ia no Caio Martins e na Gávea, quando tinha um jogo razoável, sempre na área do futebol. O basquete ainda não tinha entrado porque a gente tinha doze, treze, catorze anos. Então eu frequentava mesmo era o futebol, era o esporte que eu gostava, sendo Flamengo. O basquete veio depois, mas até que o Togo Renan Soares, que é o ginásio de basquete, foi feito bem depois, o primeiro campo que o Flamengo treinava e disputava partidas era no Imprensa Nacional, lá na Praça Mauá, num prédio grande, lá tem um campo de basquete. O Flamengo usava esse campo como se fosse o campo oficial do Flamengo, inclusive, todos esses grandes campeões do Flamengo começaram lá.
P2 - O Senhor poderia descrever a quadra da Imprensa Nacional ?
R - Era uma quadra aberta, praticamente toda cimentada com cerca, uma arquibancada bem antiga de madeira, não dava muita gente, era difícil ir muita gente na Praça Mauá à noite, mas quem era Flamengo ia ver. Era assim, o Flamengo teve esse campo primeiro e foi onde eu comecei. Comecei em 1946 e fui ser jogador do Flamengo no juvenil.
P1 - Como se deu isso ?
R - Olha, Niterói era um celeiro de pessoas que jogavam bem basquete, então o Fluminense pegava jogadores em Niterói, o Botafogo e o Flamengo também. A gente já jogava a tempo, a garotada era meio fraca, na época não tinha escolinha, então eu vim para o Flamengo, como se fosse uma pessoa dizendo: “Olha, vem um garoto aí, ele não é bobo, não, joga razoável.” E eu vim para o Flamengo em 1946. E em 1945, se me permite contar, modestamente, era juvenil e fui campeão brasileiro de lance livre, não pelo Flamengo, porque eu jogava ainda em Niterói.
P1 - Consistia em quê esse lance livre?
R - Cada um integrante de uma equipe do brasileiro batia vinte lances livres, cada um batia vinte. Para você ter uma ideia, eu bati nove e nove, eu fiz dezoito em vinte, que era boa. Hoje a NBA não faria dezoito em vinte. (riso) Eu fiz dezoito em vinte e fui campeão não só do Brasileiro, mas a equipe do Rio foi a que marcou mais pontos no campeonato de lance livre. Chegamos em terceiro lugar ao campeonato onde ganhava sempre Rio e São Paulo, e a gente chegava em terceiro pelo Estado do Rio. Então já tinha essa bagagem, aí vim para cá em 1946 dizendo alguma coisa. Realmente, o nosso time não era muito forte, mas existiam uns times ali do subúrbio, tipo o Riachuelo e o Fluminense, que davam muita importância ao basquete. Nós tiramos terceiro lugar no campeonato e esse foi o maior feito de minha vida, de que me orgulho tanto. Inclusive, está na revistinha do Flamengo. Em 1946 eu era juvenil, magrinho, com dezesseis anos e todo mundo falava, o meu técnico se chamava Bandeira e falava: “Olha, tem um garoto lá que bate lance livre muito bem, acho que ele devia bater nesse campeonato que vai ter.” Tinha público, então eu fui. Eram nove, a turma do Flamengo. Inclusive, um pessoal bom demais. E eu fui bater como juvenil e ninguém acreditava, Jamil Haddad jogando, aí eu fui lá humildemente e eram dez lances livres, mas você batia e entrava numa fila outra vez. Quer dizer, não era seguido, porque seguido às vezes é mais fácil, você pega a mão e vai. Mas bater de um a um, você tem que Ter mais certeza e concentração, aí eu fui e felizmente eu fiz 10 em 10. Fui campeão carioca de lance livre pelo Flamengo, foi o máximo, o manto sagrado, aí eu fui e fiquei, todo mundo falou. Depois eu saí do juvenil porque naquele tempo era meio fraco e eu tive outras propostas para jogar. Ninguém ganhava um tostão, a gente podia ganhar era um almoço, um jantar.
P1 - Mas o Senhor chegou a pensar: “eu vou ser jogador de basquete”?
R - Eu sempre fui do basquete, tem sempre um pequenininho que organiza o time, vê as jogadas, faz as chaves. Eu era um pequenininho atrevido mas era legal, leal. Na época, se eu fizesse uma falta, levantava a mão, acusava, o que hoje é difícil ver. É porque eu fui escoteiro e escoteiro é sempre alerta e leal, não é ? Eu me baseei muito no chefe dos escoteiros no Brasil, que era o Benjamim Sodré, que foi o grande astro do Botafogo, um sujeito maravilhoso. Almirante Benjamin Sodré, o filho dele era muito meu amigo. Era de uma honestidade... Então a gente via aquilo e passava a fazer isso também. Hoje em dia, não. Nego reclama de tudo, faz a falta, reclama e diz que não fez. Mas eu pensei sempre em jogar basquete, joguei em vários clubes em Niterói. Depois a gente estava assistindo aqui por causa do tratamento, depois de 28 anos eu parei. Hoje em dia, Oscar com 43 anos jogando bola, só que você, com 43 anos, pega um garoto de dezoito anos que passa por você igual a um raio e nem vê. Não adianta, é impressionante a diferença. Dizer que Oscar é um ídolo, o maior jogador, cestinha inigualável, mas quando ele está vindo, nego já passou por ele e já foi, entendeu? Quarenta e três anos é muito difícil.
P1 - Mas o basquete mudou muito, o esporte, o jogo?
R - Na época que a gente jogava você ficava com oito pontos na frente, por exemplo, faltava dois minutos e você não perdia mais, porque você tinha oito para fazer. Tá aqui, bloqueia aqui, fica naquilo sem jogar bola na cesta, você podia ficar três minutos com a bola, então era fácil, você botava uma frente e não perdia mais. Obrigava o sujeito a fazer falta, isso não podia existir mesmo. Hoje você pode ficar 24 segundos com a bola na mão, então é obrigado a jogar, para dar chance de outro pegar e ir lá. Então, naquela época era assim, você podia fazer esse oito, ficava, ficava e praticamente ganhava o jogo, não dava para o outro encostar. Tirando isso, as regras são mais ou menos idênticas. Agora você pode fazer uma falta, fazer mais um corpo a corpo que vale. Antigamente, qualquer faltinha parava, mas a finalidade ela bola na rede, tinha que fazer é a cesta.
P1 - E tinha ponto de três pontos ?
R - Não existia, não, você podia jogar uma bola do meio do campo, entrava e fazia dois pontos. Eu, modéstia à parte, era uma cestinha que eu gostava muito, na meia lua, fora do garrafão, eu gostava de jogar muito dali e valia só dois pontos. Hoje são três pontos.
P2 - Senhor Memeco, como era o uniforme do Flamengo?
R - O uniforme era normal, camiseta preta, vermelha, o escudo do Flamengo aqui e o número atrás. No calção, nada, não existia número no calção branco.
P1 - E o tênis? Cano alto, cano baixo...
R - Qualquer um. Eu, por exemplo, sempre joguei com o tênis mais fuleiro que existia, mais fininho, porque aquilo me dava condições de correr mais. Eu não tinha peso no pé, então eu colocava uma tornozeleira que prendia bem o pé e um tenisinho daquele bem branquinho, sem sola, sem nada. Você corre tremendamente! Você pega lá o pé do Pipoca, o tênis dele é uma lancha, pesa uns cinco quilos e ainda tem que subir na cesta, é demais. Podia ser até um tênis especial mas tem contrato com isso, com aquilo, tem que botar o tênis da empresa. Mas eu sempre joguei, naquela época já existia esses tênis assim, mas eu botava um tenisinho branco e vamos nós!
P1 - E como é que era o treinamento naquela época?
R - Naquela época todo mundo era amador, você treinava três vezes por semana, após o seu trabalho ou seu estudo, começava um treino às oito e meia da noite aí jantava, o Flamengo dava um jantarzinho na sede, na Praia do Flamengo. O Flamengo tinha sede lá na Praia do Flamengo, hoje é o edifício Flamengo. Dava uma comidinha, uma saladinha… Jogava assim, fazia um jantar e depois ia treinar. Treinava e bábábábábá, não tinha nenhum preparador físico para você fazer isso, fazer aquilo, fazer você ficar bem. Não, tinha que ser na raça. Hoje, não, o sujeito é preparado, muita força nos músculos. Naquela época não existia...
P1 - Tem um jogo muito importante na história do Flamengo, que foi o Flamengo contra o Sírio, que o Presidente Gilberto… Pode contar um pouco ?
R - Foi o que provocou o falecimento do grande Presidente Gilberto Cardoso. Pouca gente se lembra, foi no final do campeonato, Flamengo e o Sírio Libanês, e o Flamengo, já com um time bom, que foi por dez anos campeão. Estava 55 o Sírio e o Flamengo com 54 Faltando de dez a doze segundos, um tal de Olivieri, que jogava no Sírio, perdeu dois lances livres. Então o Alfredo da Mota jogou lá na frente, Guguta veio entrando, olhou, caprichou, cesta e acabou o jogo. O Flamengo ganhou de 55 a 54, estava 54 a 53. O Presidente Gilberto Cardoso estava presente e se emocionou. O basquete é uma coisa que funciona muito, de segundo em segundo você tem uma emoção. Ele teve uma emoção forte, pegaram ele e levaram para o hospital, aí ele veio a falecer. E ficou a cesta do Guguta, que matou o presidente. Até hoje a gente brinca com o Guguta assim.
P1 - O Senhor estava no jogo, ouviu o jogo pelo rádio, se inteirou pelo jornal no dia seguinte, como é que foi ?
R - Infelizmente, eu não fui ao jogo, foi no ginásio do Sírio Libanês, eu não fui. Mas, depois, como eu sou muito amigo do Guguta, me certifiquei de como é que foi, como é que houve, como é que aconteceu, pois todos me contaram assim. Mas eu não fui ao jogo, infelizmente eu não fui. Grande jogo, mas foi uma tristeza a morte do Presidente Gilberto Cardoso, que era muito querido. Hoje tem até uma estátua na sede do Flamengo, ali no jardim principal dele.
P2 - E como é que foi a repercussão da morte dele ?
R - Foi muito triste porque ele era muito querido pela nação rubro-negra. Foi uma morte muito sentida, praticamente igual a… Quem teve uma morte muito sentida foi o Cláudio Coutinho, técnico de futebol do Flamengo e da seleção brasileira. Ele faleceu numa caça submarina e a nação toda, os jornais todos ficaram sentidos. Eu não me lembro de nenhum outra autoridade de clube que tenha morrido e tenha tido toda essa repercussão. Não me lembro.
P1 - O Senhor conheceu o Gilberto Cardoso ?
R - Eu conheci, mas não tinha muita intimidade, eu sou mais amigo do Gilbertinho Cardoso.
P1 - Mas naquela época, em 1955, que aconteceu esse fato, o Senhor tinha 25 anos. O Senhor já tinha entrado na faculdade, estava no meio da faculdade?
R - Já tinha terminado.
P1 - O Senhor fez curso de quê?
R - Direito, eu até falei que eu fui um advogado muito precoce. Eu com 21 anos me formei.
P1 - E como é que foi a opção pelo Direito?
R - Eu advoguei por sete anos como advogado administrativo do Banco Souto Maior, então eu trabalhava no contencioso do Banco, na parte administrativa. Fiz lá uma incursão no Direito Penal, eu gostava muito de Direito Penal. Depois disso eu fui trabalhar numa empresa italiana, que é a Olivetti, e a gente ganhava razoavelmente bem na época, maior emprego que eu tive. Aí eu abandonei o basquete, fiquei como cacharel, o que me auxiliou muito. Em todos os lugares que eu me apresentava, alguém falava de mim. Para ir de um lugar para o outro, as pessoas sempre falavam: “Não, ele é formado, ele tem curso superior.” Ajuda muito.
P2 - O Senhor trabalhou na Olivetti?
R - Trabalhei. Para você ter uma ideia, o Diretor do Banco... Hoje esses diretores fazem outras coisas não ganham só salário, mas eu ganhava na época, vamos dizer, 18 mil. Aí eu fui para a Olivetti e passei lá num concurso que só aceitava computador, mas aí eu tinha o curso superior e aí eles aceitaram que eu fizesse. Eu fiz qualquer coisa lá e eles gostaram de mim. Vendedor é papo, é simpatia, aí eu entrei para a Olivetti. Eu fui ganhar na Olivetti como vendedor, chamava-se vendedor especial, quando as máquinas Audit, que tinha aqui a Herrington, a Barrough... A Olivetti veio aqui para combater essa gente com um preço muito razoável e eu era o implantador dessas máquinas aí. Eu tirava 26 mil com mais cinco mil de ajuda para você se deslocar, então eu ganhava 31 mil, enquanto que um diretor do banco ganhava dezoito mil. Foi um emprego fabuloso.
P2 - Quais era as máquinas comercializadas? a Letter 22...
R - A Letter. Eu vendia as máquinas convencionais. Aí tem o pessoal que vende essa do dia a dia, que vai em tudo o que é lugar. Era a Letter, aquela normal, a de escrever, a calculadora, que foi a primeira impressora que fazia cálculo e saía a lista. As máquinas contábeis... Chamava-se Audit, Audit 1, Audit 2, Audit 3, que serviam não só para conta corrente. Quando a Barrough dominava, qualquer Banco era Barrough, máquinas fabulosas, aí a gente veio com a metade do preço e eu consegui trocar todas as máquinas de Banco pela Olivetti, entendeu? No final tinha que colocar um mecânico no Banco diariamente porque aquilo explodia toda hora, mas a gente era obrigado a vender. Depois consertaram. Até hoje são máquinas razoáveis. E depois veio a época das máquinas, do computador, essa parte eletrônica, aí essas máquinas foram ficando… E a empresa era italiana, empresa muito boa, ela dominava uma cidade na Itália que chamava-se Ifreia. Era toda Olivetti, tudo, tudo, tudo. A produção, tudo, uma firma espetacular. Hoje, praticamente não é a mesma coisa, mas o início foi muito bom.
P1 - O Senhor ficou muito tempo na Olivetti?
R - Eu fiquei cinco anos mas gostei muito, fazíamos cursos toda hora em São Paulo, para remodelação disso, daquilo, novas máquinas que chegavam...então nós fazíamos um curso bem feito. E era considerada assim uma empresa de venda exemplar, os vendedores da Olivetti eram muito bem selecionados, isso era importante. A Olivetti não fazia nenhuma publicidade nem nada, nem jornal, nem revista, nem nada. A Olivetti era de boca em boca, de escritório em escritório, a garotada batendo ali, sabe? Chegava lá, botava uma em demonstração, a pessoa gosta, fica, e foi sempre vendendo muito bem, um bom emprego.
P1 - E nesse período o Senhor acompanhava o Flamengo ?
R - Sempre Flamengo, se nego falava que a gente não era Flamengo, saía no pau, não é? E tem uma coisa que é interessante. O bom vendedor, se ele vai vender numa empresa portuguesa, ele não pode chegar lá dizendo: “Não, porque eu sou Flamengo.” Você tem que ficar na sua. O Vasco… Bem. Tudo bem, porque aí é você se sentir simpático. No início de uma venda, você tem que seguir esse início. Se sair desse início, a sua venda não é bem feita. Chama-se, por exemplo, “AIDA”, você tem que chamar a atenção da pessoa. Se for falar com uma pessoa, vender o seu produto, e a pessoa estiver falando com outra, não adianta falar que não vai assimilar. Nem que você entre na sala dele e jogue alguma coisa no chão, aí ele olha e te dá atenção: “Ai, precisava falar.” Depois o I é você criar, depois que ele te der atenção, o interesse dele de possuir aquilo. Ele tem que ter o interesse e começa a falar que serve para isso, isso, isso. Ele passa a se interessar no negócio, isso em qualquer produto que você for vender. Aí depois tem o D, o desejo, o desejo de ter. Teve interesse e aí ele está querendo ter aquilo, pode ser um trator, qualquer coisa. Aí vem o A, ação, a ação é tirar o pedido. Então é o princípio do vendedor, AIDA, se ele fugir disso… Ele pode dar trote ___________ quanto é? Quando o contador fala: “Vou cobrar duzentos mil, eu quero vinte na mão.” Tinha isso na época, não é? A gente vendia para governo e os compradores do governo ainda levavam uma vantagenzinha para escolher a marca das máquinas. Fazia parte. Se não der, não vende! Aí não entra mais a pessoa, a aptidão de vendedor, mas é saber quanto é o preço e tirar. Mas certas outras coisas tem que saber vender. Eu gostei muito. Depois que eu me formei e que entrei em venda, achei venda... Era o meu íntimo. Gosto de falar, ir lá e bater papo. Dizem, modéstia à parte, que eu sou simpático quando eu chego, conto história, anedota, coisa assim. É importante. Tanto que eu vendi máquina, que é um produto positivo, material, depois eu passei, se você quer saber, a vender espaço, sempre espaço, ideias. Você, hoje, num veículo de televisão, você vende o quê? Vende ideias em secundagem. Mas tem que fazer ideia, tem que mostrar alguma coisa que possa criar um produto bom. Hoje tem agências de publicidade que são craques nisso, sabem tudo. Mas é isso!
P1 - Essa época é década de 1960?
R - A Olivetti foi nessa época, 1960, 1965.
P1 - Niterói tinha mudado muito, como era Niterói naquela época ?
R - Em qual sentido?
P1 - Em rua, em calçada, transporte.
R - Niterói, como é hoje a quarta maior cidade do Brasil em per capita, todo mundo sabe, todo mundo fala que Niterói sempre foi uma cidade muito tranquila, muito bonita. Quem nasceu em Niterói é difícil sair de Niterói porque lá, mesmo com essa violência do mundo que se apresenta, em Niterói ainda está mais devagar. É difícil você ter um problema em Icaraí, por exemplo, que é uma praia, mas está cheio de problemas em Copacabana, Leblon, Ipanema. Tem sempre problemas. Niterói, estou lá, nasci lá, não tem nada na praia, é o nosso edifício e a praia. Agora, lá atrás, nem é Niterói mais. Por exemplo, São Gonçalo é outro município. Alcântara, aquela coisa ali, é como se fosse o subúrbio do Rio. Então Niterói sempre foi assim, pacata, muito boa de se viver. Não é porque eu sou de lá, mas quem vai para lá sabe disso e quem veio daqui do Rio fala isso também. Até chamam: “Vem cá, vem conhecer Niterói.” É uma cidade mesma tranquila. Eu, por exemplo, da Praia de Icaraí, eu vinha da Praia das Flechas até Icaraí e conhecia, recebia sessenta, setenta “boas tardes” e “oi, Memeco”. Hoje, eu ando um quilômetro toda a praia e não conheço ninguém. Acabou! Eu também sou diferente porque estou com a idade mais avançada, meus amigos estão todos de pijamas, estão todos aposentados, nem vão mais à praia. Antigamente era assim, hoje não, principalmente depois da ponte. Inclusive, muita gente foi para lá. Fora as outras praias que são lindas, Piratininga, Itacoatiara, Itaipu.
P2 - O Senhor trabalhava no Rio?
R - Sempre trabalhei no Rio e morava em Niterói. É como se fosse a cidade dormitório. Sábado e domingo tinha minha vida em Niterói, mas sempre trabalhei e sempre atravessei na lancha. Quer dizer, na barca, depois passou para a lancha. Frota Carioca, que até teve três acidentes graves, porque a Frota Carioca era à gasolina, então tinha problemas, não é? Houve umas três explosões de gás.
P2 - Em 1960 e quando teve a mudança da capital do Rio para Brasília? O Senhor sentiu diferença, o Rio mudou com isso ?
R - Não, eu não sinto, não. O Rio ainda continua sendo o centro nervoso, o centro das pessoas, dos políticos, o Rio ainda comanda a parte intelectual. Acho que Brasília, eles vão lá ficam pouco tempo, mas o Rio continua a mesma coisa.
P2 - E se o Senhor pudesse descrever, por exemplo, quando havia algum clássico que o Flamengo participava... Como era a chegada da barca na Praça XV, as pessoas iam vestidas, o Senhor poderia descrever um pouco?
R - O pessoal ia com a camisa do Flamengo à barca, fazendo, dependendo da época... Quanto mais a juventude foi crescendo, fazendo aquela barulheira de sempre, cantando o hino do Flamengo. Aí chegava à Praça XV e não tinha outra solução. Naquela época já tinha ônibus, mas tinha o bonde Maracanã, e o pessoal pegava bonde mesmo, e ia para o Maracanã. Um pouquinho antes de 1960 já tinha o ônibus e era aquela loucura toda que existe, mas em menor escala. Hoje, se você entrar num ônibus, tem que ser com uma metralhadora, ou então é melhor não entrar, é muita gente diferente. Naquela época as pessoas eram mais tranquilas, estudantes, hoje é difícil.
P2 - O Senhor permanecia sócio do clube do Flamengo ?
R - Não, eu sempre fui Flamengo, porque a gente que mora em Niterói e desfruta de clube, da praia, como eu tenho em Niterói. Então, para você vir para a Gávea, que é lindo o parque aquático, fica um pouco longe. Aqui, no Rio, tem que ser Ipanema, Leblon, Jardim Botânico, Copacabana. As pessoas que vem ali, pegam uma condução e vêm para o Flamengo. Eu até que gostaria, sempre fui Flamengo, mas não convém sair de lá para vir aqui em uma piscina quando eu tenho uma piscina pertinho, ao lado de minha casa. Sabia tudo de Flamengo, mas realmente… Eu cheguei a ser sócio-patrimonial, mas não durou nem um ano, depois eu abandonei, infelizmente.
P2 - E as atividades sociais dessa época, o Senhor participava?
R - Eu ia muito a bailes, sempre fui, em Niterói frequentava bons bailes e, também, a Praia do Flamengo, onde era a sede do Flamengo mesmo. Lá tinha um baile na época, que era uma coisa sensacional, você era muito bem escolhido. Então a gente ia lá, era bom.
P2 - E como era? O Senhor pode descrever como ele era?
R - O baile era com orquestra e não tinha esse negócio de ficar longe, você chega junto, encosta a cabecinha… Um negócio sensacional. Até, não sei se é permitido, mas até tem uma definição de dança que eu acho muito importante. Essas danças em que você vai, pega a mocinha, dá uma olhada... Isso quando eu tinha aquela idade, hoje eu estou meio prejudicado. (risos) Mas o baile no Flamengo era uma vez por semana e eu não perdia nunca. Você fala, assim, nesse negócio de dança... Aí, pronto, o negócio vai em frente.
P2 - Em quais dias eram os bailes?
R - Sexta, era o dia normal.
P1 - Então o Senhor terminava de trabalhar e já ficava por aqui?
R - É. Na época que eu estava só estudando, mas quando eu trabalhava mesmo eu ficava por aqui, já vinha direto. Até sábado também, às vezes podia ser sábado e eu me preparava todo, colocava um perfume... Posso falar a definição de dança?
P1 - Claro!
R - Então, uma coisa das mais interessantes quando você está dançando bem é que está havendo uma reciprocidade entre você e a moça, ela está mesmo aceitando e você está sentindo, aí você fala assim: “Você sabe qual é a definição de dança?” No ouvidinho dela, aqui já colado. “Dança é satisfação na vertical de um desejo na horizontal.” Aí não tinha mais jeito! (riso). Aí ela entrava mais e acabou. É delicada a coisa, mas é interessante. Muita gente não fala, não sabe nem o que é isso.
P2 - Funcionava?
R - Funcionava muito bem, na época que era aquele baile gostoso. Hoje em dia essa juventude, eu não sei o porquê… É outra época para mim, completamente diferente. Eu, por exemplo, nunca vi um cigarro de maconha, nem nunca vi a tal de cocaína. Na minha época de garoto que podia, como eles fazem hoje, não existia, ninguém falava nisso. Hoje a juventude está mais cheia... Uma loucura total. É outro mundo!
P2 - Quais eram as grande orquestras que tocavam ?
R - Era a Orquestra Tupi, a Orquestra Tabajara, a famosa Tabajara. Quando ela chegava todo mundo queria, eram músicas lindas, boleros, músicas para dançar. Tinha conjuntos, por exemplo… Até a Elizeth Cardoso às vezes cantava com esse conjunto, mas era orquestra. Orquestras maravilhosas que você ficava ouvindo. Hoje em dia, uma orquestra dessa, essa juventude não quer nem saber disso, quer saber dessas loucuras que estão aí, nêgo doido, tatuado... O que é isso? Eu não sei. Pode ser que eles estejam com razão, mas é outra fase. Meu avô achava que eu era muito safadinho, agora eu sou avô também. (riso)
P2. -O Senhor pegou as festas no Morro da Viúva também?
R - Eu fui a alguns bailes lá também. A gente gostava de dançar e vinha para o Rio e no Rio é diferente, é outra gente até mais evoluída, porque aqui em Niterói a gente conhecia todo mundo, era mais difícil. Aqui tinha gente de todo lado, era uma beleza, aqui para dançar não tinha igual.
P1 - Senhor Memeco, o Senhor conheceu sua primeira esposa onde, nesses bailes em Niterói?
R - Num baile na Faculdade de Direito. Eu já tinha saído da Faculdade de Direito, mas freqüentava; lá tinha uns bailes à noite, era até no ginásio de basquete. E um dia eu convidei essa mocinha para ir para um baile, que era filha do maior amigo meu, que chamava-se Rui. Eu era amigo do Rui fora de tudo isso e em outros lugares que ele ia eu ia também com ele. Eu era garoto cheio de história. Aí, um dia, eu estava meio cansado das coisas que aconteciam e ele falou: “Vai jantar lá em casa.” Aí eu fui jantar na casa dele e ele me apresentou a filha dele, era filha única. Uma moça muito prendada, muito bonitinha, com todos os predicados. Eu não estava namorando, então eu convidei ela para ir ao baile. Nesse baile foi que já houve esse...
P1 - Essa definição de dança… (riso)
R - Essa definição de dança. (riso) Mas não foi com ela não, porque não existia essa possibilidade, a moça era de família, não tinha jeito. Mas dali eu comecei a namorar ela. Eu ia à casa dela, era bem tratado, ela era filha única e ele era meu amigo pra burro! Ele ficou satisfeito de me receber. Mas eu conhecia ele de outras paradas. Um dia eu fui ficar noivo dela, eu disse: “Rui eu vim aqui, eu acho que não tem jeito não, eu vou ficar noivo.” Ele falou: “Você sabe que a coisa que eu tenho mais na minha vida… Adoro a minha filha, ela estudou, dei tudo para ela…” Ela fazia canto! “Não vá fazer nada com ela.” Eu falei: “Pode deixar, eu vou tomar conta dela.” E, realmente, eu disse para ele que podia confiar em mim. Ele já falecido, eu até vesti ele e, brincando com ele morto, eu disse: “Está vendo, rapaz, a garotinha ainda está comigo.” (riso) Brincando, porque tinha que ser. Aí ele falou aquilo para mim e eu fiquei noivo. Eu tive um belo noivado, a mocinha depois me convidou para ir a um recital no Teatro Municipal que ela ia cantar. E eu não sabia: “Poxa, você não sabe.” Então eu fui lá, a menina desse tamanho, mignonzinha. Ópera... Ela conhecia tudo, mas cantou uma música, “Sansão e Dalila”, larararara, ela cantando. Aí eu: “Que garotinha maravilhosa.” E todo o lugar que ia pediam para ela cantar, ela mandava bala e cantava muito bem, uma moça que tinha seus predicados. E a mãe também cantava. Quer dizer, a mãe não... Perdão, ela é que depois… Canta até hoje, de cadeirinha de roda e tudo.
P1 - E tiveram filhos?
R - Tivemos um casal.
P1 - E qual o nome deles ?
R - A menina chama-se Valéria, é formada em Direito, e o garoto chama-se Artur André, que é também formado nessa área de informática, em computador, saiu muito inteligente. Eu até falo para ele: “Você saiu a quem? Porque a mim não foi, não, eu não sei nada disso, sou um completo analfabeto.”
P2 - E quando foi o casamento?
R - Foi em 1959. Eu tive gêmeos prematuros de seis meses. Infelizmente, nasceram, viveram 24 horas e não conseguiram sobreviver. Depois eu tive a Valéria, em 1961, e depois eu tive o Artur. Ela é muito com a mãe, fica muito com a mãe, ela precisa muito de alguém, apesar de duas empregadas que botam ela na cama. Eu botei muito tempo ela na cama, virava e botava ela na cama, é a vida!
P1 - O Senhor tem uma passagem longa por algumas rádios do Rio de Janeiro?
R - Depois disso, da Olivetti, me encontrei como um vendedor de espaço de jornal, de rádio. Aí fui para o jornal O Globo, que tinha muito prestígio. Nós fomos os primeiros contatos comerciais na época do jornal O Globo, na época não tinha isso, então todo mundo sabia que o Jornal O Globo era O Globo, mas faturava um terço do que poderia faturar, porque ele recebia a publicidade no balcão. Nós fizemos uma equipe de choque e saímos nas agências de publicidade, nos clientes diretos, tipo Coca-cola, Brahma, Antártica e chegava lá: “Quem está aí? É o Américo do Globo.” Parava reunião, parava tudo, estava representando o Roberto Marinho, estava representando o Ibrahim Sued: “Meu nome pode sair aí.” Nêgo pensava logo isso, então você era logo atendido, você era o máximo na época. Porque realmente qualquer notícia você colocava do lado do Ibraim. Depois quando eu fui para o Última Hora: “Memeco da Última Hora está aí ! Diz para ele esperar um pouco.” (riso)
P2. Em que período ?
R - Após o Globo. Eu fui ser gerente do Última Hora que foram as primeiras máquinas Offset aqui no Rio, jornalzinho bom, bonito, colorido. O Globo nem tinha isso ainda, nem O Globo, nem o Jornal do Brasil, que é até hoje preto e branco, O Globo já tem. Então eu fui para o Última Hora, foi bom, mas o Última hora fracassou… O Última Hora acabou há pouco tempo. Samuel Weiner, Doutor Ari de Carvalho, dono do O Dia, jornal e rádio, então eu fui para o Última Hora sempre no espaço de jornal. Depois eu dei uma passada pela Radiobrás, gostei mais. Então eu fui para a rádio, que era um negócio sensacional, você faz tudo que você possa imaginar. Eu sempre fui meio entrão em grandes eventos, em grandes coisas. César de Alencar, por exemplo, foi famoso na rádio, ele já é falecido. A gente fazia programas com cantoras novas, e eu estava lá; a Daisy Lucidi, eu fazia o programa, fui vereadora, até parou um pouco. Rádio é um negócio dinâmico.
P2 - E que cargo você ocupava nas rádios?
R - Nesse cargo foi de supervisor, entrei com menos, depois passei para supervisor. Entrei como representante comercial da Radiobrás, que é uma rádio federal, sede em Brasília. Daí, da Radiobrás eu fui para a Rádio Globo. Aí a Rádio Globo, para mim, foi o top, porque fiz muita coisa na Rádio Globo. É outra... Tipo, o jornal O Globo: “Ah! é da Rádio Globo, pode entrar!” Foi sensacional trabalhar em rádio. Inclusive, porque trata com vocês, agências de publicidade, com as agências de produção, é outro mundo sadio. E a rádio é um negócio sensacional, você tem que criar programas para determinado cliente, eu botei coisas absurdas. Eu botei a Casa Líder, que só tinha duas lojas em Niterói e duas em São Gonçalo, eu botei para patrocinar O Globo no Ar, que era um negócio que era de banco, importante. Então eu botei Casa Líder, o Waldir Amaral que era o meu diretor na época, radialista ficava doido!
P2 - E qual o percentual que os programas esportivos tinham nas rádios?
R - O programa esportivo tem que fazer porque o povo quer saber de esporte. Na Radiobrás era assim como na Rádio Globo, tem programa de manhã, no início da tarde, de seis às sete, e tem à noite, Panorama Esportivo, de dez à meia-noite, quer dizer, tudo isso é patrocinado, onde existia uma entradinha de dinheiro.
P2 - Tem algum programa que te tocava particularmente, em função do Flamengo, alguma transmissão de jogo?
R - O Flamengo? Sempre se acompanhava o Flamengo, aonde o Flamengo ia, a Rádio Globo, com seus maiores locutores esportivos, acompanhavam o Flamengo e todo o esporte. Hoje já se está fazendo mais basquete, mas antigamente era só futebol. Acompanhava sempre o Flamengo, o Flamengo era o carro-chefe, sempre foi assim em todo o lugar que o Flamengo ia. Hoje conseguiram colocar os repórteres, cada um cobrindo um clube. Tem noticiário do Vasco, do Fluminense, em épocas atrás, era Flamengo mesmo. Vendia, o Flamengo vende mesmo. Tem que aproveitar o que o ouvinte gosta, tinha que fazer o jogo do Flamengo.
P2 - E quem eram o grandes patrocinadores naquela época?
R - A Brahma sempre foi. Na época a Antártica tinha um programa fora para não haver choque na parte de bebidas. A Coca-cola entrou muito também e todas essas grandes empresas patrocinam diversos programas esportivos. Hoje, por exemplo, esses planos de saúde fazem programas de manhã na Rádio Globo. O patrocínio é tudo, sem patrocínio não se pode ter bons funcionário nem pagar bem. Apesar de que a Rádio Globo nunca botou muito na frente, não, é a TV Globo e o Jornal O Globo que seguram mais a Rádio Globo. A gente fazia muito a parte de Fórmula 1, então a Rádio Globo fazia as reportagens e eles faziam Televisão ao vivo. Então eles tinham 80% dos patrocinadores e davam 20% para a gente. E a gente vai vivendo, mas sempre foi assim, a rádio nunca faturou demais, a rádio é um negócio que tem que saber lidar.
P1 - Depois da Rádio Globo o Senhor vai para o Flamengo?
R - É.
P1 - Como aconteceu isso?
R - Durante a Rádio Globo eu fiz muitas amizades, inclusive uma com Kleber Leite. O Kléber era repórter de campo lá e eu na parte comercial. Inclusive, até eu tive a honra de trabalhar com ele, mas eu não podia ficar, tinha que estar na Rádio Globo. Quando ele foi ser Presidente do Flamengo, eu estava há um ano parado, recebi uma indenização e ele me convidou para fazer a parte social do Flamengo, porque o Vice-presidente Social, que era também da Rádio Globo, o Luiz Campos, gostava muito de mim, me chamou e eu vim. E foi muito gostoso trabalhar no Flamengo, no Clube do Flamengo. Você sabe que abre portas? Impressionante! Eu falo em Flamengo, é um simpatia geral, todo mundo quer saber de tudo. Aí você é obrigado a contar todas as histórias do futebol, de quem é, de quem não é, quem tem que sair, quem não tem quer sair. É um papo gostoso.
P2 - O Senhor foi chamado para que função lá?
R - Eu sou assessor do Departamento Social.
P2 - E quais são as suas atribuições?
R - Eles acham que eu sou legal para ter contato com os sócios. Que eu sou maneiroso, que eu sou isso, sou aquilo, e Flamengo é um vulcão, são cinquenta reclamações por dia e vai tudo bater no social. O sujeito acha que o Gamarra devia estar bom, ele vai para o social, por que o Gamarra está doente... A gente tem que ter jeitinho para não só dizer que não é lá que ele tem que falar, que ele tem que ter paciência porque essa área de futebol, ele mexe com futebol, não pode se meter nisso. Piscina tem dez problemas por dia, toda hora. E nós temos que administrar a piscina, é o fim do mundo, você não pode imaginar. Nós temos convênio com a Estácio de Sá, com o Colégio Céu, e com a PUC, então existe lá, feito pela presidência, são parceiros nossos, eles podem usar a piscina e nós temos o direitos de levar algum atleta para fazer curso lá. Então, imagine, o pessoal da Estácio de Sá, os sócios do Flamengo, tem os treinos dos atletas de natação, tem o waterpolo, tem as raias para os sócios nadarem, aí vem o pessoal da Estácio de Sá quer também nadar e não tem vaga. E aí vem: “Porque nós temos contrato.” Você tem que burilar, porque a parte social também estava toda invadida por hidromassagem daquelas senhoras, então você tem que regulamentar tudo. E entra gente lá sem atestado médico… Não existe isso, tem que ter atestado médico em benefício de outras pessoas. Se você tem problemas de pele, não pode entrar. E não existia isso, entrava todo mundo. Agora que estão barrando, é uma loucura. Então isso é o Flamengo, cheio de problemas para serem resolvidos diariamente pelo social.
P2 - E, além dessas atribuições, quais são as outras?
R - Eu tenho uma atribuição que é engraçada, mas meio fúnebre. Quando morre algum associado importante do Flamengo, ou até uma figura que não seja sócio do Flamengo mas que seja um conhecido rubro-negro, eu represento a diretoria levando a bandeira para botar no caixão. Os grandes beneméritos, quando morrem, numa média de um por mês, eu sou a pessoa indicada a ir lá e falar com a família e fazer as condolências, no caso. É uma das funções minhas. As outras são atendimento. Cada um tem gente fazendo piscina, fazendo campo dois, de grama sintética. Todo mundo quer jogar, mas não tem vaga. Então a (M______?), que é para as crianças brincarem no parque infantil, tem uma churrasqueira, o espaço Farah, que é para os sócios, a piscina... Então, para tudo isso, tem uma pessoa para cada área dessa, para todo mundo não ficar tonto. E eu fico também nessa pela minha experiência ajudando, de faz isso, faz aquilo. Então eles vêm no social, nós temos um balcão e todo dia tem problema. E aí entra o meu jeitinho. Tem gente que entra dizendo que quer fazer isso, fazer aquilo, quer prender o presidente, eu digo que não é assim, que nós estamos fazendo para seu próprio benefício. Chega lá um oficial do Exército querendo isso… Então, essa minha maneira de ser, dizem que é razoável. Então estou lá ainda, houve essa mudança de presidência, mas eu estou lá ainda. Deve ser meu último emprego porque sete ponto um, agora em março, eu acho que mesmo que eu tenha a cabeça de quarenta não é a mesma coisa. (riso)
P1 - Como é o seu dia normal?
R - Eu moro em Icaraí, eu venho de carro no horário de nove, dez horas, que eu chego lá. Mas para sair de Niterói com esse engarrafamento, ponte, você não sabe a hora que você pode chegar. Você pode pegar um engarrafamento monstro e ficar. Eu sempre tive paciência, mas agora eu aprendi que… Passa um ônibus em frente à minha casa, aí eu salto aqui na Leopoldina, eu pego um táxi, às vezes eu pego outro ônibus e salto na frente do Flamengo, fico mais tranquilo porque eu não estou ali. Nêgo “uauauauauau”, eu não estou nem ali. Eu acho interessante, por exemplo, na sexta-feira, é impossível vir de Niterói porque o pessoal do Rio, à tarde, vai para Cabo Frio, Região dos Lagos, Búzios, aquilo entope, então só depois das nove horas, dez horas da noite é que muda. Então, Sexta-feira é de ônibus, tranquilo.
P2 - A construção da ponte muda bastante. Em que época foi a construção dela, início dos anos 1970?
R - A construção dela foi uma coisa maravilhosa. Para a gente que só tinha a barca... Quando vinha de carro, pela barca de carga, você tinha que ficar na fila para pegar essa barca e poder vir para o Rio. Depois que fazia uma viagem, você seguia pelo Rio. Tinha que pegar essa barca e às vezes era até difícil quando o tempo estava ruim, a maré estava batendo, o carro batia, era um negócio sério. Meu avô já falava nessa ponte e ninguém acreditava que teria uma ponte Rio-Niterói da maneira que saiu, de treze quilômetros, quase catorze quilômetros. E a ponte, depois que foi inaugurada, foi sensacional, mas se engarrafar você tem que escutar o rádio: “A ponte está engarrafada, bateram cinco carros.” Então você não vai naquela hora, espera um pouco e vai depois. Mas foi sensacional, inclusive, o pessoal do Rio vir para as praias de Niterói. A ponte foi, talvez,a obra do século aqui no Rio e no Brasil, não tem outra, não.
P1 - Memeco, nós estamos chegando ao final da entrevista. Se se pudesse mudar alguma coisa, você mudaria?
R - Eu não mudava nada, não. Eu considero que tive uma boa infância, uma boa juventude e tudo o que eu fiz, gostei, eu não me arrependo de nada. Hoje eu estou sendo coroado, sendo funcionário do Flamengo. Posso morrer tranquilo. (riso) Foi o máximo que eu podia ter, eu nunca pensei nisso, trabalhar num clube, eu sou aposentado, mas que fosse no Flamengo, aí não tem preço, a gente trabalha até de graça.
P1 - Agora, dia oito, o Senhor vai formalizar uma relação com a Nara, eu gostaria que o Senhor falasse um pouco dela, onde conheceu, como foi...
R - Uma coisa maravilhosa, eu sou muito feliz e todo mundo diz que eu sou um privilegiado porque quem conhece a minha primeira mulher… Eu fui casado com ela por 36 anos. Eu tinha a Nara fora, quando eu fui para a Manchete, porque a Nara era executiva da Rádio Manchete. Então eu acho que sempre eu soube escolher. A Cizinha, foi uma moça maravilhosa, até hoje eu adoro ela, eu não sei dizer que não fui casado com ela… Eu tenho um compromisso com o Rui lá em cima… O Rui há de entender! Eu sempre cacifei tudo direitinho e ela ganhou uma pensão, que eu nem acreditei na minha vida, do pai e da mãe, que eram funcionários da Imprensa Nacional. Ela, como incapacitada, tinha um negocinho na lei que diz que ela poderia ganhar, minha filha entrou como advogada e ela ganhou uma notinha. Ela, que nunca trabalhou! Maravilhoso, que dá para ela se sustentar até ela morrer, coitada, que é o final de todos, então ela não precisou mais de mim. Meus filhos adoram a Nara, já viajamos juntos e meus filhos chegaram para a mãe e falaram: “Mamãe, papai tem isso assim, assim.” Ela disse: “Não, vamos liberá-lo, ele tem habeas-corpus.” Aí chegou no meu aniversário, ela falou: “Você fica à vontade, vive a sua vida.” Chora daqui, chora dali, e fui viver com a Nara. Interessante que depois de um ano a Cizinha ainda ficou assim. Mas todo mundo falou assim: “Cizinha, conhece a Nara, vê como ela é.” E demos um jantar de confraternização, Nara com ela e com a família dela, minhas cunhadas, e fizemos uma festa maravilhosa, até hoje elas se adoram. Quando ela vai lá, quem corta a comidinha da Cizinha, porque a mãozinha dela… Corta e dá na boquinha dela, bota as coisas dela do lado dela. Então vivemos assim, uma vez por semana a gente janta com ela, eu, a filha, ela tem um filho que mora em Jacarepaguá, então eu vivo muito feliz porque as duas se dão maravilhosamente bem, não tem preço. As pessoas brigam tanto quando se separam e eu consegui que elas se harmonizassem por causa da cabeça de cada uma. Eu sempre escolhi bem, a Cizinha, que tem esclerose na medula, ela é muito espiritualista, ela é rosa-cruz, ela lê muito, tem a cabeça perfeita, sabe tudo, organiza tudo, ela que fala tudo. E a Narinha, que eu conheci na Manchete, achava ela a maior funcionária do mundo, que eu até hoje estou aqui e ela já sabe o que eu quero, impressionante a nossa afinidade. Então eu me considero feliz porque eu consegui isso e não vou mudar mais, até porque chegou ao fim. E nós vamos casar no dia oito, agora, de fevereiro, no registro civil, formalizar tudo direitinho, para que quando eu não estiver mais aqui ela possa ter direito a minha pensão, ao meu seguro, porque ela merece, até está parada, está fazendo vários cursos para voltar a trabalhar, mas no momento ela está parada.
P1 - Memeco, a minha última pergunta é: por que é torcer pelo Flamengo?
R - É um negócio maravilhoso, o coração bate mais forte, eu estive várias vezes no vestiário com os campeões daqui, dali. É uma realização de sua mente, de seu coração. O Flamengo é uma nação de 35 milhões de brasileiros, muitos países não chegam nem à metade, e o Flamengo são 35 milhões de adeptos rubro-negros, e eu tenho um carinho… É uma explicação até um pouco difícil, mas é a coisa mais maravilhosa que você vai ter numa situação que você vai ver parecida comigo, não tem preço ser rubro-negro. Aonde eu vou, eu sou Flamengo, eu represento o Flamengo em Niterói e adjacências, eu explico tudo, falo sobre o Flamengo, dou todas as explicações possíveis em todas as áreas de esportes que eu conheço. Mas ser Flamengo é tudo o que você pode querer na vida, esse amor, o Clube de Regatas do Flamengo.
P1 - O que o Senhor achou de deixar seu depoimento para o Museu Histórico do Flamengo?
R - Isso é uma glória, um orgulho maravilhoso de eu... Um dia pode ser que, em alguns anos, alguém ligue lá e ouça que eu existi e que fui Flamengo. O que vocês estão me proporcionando, agradeço muito por tudo, é uma coisa que eu jamais vou esquecer, é um orgulho que eu vou ter. Só faltava praticamente isso, depois de ser Flamengo, poder dizer alguma coisa do Flamengo para os amigos e mais tarde vão me ouvir depois dessa entrevista maravilhosa. Eu sou um livro aberto, eu falei o que eu penso, tem muita coisa, mas tem esse amor pelo Flamengo.
P1 - Muito obrigado.
P2. Muito obrigado.
R - Eu é que agradeço.
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