P/1 – Seu Benedito, pra começar fala o seu nome completo.
R – Eu me chamo Benedito Ribeiro Pedra, fui pescador por 42 anos, hoje eu sou da marinha mercante, sou comandante de navegação e convés.
P/1 – Seu Benedito, qual é o local e a data do seu nascimento?
R – Olha, eu nasci na Ilha da Convivência em 22 de maio de 1943.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – O nome do meu pai, os meus pais chamavam-se Manuel Salvador e Ana Ribeiro Pedra.
P/1 – O que eles faziam?
R – O meu pai era marítimo, era, trabalhava em navios, sabe, e a minha mãe era filha de pescador, vivia também com o trabalho ajudando a pesca, era ajudante pela pesca também junto com os pais, sabe. Então eu não fui criado diretamente por meus pais porque a minha mãe logo, logo faleceu e eu não conheci ela, eu ouvi o pessoal comentar o que foi a minha mãe, como que ela faleceu, então a minha mãe faleceu de resguarda, a criança recém-nascida foi junto, até no caixão junto com ela pro cemitério, né, e o meu pai ficou embarcado. Depois ele arrumou uma segunda mãe pra gente, só que não conseguimos viver junto com essa madrasta porque foi muito diferente do que a gente esperava, aí nós ficamos morando sozinhos, eu e meus dois irmãos, sabe, esses dois irmãos já faleceram e só ficou eu dessa família.
P/1 – Quantos anos o senhor tinha nessa época?
R – Na época que eu saí da casa dos meus pais eu tinha em torno de oito anos pra nove anos, aí eu comecei a trabalhar, eu com o meu irmão, pra dar assistência à minha irmã e também à gente.
P/1 – Que tipos de trabalho vocês faziam?
R – Era pesca, naquele tempo a gente pescava, não existia gelo, era remo, a gente pescava pra, pegava o peixe e salgava, pra vender pra pagar no armazém, a gente trabalhava um mês, 15 dias, de acordo com a pesca, pra que vendesse pra gente pagar no armazém, a gente vivia só.
P/1 – Como era...
Continuar leituraP/1 – Seu Benedito, pra começar fala o seu nome completo.
R – Eu me chamo Benedito Ribeiro Pedra, fui pescador por 42 anos, hoje eu sou da marinha mercante, sou comandante de navegação e convés.
P/1 – Seu Benedito, qual é o local e a data do seu nascimento?
R – Olha, eu nasci na Ilha da Convivência em 22 de maio de 1943.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – O nome do meu pai, os meus pais chamavam-se Manuel Salvador e Ana Ribeiro Pedra.
P/1 – O que eles faziam?
R – O meu pai era marítimo, era, trabalhava em navios, sabe, e a minha mãe era filha de pescador, vivia também com o trabalho ajudando a pesca, era ajudante pela pesca também junto com os pais, sabe. Então eu não fui criado diretamente por meus pais porque a minha mãe logo, logo faleceu e eu não conheci ela, eu ouvi o pessoal comentar o que foi a minha mãe, como que ela faleceu, então a minha mãe faleceu de resguarda, a criança recém-nascida foi junto, até no caixão junto com ela pro cemitério, né, e o meu pai ficou embarcado. Depois ele arrumou uma segunda mãe pra gente, só que não conseguimos viver junto com essa madrasta porque foi muito diferente do que a gente esperava, aí nós ficamos morando sozinhos, eu e meus dois irmãos, sabe, esses dois irmãos já faleceram e só ficou eu dessa família.
P/1 – Quantos anos o senhor tinha nessa época?
R – Na época que eu saí da casa dos meus pais eu tinha em torno de oito anos pra nove anos, aí eu comecei a trabalhar, eu com o meu irmão, pra dar assistência à minha irmã e também à gente.
P/1 – Que tipos de trabalho vocês faziam?
R – Era pesca, naquele tempo a gente pescava, não existia gelo, era remo, a gente pescava pra, pegava o peixe e salgava, pra vender pra pagar no armazém, a gente trabalhava um mês, 15 dias, de acordo com a pesca, pra que vendesse pra gente pagar no armazém, a gente vivia só.
P/1 – Como era esse processo de venda, como que vocês se organizavam?
R – A gente pegava o peixe e salgava, botava no sal, levava dois dias na salmoura, no próximo dia, se tivesse um sol bem aberto a gente botava o peixe, o peixe ficava sequinho, só num dia ficava seco, porque o peixe era peixe pequeno, de cinco quilos pra baixo, então a carne não era tão grossa, então dava pra secar bastante, ele já tava curtido de sal durante dois dias, aí secava rápido, e a gente já tinha pessoas de fora que vinha comprar esse peixe salgado pra revender em outros lugares.
P/1 – E como era a rotina de pesca?
R – A rotina de pesca era mais no mar, né, sabe, a gente fazia trabalho, saía daqui pra ir pro mar pescar no remo, depois apareceu um barco que o meu tio comprou, aí começamos a trabalhar no barco, aí já facilitou mais um pouco a vida da gente, que a gente ia já com motor, mas um motor muito ruim, dava problema todo dia, então de tanto dar problema eu aprendi a mecânica, hoje eu sou um mecânico também profissional, sabe, então eu aprendi a mecânica através dessa dificuldade que a gente tinha na vida, sabe, de tanto esquentar a cabeça, inflamador de motor, maçarico, os braços vivia todo queimado do fogo, né. E eu sei dizer que a vida nossa até o tempo que eu me casei foi assim, depois que eu me casei as coisas mudaram, aí eu já passei a comprar barco através de financiamento do Banco do Brasil, aí a pesca já foi diferente, já foi, a gente já mandando o nosso pescado para o Rio, já tudo gelado, já tudo bonitinho, sabe, mas trabalhando sempre pra intermediário.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho pra esse barco a remo, como que era, como vocês conseguiam, como vocês faziam esses barcos?
R – Esse barco a remo não era desse tipo de batera que existe hoje, era canoas feitas de um pau só, sabe, eles faziam aquele batelão, dava o nome de batelão, né, e ali a gente colocava, fazia duas velas, sabe, dois bancos, fazia um leme na polpa, se não a gente governava mesmo no remo, o certo mesmo era governar no remo porque nessa época nós não tínhamos nem noção de como fazer um leme, não tinha um carpinteiro, não tinha nada, era tudo difícil, sabe. Aí a gente saía para o mar no remo, fazia duas chumaceiras, que dá-se o nome de voga, hoje é voga, né, antigamente era chumaceira, a chumaceira é um pau com uma corda amarrada no meio, tipo uma argola, enfiava o remo ali e dali a gente fazia a voga, sabe, remava em parceria, dois de um lado e dois de outro, quando não era dois eram três, um ficava no leme, no remo governando e dois ficava na voga, um de um lado, outro de outro. Então isso é quando a canoa era menor, quando era um batelão com mais tamanho já era cinco pessoas, trabalhava quatro na voga e dois no remo, aí quando o vento tava favorável pra pessoa navegar a gente soltava o pano, soltava o pano, deixava correr, aí ajudava. Mas me parece, a gente fala as coisas até, pensa até coisas diferentes, a gente tinha um trabalho tão difícil que era difícil ter um vento favorável, era só vento de proa, aquele vento calmo, muita corrente, porque aqui o rio hoje em dia, o nosso rio hoje em dia está mais lento, a velocidade da água quebrou bastante, mas antigamente era muito peso d’água, que com três, quatro milhas lá no meio do mar o barco já entrava naquela corrente forte da água do rio e não andava, muitos dias anoitecia pelo mar, sabe, perdia o peixe, acontecia muito isso, sabe. Outras vezes dava com o barco na praia lá pro lado de Gruçaí, pra areia, aqueles cantos, deixava a canoa lá e vinha pela praia com o peixe enfiado num pau, sabe, no remo, o peixe chegava aqui já não prestava mais, estava estragado, a gente sofreu muito, nós sofremos demais, não só eu como o pessoal daquela época que trabalhava, foi um trabalho muito sofrido.
P/1 – Fala um pouquinho como era a pesca nessa época.
R – A pesca, a gente colocava a rede de espera, enjoada, sabe, não era com âncora, hoje já tem a âncora, era com pedra, pedra de 60 quilos, jogar lá no fundo, e pra puxar aquilo, sabe, a corda não era nylon, era sisal, essa corda a gente dava o nome de embira, sabe, aí a gente fazia as corda dela, fazia as posições, as mãozinhas, a costura, sabe, tudo através da prática, trabalhado, bem artesanal mesmo.
P/1 – E alguém ensinou o senhor?
R – Não, eu aprendi com os meus pais, com meus avós porque os meus pais não, o meu pai não pescava, sabe, meus avós e meus tios, aí eu entrei no mar com oito anos de idade, sabe, eu vi o pessoal sair pra pescar, eu pequeno, já por nossa conta própria, era obrigado a gente se jogar no mar pra dar o sustento à minha irmã, porque trabalhavam dois irmãos pra dar o sustento pra irmã, né, também, então a gente não queria de ver ela sofrer tanto, então a gente sofria muito mais pra deixar ela ficar mais à vontade, era isso.
P/1 – E nessa época, o senhor falou do material que usava, como que era pra conseguir esse material?
R – Ah, esse material a gente comprava, esse material a gente comprava numa casa que tinha em Atafona, o nome do dono dessa loja chamava Chico Araújo, e a gente comprava esse material pra fazer a rede na mão, na tabuleta, com agulha e a tabuleta, esse fio era chicotinho de dois, fio de dois chicotinhos, e tinha o de quatro, tinha o de três, e tinha o número cinco, que era pra fazer a rede grossa pra matar robalo, sabe, esses robalos grandes a gente matava com essa rede grossa. Então a gente comprava desse moço esses materiais todos, aí a gente pagava pra fazer a rede, mas só que o pessoal da minha família era profissional nesse trabalho, eles fazia todos os trabalho de pesca, sabe, comprava o material e fazia. E cortiça a gente tirava, a gente tirava a boia de mololô, eu não sei se ela tem outro nome, é o mololô mesmo que a gente conhece, tirava e fazia as cortiças, que eram as boias, né, hoje já é de plástico, então comprava pra fazer, e a pedra a gente pegava no espigão, fazia as âncora, sabe, com essas pedras, é o chaço, né, que trata, e a boia pra fazer a, pra vigiar a rede a gente tirava de (aniga ?) no mangue, sabe, na beira das encostas aí tem muitos pés de (aniga ?), a gente tirava aquilo e cortava e marcava, a primeira que soltava a pedra não tinha marca, era só um corte pra segurar o nó, e a segunda boia que a gente pegava pra puxar a rede, essa era marcada, era toda tirada as casquinhas, sabe, aí ficava um lado verde e um lado branco, sabe, a gente já sabia, aquela lá é boia de giro, dá-se o nome de giro, sabe, ela girava, né, e aí também a gente pescava muito melhor do que hoje em dia.
P/1 – E alguém ensinou o senhor essa técnica pra fazer a rede, o tipo de madeira que tinha que pegar?
R – Nós aprendemos com a própria família mesmo.
P/1 – O seu avô o senhor disse que era pescador, ele levava o senhor pra ensinar?
R – Ele levava, na época que eu comecei a pescar eu pesquei no rio com ele, ele colocava espigão pra bagre, sabe, pegar bagre, cem anzol em cada espigão e botava no meio do rio ali com isca de mussum, perninha de siri, aí apanhava muito bagre, muita coisa mesmo, sabe, aí eu comecei assim.
P/1 – E quais eram os peixes que você pegava mais antigamente?
R – O que pegava mais mesmo era o bagre, sabe, quando a gente queria pescar pra outro peixe a gente já usava um anzol maior com uma piaba pra ponhar pra pegar um robalo, sabe, pra pegar outro peixe diferente, aí já usava um anzol maior com isca diferente, a isca é viva no caso, sabe, aí era bom pra caramba, a gente pegava muito peixe.
P/1 – Seu Benedito, o senhor falou que saía pra pescar com os irmãos, com o seu avô, como era a rotina da família, a rotina da casa?
R – A rotina da família é a vivência, a gente trabalhava e ficava em casa também, ia dar umas voltas na praia, tomar um banho, porque não tinha outro lugar pra ir, eu não passeava em lugar nenhum, era só morando na ilha mesmo, sabe, então a rotina era aquela, o trabalho, a casa, às vezes uma praia, um pé de ano pra remendar uma rede, sabe, costurar, a rotina era essa, não tinha outro tipo de lazer na vida nenhum, não tinha nada.
P/1 – E como era o convívio com os outros moradores da ilha?
R – O convívio era muito bom, sabe, apesar de que a gente vivia na ilha e o pessoal da cidade sempre falava que a gente era índio, né, sabe, mas na verdade a gente não era índio, era do município, só que morava separado, sabe, e por a gente morar separado eles falavam que a gente era índio, mas a gente estudava, lá tinha colégio, uma professora muito boa, a professora, ela tinha problema de audição, sabe, mas ela sabia de tudo que o pessoal falava, se a pessoa falasse mal dela, xingasse ela, ela tava sabendo, até parece que ela ouvia muito bem, sabe, então uma excelente professora. Quando essa professora terminou, que ela saiu, que ela veio pra cá e daqui a pouco adoeceu e faleceu, né, eu saí de lá na quarta série, sabe, estudando com ela, eu morei em Campos depois, morei em Macaé, morei em vários lugares, mas eu voltei pra minha terra de origem, onde eu nasci, sabe, e aqui mesmo me casei e por aí.
P/1 – O senhor casou na ilha também?
R – Eu casei na ilha, eu casei aqui na igreja, mas com menina da ilha também.
P/1 – Como era a ilha antigamente, descreve como ela era.
R – A ilha era uma ilha enorme, sabe, lá tinha quase cem famílias, tudo família bem organizada, com armazém, com tudo direitinho, lá era muito gostoso morar, só que não tinha carro, não tinha nada pra atropelar a gente, né, sabe, a gente vivia por ali muito bem, não tinha problema, não.
P/1 – E por que o senhor saiu da ilha?
R – Olha, eu saí da ilha não foi por invasão, por problema das águas destruir a ilha conforme destruiu, né, foi mais por questão de família, o meu cunhado casou com uma menina de lá e a menina começou a maltratar ele pra caramba, muito, muito, muito, maltratando muito, quando é um belo dia eu vim de fora, já trabalhava na lancha do meu tio e já era casado na época, que quando eu olhei assim, meu cunhado sentado em cima de um batelão desses que eu falei pra você, o meu cunhado sentado em cima de um batelão, mas ele tava magrinho, tava acabado, que ele era um cara forte, conforme é hoje, ele tava acabado de tanto que ela maltratava ele, aí o que aconteceu? Chegou o pai dessa menina, não conversou com ele, não, entrou de bordoada nele, bateu muito nele, a gente que tava do lado trabalhando, o negócio complicou, né, que a gente não ia deixá-lo apanhar tanto, ele sem dever culpa nenhuma, sabe, o cara fora de série, bom pra família pra caramba e a mulher só, sabe que tem pessoas diferentes, né, maltratando pra caramba, ele nunca fez nada de errado e por esse motivo nós saímos da ilha, sabe. Eu deixei uma casa que eu construí lá pra me casar, eu fiz uma casa, quem fez uma casa boa, de qualidade foi eu lá na ilha, mais ninguém, eu fiz uma casa linda, sabe, eu tinha prazer de viver lá, né, então por isso eu achei que eu ia viver pra sempre, mas não tive o prazer de ficar tanto tempo na minha casa, morei menos de um ano na minha casa, tivemos que sair, aí vim pra cá, alugamos uma casa aqui, ficamos, depois construí a minha casa aí, mas foi por questão de briga de família.
P/1 – E quando o senhor veio pra cá o senhor continuou pescando?
R – Continuei pescando, eu, quando eu vim pra cá eu, olha, eu pesquei até 94, sabe, eu passei de 42 anos da pesca, sabe, depois de 1994 eu comecei trabalhar em outros trabalhos, eu fui presidente da colônia também, de 1994 a 1999, depois daí houve um problema aí, eu me afastei da colônia, mas não foi por meu querer, foi por problema mesmo político, porque não sei o que aconteceu que a política entrou no meio de um lado federal, tá entendendo? Aí eu nem quero comentar mais porque deixa isso pra lá, porque foi passado, o presente agora tem que ser melhor do que foi, né, porque passado sempre é passado.
P/1 – Quando o senhor pescava, o senhor pescou durante muitos anos, como que era a rotina no período de pesca, como que era quando saía pro mar, quanto tempo ficava?
R – Olha, a gente, nós usamos muito tempo a pescaria de rede de espera, conforme essa que eu falei com você no começo, que era rede de espera através de pedras segurava a rede, hoje, depois passou pra âncora, a gente usava uma âncora de seis a oito quilos pra colocar de duas em duas redes, cada duas peças de rede a gente colocava numa âncora, sabe, então a gente fazia o seguinte, no dia de colocar essa rede a gente saía do porto pro lado de dez, onze horas do dia, com tudo arrumado pra chegar lá no mar soltar. A gente chegava lá, marcava, não tinha GPS na época, a gente fazia marca através da terra, né, as montanhas, a gente marcava, no outro dia a gente ia tirar, então a gente só saía de lá no outro dia, a gente saía, por exemplo, meia noite, pra poder dar tempo de trabalhar o dia todo, saía meia noite, chegava lá pro lado de quatro horas, quatro e pouco da manhã, aí começava o trabalho, esse trabalho ia até às duas e meia da tarde, três horas, a gente chegava ao porto por volta de cinco horas, cinco e meia, o mais tardar era seis horas. Na época do verão era melhor porque sempre seis horas era dia ainda, mas no inverno ficava difícil pra gente à beça, sabe, aí a gente começava, nós começamos a trabalhar de outra maneira, sabe, sempre chegar mais cedo, até dormir lá pra poder chegar mais cedo em casa no inverno, e esse trabalho a gente matava vários tipos de peixes, espécies, era a pescada, era o cação, corvina, bagre, anchova, sarda, todo o tipo de peixe a gente matava.
P/1 – E como era esse processo de pesca, como vocês se organizavam pra ir, quantas pessoas iam?
R – A gente se organizava, a gente combinava com o pessoal do barco que trabalhava, a gente combinava o dia, a hora certa de sair, aí fazia esse trabalho e voltava no outro dia, aí terminava aquele serviço, limpava o barco e nessa época já vendia peixe pra exportação, sabe, aí a gente deixava tudo pronto, aí falava: “Fulano, amanhã tal hora, assim, assim, a gente vai sair, tal dia a gente vai tirar essa rede, vai lavar toda e vai cuidar da rede”, só que a rede não é essa rede de plástico hoje, era aquela rede de fio que eu falei pra você, a gente tinha que lavar aquilo, bater, tirar todo o lodo, sabe, deixar limpinha, porque dava muita lama nela, de fio, né, aí deixar secar bastante pra depois então tirar a casca de ingá pra bater, pra cozinhar, pra tingir essa rede. Essa rede, ela ficava assim, ela ficava bem curtida, sabe, e com isso ela não estragava fácil, uma peça de rede levava dois, três anos na mão da gente e não acabava porque a gente a mantinha sempre direitinha, certinha, não deixava rasgar, quando rasgava a pessoa consertava e quando um cação pegava, estourava tudo, a pessoa já fazia outro pedaço, colocava no lugar na tralha, mas sempre era mantida a rede tingida, sempre a gente fazia isso, mas na ocasião de minguante, sabe, quarto minguante fazia, porque não dava problema no fio, sabe, porque quando tira no crescente o fio fica, estraga.
P/1 – Tem diferença da lua então?
R – Tem diferença, uma lua, ela influi bastante na plantação e ela prejudica o material, já a minguante não, a minguante ele segura mais, sabe.
P/1 – Seu Benedito, o senhor tava falando do material, né, que era resistente, tudo mais, o material era seu, era próprio, de quem era?
R – Olha, na época eu ainda na ocasião não usava material meu, eu pescava com o material do dono do barco, sabe, depois, logo a seguir eu passei a usar os materiais meus, aí já veio aparecendo o nylon, sabe, foi a segunda, já foi a segunda vez que já estava, aí já tava terminando de usar a rede de fio, sabe, logo assim eu comecei a fazer rede de fio, algumas redes, logo apareceu a rede de nylon, aí eu comecei a comprar o material, aí já facilitou muito pra gente, já não precisou mais de cozinhar a casca do ingá, não precisou bater, não precisou botar no sol pra secar, nada disso, que a gente tinha que fazer tudo isso pra depois então ir pescar.
P/1 – Descreve um pouquinho como era esse processo de preparar o material antigamente.
R – De preparar o material todo?
P/1 – É, a rede.
P/1 – A rede era o seguinte, com a rede de fio a gente mandava fazer, a “fazedeira” fazia rede e a gente entralhava a rede, o entralhe da rede só quem faz é o pescador, o pescador, ele pegava a malha, a medida da rede na malha e vem com um pedacinho de bambu assim e vai medindo, corta direitinho, vai medindo do começo da malha ao final da malha, então pra que a rede dê um bom rendimento no entralhe, que ela cresça mais, a pessoa tem que chegar além dessa medida de bitola, a gente tem que aumentar mais um “acrescimozinho” assim, que aí com cem metros de panagem de rede ela vai aumentar aí três, quatro braços, sabe, aí já cresce mais um pouco. E se quiser também ela cresce mais, mas ela pesca menos, porque o peixe bate na rede ele estoura mais a rede do que uma rede bem entralhada, uma rede bem entralhada, ela pode pescar até mesmo, mas por segurança mata muito mais, o peixe maior morre mais fácil, sabe, o peixe menor escapole mais, sabe.
P/1 – E que outros, a rede, né, o senhor falou, que outros materiais vocês usavam?
R – O que compõe na rede era o chumbo, também era por medida, e a boia, a cortiça, né, tudo isso é por medida, a gente usava uma cortiça, por exemplo, a gente entrava três em encala de catorze uma, o chumba seria sempre uma encala a menos do que a cortiça, ou até duas, né, pra poder a rede bater logo novinha no fundo, bater, logo sentar no fundo, porque se botar da mesma medida a cortiça, por ser nova, ela resiste mais em cima da água, sabe, ela só poderá descer quando ela passar de uns cinco ou seis pescarias, que ela vai sentando ao fundo, porque o chumbo também vai apanhando mais peso, vai criando lama do lado dele, mas é assim, sabe, é um trabalho até bonito, né, a gente vai ter que ir analisando tudo isso pra fazer esse trabalho.
P/1 – E quando vocês chegavam pra venda do peixe como que era a divisão, como que era feita?
R – A divisão era o seguinte, se eu colocasse uma rede minha o outro pessoal que trabalhava também usava a rede deles, então cada um pesca pra si e Deus pra todos, o quê que a gente fazia? Marcava o peixe, o dono do barco, ele não precisava marcar porque o peixe não tinha marca, se viesse uma marca pro, por exemplo, porque o peixe nasceu com um defeito, uma marca dessas, aí vai ter que marcar do outro lado, aí tinha duas marcas, sabia que era do dono do barco, tá entendendo?
P/1 – Como que era essa marca?
R – Por exemplo, o peixe está com uma cauda aqui, tirava desse lado, a gente tinha que acabar de tirar do outro lado pra saber que não tinha marca, aí era do dono do barco, e da gente a gente marcava na ponta do focinho do peixe na galha e as barbatanas do lado, sabe, aí sabia, uma perto da barriga, do lado da barriga ali, corta lá na asa de frente, aí sabe, essa aqui é minha, essa aqui é de fulano, aquela ali é de beltrano, era assim.
P/1 – E aí chegava aqui cada um vendia o seu?
R – Cada um vendia o dele, ia tirando tudo na urna, tudo misturado, aí ia separando, sabia.
P/1 – O senhor falou que teve uma mudança por causa da, passou a exportar peixe, quando foi isso?
R – Essa mudança passou a ser em 1967, 1968, começou a cooperativa aqui, então teve essa mudança.
P/1 – E como que foi pros pescadores essa mudança?
R – Olha, essa mudança no início foi ótima, sabe, mas depois pessoas começaram a fazer coisas erradas, desviando peixe pra outros lugares e terminou tudo em nada, o caminhão da cooperativa houve um acidente e matou os passageiros todos que foram pra levar o peixe, o caminhão se acabou e daí começou cada vez pior, quem ficou na direção da, o presidente da cooperativa e tesoureiro, essa turma toda começou a passar a mão, sabe, aí o pescador ficou na pior cada vez mais e continua sofrendo até hoje. Nós não temos lugar suficiente pra, que o pescador diga assim: “Não, esse aqui é meu lugar, esse aqui eu posso mandar, isso aqui é nosso, hoje eles estão querendo formar um entreposto pra mandar pescado pro Rio e até pro exterior, né, sabe, mas esse entreposto ainda não saiu até hoje, já foi feito reunião, já fizeram uma, já fizeram até uma inauguração aí de uma peixaria que fica dentro desse entreposto, mas a peixaria também não foi inaugurada pra ninguém vender nada, tá lá parada, os guardas tão lá olhando e o entreposto mesmo não saiu, nem alicerce não fizeram ainda, sabe, começa hoje, começa amanhã e eu não sei o que vai acontecer isso.
P/1 – E esse entreposto é feito por quem?
R – Esse entreposto é feito pela ALLX e a prefeitura.
P/1 – Tem alguma outra ação que é feita pra, assim, vocês têm cooperativa aqui ainda?
R – Não.
P/1 – Não mais. Como que vocês pescadores se organizam?
R – A organização é uma organização insatisfatória, sabe por quê? Porque eles são obrigados a botar o produto deles nesses atravessadores, aí pronto, aí eles vão lá pro Rio, diz que deu tanto e paga, tira 30% pra eles e 70% pro pescador, mas é o contrário, viu, nunca chega àquele ideal que o pescador pretende.
P/1 – E os peixes são vendidos pra atravessadores locais aqui?
R – E, que tipo de peixe?
[PAUSA]
R – Aí eles só entram no frigorífico com o dinheiro de montar o frigorífico, coloca uma balança e um cara ali pra anotar o peixe, ele pode chegar sem um centavo depois que ele fez aquilo tudo, não ter um dinheiro pra comprar um peixe, porque ele não compra à vista, eles compram esse pescado e mandam pro Rio e dá o vale pro pescador, o pescador diz assim: “Agora cadê o dinheiro pra eu comprar o combustível?”, ele disse assim: “Você põe em tal lugar, você põe em tal lugar que pra semana eu acerto”. Você veja bem o que eles fazem, ele sai só com o carro cheio de peixe e começa a negociar, desde o primeiro dia que ele começou a botar o produto lá no entreposto, que ele já veio, já veio com dinheiro suficiente pra pagar todo mundo e sobrar muito dinheiro pra ele, ele não paga, só vai pagar pra semana, pra ver o preço mais baixo que dá no Rio, no mercado do Rio, pra colocar aqueles valores todos que foi antes, naquele preço bem baixo tirar 30 por cento pra eles, que na verdade ele não tira 30. Daqui a pouco, passa quatro, cinco meses, o cara já tá com um carrão do ano, tá entendendo? “Ah, fulano já comprou um barco ali”, daqui no outro mês já tá com outro barco e o pescador cada vez pior, aí vai apanhar um vale pra socorrer uma família não tem, sabe, aí como é que a gente fica nessa situação? A gente tem que falar, conforme eu estou falando aqui, agora, que talvez eles nem saibam que eu estou sendo entrevistado aqui, tô falando a realidade, que eu tô falando em prol da minha comunidade, em prol da nossa situação, do meu genro, dos meus filhos,, então não tem como. Quando ele chega lá fala: “Ah, não, o pescador aqui tá bem servido, a gente ajuda todos eles”, não ajuda, só ajuda quem tem uns dois ou três barco, que tem carro do ano, que é um pescador, aí eles ajuda, mas o que tá lá em baixo não ajuda, não, tem pescador aí deixando o barco se acabar porque não tem condição de reformar.
P/1 – O senhor diria que aqui os pescadores conseguem sobreviver da pesca?
R – Eles conseguem, com muita luta, mas conseguem, sabe, até porque hoje melhorou um pouco porque a prefeitura, o governo federal já ajuda, sabe, a prefeitura já ajuda com o cartão cidadão, bolsa família, porque se não fosse isso, meu Deus, só Deus sabe o que poderia acontecer com essas famílias, porque tem muita gente ainda carente.
P/1 – Tem alguma ação específica do governo voltada pros pescadores aqui?
R – Olha, de ter tem, mas eu não sei o que tá acontecendo que tá tudo amarrado, não sai nada, ninguém tem aquela força de dizer assim: “Não, nós vamos fazer isso que o governo tá nos ajudando”, a gente só se vê em programa de rádio, uma coisa ou outra na televisão, que o pescador vai ser beneficiado através de um projeto, através de outro projeto, mas não aparece nada, tá entendendo? Eu, nós estamos formando um projeto, essa menina aí até sabe, esse projeto nós temos uma carta aí sobre projeto da nossa reunião aqui, pelo o que o pescador tá querendo fazer aqui nesse projeto, esse projeto é pra Petrobrás, é pra ALLX, é pra várias localidades aí, várias empresas e chegou até Brasília, que já foi aprovado, mas nós estamos esperando uma nova resposta aí pra ver o que nós vamos iniciar aí pra favorecer a nossa classe.
P/1 – Esse projeto que vocês estão escrevendo seria o que, o que ele poderia contribuir pro pescador?
R – Olha, esse projeto, o que ele poderia contribuir pro pescador é a gente fazer os pedidos nas empresas pra que a gente precisa, por exemplo, de um caminhão pra exportar o nosso produto, porque a colônia tem um caminhão diretamente pra ajudar o pescador, mas eu vou dizer a vocês, o presidente da colônia se não tiver aí ele não vai me perdoar, não, ele vai ouvir, porque esse caminhão entrou aqui pra trabalhar é pra frigorífico, pra trabalhar particular, mas não pra ajudar pescador, nunca ajudou um pescador. Se ele disser assim: “Eu vou levar essa caixa de peixe aqui pro pescador”. Ele levou sim pra pescador, mas pescador, conforme eu falei pra você, pescador bem na parada, que paga o frete a eles, paga o frete a ele por R$ 600 mil , ele leva o produto até no Rio, mas a colônia recebeu esse dinheiro e não mostra a nota a ninguém, em reunião não toca esse assunto, isso não existe. É por causa disso que eu tenho uma grande vontade de fazer uma nova eleição aqui, montar a minha chapa, fazer uma nova eleição, mas o presidente não deixa, o presidente, quando é pra haver uma eleição, o presidente vai lá na federação e logo dá a entrada dele com a chapa dele, a mesma chapa antiga, e fica silêncio, só vai anunciar que a chapa tá sendo pra concorrer a eleição faltando oito, dez dias pra eleição. Eu fui presidente de colônia, eu, quando eu queria formar, queria anunciar a eleição, pelo primeiro mandato eu tive que fazer e anunciei com 90 dias de antecipação, antes das eleições, esse é o direito de um presidente, sabe, é de 90 a 60 dias, mas aqui não, com esse presidente aí ele nunca aceita essa forma, porque ele vai lá anunciar: “Já coloquei a minha chapa, agora vamos esperar as outras”, só que ninguém aqui sabe de nada, só vai saber depois, quando faltar de oito a dez dias, aí dá tempo pra quê? A federação não aceita mais, sabe, não aceita mais a entrada de chapa, a gente vai lá, não aceita: “Não, não podemos mais porque já passou do prazo”, e aí? Outra coisa, falar da colônia tem que falar, outra coisa, pescador daqui de Atafona, ele não vai ter voto nenhum, aí o que acontece? Quando ele faz essa eleição doida dele aí, só quem vota nele é o pessoal de Gargaú, pessoal do Açu, alguns, porque aí vocês vão entender direitinho porque tá havendo essa entrevista e eu tenho que desabafar, eu tô fazendo uma coisa, eu acho que eu não tô contra nada, né, eu tenho que desabafar. Olha só, esse moço, quando chega à época de eleição, ele já tá mais do alicerçado, ele já tá bem firme, por quê? Porque o defeso que começou aqui em Atafona foi feito por mim, Benedito Ribeiro Pedra, que eu corri atrás, eu fui pra Niterói, eu fui pra todo lugar procurar os direitos do pescador, consegui o defeso, mas uma forma amiga, uma forma de amor ao próximo, de saber que o pescador precisa de alguma coisa, consegui isso aí, me deu um trabalho doido, andando de ônibus sem dinheiro pra nada, o que aconteceu? Passei o defeso a todo mundo, é aposentadoria, aposentadoria por invalidez, por idade, por tempo de serviço na época, que também era tempo de serviço, 25 anos de embarque já dava direito a se aposentar com 53 anos de idade, aí mudou tudo, o que acontece? Esse moço começou dar, trazer, botar defeso aí também, o que ele fez? Ele começou a chamar gente de todo o município, até fora do município, pra que ele começasse dar o direito de defeso, pra quê? Pra tirar a carteira de pesca, pessoas que nunca viu o que é uma água pro cara pescar, sair pra pescar, o quê que ele fez? Tirou os documentos todinhos, quando foi pra fazer o documento, pra ele dar entrada pra receber o defeso, o cara agradeceu ele, ele: “Olha, você não vai me agradecer, não, você vai ter que me dar o primeiro salário seu”, eu digo aqui, falou pra ele, falo pra todo mundo: “O primeiro salário é meu e outra coisa, vou com você pra apanhar o dinheiro”, mas ninguém estava sabendo de nada daquilo, sabe. Eu trabalhando em Cabo Frio, aí eu viajei, vim até em casa, que às vezes levava 15 dias, 10 dias, eu vinha em casa, um passageiro do meu lado no ônibus, como é que as coisa vem a tona, né, o cara disse assim: “Moço, conhece Atafona?”, “Conheço”, “Que lugar maravilhoso”, eu já digo assim: “Lá é muito bom, lá é ótimo pra saúde”, “O senhor é da onde?”, “Eu sou de lá, moro em Atafona”, aquele rapaz: “Rapaz, eu não tô falando sobre o lugar que é ótimo pra saúde, não, eu tô falando que o lugar é muito bom porque o presidente de lá é uma mãe, é muito boa pessoa, olha, tá tirando o meu documento, eu trabalhei 16 anos no Rio, na borracharia, mas lá devido muito roubo, muito assassinato, eu vim embora pra Guaiús que é minha terra de origem, eu nasci lá, e chegando em Guaiús não tinha serviço, eu pego e venho trabalhar de ajudante de pedreiro em Atafona, o pessoal começou falando pra mim que o presidente da colônia tá tirando carteira pro pescador receber o defeso”. Aí veio até a colônia, chegou aí ele não estava, o secretário estava, disse assim: “Não, daqui a pouco ele chega”, aí daqui a pouco ele chegou, aí falou que: “Olha, você leva, tira a Xerox de todos esses documentos que tá aqui mostrando pra você tirar, tira Xerox de tudo e traz aqui que aí eu vou dar entrada”, aí ele foi pra lá, tirou a Xerox de tudo, quando trouxe, preparou, fez uma provinha de nada aí, foi lá, tirou a carteira, quando foi pra dar entrada, que ele: “Ó, você”, aí o cara: “Muito obrigada”, ele: “Não, obrigado não, você vai ter que pagar, vai ter que me dar o primeiro salário seu, é meu”, aí o cara: “Não, é só isso que você quer?”, o cara falando pra mim, deu o salário pra ele, daqui a pouco trouxe a mulher dele pra ela ser, tirar a de marisqueira, aí começou, aí deixei, fiquei quieto, quando daqui a pouco só se via gente aparecendo diferente, sabe o resultado? Tem mais de mil recebendo defeso sem ser pescador, e o governo federal se lascando com um homem desses que tá aí, ele é um dos melhores presidentes da colônia lá na federação, o que a gente faz na vida? O jeito é ficar quieto porque se debater tá feito, porque eles vão falar que tá doido ou senão errado, né, mas é a realidade, eu tenho provas aí, sabe, isso aconteceu e hoje tá aí, ó, o pessoal de Guaiú se ele “amontar” uma nova chapa aí e ficar naquele negocinho de oito, dez dias ele ganha a eleição, sabe por causa de quê? Porque o pessoal vem tudo votar nele porque dá o defeso a ele, tudo que recebe aqui da prefeitura aqui manda pro pessoal de Guaiú que é afiliado dessa colônia, e a colônia de lá? Existe a colônia de lá, eles não podem tá aqui, pela lei de federação que eu conheço é que cada um fica no seu lugar de origem, quando não tinha lá tudo bem, mas agora tem, eles não podem tá aqui.
P/1 – Seu Benedito, qual a importância do defeso pro pescador?
R – Olha, a importância do defeso pro pescador, na época defeso é muito importante, sabe, ajuda bastante a família, porque recebe três meses, sabe, tem pessoas que recebe até mais, é de acordo com o pescado, né, por exemplo, se a piracema, a piracema é esse mês de março até maio, sabe, eles vão receber três meses, do início, né, vão receber três meses, se o camarão é de quatro meses vai receber quatro meses, que o camarão também tá na de três meses, aí vem o caranguejo, sabe. Mas eles aí, o presidente aqui da colônia, ele faz tanto absurdo que eu vou dizer, gente, se eu tiver falando demais vocês me interrompam, pelo amor de Deus, que se é pra falar vamos falar, o que que eu ia falar?
P/1 – Dos peixes, do defeso.
R – Aqui existe defeso da piracema, mas como é que pode existir o defeso da piracema na nossa região, pois se 99 por cento aqui não conhece a piracema, imagina pescar, não pode existir esse defeso aqui, tá certo? Então, existe defeso da piracema, eu conheço a piracema, agora, garanto que a maioria ninguém conhece, é difícil, muito difícil pra eles conheceram, sabe, eu conheço, que eu já fui em lugar que dá muita piracema, então por isso eu conheço, porque se eu não fosse lá eu também não conheceria, não. E aí todo mundo recebe, e ele recebe de cada um desses um salário, é mole, aí o homem cresce, agora, eu não, trabalhei cinco anos, nem um dinheiro do meu salário eu tirava porque como é que eu vou tirar se eu não tinha dinheiro pra pagar funcionário? Quantos dias eu trabalhava num barco aqui que era no começo do turismo, eu ganhava 60 reais por semana e pescava também, sabe, eu vinha aqui os finais de semana, de sexta até domingo eu ficava por aqui olhando tudo, dando um “balançozinho”, olhando o que estava pra fazer, alguma coisa que tinha pra fazer, mas eu não ficava, eu tinha que correr atrás pra tratar da minha família, acaba que não tive condições de nada na minha vida, não ganhei nada e ganhei o quê? Nome de ladrão, como é que uma colônia, uma entidade vai subir se não tem condições de subir, que muito mal pra pagar um funcionário? Aí o cara vinha com invasão, com esse prefeito, invasão pra, enquanto eu fui a Campos resolver um problema, cheguei aqui já estava tomada por eles, sabe, ele tem um medo feio de eu entrar numa chapa e tomar conta da colônia porque aí eu vou mostrar o que a colônia precisa fazer novamente, eu ainda tenho capacidade pra isso, sabe, agora o pessoal aí tem medo, quer votar em William, porque William faz isso, isso e aquilo, faz sim, mas vê se ele faz um benefício nenhum pra pescador nenhum aí? Não faz, trazer um material de pesca pra pescador, né, tudo isso que tá aí montado aí é das empresas, porque a colônia não gasta um centavo com nada, e esse dinheiro tá aonde? É muito difícil.
P/1 – Seu Benedito, o senhor falou dessa questão do atravessador, da colônia, tem outras dificuldades que os pescadores passam aqui?
R – Olha, tem muita dificuldade, tem muitos pescadores aí que não têm casa pra morar, sabe, eu digo porque eu moro aqui, eu sei, pescadores aí que não têm o que comer no dia, ainda, com todo esse apoio de prefeitura, tudo, ainda não têm, porque eles não deixam a pessoa se cadastrar, eles procuram tirar esse pessoal do espaço, sabe, de melhoria de vida, então é muito difícil. Tem pessoas aí boas, muito boas, por exemplo, como essa, essa menina é irmã do presidente, a Sônia Pereira, é uma ótima pessoa, sabe, pelo início do trabalho dela a gente tá se vendo que ela, antes dela ser vereadora ela já se esforçava, ela ajudava muito as famílias, então o que a gente quer é pessoas que não se prejudica tanto, mas que ajuda o próximo, sabe, e aqui não existe isso, é muito raro, e essa menina é uma boa pessoa e é irmã do cara, sabe, mas ela é ótima, sabe, a gente tem que falar a realidade, né, gente.
P/1 – Seu Benedito, o senhor falou que também é comandante da Marinha, como que o senhor mudou de pescador pra comandante, como foi isso?
R – Olha, eu mudei porque eu já tinha uma prática enorme na pesca e fiz um curso aqui de patrono de pesca na época, em 1983, e esse curso me deu condição pra que eu entrasse em um curso da Marinha, sabe, só que esse curso da Marinha eu não entrei pra estudar muito tempo, eu entrei trabalhando e fazendo esse trabalho em alto mar, fazendo simulações nos navios, em barco da Marinha, sabe, e daí eu fui aprovado, sabe, tudo que eles pediam pra mostrar como é que era aquilo, eles mostravam, eu fazia, aí foi indo, foi indo, eles passaram a me dar o mérito de ser um comandante, sabe. Eu tô vindo lá de Recife, eu tava pra lá, eu fui trabalhar lá numa empresa fazendo, pesquisando areia, solo no mar pra fazer praias artificiais, nós conseguimos muita areia lá, só areia de qualidade, então nós viemos, agora o barco tá chegando aqui em Ilhéus pra um trabalho de furar, de sondagem pra furos pra fazer ponte, sabe, o barco tá em Ilhéus. Agora eu não vou mais, não, sabe, eu não vou mais porque eu trabalho num barco da prefeitura aqui, que eu comando um barco da prefeitura e aqui eu fico mais perto de casa, porque lá pro meio não dá pra mim, não, eu trabalhei lá, eu achava que era pra quinzena, mas, devido ser muito longe, aí a empresa também não aceita, não é, tem que trabalhar lá um mês e esse trabalho foi muito difícil pra gente, até porque só a viagem pra lá levamos 12 dias pra chegar lá, muito mal tempo, tudo contra, então trabalhamos lá esse mês todinho, mas eu não, resolvi não voltar mais. Agora tô aqui no porto, já tenho uma firma que já vai me contratar pra eu trabalhar aqui no porto do Açu, já trabalhei no Rio, na ocasião que eu pescava eu fui até o Rio Grande em barco de empresa, sabe, então eu conheço bastante alguns lugares, sabe, aqui pro norte, aqui, eu conheço até Recife, eu conheço tudo.
P/1 – O senhor já chegou a passar algum perigo no mar?
R – Muita coisa, os maiores perigos que eu passei no mar foi na pesca, muita coisa.
P/1 – Na pesca, conta uma situação.
R – Olha, eu já tive uma situação aí no mar, foi aqui próximo, aqui, o barco soltou o tubo telescópio lá em alto mar, soltou uma porção d’água assim, entrando de zoar tudo, de repente o motor foi ao fundo, aí a gente, novo na época, era um garoto novo, esperto pra caramba, né, eu comecei a correr porão do barco, achei uma cavilha deste tamanho assim, velha, enferrujada, na popa do barco, e lá a gente tinha um moitão, tinha marreta, tinha alguma coisa, parece até que tava já traçado pra acontecer aquilo e a gente se defendeu, né. Aí quando tá todo mundo enfiando um pedaço de madeira nessas boias que eu falei que é pra vigiar a rede no mar, que ela é mole, é macia, sabe, quando tava todo mundo enfiando pra servir de balsa, eu tava lá embaixo olhando aquilo, olhei, peguei a marreta, comecei a fazer a ponta do negócio, chamei um tal de Seu João, um senhor já de idade, uns 70 anos ou mais, assim da minha idade, né, chamei-o pra me ajudar, aí: “O que você quer menino? O barco já tá indo no fundo”, “Não, venha cá, por favor, pega esses sacos de linhagem que tá aí e dobra ele, vamos botar aqui, vou empurrar esse tubo pra dentro que eu vou ver se consigo furar isso que tá aqui e pegar na quilha do barco”. Parece que era uma coisa que Deus tava me mostrando que o caminho era aquele, nós empurramos assim, aí chegou um tio meu, começou a ajudar também: “Não, segura aqui”, aí botei assim, bati a marreta, o bicho foi entrando na madeira e vazou o outro lado, aí pegou na quilha e segurou, segurou e começamos a entrar de balde e bomba, em três, começamos a entrar de balde e bomba, balde e bomba e o motor funcionando embaixo d’água, o motor a óleo, né, sabe, de bomba, de bomba, de bomba, secamos o barco. Quando fomos ver pouquinha água escorrendo, aquele lugar daqueles pregos que ficavam os dentes de fora, aquele saco segurou naqueles pregos e não saiu mais, parece até mesmo o que eu falei, que Deus tava olhando pra gente, aí chegamos ao porto, mas andamos muito, não puxamos rede nem nada, lá em chegada, era um vento desse aí muito forte, sabe, aí viemos embora, mas andamos bem. Agora, depois dessa aí, eu já tive já umas mil, mais ou menos, muita tempestade, muito temporal, eu já fiz gente chorar no mar igual uma criança comigo dizendo que não escapava ninguém: “Confia em Jesus que nós vamos chegar em terra vivo”, ainda achei um barco no mar à deriva com quase todo mundo morto já, trouxe pra terra, essa é uma dessas histórias que é real, que aconteceu e muito mais, sabe. O barco já pegou fogo comigo no mar, muito, muita coisa mesmo, então não foi uma só nem duas, foram mil, foram milhares, muito problema, naquele tempo, a gente, não tinha ninguém, não tinha um barco de apoio, hoje nós temos, hoje um barco quebra ali no Rio de Janeiro eu saio dali e pego ele, sabe, pego no Espírito Santo agora, como nós fomos agora, a gente vai lá e resgata ele, então isso é muito importante, ajuda muito a comunidade nessa parte.
P/1 – E qual é a importância da tecnologia?
R – A tecnologia, poxa, uma importância muito avançada, demais, né, essa importância é superior a quase tudo que existe, porque a tecnologia é que trouxe as melhorias pra o nosso país, né, e pros outros países também, essa tecnologia melhorou no sistema de navegação, melhorou no sistema de funil, sabe, tudo isso a gente tem na pesca que nos ajuda muito, sabe, em todos os aspectos ajudou muito, ajudou bastante, em todos os setores de serviço, poxa, bastante.
P/1 – A gente tá aqui em São João da Barra, é um lugar que especificamente tem a junção do rio com o mar, como que é com relação a pesca, tem alguma especificidade aqui em função disso?
R – Essa pesca, por exemplo, é assim: tem a pesca do rio e a pesca do mar, não é, aí a gente vai botar a espécie do produto que é capturado no rio, não é, por exemplo, a tainha, a carpeba, o camarão pitu, a lagosta, o robalo também dá no rio, a manjuba e a piracema, sabe, o bagre dá em qualquer lugar, né, então essas são as espécies de peixe, dá cará, dá tilápia, dá todos esses peixes aqui no rio; já no mar é diferente, no mar dá o robalo também, mas ele é, a criação dele é dentro do rio, ele vem desovar no rio, dali começa a sair, sabe. Só que o pessoal, o pessoal maltrata muito o nosso berçário aqui, sabe, eles vão com rede de milímetros, pega o camarão pitu e mata milhares de filhotinhos de robalo, de outros peixes que podia ser mais nativo na terra, né, aqui na nossa região, mas eles acabam com o nosso pescado, então fica difícil, é onde hoje aparece o meio ambiente, essas coisas toda pra formalizar mais o pessoal que usa na área de rio, laguna, essas coisas assim, sabe, pra que eles passem a entender o que é a vida. E no mar é robalo, é o bagre, é o mero, é o tubarão, falar em tubarão, em 1968, quando a gente ia pra ilha, pra Atafona, eu matei um tubarão com mais de quatro toneladas, esse tubarão tá no mundo inteiro a foto dele, você ouviu falar disso, não ouviram? Então, lá na pesquisa lá nós falamos sobre isso, então mero eu matei muita coisa, hoje em dia tá em extinção, não se mata mais, tubarão não tem nem conta, eu fui um dos maiores pescadores aqui na atualidade, nas maiores quantidades de pescado, esses peixes diferentes que quase a pessoa não conhece ainda, o mero, o tubarão, sabe, e outros tubarões menores, sabe, muita coisa mesmo, muita coisa, teve dia de eu matar 30, 40 tubarões de espigão, eu fui um pioneiro, esse porto que tá aqui é onde eu tirava o meu pescado todinho, meu produto, muita coisa mesmo.
P/1 – O senhor falou do meio ambiente, teve alguma mudança aqui na região com relação ao meio ambiente?
R – Olha, o meio ambiente, a mudança aqui eu acho muito fraca, sabe, ainda não teve uma mudança suficiente pra que possa satisfazer o pessoal todo da região e até o pessoal de fora que chegar aqui, encontrar uma cidade mais bem organizada, né, sabe, anzol de rio, por exemplo, ainda não tem, tá muito fraco.
P/1 – E como o senhor avalia a importância da pesca pra comunidade aqui?
R – Olha, a importância da pesca pra comunidade, pelo o que eu estou observando, no decorrer dos tempos ela tá sendo um pouco mais importante do que era, o pescador tá tendo mais opção de comprar o material, sabe, é porque já tem o cartão de crédito, por exemplo, né, sabe, eles já vão lá, compram o material no crédito, paga em dez, 12 vezes, sabe, isso foi uma grande coisa pra região, ajudou bastante, porque muitas vezes o cara não tem aquele dinheiro suficiente pra comprar, que só pode vender à vista, mas tem um cartãozinho de crédito, o nome dele é limpo nos bancos, então ele passa a ter crédito e tendo crédito a vida dele pode facilitar um pouco. Vai lá, por exemplo, um pescador de rio tem um barquinho, mas não tem o motor, tá no remo, ele vai lá terra, por exemplo, compra um motorzinho no crédito pra pagar em dez vezes, dá 90 reais por mês, aí ele não tira aqueles 900 reais pra pagar à vista, não é, tudo isso facilita, ajuda muito, e os materiais mesmo que a pessoa tem que ter dentro de casa, é uma televisão, é um móvel, tá entendendo? Tudo isso facilitou bastante, sabe, a pesca hoje em dia melhorou mais por causa dessa vantagem que o governo deu pro pescador, sabe.
P/1 – Ainda um pouco com relação a essa questão do meio ambiente, nós estamos próximos de um local que tem exploração de petróleo, pra vocês pescadores teve alguma mudança com relação à exploração de petróleo, sentiram algum impacto com relação a isso?
R – Houve bastante impacto, sabe, por exemplo, com o derramamento de oleoduto, sabe, isso aqui, nós não fomos beneficiados em nada ainda sobre esse caso, porque a nossa costa acolhe muito esse resíduo, quando acolhe muito esse resíduo vai prejudicar a área pesqueira porque vai matar os peixes que tão na costa, sabe, por exemplo, aqui dava muita sarda, por exemplo, já não dá a quantidade, então tudo isso prejudicou bastante, mas só que agora ele estão fazendo já uma coleta desse oleoduto que já tá melhorando um pouco, sabe, já tá deixando de chegar na costa esse produto químico, então esse produto químico, ele não chegando até a costa o pescador vai trabalhar mais contente. Agora, olha, existe muito problema, sabe, aqui, esse porto do Açu aí, aí vêm empresas e mais empresas pra trabalhar aí, por exemplo, eu não sei se já fabricaram ou vão fabricar ainda, a fábrica de cimento, a fábrica de cimento vai ser uma decepção, ela não vai atingir tanto São João da Barra, não, ela pode atingir São João da Barra numa ocasião dessas que o vento é sul, que traz a corrente marinha até o norte, aí ela vai trazer um pouco daquele pó químico do cimento, ele vai criar um solo duro na própria praia, aquilo não vai dissolver fácil e cadê a, e aí como é que fica o turismo? Como é que fica a produção de pescado? Tudo se afasta, o Farol de São Tomé vai sofrer cem por cento de prejuízo porque o vento que dá mais nessa região aqui é o nordeste, sabe, até o Açu mesmo, o próprio Açu já vai ficar atingido, sabe, a gente tá falando porque conhece, tem prática dessas coisas todas e vai prejudicar bastante, sabe, e outras indústrias que vem pra aí também vai sempre piorar mais a situação. Esse porto que tão abrindo aí, que eu já tive trabalhando lá pra dentro lá, eu já entrei com rebocador e tudo, mas a salinidade do mar tá prejudicando a área da lavoura que ficou lá já pra dentro, já tá dando sal naquela região, e aí, como é que vai ficar esse povo? Não é, esse pessoal vão sofrer muito, então eles tem que se afastar dessa região, não pode ficar nessa região de jeito nenhum, se a indústria, essa empresa achou que o Açu é uma área preparada pra eles fazer o trabalho deles indeniza esse povo e bota em outra região fora daqui de São João da Barra porque não vai dar, não, o município é pequeno, aonde que vai acomodar esse pessoal todo? Eu não tenho estudo, não, mas eu tenho alguma prática, sabe, não sei se eu tô falando com vocês, tô falando a realidade ou não, porque o que eu sempre desejei falar foi alguma coisa assim semelhante a essas coisas que estão havendo, mas eu nunca tive oportunidade, eu já tive muitas reuniões muitas coisas, mas eu não fui aquela pessoa que, eu fui o mérito pra falar perante a eles, então hoje vocês me convidaram e eu vim com muito prazer, também falei de muitas coisas que não deveria falar, sabe, mas já que tamo no assunto a gente tem que falar a realidade.
[INTERRUPÇÃO]
P/1 – A gente estava falando dos efeitos com relação ao porto, ao petróleo, especificamente pra pesca vocês já estão sofrendo, além do vazamento do petróleo, algum outro tipo de impacto?
R – Olha, aqui com essa chegada do porto aí já ofendendo muito pescador, porque os destroços dessas embarcações, a maioria eles não botam pra lixeira, por exemplo, pneu, um pneu de fazer contraborda, sabe, esse pneu estoura, um mergulhador não vai lá pegar ele pra trazer pra cima pra mandar pra lixeira, fica lá, pedaço de corrente, materiais de ferro que cai fica lá no fundo, tudo isso vai pegando os materiais e vai acabando os materiais. O meu genro, o ano retrasado, a draga puxou o material dele todinho, novinho que ele tinha comprado zerinho, perdeu tudo, e ele com uma dívida enorme, que comprou um barco, o barco estragado, o cara dizendo que tava bom, ele teve que fazer tudo novo, ele vendeu uma casa porque ele tava doente, ele perdeu 250 mil da casa tudinho, que a casa que ele fez foi uma casa, teve que dar de mão beijada, por quê? Porque teve que apanhar dinheiro a juros pra pagar essas coisas todinhas, o juro alto, com o problema que ele tava de saúde, olha, acabou, hoje em dia tá morando em casa alugada pela prefeitura, alugou pra ele, é difícil, né, é esse que foi pro Rio hoje com o filho passando mal, e tá sofrendo direto, coitado, ele não tem folga pra nada, sabe. Então a gente sente muito por isso, de ver tanto essa coisa diferente, sabe, e prejudicando, então esse material, ele foi resgatado, mas só que levou muito tempo, teve que abrir processo pra um lado e pro outro, pessoas como testemunha, né, olha, mas deu um trabalho, ele conseguiu sim, mas levou muito tempo, aí cada vez se agravou mais a situação dele.
P/1 – E o volume de peixe, vocês notaram alguma diferença com relação ao volume de peixe, tipo de peixe pescado?
R – Caiu muito, o volume de peixe caiu mais de 50 por cento, só que a mudança de peixe consegue barco que atinge muito mais além do que eles iam, em vez de andar com três horas, anda com seis, sete horas e usando rolo pra puxar a rede porque a mão não aguenta, o ser humano não aguenta puxar, aí perde também a rede muito mais fácil porque a rede anda, ela entra em lugar de pedras grossas no fundo do mar, acaba com tudo, perde tudinho, o rolo vai puxar aí estoura as cordas da rede todinha, fica a rede no fundo, não adianta nem botar no GPS pra conseguir pegar a rede porque não pega mais, que só vem as tralha, é difícil, muito difícil. A produção de peixe aumentou nessa parte, agora, pra quem não tem o rolo, trabalha na beirada tá a mesma coisa ou pior, tá pior, muito pior.
P/1 – Aqui nessa região tem muita traineira grande?
R – Traineira grande, tinha muita traineira de Macaé, de Cabo Frio, agora mudou, agora é aqui que tá fazendo traineira, o pessoal daqui viu a situação, aqueles que tinham condição, já começou a fazer, formar uma traineira com o barquinho pequeno dele mesmo, barquinho de dez metros, fazer umazinha pequena, aí daí foi chegando, já tinha barco aí com 20 e tantos metros, sabe, então eles já tão evoluindo na parte deles, fazendo, mas os outros não fazem. Aí chega ali aonde vai o cara pegar um peixinho com uma rede bueira, eles dão um seco ali, põe o peixe todinho, deixa o cara purinho, nem um peixe pra comer ele não traz pra casa, é difícil.
P/1 – Seu Benedito, o senhor falou do turismo, qual o impacto, a influência que o turismo tem na pesca?
T – Olha, o turismo tem na pesca é uma grande importância pra os turistas, a pesca traz muitos benefícios pros turistas porque traz o peixe fresquinho da hora do mar e eles compram na banca, aí já vai levar um peixe saudável, ele não compra lá no mercado com três, quatro, cinco dias de gelo, porque isso atrapalha muito o turista, né, quantas pessoas vem de Campos, vem da cidade pra comer um peixe aqui da hora, a gente é o que mais vê: “Ai, eu vim de Campos só pra comprar um peixe aqui pra eu comer”, sabe. Porque lá no mercado ele não consegue, ele olha aquele peixe assim, totalmente sem sangue nenhum, todo cortado pelo gelo, sabe, se levar meia hora fora do gelo já estraga, então já tá em estado de decomposição, não ta mais aquele peixe conforme é da hora, e o camarão é todo pescado, influi muito a parte do turismo aqui. O turismo aqui só é mais chegado a região é por conta do pescado, sabe, porque praia mesmo nós temos muito pouca.
P/1 – Qual é a importância da pesca na sua vida?
R – A importância da pesca na minha vida foi muito boa, a importância da pesca, que a gente trabalha pra si próprio, não tem patrão, trabalha o dia que pode, só que eu trabalhava todo dia, só não ia pro mar o dia que o barco estava com problema ou eu estava com problema, sabe, porque se um tripulante tivesse com problema eu botava outro no lugar dele, mas eu fiquei mais na ativa na pesca, não parei, não, muito pouco.
P/1 – E como que o senhor acha que os jovens veem a pesca hoje em dia, eles ainda se interessam pela pesca?
R – Olha, na verdade mais de 50 por cento não se interessa mais pela pesca, porque se ele quiser possuir uma coisa própria pra ele seguir a vida dele na pesca ele vai ter que investir muito dinheiro e ele talvez não o tenha. Quando é uma pessoa jovem que os pais dão recursos pra ela aí ele segue a vida dele bem pra caramba e tem uma coisa, que tem condição de vida, com uma pescaria dessa moderna do jeito que tá aí, porque vira uma pescaria moderna, a pesca moderna, sabe, ele passa a ficar bem de vida porque ele mata muito mais produção, que vai pra pescar mais longe, pesca um peixe diferente, de mais qualidade, sabe, aí vende melhor; Agora, esse que pesca uma manjubinha, pesca um bagre, pesca uma corvina, coitado, isso aí é de uma camisa pra trás, sabe, se rasgar não tem outra pra vestir.
P/1 – Seu Benedito, o senhor é casado, né?
R – Casado, muito bem casado.
P/1 – Como que o senhor conheceu a sua esposa?
R – A minha esposa, eu tenho ela como uma pessoa muito maravilhosa, uma pessoa muito honesta, sabe, uma pessoa de família de tradição, sabe, é tudo na minha vida, a minha esposa e os meus quatro filhos, e eu também tenho sete netos maravilhosos, né, sabe, seis garotos e uma menina.
P/1 – E como que o senhor conheceu ela?
R – Eu a conheci na ilha, lá na ilha, eu vim de Cabo Frio, aí eu já, não, eu vim do Rio Grande, eu trabalhava num barco de pesqueiro aí fora, de empresa, né, aí quando eu cheguei à ilha eu fui pra Macaé, depois de Macaé namorei, conheci uma menina lá, mas não é do gosto, não adianta, aí cheguei aqui na ilha encontrei essa menina, quando eu saí deixei ela garotinha, eu também era jovem na época, aí quando cheguei à ilha aí eu a olhei diferente, aí me apaixonei por ela, sabe. Daí levou um longo tempo, mas como eu queria fazer uma coisa melhor, né, eu não fugi, porque lá na ilha dizem que os moradores de lá não casava, roubava a moça, né, mas não aconteceu isso comigo, não.
P/1 – Como que é essa tradição da ilha de roubar a moça?
R – A tradição é o seguinte, namorava ali alguns dias ali, daqui a pouco: “A fulana fugiu com fulano”, sabe, às vezes os pais nem gostavam do cara, tudo, mas o gosto era dela, né, aí fugiam, então era assim, a tradição lá da ilha era essa, namorou, daqui a pouco um já dizia: “Tô fazendo uma casa”, a casa era de entulho, de pau, de madeira com barro, sabe, e palha de sapê, não existia casas boas, só quem construiu uma casa boa lá fui eu pra me casar.
P/1 – Como que foi essa casa que o senhor construiu?
R – Olha, a minha casa foi uma situação muito difícil, em primeiro lugar eu namorei essa minha esposa durante seis anos, aí o pessoal dizia assim: “O cara não vai casar”, sabe: “O cara é isso, é aquilo”, e eu tô na minha, trabalhador que só Deus sabe, trabalhava igual um condenado, então o que aconteceu? Eu quando pedi ela em casamento já tava com seis anos de namoro, aí pedi em casamento, o pessoal: “Não sei de onde que você vai casar”, mas eu fiquei na minha, eu sabia as qualidades que eu tinha, aí comecei trabalhar, em primeiro lugar fui fazer a casa. O rio, em 1966 foi uma das maiores enchentes que houve aqui na nossa região, Campos foi ao fundo, esse lugar, São Fidélis, Cardoso, isso aí desapareceu tudo e a nossa ilha permaneceu porque tinha duas bocas de barra que escoava toda a água, toda a pressão, então a ilha ficava rasinha assim, mas não desaparecia, aí comecei apanhando barro lá na ilha e pegando pedra, matacão, pra poder fazer o alicerce da casa, comprando aqui, o cara veio trazer ali, eu carreguei sozinho pra lá, só matacão pesadão de 60, 80 quilos, sabe, ó que vida, tudo isso por amor. Aí levei, construí a casa, construí uma casa modesta, mas um colosso de casa com tudo direitinho, comprei os móveis todos, mas os móveis de primeira qualidade na época, sabe, que o pessoal ficava até pensando: “Poxa, como é que esse cara tá fazendo isso?”, então dentro de um ano eu coloquei tudo no lugar, aí me casei, sabe, fiz uma casa preparada de tudo, de tudo, tinha as louças toda, tinha os móveis todinho, tinha tudo. Aí depois desse problema eu larguei a casa lá e vim morar aqui, aí acabou que eu vendi a casa lá por mixaria de dinheiro, pouquinho dinheiro, agora há uns seis a oito anos atrás o mar a demoliu, tombou, tava no início da ilha ela, o mar veio cá e comeu ela, comeu a casa.
P/1 – Seu Benedito, o senhor falou que tem filhos, algum deles é pescador?
R – É, um filho homem que eu tenho é pescador profissional, ele mora aqui, na esquina aqui, quem saí da colônia aqui tem a “esquinazinha” que vai pra lá, aquela casa bonita na esquina ali é dele, sabe, uma casa linda.
P/1 – E o senhor ensinou ele a pescar?
R – Ensinei, o início da vida dele na pesca foi engraçado, ele estudava, né, ele estudava, mas eu tinha aquela noção que ele tava estudando muito mesmo, mas quando é um dia eu por acaso abri a mochila dele, abri a mochila e encontrei uma seta e uma porção de balelas, aí eu o chamei: “Edmar, você tá estudando ou tá caçando?”, “É, papai, eu tô caçando”, “Mas tá caçando mesmo, não tá estudando, não?”, ele: “Ah, eu finjo que eu vou pro colégio, chega lá tem o Marquinho”, um garoto que mora no Espírito Santo agora: “Tem um garoto aí que vai caçar e me chama, aí eu vou, acompanho ele, termina de caçar, eu faço uma horinha lá, venho embora, pra dizer que eu saí da aula”, eu: “Ah, é, seu safado, então você vai fazer o seguinte, você vai pescar é comigo, vai caçar é comigo no mar”. Menina, a mãe quando soube, a mãe quase que morreu, porque ele era um garoto meio adoentado, tinha problema de hepatite, ele deu hepatite e teve um tratamento muito longo, aí ele ficou um garoto, mas depois ele ficou forte, é um homem enorme, se vocês olharem para ele: “Poxa, esse aí é seu filho?”, mas é uma pessoa fora de série. Eu criei no regime que eu quis, eu botei ele pra pescar, quase que morreu lá fora o primeiro dia que foi, quase que morreu, o cara falou pra mim: “Ei, vai matar o garoto”, “Não, não mata, não, eu não vou matar, não, pode deixar que a hora que eu ver que tá correndo risco de vida eu corro rapidinho”, mas eu sabia que não tava, era enjoo, daí a pouco o garoto foi se transformando na pesca. Quando eu vendi meu barco ele já era mestre de barco, aí começou, ficou a pescar com o tio dele e daí ele casou com essa menina aqui de, aqui desse armazém que tem aqui na esquina aqui, essa loja aqui, Didi, casou com essa menina e a vida dele cada vez melhorou mais, sabe, hoje em dia é um senhor de bem, tem um barco muito bom, tudo preparado, uma casa muito boa e tem três garotos, filho homem, tão pescando.
P/1 – Os netos também são pescadores?
R – Todos eles, eles querem pescar, o novinho vai fazer 3 aninhos ainda, se você vê o que acontece, vocês filmam ele, vocês vão ficar pra história, o garoto não pode tocar o assunto de pesca que ele vai lá adiante, põe o reminho e vai lá pra beira do porto, aí começa a chamar as pessoas pra sair, só que o pessoal vigia porque tá pequeno, cai na água morre, né, sabe, o cara acorda de madrugada pra chamar o pai que já tá na hora de sair, que é pra ele ir, o pai enrola, escapole dele, ele fica em casa. Mas o Eure, o filho mais velho, já pesca já com ele, mas estuda, sabe, e o “outrozinho” também já tá querendo ir também, o do meio, o Roger.
P/1 – Quantos anos eles têm?
R – Três.
P/1 – Seu Benedito, se houvesse alguma coisa na sua vida que o senhor pudesse fazer de diferente o que seria, que mudanças o senhor faria?
R – Olha, se eu tivesse de fazer diferente na minha vida eu gostaria de fazer o turismo novamente, é que eu não tenho condição de construir um barco, sabe, mas eu tenho um conhecimento com turismo enorme, trabalhei quase oito anos em Cabo Frio, trabalhei uns dois anos aqui, aqui eu trabalhava e pescava, né, e era o presidente da colônia, fazia tudo num tempo só pra não deixar faltar nada em casa nem deixar faltar nada pro pescador, sabe, aí foi assim a minha vida nesse período, sabe.
P/1 – Só mais duas perguntas. Seu Benedito, o que é importante na sua vida hoje?
R – O que é importante na minha vida hoje?
P/1 – É.
R – É ter a profissão que eu tenho, sabe, e ter uma família que eu tenho que é muito importante na minha vida, sabe, e viver de bem com todos, sabe, isso é a maior importância que eu tenho, é querer o bem ao próximo, ser amigo dos meus amigos, isso é a maior riqueza que eu tenho na minha vida, sabe, de mais importante mesmo que eu gostaria de ter, de ser hoje, é trabalhar com turismo, ter uma coisa própria, eu nunca tive, isso aí.
P/1 – E o senhor ainda tem algum sonho que quer realizar?
R – Esse é um dos sonhos, né, e o outro é de ser novamente o presidente da colônia, que pelo trabalho que eu fiz eu acho que aqui eu não vou perder voto nenhum, porque eu fui eleito pelo povo, eu ganhei por unanimidade duas vezes, duas eleições que houve, que não acreditaram e eu, aí ficou com aquele negócio e conseguiram o que queriam, sabe.
P/1 – Seu Benedito, como foi contar a sua história pra gente?
R – A minha história, como eu contei?
P/1 – É, como o senhor se sentiu ao contar a sua história?
R – Olha, eu senti muito feliz da minha vida, sabe, cada vez mais é um dia de felicidade que eu tenho, pra que pudesse contar essa história aí com vocês, sabe, e saber que vocês um dia entrevistou um homem de qualidade, um homem de muito caráter, sabe, muito profissional em todas as áreas marítimas, eu sou um grande profissional, estou falando por mim porque eu sei o que eu sou.
P/1 – Obrigada, Seu Benedito.
R – Obrigado vocês.
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