Uma história Paratodos

P/1 – Senhor Abdo, primeiro gostaríamos de agradecer muito a sua presença, a sua disponibilidade e perguntar-lhe o seu nome completo, local e data de nascimento.

R – Meu nome é Abdo Set El Banate, nasci em Campinas em 4 de julho de 41.

P/1 – Quais os nomes dos senhores seus pais?

R – Meu pai era Elias Abdala Set El Banate, e minha mãe Mari El Banate.

P/1 – O senhor pode falar sobre a origem da sua família?

R – Sim, hum. Na realidade eles são nascidos em Antioquia, na Síria, e vieram pra cá na década, eu acredito que de, na década de 20.

P/1 – Quais as atividades que eles tinham? O senhor seu pai e a senhora sua mãe?

R – Olha, meu pai, ele veio com 18 anos, e na realidade ele veio pra tentar a sorte aqui no Brasil. Ele quando chegou aqui no Brasil ele foi alfaiate, ele foi camelô, camelô não, é, Mascate. Mascateou aí pelas fazendas do interior de são Paulo. Até que ele conseguiu, naquela época ele mascateava, e nas festas regionais eles montavam suas barraquinhas, como os camelôs, hoje, e tentavam vender seus produtos. E ele contava que na ocasião era muito complicado porque as pessoas não gostavam que eles invadissem e fizessem suas vendas de produtos, então eles tinham que tentar vender e ao se aproximar polícia, ou qualquer coisa parecida, recolher e sair correndo, exatamente como é hoje, não mudou muito de lá pra cá. Até que ele conseguiu se estabelecer com outras pessoas, montando uma sociedade, aqui em Campinas.

P/1 – Por que que ele escolheu Campinas? O senhor disse que ele mascateava pelo interior, existiu algum motivo pra ele escolher Campinas? O senhor sabe?

R – Não sei. Mas eu acredito no seguinte, Campinas sempre foi um grande entroncamento ferroviário, e naquela ocasião, Campinas começava a se despontar como um mercado promissor. Acredito que tenha sido por isso.

P/2 – Eu gostaria de perguntar, o seu pai veio sozinho, ou veio com os seus avós?

R – Não, ele veio sozinho. Ele veio sozinho, conheceu minha mãe com a família dela no navio em que eles vieram e depois de alguns anos, acabaram se casando.

P/1 – O senhor disse que nasceu em Campinas, seria muito interessante que o senhor nos relatasse como era a cidade, como era o bairro, primeiro, em que o senhor morava, onde o senhor morava, conta um pouco.

R – Eu nasci em Campinas, nasci, na realidade no centro da cidade, eu morei, nasci em casa, o parto foi feito em casa e nasci na rua José Paulino, numero 606, hoje já não existe mais a casa. Naquela ocasião, nos tínhamos na quadra de baixo um posto de assistência médica, e mais na outra quadra o Corpo de Bombeiros, que existe até hoje. Então eu sempre morei no centro da cidade, até os 18 anos, morei no centro. Era uma cidade tranqüila, muito tranqüila. Brincava-se na rua, todo mundo conhecia todo mundo, todo mundo era amigo de todo mundo. Completamente diferente da vida que a gente leva hoje, né?

P/1 – Quais eram as brincadeiras que o senhor gostava mais de realizar?

R – Bom, nós tínhamos, Jogávamos muito futebol, tínhamos bicicletas, que a gente saia pelas ruas aí, ia pros bairros mais distantes, eram a Vila Industrial, o Bonfim, o Cambuí. Bola de gude, jogo de.

P/1 – No centro da cidade?

R – No centro da cidade. No centro da cidade, no quintal de casa, enfim, era principalmente essas brincadeiras, brincadeira de esconde-esconde, bandido la, polícia-bandido.

P/2 – O senhor falou que o seu pai veio pra cá sozinho, conheceu sua mãe no navio.

R – Isto.

P/2 – Então os seus avós paternos, o senhor não chegou a conhecer?

R – Eu conheci sim, não. Posteriormente, meu pai acabou trazendo a família toda, mas o meu avô paterno já era falecido, então eu conheci minha avó materna. Ela morou conosco durante uns três anos, três, quarto anos, e depois faleceu. Mas eu cheguei a conhecê-la.

P/2 – E como era o nome dela?

R – Ana.

P/2 – E os seus avós maternos? O senhor conviveu?

R – Não, também não, não cheguei a conhecê-los. Eu não cheguei a conhecer os meus avós maternos.

P/1 – E lá na Síria o senhor saberia qual seria a atividade deles ou não? Profissional, dos avós maternos e paternos?

R – Não, eu não sei, o meu avô paterno, ele tinha uma alfaiataria, mas maternos eu não sei.

P/1 – O senhor tinha muitos amigos?O senhor era uma pessoa...

R – Eu tinha muitos amigos sim, ainda tenho muitos amigos. (RISOS)

P/1 – Muito bom. Poderia falar um pouquinho sobre a sua formação, a escola que o senhor freqüentou, as escolas que o senhor freqüentou, se foi aqui em Campinas.

R – Olha, a primeira escola que eu freqüentei chamava-se Escola Alemã, do Professor Zig. Uma escola em que o ensino era muito puxado, eles exigiam muito dos alunos, mas isso me fez um bem incrível. Depois disso daí eu fiz o primário. O primário foi feito na Escola Zig, Professor Zig, Escola Alemã, em que era do Professor Zig. Posteriormente fiz Colégio Culto a Ciência, terminando o ginásio, eu fui fazer o científico no Colégio Diocesano Santa Maria, prestei exame na PUC e entrei em Economia, fiz o primeiro ano encerrei o ano e tranquei matrícula. Colégio Culto a Ciência acho que eu não preciso te falar, tradicional, é o mais tradicional, e excepcionalmente bom, também. Então das escolas que eu freqüentei eu acho que eu só tenho boas recordações.

P/1 – Boas recordações. O senhor acredita que existiria uma expectativa profissional para o senhor na sua família?

R – Não me lembro disto não. Não me lembro desse tipo de expectativa.

P/1 – E o senhor escolheu o curso de Economia, embora não tenha concluído, o senhor escolheu o curso de Economia. O senhor já sentia alguma influencia, uma tendência, vamos dizer assim, na escolha dessa carreira?

R – Na realidade, quando eu escolhi o curso de Economia eu já estava trabalhando, eu já trabalhava com meu pai na Casa Para Todos. E seria um caminho absolutamente natural a gente escolher o curso de Economia, que poderia me ajudar, mas na ocasião eu acho que Economia e Administração de Empresas era um curso único em que você, a partir do segundo ano, você optava por um ou por outro. E o primeiro ano de Economia é um negócio meio maçante, meio chato, e eu não via, naquele momento aplicação prática naquilo que eu fazia no meu dia-a-dia, inclusive porque, numa loja pequena, tocada de maneira assim tradicional, familiar, não tinha aplicação nenhuma aquilo que eu tava vendo em sala de aula. Então resolvi

P/1 – Trancar.

P/2 – Eu só queria voltar um pouquinho lá na sua infância, no centro da cidade. Como era assim, aonde vocês faziam compras pra casa, e você acompanhava sua mãe?

R – Não, eu nunca acompanhei minha mãe. Mas veja o seguinte, naquela ocasião nós tínhamos, acho que tudo naquela ocasião, a cidade naquela ocasião era muito concentrada, quer dizer, era uma cidade relativamente pequena, uma cidade 150 mil habitantes talvez, ou 200 mil habitantes, quando muito. E próximo a minha casa havia um armazém, não me lembro do nome do armazém, então as compras eram feitas no armazém, um pouco pra cima da minha casa, tinha uma padaria, as compras também eram feitas na padaria e assim sucessivamente, era tudo muito próximo, e às vezes, inclusive, comprava-se por telefone, e o dono, ou alguém lá do armazém ia entregar em casa. Eu me lembro perfeitamente daquela ocasião que ainda passava na rua uma carrocinha que eu acho que era o buxeiro, qualquer coisa assim, e comprava-se (RISOS) do buxeiro na porta de casa, assim, como o leiteiro também, vinha e entregava o leite na porta de casa, e a gente ia de manhã e pegava a garrafinha.

P/1 – O senhor se lembra se a sua mãe ia costumeiramente a São Paulo, freqüentemente a São Paulo pra fazer compras?

R – Não, não ia.

P/1 – Os senhores iam eventualmente?

R – Olha, nós íamos eventualmente, pelo que eu me lembro, a gente ia muito mais pra visitar família, porque a família dela, ela tinha irmãos em São Paulo, então a gente ia, mas muito mais pra fazer visita do que pra qualquer outra coisa.

P/1 – E como vocês iam? Qual era o meio de transporte?

R – Nós íamos de trem.

P/1 – De trem?

R – De trem. Uma delicia.

P/1 – E como era a viagem?

R – Uma delicia (RISOS). Saia daqui, parava em Jundiaí, depois íamos a São Paulo, e lá os parentes dela iam nos buscar na estação. Isso no começo, depois nós íamos também de ônibus. Naquela ocasião nos tínhamos o Cometa, Viação Cometa que era, que fazia esse tipo de percurso, e com uma tranqüilidade incrível, não existia a pressa que existe hoje.

P/1 – O senhor passou pelo advento, vamos dizer assim, da Anhangüera?

R – Sim.

P/2 – O senhor podia falar um pouquinho sobre isso?

R – Eu me lembro muito pouco, mas veja o seguinte. Quando você fala em Anhagüera, me faz lembrar no começo, quando nós não íamos a São Paulo. A irmã de minha mãe, minha tia costumava vir com o marido pra almoçar conosco no domingo pra passar o fim de semana. E quando eles iam embora, havia uma estátua, um busto do Adhemar de Barros logo aqui na saída da Anhangüera, na entrada de onde era o Bradesco. Hoje inclusive acho que estão lançando um empreendimento ali próximo. E nós os acompanhávamos até lá de carro, eles no carro deles, e nos no nosso carro e ali a gente se despedia. Então era uma festa. Era um acontecimento. Foi um acontecimento a inauguração na Anhangüera.

P/2 – E ai vocês não foram mais de trem?

R – Não não, daí a gente já ia de carro. Já ia de carro.

P/1 – Vamos falar um pouquinho, se for possível, da sua juventude. As festas, os bailes, o cinema, como eram?

R – Uma delícia, (RISOS).Saudosismo, que saudade.

P/1 – Era uma boa oportunidade!

R – Naquela ocasião acho que os bailes ainda – acho, não – os bailes ainda eram animados por orquestras. E eram acontecimentos. A gente esperava esses bailes. Era onde a gente realmente conseguia conversar com as meninas, flertar, às vezes inclusive iniciar um namoro. Lembro-me perfeitamente da Fonte São Paulo, do Clube Cultura Artística, do Clube Concórdia e independente desses clubes, naquela ocasião fazia-se muitas festinhas em casa e a gente reunia os amigos, convidava as meninas, convidava os amigos, e a gente fazia os nossos bailinhos, nossas matinês, eram matinês, né? Muito gostosas, deixaram muitas saudades.

P/1 – E cinema? O senhor lembra como era a ida ao cinema?

R – Era outra festa. Aguardado, nós aguardávamos a matinê do domingo com uma ansiedade tremenda, porque era outra festa. Nós tínhamos naquela ocasião o Cine Voga, o Cine Carlos Gomes, o Cine Rádio, o Cine Casa Blanca, posteriormente. E principalmente no Cine Carlos Gomes, todo mundo ia pra flertar, pra namorar, pra fazer footing. As meninas ficavam sentadas e os rapazes ficavam circulando pelos corredores do cinema até conseguir sentar em algum lugar. (RISOS) Que agradasse, mas era uma verdadeira festa.

P/1 – Ah, muito bom. E como era o passeio pela cidade, assim, vocês passeavam na cidade durante esses passeios, ou ao final do cinema tinha esse costume?

R – Não. Quando você fala em passeios na cidade existiam, mas não, evidentemente, na saída da matinê. Você tinha os sábados à noite em que havia um footing muito forte na rua Barão de Jaguará, e ali existia, naquela ocasião a doceria Doney, uma doceria famosa, naquela ocasião. E todo mundo ia e ficava fazendo footing na rua Barão de Jaguará. Avenida [Francisco] Glicério, Barão de Jaguará, Carlos Gomes. Então sábado à noite, começava-se o sábado passeando pela rua Barão de Jaguara, aos domingos de manhã nós tínhamos a missa na catedral, e nós tínhamos a missa na matriz do Carmo e a saída também era uma outra festa, outro momento de encontro. As famílias inclusive saiam da missa e acabavam subindo pela 13 de maio pra ver vitrines, naquela ocasião as vitrines ficavam abertas, expondo seus produtos.

P/1 – No domingo também?

R – Domingo também. Aliás, domingos, isso no domingo, domingo de manhã.

P/1 – Não fechava, não descia as portas e as vitrines ficavam?

R – É, não. As portas de aço eram fechadas à noite, mas as vitrines ficavam abertas desde de manha ate lá pelas 10 horas da noite, todas iluminadas. E as famílias iam subindo, e vendo as vitrines, e já se programando pra fazer as suas compras. (RISOS)

P/1 – Bom, nos perguntamos pro senhor com que idade o senhor começou a atuar no comércio. Não formalmente, informalmente, das duas formas,

R – Na realidade eu comecei a atuar no comércio desde criança, nos natais, em dezembro a gente descia e íamos ajudar a fazer pacote, a varrer a loja. Oficialmente, oficialmente, acho que eu comecei a trabalhar pra valer aos 18, 19 anos já assumindo compromissos, bonitinho.

P/1 – O senhor morava bem próximo?

R – Eu morava muito próximo, eu morava a mais ou menos uns oito quarteirões, oito quadras.

P/1 – O senhor sempre ia a pé?

R – Sempre a pé. Aliás, em função de eu morar no centro da cidade pra escola também eu ia a pe, tanto pra escola alemã, no grupo, quanto pro colégio estadual Culto a Ciência. Eu tinha duas opções: ou ia a pé, que era muito próximo, ou tomava um bonde ali em frente, na rua 13 de maio, esquina com a Glicério. Onde existia o Hotel Términos. E era um outro local de encontro também porque os estudantes iam lá pra tomar condução e era uma festa também.

P/1 – Como era o horário de funcionamento da loja?

R – Olha, durante a semana, das oito as dezoito, e aos sábados, das oito ao meio dia.

P/2– O senhor poderia nos falar sobre, o senhor começou a trabalhar aos 18 anos, o senhor poderia nos falar sobre o comércio de Campinas naquele tempo? O senhor já percebia. O quê o senhor percebia no comércio de Campinas naquele tempo?

R – Em que sentido?

P/2 – O senhor na sua infância morava no centro, o estabelecimento era no centro comercial e o senhor tinha uma, vamos usar a expressão, uma liberdade bastante significativa, no sentido de brincadeiras, de percorrer os espaços do centro da cidade. Na sua juventude o senhor poderia estabelecer esta relação entre o centro de Campinas, o centro comercial de Campinas, e o centro comercial da sua juventude?

R – Olha, o comércio, naquela ocasião era concentrado, na realidade, o comércio ele se concentrava no centro da cidade mesmo. Comércio de bairro, shopping center, surgiram posteriormente. Mas na minha juventude realmente havia uma concentração e apesar de haver uma concentração eu acho que havia uma concorrência muito menor do que a que existe hoje. Havia uma oferta muito mais compatível com a demanda do que existe hoje, hoje há uma oferta excessivamente forte e muito grande em relação a demanda, o que gera um concorrência tremenda.

P/1 – Naquela época, que o senhor começou a atuar, quais os estabelecimentos comerciais que o senhor citaria como referencia? Na época.

R – Olha, na época, nós tínhamos Casas Pernambucanas, já existiam, Secato, Casa Secato.

P/1 – Qual era o ramo da Casa Secato?

R – Eles trabalhavam com utilidades domésticas, basicamente utilidades domésticas e presentes. Bittar, também, no mesmo ramo nós tínhamos a Casa. Pegado a nós, nós tínhamos a casa [globo], nós tínhamos a Casa Campos, nós tínhamos, quem mais?

P/1 – É, fala um pouquinho pra gente da historia do seu estabelecimento. O senhor nos explicou que o seu pai se estabeleceu com alguns sócios, o senhor podia fazer a recuperação da historia do estabelecimento da sua família?

R – Eu acho que sim, veja o seguinte, no inicio, meu pai conseguiu se estabelecer com outros sócios na esquina da rua Álvares Machado, Treze de Maio com Álvares Machado, posteriormente ele separou-se da sociedade e veio se estabelecer na esquina da rua Treze de Maio com Ernesto [coogle], a casa para todos. Então, inicialmente era a Casa Ipiranga, na esquina de cima, depois, quando ele separou a sociedade ele montou a Casa Para Todos. A partir daí, com a vinda da família dele da Síria, eu tinha, meus tios passaram a fazer parte da sociedade e eles trabalharam juntos durante muitos anos, até mais ou menos 1970. Em 70 meu tio se aposentou e meu pai continuou na Casa Para Todos. Nesta época eu e meus irmãos já fazíamos parte da empresa, já trabalhávamos juntos, 1970. Ahn, inicialmente, Casa Para Todos, começou a trabalhar com perfumaria, com armarinhos, com lã, miudezas em geral, e posteriormente ela foi mudando pro segmento de roupas. Daí ela passou a trabalhar com roupa feminina, masculina e infantil. Em 1967 a gente sofre um grande incêndio na Casa Para Todos, e ficamos mais de 30 dias fechados, sem saber se a gente conseguiria reabrir ou não. Felizmente conseguimos, reerguemos a loja, a empresa, e em 1975 a gente inaugura a Esquina Magazine, como filial, da Casa Para Todos, na esquina da rua José Paulino com Treze de Maio. Esta por sinal, esta lá até hoje. A Esquina Magazine, ela tinha seis andares, sete andares. A Casa Para Todos era uma loja pequena, com mais ou menos dois andares, o térreo e o primeiro andar e que tinha aproximadamente 400 metros quadrados de área. Com a inauguração da Esquina, nós passamos a ter 2200 metros quadrados de área. E iniciamos a operação da Esquina, uma cópia fiel do que era a Casa Para Todos, lógico. Nós não tínhamos experiência em magazine, não tínhamos. Era uma empresa familiar. Então nós iniciamos a operação como sendo exatamente uma cópia da Casa Para Todos. Utilizando três andares: térreo, primeiro e segundo. Com roupas masculinas, feminina, e infantil. Naquela ocasião passamos a trabalhar com cama, mesa e banho, com malas, enfim, algumas linhas a mais. Só em 1978 mais ou menos, com a contratação de pessoal que vinha de uma Sears, naquela ocasião, de uma Mesbla, com uma visão diferente da nossa, uma experiência maior, no ramo de magazine, é que nos fomos ampliando as linhas, os produtos com os quais a gente trabalhava.

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R – Exato. Então nós passamos a trabalhar com móveis, com eletrodomésticos, com brinquedos, com perfumaria, ampliamos bastante a nossa linha, abrimos muito a nossa linha e tivemos um período muito bom de desenvolvimento, de penetração no mercado. Em função disto, em 1985 a gente inaugura uma loja no shopping, shopping Iguatemi. Onde hoje está instalada a Livraria Saraiva. Posteriormente nós abrimos uma loja em Ribeirão Preto, e tivemos alem dos magazines, nós tivemos várias lojas de decoração, Esquina Decorações, especializadas em móveis de um nível, de um valor agregado maior, nós tivemos aqui em Campinas, em Piracicaba, em Sorocaba e em Americana. Com as dificuldades da economia, com os planos econômicos, com uma série de erros estratégicos também de nossa parte nós acabamos fechando todas essas unidades e acabamos ficando só com a loja aqui de Campinas. A Esquina Magazine de Campinas. Isso culminou com o fechamento de todas as outras lojas, venda da casa para todos e tal, em 1997. Até esse momento nós trabalhávamos em três, éramos eu e meus dois irmãos; meu pai já tinha falecido, meu tio também já tinha falecido. Então éramos nós três e meus irmãos resolveram sair da sociedade. Então de 1997 pra cá eu estou tocando sozinho e estou só com essa unidade. Tenho perspectiva de abrir outras lojas mas temos que ir devagar. [risos]

P/1 – O senhor falou nos seus irmãos. Fala um pouco sobre a sua família, então, pro favor.

R – Eu tenho dois irmão. Eu sou o mais velho. Eu tenho o do meio que é o Kalil e o caçula que é o Elias. O Elias é formado em engenharia, pelo Mackenzie, engenharia civil. E por sinal quando nós – nós construímos o prédio da Esquina Magazine. Quando nós construímos o prédio ele estava se formando em engenharia; e houve uma coincidência feliz: ele se formando, a gente com projeto de construção, ele ficou incumbido de tocar a obra. Então, enquanto ele tocava a obra, eu e o Kalil trabalhávamos na loja pra poder gerar recursos pra gente poder construir. Enquanto trabalhávamos, depois de inaugurar, depois de – o Kalil cuidava da área de compras, o Elias, financeira e eu cuidava da área de vendas. Então eu e o Kalil dividíamos a área comercial e o Elias cuidava da área administrativa financeira.

P/1 – e quando vocês eram pequenos? Vocês têm muita diferença de idade? Como eram as?

R – Entre eu e o Kalil, que é o do meio, são dois anos de diferença; brigávamos muito; normal [risos]; entre eu e o Elias, nós temos oito anos de diferença. Então, a maior diferença realmente foi com o Elias.

P/2 – O senhor comentou que abriu filiais em outras cidades da região. O senhor poderia comentar um pouquinho sobre o comércio nessas outras cidades da região. Como é? Segue mais ou menos a mesma linha de Campinas ou tem alguma coisa diferente?

R – Olha, na ocasião – isso aí já faz alguns anos, nós viemos fechando essas lojas desde 1995, mais ou menos, 94, 95 a gente veio fechando. Então, a minha experiência, a minha vivencia dessa região é uma vivencia já que pode não corresponder a realidade de hoje. Mas, era uma região bastante interessante, muito rica, com grande desenvolvimento; comparativamente com o comercio de Campinas, naquele momento a concorrência que existia era muito mais tranqüila, muito menor do que aqui em Campinas. A maior concorrência, a maior briga realmente pelo consumidor a gente travava aqui em Campinas. Mas isso não quer dizer que as outras cidades tivessem deitadas em berço esplendido, não brigando pelo consumidor. É que aqui era mais acirrada essa briga.

P/1 – Talvez pelo próprio crescimento da cidade, não é?

R – Provavelmente, provavelmente.

P/1 – Quando o senhor iniciou a sua atividade no estabelecimento da tua família, quantos funcionários trabalhavam lá?

R – Eu não tenho de cabeça, mas eram muitos. Porque na verdade, apesar da Casa para todos ter só 400 metros quadrados, em dois pavimentos, naquela ocasião nós prestávamos um atendimento personalizado. E o consumidor naquele momento era muito fiel ao vendedor. Então nós tínhamos situações em que determinadas clientes nossas, determinadas freguesas, iam à loja, mesmo nas épocas de maior movimento: natal, dia das mães, mudança de estação, lançamento de coleção – em que elas iam á loja e estavam acostumadas a comprar com determinada vendedora e esperavam, meia hora, 45 minutos, pra que essa vendedora terminasse de atender outra pessoa pra poder atende-la. Então isso impactava em um número muito grande de pessoas trabalhando. Então nós tínhamos um grande numero de vendedoras, porque realmente nós vendíamos muito bem; e tínhamos um grande número de pessoas trabalhando na retaguarda: o crediário sempre foi a nossa base de apoio. Sempre foi muito importante o crediário nosso. E naquela ocasião fazia-se tudo mecanicamente, não existia a tecnologia que existe hoje. Então o número de pessoas pra fazer controle de carnê, pra receber, enfim, era muito grande. Eu não tenho de cabeça, mas era relativamente, em relação ao número de hoje era infinitamente maior.

P/1 – O senhor tocou um aspecto que é muito interessante, aliás, dois aspectos, nessa sua ultima fala. O senhor falou a respeito da fidelidade dos clientes e do sistema de financiamento. Primeiro: como o senhor percebe hoje essa relação de fidelidade dos clientes em relação?

R – Em relação ao passado eu diria que o cliente hoje é muito infiel. Ele compra contigo enquanto você conseguir oferecer produtos e serviços que agradem a ele. Como hoje a concorrência é muito forte, e como hoje as empresas tem tanto produtos como serviços muito parecidos, a fidelidade do cliente torna-se muito tênue, muito difícil de ser mantida. Coisa que no passado não acontecia, coisa que no passado, dona Maira comprava com seu Elias, ela não trocava de estabelecimento em hipótese nenhuma e ia comprar com seu Elias e ponto final. Inclusive com aquele detalhe: naquele momento comprava-se até com caderneta. A dona Maria ia lá, comprava determinado valor, mês seguinte ela decidia quanto ia comprar daquele valor e já fazia uma nova compra. Quer dizer, completamente diferente, e era tudo na cadernetinha. E dona Maria confiava no seu Elias, que anotava, e ela não levava comprovante nenhum. Era aquela cadernetinha e ponto final. Hoje é completamente diferente. Em primeiro lugar: pra você realmente ter a fidelização do cliente você tem que oferecer um diferencia, muita qualidade, qualidade de serviço. Se você bobear perde o cliente, perde com uma facilidade incrível. Mas aí faz parte, eu acho que existe um lado positivo. O lado positivo é que todos nós hoje temos que estar a cada dia nos aperfeiçoando mais. Melhorando serviço, melhorando o produto, oferecendo um produto diferenciado, pra gente conseguir ter a fidelidade desse consumidor.

P/1 – Sobre número de funcionários, então da empresa.

R – Pra você ter uma idéia do número de funcionários que a gente precisava ter, você imagine o seguinte. Primeiro atendimento personalizado: então a cada cliente que entrava eu tinha que ter uma vendedora pra atende-la, se a vendedora atendesse dois ou três clientes ao mesmo tempo era uma tremenda falta de consideração, dona Maria se ofendia; segundo: como nossa base de vendas sempre foi estruturada em cima de vendas a crédito, crediário, naquela ocasião, ao invés de se fazer simplesmente um carnê e ir autenticando o carnê, fazia-se duplicatas pra cada prestação a ser paga. Então, quando a cliente vinha à loja fazer o pagamento, a menina do caixa era obrigada a procurar numa pasta a duplicata correspondente aquele pagamento e devolver pra cliente, com a sua assinatura, é lógico. Então, imagine o seguinte: quantas pessoas tinham que trabalhar na área de vendas, quantas pessoas tinham que trabalhar no caixa, quantas pessoas tinham que trabalhar no crediário. E pior ainda, quantas pessoas tinham que trabalhar no pacote. Porque se fazia pacotes, pacotes de presente. Em natal a cliente entrava na loja, comprava presentes para a família inteira e queria pacote por pacote. E a pacoteira ia embrulhando e ela marcando o nome da pessoa que ia receber o presente. Por aí você imagina o numero de pessoas que trabalhavam.

P/1 – Voltando a questão do crediário, do financiamento vamos dizer assim: o senhor mencionou que faziam as duplicatas. O financiamento era da própria loja.

R – Sim.

P/1 – Vocês mesmos

R – Nós financiávamos as vendas.

P/1 – Conta um pouco sobre isso. Como ra a inadimplência naquele momento.

R – Maravilhoso. Muito baixa. Muito baixa. Na realidade havia uma preocupação com o nome, com o nome da família. Se nós, por alguma razão ligássemos para uma cliente ameaçando de colocar o nome dela na Associação Comercial, aquilo era a maior desgraça que podia acontecer pra ela. Então, a inadimplência era muito baixa. Na realidade a inadimplência acontecia muito mais por alguns golpes e pessoas que acabavam se mudando da cidade e realmente preparavam um golpe e se mudavam. Pessoas que perdiam o emprego, eventualmente pessoas que tinham problemas de doença na família, e que se vinham em dificuldade momentânea; essas não eram contas perdidas em hipótese nenhuma. Era muito baixa a inadimplência. Tanto é que uma das primeiras lojas que começou a financiar, a vender a crédito pra empregado doméstico, fomos nós. Naquela ocasião empregada doméstica não tinha crédito, era difícil elas conseguirem comprar à crédito. Nós vendíamos sem problema nenhum.

P/1 – É muito interessante a gente pensar, e gostaria que o senhor comentasse um pouco, a idéia, a teoria, a prática, do fio do bigode. Que era.

R – Aquilo lá era fantástico. Palavra empenhada não precisava ter documento. Realmente cumpria-se a palavra ao pé da letra. Diferentemente de hoje. Hoje você faz um cadastro. Comparativamente, tá? Naquela ocasião a pessoa entrava na loja e pedia pra abrir um crediário. E nós tínhamos um cadastro que a gente preenchia e quando nós pedíamos documento era a maior ofensa. Muitas pessoas deixavam de comprar porque foi pedido um documento. Quer dizer que a gente não acreditava na pessoa? Simplesmente davam as costas e iam embora. Diferentemente de hoje que nós preenchemos um cadastro, exigimos ene documentos: comprovação de renda, comprovação de residência, comprovação de, enfim, tudo quanto é documento, as pessoas atrasam. Aí você liga, cobra, ameaça de incluir o nome dele no SPC e a resposta que a gente tem hoje é a seguinte: olha, você põe o meu nome porque eu não vou te pagar agora, quando eu te pagar você vai tirar mesmo. Então há uma diferença de comportamento, há uma diferença de valor moral muito grande entre aquilo que se considerava como importante no nome, na dignidade da pessoa naquele momento e o que se considera importante hoje. A mudança é brutal.

P/1 – E vocês continuam tendo crediário próprio?

R – Continuo tendo crediário próprio. Eu diria à você o seguinte: eu sobrevivo graças ao crediário próprio, porque eu acho que desde que existe comercio, ele existe em função das facilidades de crédito. Hoje 70% das minhas vendas são feitas através do crediário. E hoje eu tenho, comparativamente com aquele período, eu tenho quatro atendentes de crédito e o CPD, que faz todo o processamento, sem grandes problemas.

P/1 – E o uso de cartão de crédito, cartão de débito?

R – Aí eu diria pra você o seguinte: depende muito do consumidor, depende muito do poder aquisitivo do consumidor, enfim de uma série de coisas. No meu caso, especificamente, a utilização de cartões de crédito de bancos é relativamente baixa, não chega a 10% das minhas vendas. A maioria realmente opta pelo meu crediário. Existe uma tendência de crescimento, tá? Principalmente os cartões, não o de crédito, o de débito. Esses estão crescendo de maneira muito rápida em substituição ao cheque.

P/2 – E como o senhor vê isso, o cartão de débito substituindo o cheque? Comercialmente é bom?

R – Olha, existem dois lados. Um lado é, existe o lado positivo, lógico, com isto nós temos maior segurança na transação. Em contrapartida existe um custo, muito maior do que o custo que eu teria recebendo um cheque. Então, existem dois aspectos.

P/1 – O senhor falou um pouco sobre o número de funcionários e as funções deles, as diversas funções, das exigências mesmo dos consumidores. As demandas dos consumidores. O senhor percebe alguma mudança na abordagem aos clientes? Ou na própria abordagem dos clientes?

R – Sim. Eu acho que hoje o cliente opta por um alto serviço. Depende, eu vou relativizar. Porque também depende muito do produto que ele estiver procurando, depende do nível de qualidade de produto que ele esteja procurando. Então eu diria o seguinte: dentro de um magazine, dentro de uma loja com departamentos, o cliente prefere ficar a vontade, ele não quer ser atendido. Ele quer ter liberdade de escolha, circular, procurar. Em algumas situações ele pede ajuda, mas ele pede ajuda, ele não gosta de ser abordado. Existem lojas que ainda hoje trabalham com abordagem, abordagem na porta da loja. Então eu tenho lojas muito agressivas nesse sentido. Lojas tanto de eletrodomésticos quanto de calçados. Então eles são muito agressivos. Tem um quadro de vendedores muito grande. Ficam na porta da loja. Você ameaçou entrar eles estão pressionando já pra tentar vender alguma coisa. Eu diria que o consumidor hoje procura muito mais as lojas que dão mais liberdade á eles do que essas lojas que vendem sob pressão.

P/1 – O senhor citou também os pacotes pra presentes. O senhor poderia falar também nas transformações ou permanências nas embalagens, das embalagens do seu estabelecimento?

R – No começo nós não tínhamos caixas de presente, nós trabalhávamos com bobinas em que a gente cortava o papel na hora, de acordo com o tamanho do produto, e tinha uma, e era uma arte você acertar o tamanho [risos], porque era grande demais, ou ficava pequeno demais; aí você era obrigado a cortar outro pedaço. E era trabalhoso à beça, porque fazer um pacote de presente com papel dá muito mais trabalho. Mas também a ocasião os clientes não achavam ruim. Posteriormente nós passamos à trabalhar com caixas; e já era mais fácil, porque era só você dobrar o produto adequadamente, colocar na caixa e fechar. Então, isso provocou uma velocidade melhor pra gente embalar, entregar e atender o cliente. Hoje nós abolimos as caixas porque elas inclusive ocupam muito espaço e acabam ficando muito caras. Então hoje nós trabalhamos com um produto que é um saquinho de plástico, lógico que com uma aparência melhor, um lay-out mais bonito, mas nós trabalhamos com saquinho plástico que você dobra o produto, enfia no saquinho e fechou. Isto inclusive quando você não tem muito movimento. Porque quando você tem muito movimento você pega o saquinho e diz pra cliente: “olha, eu vou colocar na sua sacola a embalagem de presente”. E o cliente acaba fazendo em casa.

P/1 – E na disposição dos produtos, dos artigos que vocês vendem hoje?

R – Aí é outra história. Quando nós tínhamos o serviço personalizado, o atendimento personalizado, os produtos eram dobrados, ensacados e guardados em prateleiras. Quando o cliente entrava e pedia um produto: “quero ver uma camisa”, por exemplo. “Quer uma camisa de manga curta ou comprida?”, “cumprida”, “ah, manga comprida”. Então a gente tinha seção de camisa de manga curta, seção de camisa de maga comprida. Só que aí que estava o negócio. Como estava em prateleiras e tinha um balcão impedindo a chegada d cliente ao produto a vendedora tinha que abrir as camisas uma a uma, mostrar. “ah, não, essa aqui eu não gostei”, então deixa de lado. “Essa aqui eu não gostei”, então deixa de lado. E formava-se uma pilha desse tamanho em cima do balcão até que o cliente achasse aquilo que gostava. E pior, o cliente acabava comprando muitas vezes por sentir-se mal depois de ter descido uma prateleira de camisas, ou de blusas, seja lá de produto fosse e ir embora sem comprar nada. Então acabava comprando alguma coisa, às vezes a contra gosto. Só que, saiu o cliente nós tínhamos uma pilha de produtos pra serem dobrados, ensacados e guardados novamente na prateleira. Isso, ainda bem, tudo tem sua época, né? Na realidade naquela época eu acho que todos nós dispúnhamos de mais tempo. Nós não tínhamos tanta correria. O próprio cliente tinha tempo suficiente para entrar, esperar pra ser atendido, ser atendido, conversar com seu Elias, perguntar do cachorrinho, do gatinho e depois ir embora feliz pra casa porque comprou com seu Elias. Hoje a coisa tá um pouquinho diferente, quer dizer, ninguém tem mais tempo pra isso. E tem mais, além de não ter mais tempo os custos também são outros. Hoje o quê se faz é pendurar os produtos em araras, disponibilizar os produtos da melhor forma possível, de forma que o cliente consiga se auto servir, e disponibilizar pontos de caixa em número suficiente para poder dar bom atendimento. Mas é praticamente isso aí, quer dizer, o cliente hoje se auto serve, ele tem mais liberdade e escolha, mas ele tem menos tempo também. E dá uma diferença incrível, tanto na velocidade de atendimento quanto no tempo que a pessoa leva pra comprar um produto.

P/1 – e quanto a vitrines? A loja tem vitrines? Como é a disposição das vitrines?

R – Tem, tem.

P/1 – Quais são as prioridades?

R – Prioridades como?

P/1 – Assim, por exemplo, expõe um produto mais pra frente do que outro?

R – Não, não. Na realidade é o seguinte: vitrines nós sempre tivemos. Como eu citei, mesmo na Casa para Todos – um negócio interessante da Casa para Todos, inclusive – rua Treze de maio não tinha o calçadão. Passava bonde ainda na rua Treze de maio, passava carro. E a vitrine era em era um, era em paralelas em paredes laterais, e o cliente entrava. Só que aqui no fundo, no final da vitrine, tinha que ter uma porta de vidro pra poder fechar a loja e deixar a vitrine exposta. Aos sábados nós fechávamos ao meio dia, mas nós tínhamos que limpar a loja e arrumar, atrás dessa porta de vidro, uma espécie de vitrine, uma espécie de exposição. Por que ia mostrar o quê? O cliente subia a Treze, pra olhar a vitrine, ele tinha duas vitrines já prontas e tinha uma que ser arrumada. Resultado: nós saiamos da loja duas horas, duas horas e meia. Às vezes até três horas da tarde porque tinha vitrine pra ser arrumada e tinha cliente dentro da loja. O cliente entrava onze e meia saia uma e meia da loja. Daí até arrumar, etc e tal. Hoje nós temos vitrine? Temos, mas com um conceito diferente. Naquele momento a gente procurava expor o maior número de produtos possíveis, pra que o cliente já fizesse uma pré-seleção. Como havia dificuldade dele poder circular e escolher o produto, ele já fazia uma pré-seleção. Quando ele entrava já tinha uma ligeira noção do que ele queria. Então, a vitrine servia pra isso. Hoje, não. Hoje o conceito é diferente. O conceito é de se expor na vitrine moda, expor na vitrine tendências de moda, lançamentos, mas não tem a mínima chance de expor como no passado um grande número de produtos. Porque inclusive vai confundir o consumidor, vai deformar a imagem da loja.

P/1 – mas a vitrine também, assim, serve – aí o senhor vai me dizer se sim ou não – pra quando o senhor quer fazer uma promoção, uma liquidação?

R – Serve, são momentos diferentes. Então, quando eu falo, por exemplo, numa vitrine de lançamento de coleção, que é o que acontece agora – lançamentos de verão – o conceito é ua vitrine mais leve, mostrando tendências e sendo renovada com muita freqüência. Então, semanalmente troca-se os produtos que estão na vitrine. Quando você fala uma vitrine de promoção nós tamos falando de outra coisa, nós estamos falando de mostrar preço. É preço e promoção, aí é outra história. Aí é uma vitrine carregada, é uma vitrine que procura mostrar a maior quantidade possível de preços, de preços baixos, ___. Mas a gente usa muito pouco esse tipo de vitrine porque eu acho que a política de trabalho, pelo menos a nossa política de trabalho, tem sido a de ter o maior giro possível de produtos, e pra que a gente tenha o maior giro possível de produtos a gente tem que pegar os produtos que não estão girando adequadamente e demarcar. Com isso nós temos produtos em oferta o ano inteiro. Quando chega no final de uma estação, ou num determinado momento, não tem produto pra liquidar. Porque eu já liquidei o ano inteiro. Resultado, dificilmente eu uso hoje uma vitrine pra fazer esse tipo de promoção.

P/1 – E quem arruma a vitrine? São os próprios funcionários da loja? O senhor contrata?

R – Não, é o seguinte: eu tenho uma pessoa que cuida da vitrine, cuida da arrumação da loja. Mas muito diferente daquilo que nós chamávamos de vitrinista no passado. Vitrinista era um cara especializado, que ia lá e decorava a vitrine, e enfeitava com motivos do momento. Tipo natal, com bolas, e festão, páscoa, com outros motivos; carnaval, com outros motivos e assim por diante. Hoje em dia não, hoje em dia a vitrine é muito mais lambida, muito mais simples, muito mais clean. Com isso, o trabalho que nós temos. Eu tenho um vitrinista, que faz uma série de outros trabalhos – mas na ausência dele qualquer menina que trabalha na loja, que a gente chama de facilitadora de vendas, ou atendente do cliente, qualquer uma está apta a ir lá e substituir o produto na vitrine. Ela não vai fazer evidentemente uma vitrine com produtos – agora não me ocorre – com produtos que sejam complementares, etc e tal. Mas ela faz uma vitrine. É diferente daquela ocasião que eu tinha que ter um vitrinista. E ele era letrista também, porque tinha que fazer o preço à mão.

P/1 – O senhor nos mostrou, num dos documentos que o senhor gentilmente nos trouxe, o senhor nos mostrou uma publicidade da Casa para Todos, na época da guerra, em 1941. Como é que foi essa trajetória de publicidade tanto da Casa para Todos como da Esquina Magazine? Conta um pouco pra gente.

R – Olha, em 41, eu. Eu nasci em 41! Então aquela publicidade coincide com meu ano de nascimento. Indiscutivelmente a Casa para Todos, o meu pai, naquela época era sócio do meu tio, eles sempre se preocupavam muito em ser agressivos na parte de propaganda. Então eles sempre anunciaram. Naquela época você tinha o Correio Popular, não me lembro se tinha o Diário do Povo ou na, mas sempre fizeram anúncio, tanto em jornal quanto em rádio. E nós nunca deixamos de estar presentes na mídia. Mas em alguns momentos, menos em outros momentos; mas nós sempre tivemos sempre presentes. Houve um momento inclusive, quando eu citei, 1978, 1980, em que nós introduzimos novas seções, novas linhas de produtos na loja; que nós chegamos a ser um dos maiores anunciantes de Campinas. Tanto na TV Campinas, quanto em jornal. Jornal, independente dos jornais que existiam na ocasião, existia também um jornal semanal, Jornal de Domingo, em que eles veiculavam, era um jornal muito mais dirigido pra mulher, com receitas, tratamentos de beleza, enfim. E em sendo dirigido especificamente para mulher, um veiculo sensacional pra que a gente fizesse propagando. Então, nós e a Sears, naquele momento, éramos os maiores anunciantes daquele jornal. Nós fomos um dos maiores anunciantes da TV Campinas também, do varejo, da TV Campinas daquele momento, e nas rádios. Hoje eu estou fora de televisão e estou fora de jornal. Mas eu faço propaganda hoje em pelo menos oito rádios, que dá um volume razoável de lembrança pro público.

P/1 – O senhor poderia comentar o advento dos shoppings em Campinas. Essa relação da entrada dos shoppings e dos Hipermercados. Ou primeiro dos shoppings, como queira.

R – Olha, eu não me lembro exatamente o ano que o Iguatemi foi inaugurado. Mas independente do momento que ele foi inaugurado, independente do momento em que os supermercados, hipermercados se expandiram; eu acho que o comércio mudou muito. Houve uma divisão muito grande de consumidores por poder aquisitivo. O inicio do Iguatemi, por exemplo, eles fizeram o lançamento do shopping visando a classe de poder aquisitivo maior.E foi um grande erro estratégico naquele momento, tanto é que o Iguatemi levou algum tempo pra se firmar. Hoje a coisa está diferente, o Iguatemi está mais do que maduro, o dom Pedro tem um sucesso fantástico, e isso provocou evidentemente um afastamento de muitos consumidores que consumiam no centro da cidade. Inclusive com um detalhe, a região comprava muito em Campinas, com a implantação de shoppings centers nas cidades da região, com o desenvolvimento do comércio local a região deixou de comprar no centro de Campinas. E hoje eles ainda vêm a Campinas, mas vem especificamente para irem aos shoppings centers. Então, o quê aconteceu? O centro da cidade sofreu durante algum tempo um problema muito sério de perda de clientes, de deterioração, algumas administrações municipais deixaram de ser preocupar com o centro da cidade, de cuidar adequadamente do calçadão, e com isso nós sofremos muito. A (Isalene?), quando prefeita, resolveu recuperar o calçadão da Treze de maio. Apesar de todos os problemas que nós tivemos, nós tivemos mais de um ano de obras, quase que impossibilitando o consumidor a chegar ao centro da cidade, apesar de todos os problemas, e apesar da forma como foi feita essa reforma, cheia de problemas técnicos, hoje – eu diria pra você o seguinte – o centro recupera parte daquilo que tinha perdido. Se você for ao calçadão, você vai ver, inclusive a minha loja, sendo totalmente reformada. Eu troquei toda a fachada da loja, recuperando a fachada original, estou trocando toda a parte elétrica e etc e tal, vou trocar todo o equipamento, então. A Pernambucanas já fez isso daí, enfim, as lojas hoje estão investindo muito porque parte daquele publico que havia se afastado hoje retorna a centro da cidade. E felizmente nós vivemos hoje algumas circunstâncias interessantes. O publico voltando, o poder aquisitivo sendo melhorado um pouco, crescimento de emprego. Quer queira, quer não, mas importação de produtos mais baratos. Tudo isso facilita. Queda de juros, ampliação de prazo de pagamento, tudo isso facilitando para que o consumo cresça. Então hoje a gente vive um momento muito bom, mas no momento que os shoppings se implantaram, no momento que os Hipermercados se expandira, nós realmente sofremos bastante. Naquele momento.

P/1 – Só um esclarecimento. A Isalene entrou em substituição ao Toninho, é isso?

R – Sim, sim. A Isalene foi eleita vice, com a morte do Toninho ela assumiu.

P/1 – Uma outra questão: o senhor falou sobre importação. Como é que o senhor vê a importância do aeroporto de Viracopos na região de Campinas?

R – Viracopos pra mim é uma história. É uma história porque em 1950, mais ou menos, na década de 50. Viracopos, naquele momento era pra ser o aeroporto internacional. Naquele momento a PUC era pra ter sido construído, o campi dela era pra ter sido construído na região de Viracopos, e assim sucessivamente. Eu acho terrível olhar Viracopos como um aeroporto alternativo, quando nós temos uma condição climatológica aqui em Campinas fantástica. São muitos poucos dias do ano que fecha Viracopos, enquanto São Paulo e outros aeroportos têm um número de dias muito maior. Indiscutivelmente Viracopos tem uma importância muito grande quando a gente olha sob o aspecto de transporte de carga. Tem e merece evidentemente ser valorizado, ser ampliado do jeito que está sendo feito. Porque nós estamos numa região muito rica. Eu acho que a grande alternativa para qualquer situação é Viracopos.

P/1 – Como o senhor percebe a região metropolitana de Campinas hoje? Como avalia essa região de Campinas no contexto paulista e brasileira?

R – Dentro do contexto paulista eu tenho a impressão que a região de Campinas é a segunda ou terceira região economicamente falando. Hoje você vê o seguinte, região de Piracicaba, cana de açúcar, etc e tal, com a visão do combustível, do álcool combustível, ela tem hoje um desenvolvimento, um crescimento econômico fantástico. Outro dia eu recebi um telefonema de um corretor de Piracicaba, me oferecendo um ponto em Piracicaba, ele dizia o seguinte: Abdo, aqui não tem desemprego, com esse bum da cana de açúcar não tem desemprego. Pelo contrario, nós estamos com problemas aqui. Então, se a gente analisar a região de Campinas, o interior de São Paulo, o estado de São Paulo em relação ao Brasil, eu acho que nós temos uma importância fantástica, e nem sempre recebemos a valorização devida por parte dos governos.

P/1 – Como o senhor colocaria os segredos para o sucesso do seu estabelecimento? Quais os maiores desafios, quais os segredos?

R – E você acha que eu vou falar pro meu concorrente? [risos]

P/1 – Fala pra gente, a gente não conta.

R – Eu acho que não existe segredo, existe sim muito trabalho, uma dedicação muito grande e aquilo que eu já falei: você ter um sortimento adequado de produtos, uma diferenciação quando possível nos produtos – porque hoje eles estão muito iguais, os produtos estão se tornando comodities, e principalmente serviço. Serviços, mas não no sentido dos serviços do passado, não é no sentido de ter um atendimento personalizado, estender o tapete vermelho, servir cafezinho. Não é bem assim, não. Serviço no sentido de atender aquilo que o consumidor precisa: velocidade, conhecimento e simpatia.

P/1 – Como o senhor vê a iniciativa do SESC Campinas de coletar as histórias de vida dos comerciantes que contam a história da cidade?

R – Acho fantástico. Acho fantástico. Aliás, eu trouxe pra vocês algumas fotos, foram muito poucas fotos. Só pra situar: na realidade a minha preocupação com o passado não é tão grande a ponto de guardar muitas fotos, muitos dados. Então eu vejo a iniciativa de vocês com muito bons olhos, porque realmente isso aí faz com que a gente reviva parte desse passado e acabe não se perdendo. Porque fatalmente ia acabar se perdendo.

P/1 – Como o senhor vê o futuro da sua empresa. A sua família: qual é a participação da sua família na sua empresa. O senhor participou quase toda a sua vida. Como o senhor vê a participação da sua família?

R – Eu vejo o seguinte, eu sou casado, casei em 1965, tenho duas filhas, as duas são casadas, tenho três netos, duas meninas e um menino. O garoto fez 18 anos dia dois agora, e as meninas tem onze e dez anos. Das minhas filhas eu tenho uma morando aqui em Campinas, que é a mãe do garoto, da mãe do Daniel, a Regiane, mãe do Daniel. E eu tenho uma que mora na Alemanha, acabou de ir embora ontem pra Alemanha. Eu acho muito difícil que a empresa venha a ter continuidade dentro da família. Porque a minha filha que mora aqui, a Regiane, ela é psicóloga e ela exerce. A outra filha fez ESPM, mas mora na Alemanha, então dificilmente ela voltará pra poder assumir a empresa. Dos netos, eu tenho um com 18 anos. Então, é muito cedo ainda pra saber se esse garoto vai querer seguir ou não. Ele vai prestar administração de empresas no final do ano. Mas acho que ainda é uma incógnita. Se ele vier, e quiser dar sequência, maravilhoso. Eu acho que é um trabalho que não se perde. Se ele não vier não vamos ter sequência, pelo menos dentro da família.

P/1 – E as lições de vida que o senhor tirou ao longo desses anos trabalhando no comércio?

R – Mas vocês não sabem fazer pergunta fácil? Lições de vida? Aprende-se muito. Mas a gente aprende muito não só no comércio na realidade.

FIM DE CD

R – Lições de vida nós temos todos os dias em qualquer que seja a nossa profissão. Desde que a gente esteja aberto para aprender. Apanhamos muito. Eu apanhei muito. Eu apanhei? Apanhei. Mas eu tenho a impressão também que cresci muito. Porque nesses momentos que você pára realmente pra pensar, pra avaliar, pra dar um salto pra mudar alguma coisa. E o comércio não é fácil. Eu digo que a gente aprende em qualquer profissão, mas realmente o comércio nunca foi fácil, e ultimamente menos ainda. Então isso serve de desafio, e desafio muito gostoso.

P/1 – Como o senhor vê a sua participação nesse projeto Memórias do Comércio de Campinas?

R – Eu me sinto envaidecido. Eu me sinto orgulhoso de poder participar. E me sinto feliz por poder colaborar com vocês de alguma forma. Espero que essas lembranças trazidas hoje aqui sirvam, tanto para recordação, quanto para as futuras gerações olharem e dizerem o seguinte: olha, a gente pode aprender alguma coisa aqui. Se fizer isso aí, estarei muito feliz.

P/1 – Nós temos só a agradecer a sua participação e esperamos contar com a sua presença nos lançamentos dos nossos produtos.

R – Com certeza