Esta história pertence a minha mãe que se chama Maria Alves dos Anjos, tem 58 anos, é negra e sem dúvida é um anjo em minha vida. Aos 9 anos de idade minha mãe no período da manhã perdeu sua avó e à tarde do mesmo dia perdeu sua mãe. Seu pai foi embora e a abandonou junto com seus irmãos. Passou a morar com seus irmãos que também são negros, e aos 14 anos de idade veio de Minas Gerais para São Paulo, com a desculpa de passear. Mas a verdade, o que realmente ela queria era fugir do casamento arranjado por seu irmão. Naquela época era comum as irmãs acatarem tudo o que fosse imposto por seus irmãos mais velhos. Se apaixonou por um homem branco, porém como meu tio não aceitava, foi logo tratando de arrumar um casamento com um negro contra a vontade de minha mãe. Quem disse que negro não é preconceituoso?
Ao chegar em São Paulo, seus primos que a acompanharam durante a viagem lhe abandonaram, então sozinha sem lugar para ficar, minha mãe desesperada se viu obrigada a trabalhar como empregada doméstica. Humilhada por diversas vezes por seus patrões, teve que comer resto de comida, mas o que fazer, se não tinha nenhum parente que pudesse acolhê-la? Como uma garota pobre de 14 anos conseguiria sobreviver em meio a uma cidade grande como São Paulo? Diante de tantas dificuldades enfrentadas não conseguiu estudar, sendo assim, não sabe ler nem escrever.
Depois de algum tempo conheceu meu pai José Antônio de Araújo, se apaixonou e com pouco tempo foi morar com ele na periferia da zona sul de São Paulo, em seguida engravidou do meu irmão. Mal sabia ela do que estava por vir. Meu pai sempre foi muito agressivo em suas palavras e atitudes, sempre a traía. E como todos seus amigos tinham mais de dois filhos e ele apenas um, considerava um absurdo minha mãe não engravidar novamente. Até que minha mãe engravidou de mim o que levou meu pai a felicidade total. Minha mãe relata que devido a isso, sempre fui o xodó dele.
Porém,...
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Esta história pertence a minha mãe que se chama Maria Alves dos Anjos, tem 58 anos, é negra e sem dúvida é um anjo em minha vida. Aos 9 anos de idade minha mãe no período da manhã perdeu sua avó e à tarde do mesmo dia perdeu sua mãe. Seu pai foi embora e a abandonou junto com seus irmãos. Passou a morar com seus irmãos que também são negros, e aos 14 anos de idade veio de Minas Gerais para São Paulo, com a desculpa de passear. Mas a verdade, o que realmente ela queria era fugir do casamento arranjado por seu irmão. Naquela época era comum as irmãs acatarem tudo o que fosse imposto por seus irmãos mais velhos. Se apaixonou por um homem branco, porém como meu tio não aceitava, foi logo tratando de arrumar um casamento com um negro contra a vontade de minha mãe. Quem disse que negro não é preconceituoso?
Ao chegar em São Paulo, seus primos que a acompanharam durante a viagem lhe abandonaram, então sozinha sem lugar para ficar, minha mãe desesperada se viu obrigada a trabalhar como empregada doméstica. Humilhada por diversas vezes por seus patrões, teve que comer resto de comida, mas o que fazer, se não tinha nenhum parente que pudesse acolhê-la? Como uma garota pobre de 14 anos conseguiria sobreviver em meio a uma cidade grande como São Paulo? Diante de tantas dificuldades enfrentadas não conseguiu estudar, sendo assim, não sabe ler nem escrever.
Depois de algum tempo conheceu meu pai José Antônio de Araújo, se apaixonou e com pouco tempo foi morar com ele na periferia da zona sul de São Paulo, em seguida engravidou do meu irmão. Mal sabia ela do que estava por vir. Meu pai sempre foi muito agressivo em suas palavras e atitudes, sempre a traía. E como todos seus amigos tinham mais de dois filhos e ele apenas um, considerava um absurdo minha mãe não engravidar novamente. Até que minha mãe engravidou de mim o que levou meu pai a felicidade total. Minha mãe relata que devido a isso, sempre fui o xodó dele.
Porém, quando eu estava com apenas 1 ano e meio de idade e minha mãe grávida de 3 meses da minha irmã, meu pai é morto. Neste caso minha mãe passa a se ver novamente sozinha e agora com 3 filhos pequenos para criar. Trabalhou constantemente, muitas vezes doente para que não nos faltasse ao menos o básico. Mas mesmo assim, às vezes nos faltava o alimento de cada dia.
A maior parte de minha infância e adolescência morei em um barraco pequeno na beira do córrego e quando chovia corríamos para colocar tudo no alto para não ser levado na enchente. Brincávamos muito na rua, porque brinquedo era algo muito caro. Na escola comíamos sempre a merenda oferecida, pois não tínhamos dinheiro para comprar um lanche. Na época de comprar uniforme escolar minha mãe sempre ia a escola brigar para que o mesmo fosse nos doado, já que não tínhamos condições financeira para comprar e não podíamos ficar sem estudar. Realidade dura de quem vivia na favela, porém posso dizer que tive uma infância e adolescência muito feliz.
Minha mãe sempre disse algo que nunca esqueci: “Estudem sempre para serem alguém na vida e para que não precisem passar por tudo que eu passei”! Anos depois minha mãe se juntou novamente, agora com o pai dos meus 2 irmãos mais novos, mas essa união também não deu certo, meu padrasto Francisco era dependente químico. Gastava todo seu dinheiro com bebidas e dívidas de droga. Sendo assim, minha mãe se viu obrigada a escolher entre nosso bem estar e o meu padrasto. Não pensou duas vezes e optou por seus filhos. Meu padrasto então virou morador de rua e um tempo depois acabou por falecer.
Minha mãe sempre diz que somos tudo o que ela tem na vida e seu bem mais precioso, afinal desde que veio para São Paulo nunca mais teve notícias de seus irmãos. Insisto sempre para que procure por eles, mas pelo visto ela carrega uma mágoa muito grande em seu coração, já que diz que seus irmãos não se preocuparam com ela e nunca procuraram saber como ela estava. Também nem sabe se ainda estão vivos.
Eu e meus irmãos já somos adultos, não moramos mais naquele barraco na beira do córrego. Cada um mora com suas famílias. Sou a única que ainda não tem filhos, apesar de já ser casada. Sou formada em Pedagogia, exercendo há 3 anos essa linda profissão e sabe de uma coisa?
A minha mãe é a maior responsável por isso, pois graças a ela e aos seus ensinamentos que trilhei esse caminho. Fui em busca dos meus sonhos e um futuro melhor. Lembro-me de quando eu chorava para não ir à escola, mas assim mesmo, ela me obrigava a ir e dizia: “Lá na frente você vai me agradecer”. E hoje realmente sou muito grata, pois se não fosse por seus esforços e puxões de orelha não seria hoje quem me tornei.
Sempre ouvi de muitos amigos da própria periferia que cursar uma faculdade era algo improvável para pessoas da nossa classe social, mas felizmente sempre ouvi da minha mãe: “Se você quer muito, vá em frente, pois você vai conseguir”! E consegui. Me recordo da minha mãe chorar de felicidade na minha colação de grau. Era de fato a certeza que mesmo diante de tantas incertezas ela fez um bom trabalho. Tenho muito orgulho em dizer: Dona Maria é minha mãe, minha rainha e principalmente minha vida.
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