P/1 – Em nome da White Martins e do Museu da Pessoa, obrigada pela sua presença aqui.
R – O prazer é todo meu.
P/1 – Para começar, por favor, seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Meu nome completo é José Fonseca Duarte Junior. Eu nasci em Belo Horizonte em 1959, mas precisamente em 29 de setembro de 1959.
P/1 – O nome do seus pais, Junior.
R – Meu pai, José Fonseca Duarte, eu tenho o nome dele; e a minha mãe, Maria José de Andrade Duarte.
P/1 – São brasileiros?
R – Todos os dois.
P/1 – E nasceram em Belo Horizonte também?
R – Meu pai é natural de Belo Horizonte e minha mãe é fluminense, ela é natural do estado do Rio. Ela nasceu na cidade de Rio das Flores, perto de Volta Redonda, perto de Valença.
P/1 – E você sabe como eles se conheceram?
R – Acredito que sim, já me foi passada essas informações, eu sou curioso a respeito de aspectos familiares. A minha mãe estudava no Colégio Santa Maria em Belo Horizonte, na época meus avós moravam em Belo Horizonte e o meu pai morava no bairro onde minha mãe estudava que é no bairro Floresta em Belo Horizonte. E pelo que me consta, foram aqueles encontros de porta de escola, aquelas paqueras que existiam aí na década de 1940, 1950 porque curiosamente, meu pai foi o único namorado da minha mãe e vice-versa; ele tinha 15 anos e minha mãe 13 anos quando eles se conheceram, então ela era estudante de ginásio na época, vamos dizer assim.
P/1 – E você tinha contato com os avós?
R – Eu tive contato com os meus avós paternos, os conheci, e apenas com a minha avó materna, o meu avô materno, ele faleceu muito jovem em 1945, eu não tive esse privilégio, minha mãe tinha 13 anos. Nessa época em que ela conheceu meu pai que o meu avô veio a falecer.
P/1 – E você tem lembrança de como é que era a casa, o bairro, o ambiente da sua primeira infância?
R...
Continuar leituraP/1 – Em nome da White Martins e do Museu da Pessoa, obrigada pela sua presença aqui.
R – O prazer é todo meu.
P/1 – Para começar, por favor, seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Meu nome completo é José Fonseca Duarte Junior. Eu nasci em Belo Horizonte em 1959, mas precisamente em 29 de setembro de 1959.
P/1 – O nome do seus pais, Junior.
R – Meu pai, José Fonseca Duarte, eu tenho o nome dele; e a minha mãe, Maria José de Andrade Duarte.
P/1 – São brasileiros?
R – Todos os dois.
P/1 – E nasceram em Belo Horizonte também?
R – Meu pai é natural de Belo Horizonte e minha mãe é fluminense, ela é natural do estado do Rio. Ela nasceu na cidade de Rio das Flores, perto de Volta Redonda, perto de Valença.
P/1 – E você sabe como eles se conheceram?
R – Acredito que sim, já me foi passada essas informações, eu sou curioso a respeito de aspectos familiares. A minha mãe estudava no Colégio Santa Maria em Belo Horizonte, na época meus avós moravam em Belo Horizonte e o meu pai morava no bairro onde minha mãe estudava que é no bairro Floresta em Belo Horizonte. E pelo que me consta, foram aqueles encontros de porta de escola, aquelas paqueras que existiam aí na década de 1940, 1950 porque curiosamente, meu pai foi o único namorado da minha mãe e vice-versa; ele tinha 15 anos e minha mãe 13 anos quando eles se conheceram, então ela era estudante de ginásio na época, vamos dizer assim.
P/1 – E você tinha contato com os avós?
R – Eu tive contato com os meus avós paternos, os conheci, e apenas com a minha avó materna, o meu avô materno, ele faleceu muito jovem em 1945, eu não tive esse privilégio, minha mãe tinha 13 anos. Nessa época em que ela conheceu meu pai que o meu avô veio a falecer.
P/1 – E você tem lembrança de como é que era a casa, o bairro, o ambiente da sua primeira infância?
R – Sim, a minha história, eu nasci em Belo Horizonte em 1959, mas com um ano de idade eu me mudei pro Rio, então eu fui morar na Tijuca, no Rio. Na praça, perto da praça Afonso Pena, poucos quarteirões do Maracanã, então eu me lembro muito da frequência a essa praça, do andar de bicicleta, do jogar futebol, fui sócio do América do Rio, um clube que hoje nem tem muita expressão no futebol brasileiro. Eu frequentava o clube do América. Então eu me lembro disso e nós ficamos no Rio até 1968 quando nós voltamos para Belo Horizonte, aí nós compramos uma casa que é a casa que a minha mãe mora até hoje, e foi lá que eu desenvolvi a minha, todo o resto da infância, da juventude, estudei e saí de Belo Horizonte quando eu me formei em dezembro de 1982.
P/1 – Voltamos então um pouco pro Rio de Janeiro, você já tinha irmãos nessa época?
R – Eu sou o segundo de uma família de três irmãos. Somos três e eu sou o do meio.
P/1 – Todos chegaram a morar no Rio de Janeiro também?
R – O meu irmão caçula é carioca, nasceu no Rio em 1960. O meu irmão mais velho nasceu em Belo Horizonte como eu.
P/1 – E qual era o motivo dessa mudança de Belo Horizonte pro Rio?
R – Foi a transferência do meu pai. Meu pai era advogado do Banco de Minas Gerais, do BMG, e o meu pai foi convidado essa época, o BMG comprou um banco no Rio de Janeiro e o meu pai foi convidado a fazer uma avaliação jurídica desse ativo que o BMG tinha comprado no Rio. Então ele foi convidado a ser transferido pro Rio e fomos todos.
P/1 – E sua mãe trabalhava?
R – Não, minha mãe na época não trabalhava. Minha mãe, ela é formada em pedagogia, ela deu aula muito tempo de Matemática, mas quando casou e após a primeira gravidez, ela decidiu junto com um apoio forte do meu pai, a cuidar da família.
P/1 – Conta para gente um pouco essa sua infância em Belo Horizonte, o bairro que vocês moravam...
R – Então, nós fomos para Belo Horizonte em 1968 e o meu irmão mais velho estudava no Rio no Colégio Marista, Colégio São José, e quando fomos para Belo Horizonte, em função do sucesso e do prazer que os meus pais tiveram com a educação marista, então de cara a gente foi matriculado no Dom Silvério, que é uma escola marista de Belo Horizonte. E o meu pai estava negociando uma casa no bairro dos Funcionários, mas na última hora esse negócio não conseguia se viabilizar, aí nós já estávamos matriculados no colégio, não tinha como, eles não queriam fazer de forma diferente e aí nós fomos achar uma casa no Prado, que é um bairro bem residencial que tem em Belo Horizonte próximo do Gutierrez, do Barro Preto e aí nós compramos essa casa lá e vivemos a vida inteira lá. Nós fomos achar uma casa na época às pressas, sem muito tempo mais para fazer uma pesquisa, no Prado que é um pouco distante do colégio que a gente trabalhava. Então a minha mãe ficou esse período inteiro servindo de motorista, no início no mesmo turno, todos estudavam a tarde, depois ela chegou a ir até quatro vezes no colégio, ia de manhã levar, buscava na hora do almoço, levava de novo às 13 horas e buscava às cinco horas da tarde.
P/1 – Como é que era a vida então, em casa? Todo mundo almoçava junto?
R – Todos almoçavam juntos. Sempre, meu pai sempre prezou por isso, é uma formação, assim, de família bem unida.
P/1 – Seu pai, naquela época, ia-se almoçar em casa.
R – Sim, sim.
P/1 – Dava tempo.
R – Se planejava para que a família estivesse unida em casa e nos finais de semana isso era também. A gente precisa estar junto pelo menos na hora do almoço.
P/1 – E as festas? Vocês gostavam de festa? Sua mãe gostava de receber?
R – Sempre gostou. Minha mãe foi sempre uma pessoa, assim, eu a considero uma pessoa iluminada, mas sempre gostou muito de... Foi muito social, gostou muito de receber as pessoas, os parentes, os cunhados, as cunhadas, no caso, os irmãos, primos… Quando nós moramos no Rio então, isso era muito frequente porque a família do meu pai é toda de Belo Horizonte, o Rio é uma cidade praiana Litoral, então férias era muito comum a gente estar sempre com a casa cheia de convidados, mas basicamente sempre família.
P/1 – Se você lembrasse da sua infância agora, queria que você contasse alguma lembrança que te fizesse sorrir hoje em dia, quando você era pequeno. Tem alguma?
R – Um fato assim não. Mas o que a minha família, minha família sempre foi uma família muito chameguenta, então é... Sempre muito colo, muito carinho apesar de não ter uma irmã, não ter uma filha, assim, meus pais não tiveram uma menina, mas sempre foram muito carinhosos com a gente e vice-versa. Eu não acho que você ter três homens, três meninos dentro de uma casa com diferença de dois anos, houve situações de que o pavio acendeu, porque precisou-se de apaziguação, mas minha mãe sempre foi muito rígida também, na educação, na colocação de limites. Então, eu tenho, assim, uma recordação da minha infância que é muito calma, muito... Com muito calor humano, com muita receptividade, muito diálogo. Meu pai era uma pessoa mais reservada, mas em casa ele tinha essa abertura a mais para gente, sempre nos escutou muito, sempre foi um amigo; e a minha mãe, do lado da gente o tempo todo.
P/1 – A sua mãe, ela costumava ler para vocês antes de dormir?
R – Não, não lembro. Costumava, eu lembro dela contar histórias, mas não dela contar histórias de livros. A gente tinha muito livro, então logo que nós começamos a aprender a ler aí sim havia um exercício muito grande para que a gente desenvolvesse o hábito da leitura. Então ela fazia questão de comprar livros de história, para que a gente pudesse ler. Assim, nós entramos pro jardim de infância e pro primeiro ano, eu podia te dizer que uns 40% já alfabetizados em casa e inclusive de fazer exercícios de escrita e de leitura porque minha mãe deu aula, então ela achava que tinha que fazer essa iniciação. Hoje já existe nos pré-primários, nos maternais, mas na época não tinha e eu entrei com cinco anos no jardim de infância, fiz meu primeiro ano com seis anos, mas até lá eu lembro de fazer exercícios em casa de caligrafia, de identificação de letras e de sílabas, era muito interessante, ela foi sempre bem ativa nisso.
P/1 – Ela usava lousa?
R – Não, em casa, não.
P/1 – E era onde? Na mesa da cozinha, na mesa da sala de jantar, no quarto?
R – Era na escrivaninha. A gente tinha um, cada um tinha uma escrivaninha no apartamento que a gente morava, então ela ia nas escrivaninhas e passava os deveres e tinha tempo de estudar e isso foi até, basicamente, o ginásio inteiro que na minha época era ginásio, tínhamos hora para fazer as coisas. Caminhando um pouco assim nisso, quando nós morávamos em Belo Horizonte, nós tínhamos uma turma de rapazes, de amigos, assim, muito grande, então eu fui morar numa casa grande, minha casa tinha um quintal grande onde a gente jogava bola. Então tinha uma turma de amigos e a minha mãe sempre buscando esses limites, nós tínhamos hora, os amigos continuavam brincando e ela chamava mesmo: “Gente, ó, tá na hora, vamos entrar, vamos estudar, vamos nos preparar porque no dia seguinte...”. A gente teve uma vida bem regrada com uma liberdade vigiada, nós praticamos esporte, nós fomos nadadores do Minas Tênis Clube, todos nadaram depois cada um foi pro esporte que quis, meu irmão caçula jogou basquete, eu joguei um pouco de vôlei, meu irmão mais velho era mais das paqueras, então tinha, cada um foi direcionando pro esquema, mas sempre de um espírito com limites, com regras, sempre vivenciamos os prazeres, porém, de forma moderada.
P/1 – A escola era mista?
R – No ano que nós entramos, foi o primeiro ano que a escola marista de Belo Horizonte foi mista. Eu lembro disso na minha sala em 1968, tinham três meninas e até o ano anterior eram só rapazes, então foi o primeiro ano que a gente… Hoje a escola marista de Dom Silvério de Belo Horizonte é um colégio de renome e muito procurado, de ensino reconhecido, com índice de aprovação em vestibular muito alto.
P/1 – Mas tinha ensino religioso?
R – Sim. Junto eu tive professores que davam aula de batina.
P/1 – De latim.
R – De batina.
P/1 – Aula de batina?
R – Exatamente.
P/1 – Explica isso um pouco para nós. O que é aula de batina.
R – É, o professor dava aula com esse, com aquele hábito de padre! Aquela batina de padre.
P/1 – Entendi.
R – Então era irmão marista mesmo. Tive mais de um, dois ou três professores. Depois a tendência foi diminuir. Eu estudei dez anos no Silvério, do terceiro ano primário até o primeiro ano do segundo grau, na época era científico. E aí as coisas foram se adequando, foram se modernizando, o número de meninas cresceu, o colégio desenvolveu, tendenciou a desenvolver muito mais práticas de esportes também, antigamente isso era menos difundido e aí as aulas, as matérias religiosas também diminuíram um pouco a carga horária. O colégio se profissionalizou um pouco mais para atender a demanda de mercado.
P/1 – Você era obrigado a fazer primeira comunhão?
R – Não, não. Isso é uma formação de família. No colégio não tinha esse tipo de obrigação, mas tendenciosamente para o colégio marista entravam alunos da religião católica. Em Belo Horizonte tinha escolas protestantes, escolas de outras religiões, então era Santo Antônio, São Silvério e Santo Agostinho eram os colégios que depois formaram o CCI-4, que eram os Colégios Cristãos Integrados, eram quatro colégios católicos.
P/1 – E aí vocês tinham que comprar o material ou a escola dava?
R – Não, a gente comprava. Eram livros mesmo que a gente adotava. Só no segundo e terceiro ano, basicamente no terceiro ano, é que você tinha as apostilas próprias. Houve uma época, eu acho que eu participei até dessa mudança, dessa metamorfose, na qual os colégios começaram a preparar os seus próprios materiais. Foi a época das apostilas, em que o vestibular se tornou, foi se tornando uma guerra. Então, houve esse fato e é aí que eu te disse que houve essa fusão, essa associação, dos quatro colégios cristãos de Belo Horizonte. Montaram um corpo docente único que dava aula nas quatro escolas e montaram o material para formação dos alunos, para enfrentar os cursinhos, foi na época em que começou surgir o cursinho como um instrumento de preparação para o vestibular.
P/1 – Você se sentia bem na escola?
R – Sentia, muito bem. Muito bem adaptado.
P/1 – E você já imaginava o que ia ser quando crescesse?
R – É, eu tive assim, um pouco de tendência a escolher quando eu já estava no científico, no segundo grau. No primeiro grau eu... A gente tinha ideia. Eu sempre gostei muito de carro, de velocidade, então eu queria trabalhar com isso. Acabou que, no final a gente não trabalha, mas o que me chamou mais a atenção eram os motores, eu gostava muito de ver aquela geringonça, da máquina funcionando, da idealização daquilo, eu achava isso muito interessante. O meu curso inclusive foi direcionado para projeto de máquinas térmicas e de máquinas de combustão, mas eu vou te contar ao longo da história aí que as coisas acabaram se direcionando para outro fim, outro aspecto.
P/1 – E o carro da sua casa? Chegou a ser desmontado em alguma época, na época da juventude?
R – Não, não, não.
P/1 – Não teve essa afetação?
R – Tive, mas não tive essa oportunidade. Na realidade meu pai sempre foi muito rigoroso com esse tipo de coisa e eu só peguei um carro para dirigir quando eu estava na auto-escola e tirei carteira, vi vários colegas dirigir com 15 anos, 16, eu não, a gente não. Na minha casa só o dia que eu tirei carteira.
P/1 – Mas em que momento você teve essa percepção de que motores era uma coisa que você gostava?
R – Quando eu comecei a acompanhar esporte motor na televisão. Nos idos de 1970, é... Eu acompanho corrida de carros desde essa época, eu acompanhei a ascensão do Emerson Fittipaldi que foi o primeiro campeão brasileiro em 1972. Fui no primeiro grande prêmio aqui em São Paulo, 1975, em Interlagos, aqui, na loucura, a viagem de Belo Horizonte para cá era uma jornada extensa, a estrada muito perigosa e um sacrifício muito grande chegar no autódromo meia-noite para uma corrida que começava duas horas da tarde do dia seguinte. E aí, a partir daí, eu fui despertando, fui vendo que você podia trazer uma tecnologia de rua para velocidade de competição e isso me atraía muito. E eu fui desenvolvendo mais nessa linha. Acompanhava todas as corridas, tenho um acervo grande hoje de material de vídeo e de fotos desse esporte, acompanho as corridas sempre que posso, venho a São Paulo, fui ao Rio muitas vezes assistir às provas, trouxe meu filho para me acompanhar quando ele passou a ter idade para isso, então, origina mais ou menos por aí, nessa época.
P/1 – Mas ter visto realmente um motor desmontado...
R – Vi várias vezes. Assim, eu vi isso quando criança em oficina, mas sem botar a mão.
P/1 – Você frequentava oficinas mecânicas?
R – Eu frequentava é... Por hobby, tinha pai de amigos que mexiam com oficina então a gente tinha oportunidade. Eu tinha um vizinho, por exemplo, de frente da minha casa em Belo Horizonte que mexia com isso. Então a gente era curioso, mas não tive, assim, oportunidade de interesse, mas oportunidade de mexer com isso. Depois no início da minha carreira, eu fui engenheiro de manutenção em empresa de construção pesada, aí fui responsável realmente por áreas, mas aí eu já estava bacharelado em Engenharia Mecânica, já era...
P/1 – Então teria sido por isso que você se inclinou pela Engenharia Mecânica e se dirigiu para fazer o vestibular para Engenharia?
R – Sim.
P/1 – Como é que foi a entrada na faculdade?
R – Olha, foi normal, foi tranquilo. Eu fiz o vestibular, eu passei no vestibular, no primeiro vestibular que eu fiz em 1978. Eu fiz na federal de Belo Horizonte e fiz na Católica e tive oportunidade de entrar na católica, na federal eu fiquei com excedente, fiquei em 25, eram 50 vagas e eu fiquei em 75 no vestibular e não houveram as desistências suficientes para que eu pudesse entrar. Eu tinha feito as duas, a Católica também e estudei na, fui fazer PUC [Pontifícia Universidade Católica] em Belo Horizonte. Daí fiz os cinco anos de faculdade, começamos num curso que era generalizado, para as três categorias. Era para Civil, Elétrica e Mecânica junto e a partir do quarto trimestre já direcionou cada um para a sua matéria específica.
P/1 – Algum professor que tenha te marcado?
R – Ah, tinham alguns professores que eram mais rigorosos, um pouco mais carrascos, entre aspas. E eu lembro, por exemplo, que no quarto período eu fiz a cadeira de Termodinâmica, uma cadeira difícil, e foi uma grande peneira, eram 60 alunos que tinham entrado e só quatro passaram no quarto período, a maioria toda teve que repetir e eu dei sorte, fui um desses quatros que passou com a nota mínima, 60, na tábua da beirada. Então essa moça que era uma professora, uma engenheira química, essa moça eu lembro dela, a imagem dela na minha mente é clara até hoje.
P/1 – Nós vamos voltar para ela. Eu queria saber um pouco dessa passagem do adolescente que vai entrando na faculdade e essas sensações que você pudesse ter tido dessa vida que você tinha. De colégio para de repente um espaço maior que era a universidade, outro ambiente.
R – Então, pois é. Então eu fiz este vestibular em 1978, em janeiro de 1978, final de 1977, 1978. Aí eu já comecei entrar numa fase mais de rapaz. Eu tive que abandonar um pouco o esporte, eu jogava vôlei na época, eu gostava muito e tirei carteira em setembro, fiz as provas em dezembro e quando eu passei no vestibular, que saíram as notas, eu ganhei um carro. Então meu pai me deu um carro de presente, na realidade foi uma grande surpresa, foi uma festa na minha casa, rasparam minha cabeça e aí no meio dessa festa inteira, eu sou surpreendido com o meu pai chegando e me entregando a chave do carro dele que era um carro 77 e isso foi final de 1977, então eu peguei um carro com oito mil quilômetros rodados, um carro praticamente zero que assim, até arrepio, eu quase desmanchei na hora e eu não esperava, eu esperava assim, meu pai vai me dar um carro antigo, ele me deu o carro dele: “Pega aqui teu carro, tal, que você tenha bom uso”. Então aquilo já veio com uma carga de responsabilidade grande, falei: “Olha, a partir daqui a minha vida agora começa a mudar”. E aí logo nos primeiros meses de faculdade eu arrumei um emprego, um estágio, eu comecei, estagiei na consultora Andrade Gutierrez. Então eu trabalhei na Andrade Gutierrez cinco anos: três anos como estagiário e dois anos como assistente técnico. E aí na Andrade Gutierrez eu já estagiava estudando e aí em área de Manutenção, isso inclusive eu não botei no currículo, eu contei a história, praticamente só daqui, da Usiminas. Mas aí eu comecei a trabalhar com motores e aí sim motores, caixas de transmissões Equipamentos hidráulicos... E isso me ajudou um pouco a associar as próprias matérias que eu ia vendo na faculdade ligada aos princípios, vamos dizer, da tecnologia que eu estava trabalhando com ela depois.
P/1 – Fazer estágio significava o que para você?
R – Olha, primeiro, eu passava a ter um rendimento, então a minha independência começava a ser traçada a partir desse momento, pois o meu pai sempre prezou por a gente estudar e nos ajudava financeiramente, a gente não tinha rendimento até arrumar um emprego. Mas isso aconteceu com o meu irmão mais velho, aconteceu comigo e aí eu acho que quase por herança natural das coisas, meu irmão caçula também quando entrou na faculdade, ele acabou procurando um estágio. Então a gente começou a estagiar no primeiro ano, os meus cinco anos de faculdade, todos eles foram acompanhados de uma atividade profissional. Então eu passei no vestibular pro turno da manhã, mas quando eu terminei o meu primeiro período, eu me transferi para noite porque eu trabalhava durante o dia.
P/1 – Seis horas?
R – É, eu trabalhava seis horas. Mas aí durante o estágio começava seis, sete horas da manhã até 14 horas e tal, então eu tinha que, não dava para eu estudar de manhã. Eu não poderia escolher o período que eu queria trabalhar, era o período que a empresa oferecia.
P/1 – E carro? Todo mundo tinha carro? Como é que era essa história de ter carro?
R – Não...
P/1 – Então, você dava muita carona?
R – Dava. Mais para voltar da faculdade porque eu não tinha, assim, colegas próximos que moravam perto da minha casa, então na ida era mais difícil, mas na saída sim, a aula acabava onze e quinze da noite, então para dar carona próximo, até um ponto de ônibus que desce acesso mais fácil para que eles pudessem ir para casa, sim. E finais de semana, aí a gente programava fazer algumas atividades sociais que é o que tem de história da gente, do grupo de faculdade e é uma época também bacana.
P/1 – O que os seus colegas esperavam, assim, da Engenharia, da carreira? Vocês conversavam sobre isso? Ou ainda não era uma preocupação porque estava longe de se formar?
R – Olha, eu te digo o seguinte, do grupo mais próximo de mim, vamos dizer assim, deviam ter umas três, quatro pessoas no máximo que começaram a fazer estágio cedo, porque era normal na faculdade a busca por oportunidades a partir do sétimo, oitavo período. Mas, o meu foi assim, foi uma oportunidade e eu tinha um conhecido que trabalhava na Andrade Gutierrez e aí era conhecido da minha família também, através de uma conversa, que a grande preocupação do meu pai era se atrapalhasse os estudos, senão atrapalhar a gente daria continuidade, senão por ser estágio a gente interrompe. Eu consegui prorrogar esse estágio durante três semestres, um ano e meio, e aí depois eles me contrataram como auxiliar técnico de engenharia e aí não era mais meio expediente, aí já era expediente integral. E aí eu aproveitava, entre aspas, as minhas férias escolares para fazer estágio no campo, nas obras, porque Andrade Gutierrez era uma construtora, então eu não tive nenhuma férias nem de dezembro, nem de janeiro, dezembro, janeiro e julho durante os meus cinco anos de faculdade, porque quando eu saí de férias na faculdade eu ia para uma obra e tal, então eu tive oportunidade de ir pro Norte do Brasil, de ir pro Sul na divisa com a Argentina, eu trabalhei na época como auxiliar técnico na construção do aeroporto de Confins em Belo Horizonte, na construção da Açominas, então assim, era época de férias, os estagiários vão pras obras e os auxiliares técnicos, para dar uma ajuda e ao mesmo tempo adquirir experiência de campo, porque a formação nossa para o futuro da empresa seria trabalhar nas suas obras e não na sede.
P/1 – A ideia de trabalhar no campo te agradava?
R – É, me agradava, mas eu preferiria uma oportunidade de trabalhar na sede na época até pelo próprio laço que eu tinha com a cidade, com os amigos, com a vida social da cidade, porque, eu não trouxe aqui se eu tivesse eu podia te mostrar, fotos do que era o campo, nós estamos falando de uma casa de madeira na beira de uma estrada, num acampamento com forro e assim, levantando cinco e meia da manhã e indo dormir nove horas da noite, no meio de um poeirão danado, nós estamos falando de construção de estrada. Então você pega o leito virgem da estrada e começa e passa o trator, limpa, depois começa a fazer compactação, a construção de todas as etapas que dão a base para estrada até botar o asfalto em cima. Então você vai acompanhando esse leito das estradas e os acampamentos que eram construídos ao longo desse trajeto e você ficava no acampamento, quando você dava sorte da estrada estar próxima de uma cidade boa, ficava num hotel, numa pensão, num alojamento, num lugar melhor, mas não era assim, você não tinha atividade social, então, assim, você tirar um jovem de 19, 20 anos, sair de férias, a gente conhecia muitas oportunidades, mas eu já fui para lugares aí que eu vou te falar, o fim do mundo deve ser perto, algumas obras que a gente visitou.
P/1 – Eu fico curiosa porque aos dezenove anos a gente imagina que tem muita vida pela frente, que vai trabalhar quando se formar e você de fato se envolveu profundamente com a área.
R – Sem dúvida. Me envolvi a ponto de no período de escola ser indagado da possibilidade de participar de alguma atividade de obra, obras que eu fui fazer esse tipo de estágio, então mesmo em aula o pessoal tinha mesmo necessidade por alguma atividade específica que eu acabei fazendo nas férias, então ligava para sede: “Será que não dá pro Junior ficar aqui três dias, não pode perder três dias de aula e tal, a gente está precisando sair de uma situação de emergência aqui e não dá para ele vir dar uma ajuda”, claro que como uma ajuda, eu era uma mão de obra complementar, eu não era nem formado ainda, não tinha nem, assim, um cargo na empresa, vamos dizer.
P/2 – Como era a diversão na tua juventude, adolescência? O que você fazia para se divertir?
R – Vamos dividir então.
P/1 – Voltar um pouquinho de novo.
R – Na minha adolescência, é muito distrital, restrita mesmo ao bairro que a gente tinha, claro que a gente participava de alguns eventos fora do bairro, mas eram eventos, assim, atípicos. Está tendo uma feira da paz, uma exposição, então a gente ia, mas rodava muito no bairro. Era uma época que você tinha oportunidades nos clubes, hoje isso não existe mais, mas na época você tinha encontros, a gente chamava de Hora Dançante ou brincadeiras que tinha nos sábados ou nos domingos. Então a gente sempre ia para isso e muita reunião em casa de família, o bairro que eu morava era estritamente residencial, hoje já mudou, já tem muitas confecções e tal, mas na época era estritamente residencial, então era, a gente usava muito este aspecto de estar ali mesmo, no bairro. Depois quando você começa a ter um pouco mais de facilidade começa... Eu peguei a chave da minha casa, eu tinha 16 anos, então assim, já tinha uma liberdade pela própria confiança que os pais depositaram em função da formação e dos resultados que nós demonstramos ao longo da vida, a confiança ia aumentando e a nossa liberdade também. Liberdade vigiada porque muitas vezes eu cheguei três, quatro horas da manhã, estava o pai e a mãe esperando chegar: “Opa! A noite foi boa, chegou tarde e tal”, mas a gente tinha essa liberdade e sempre tinha um grupo de colegas, de famílias também conhecidas, meus pais faziam questão de ter essa interação com a família dos nossos amigos, porque na época já existia também, infelizmente é o início dos entorpecentes, de drogas, então é, existe uma grande preocupação das famílias com esse tipo de envolvimento, mas na época que a gente ficou mais velho, que tinha uma facilidade de carro, aí, a gente expandiu um pouco o horizonte e em Belo Horizonte eu tive o privilégio de viver, uma Belo Horizonte na época muito mais segura do que hoje, eu me lembro disso, claramente, da eficiência da polícia militar mineira que era respeitada e gerava-se uma tranquilidade muito grande para população em função das suas atuações, criticadas por alguns estados, por alguns governantes, mas para o estado de Minas Gerais, muito atuante. Então eu, graças a Deus, nunca tive nenhum problema de assalto em Belo Horizonte e saía, chegava em casa três, quatro horas da manhã, os portões daquela época não eram portões desses com motor, portões elétricos, o portão você tinha que descer do carro, abrir o cadeado e abrir e puxar o portão e fazia isso quatro horas da manhã, numa rua que não tinha ninguém. Então, vivenciei isso muito, a gente, fui em muitos clubes, muitos bailes e nunca tive assim nenhum problema. E a gente tinha uma vida social, posso te dizer ativa, porém sempre moderada, com limites. A gente vive sempre com limites. A gente nasce, tem os limites dos pais, depois você sai de casa e passa a ter o teu limite de consciência, depois você casa e passa a ter os limites da esposa, então, você está sempre vigiado.
P/1 – Você mencionou, se me lembro bem, na faculdade, professores rigorosos e falou de uma professora...
R – Eu me lembro de dois. Eu te falei da professora de Termodinâmica.
P/1 – Termodinâmica. Só fazer um comentário, interrompi. Alguma coisa a falar sobre isso?
R – Você disse que ia voltar depois até me perguntar alguma coisa sobre isso.
P/1 – Então, ela te marcou, ela era super rigorosa, professora mulher engenheira.
R – Sim.
P/1 – E ela não deixou, ela deixou você passar na matéria.
R – Eu acho que eu fiz por onde. Mas aí tem um caso curioso, na Católica, o processo de aprovação era dado pelo seguinte: você fazia três provas valendo 25 pontos cada uma e você podia anular uma das provas, então o que ficava era a média das outras duas. E eu dei muita sorte na primeira prova porque na primeira prova eu me preparei bem, tive a oportunidade de me preparar bem, então eu tirei a nota máxima na prova, mas na segunda foi um arraso! Para você ter ideia, na segunda prova eu tirei dois de 25, na primeira eu tirei 25, na segunda eu tirei dois, então, assim, eu fui para terceira tremendo, porque a maior nota da segunda prova foi cinco, então eu falei: “Cara, é aqui que eu vou ficar”, primeira reprovação da minha vida, nunca tinha sido reprovado, nem pegado segunda época, nem nada. Aí eu fui para última prova e eu lembro que eu tirei doze e meio ou treze e isso foi suficiente para eu passar com 60, tinha algumas notas de trabalho que a gente fazia, então assim, foi 60 no prego. E é o que eu estou te falando, dos 60 alunos, quatro só passaram, claro que os outros depois repetiram a matéria e a gente acabou se encontrando ao longo do nosso tempo de faculdade, todos formaram juntos, mas o pessoal teve que puxar matéria de um lado pro outro, fazer pré-requisito para recuperar esse tempo que havia sido perdido por causa de termodinâmica. Essa foi a professora que me marcou porque não foi só a mim, não foi só a minha pessoa que acabou sendo influenciada, foi a sala inteira! Então essa mulher ficou sendo assim rotulada como o terror da Católica.
P/1 – Então, no fim da faculdade você vai fazer seus cursos de pós-graduado. O que me deixou curiosa é que você escolheu Engenharia de Segurança de Trabalho e também Segurança e Medicina do trabalho. Depois você vai fazer um MBA [Master of Business Administration] de executivo em gestão empresarial. Como é que isso aconteceu? Isso aconteceu em função dos seus estágios? Em função das suas atribuições?
R – O que aconteceu, eu me formei em dezembro de 1982 e eu trabalhava na Andrade Gutierrez nessa época e aí no início de 1983, eu solicitei para empresa o reconhecimento como engenheiro porque eu estava como auxiliar técnico de engenharia porque eu não tinha diploma, quando o meu diploma saiu, minha carteira do CREA [Conselho Regional de Engenharia e Agronomia], eu fui na empresa e discuti isso. E no início da década de 1980, foi um ano muito difícil para nós, recém-formados, então, uma dificuldade de emprego no ramo muito difícil. Foi uma época de retração das grandes obras no Brasil, então, as construtoras, elas estavam demitindo funcionários. Então a Andrade Gutierrez no início de 1983, ela demitiu em torno de 15, 16 mil funcionários de todo o seu efetivo, daí eles falaram para mim: “Olha, se você tiver um pouco de paciência, a hora que a situação melhorar um pouco, a gente te efetiva, a gente gostaria que você ficasse, mas como auxiliar técnico de engenharia”. Então a gente recém-formado com o mundo para desbravar, cheio de planos e de sonhos, você esperar, assim, sem ter uma data pré-definida, eu quis sair. Então eu comecei no início do ano dentro desse processo de fica ou sai, eu falei: “Olha, eu preciso me qualificar um pouco melhor para que eu possa sair desse ramo”, então eu comecei a fazer o curso de Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho, era uma coisa só, é um curso de especialização, eu fiz numa faculdade em Belo Horizonte, mas o curso era da FUNDACENTRO, exatamente a instituição credenciada para a formação desse tipo de profissional.
P/1 – Por que você via aí que existia um mercado já?
R – Poderia ter um mercado um pouco melhor, então eu fiz esse curso ao longo de 1983 e no final do curso, em setembro, eu já tinha mudado pro Espírito Santo, então o meu irmão mais velho trabalhava em Vitória em uma empreiteira, e eu vislumbrei a possibilidade. Primeiro, eu queria sair de casa também, eu já tinha me formado, na minha cabeça não tinha sentido mais, eu tinha que procurar meu mundo, minha vida. Então era muito comum nessa época também, o jovem fazer esse tipo de caminho, exatamente o oposto de hoje que os jovens hoje voltam para casa, vai e pega uma pequena experiência e começa: “Vou arranjar um emprego perto de casa porque o meu orçamento vai ficar bem melhor”, mas a gente não, a gente tinha aquele espírito de obrigação de aventura, assim: “Eu preciso enfrentar a minha vida”. Então eu fui para Vitória e arrumei emprego lá numa madeireira e curiosamente também não como engenheiro, a crise estava difícil, mas sempre fazendo currículo e conversando com as pessoas e tentando me interagir e eu fiquei nessa madeireira uns quatro, cinco meses. Depois, entrando você pediu para eu te contar um caso, uma experiência de vida, eu decidi por fazer algo, inclusive até contrariando as orientações dos meus pais que me sugeriram de voltar para casa: “Olha, se o mercado aí também tá difícil, por que você vai passar aí qualquer tipo de dificuldade? Vamos para casa, vai estudar mais um pouco, tenta melhorar o seu currículo para você poder enfrentar”. Eu falei: “Não”. Eu tinha na época um carro e tinha uma motocicleta que eu tinha comprado em Belo Horizonte e aí a minha mãe muito preocupada me pediu para que eu não levasse a moto para Vitória, já começou a imaginar um rapaz em Vitória de motocicleta, naquela época não tinha a obrigação de usar capacete, região litorânea, tudo que a gente sonhava, eu ficava sonhando, eu morando em Vitória de moto, olha que beleza, mas aí a minha mãe pediu para eu não levar e eu não levei a moto, então eu fiquei com a moto parada uns quatro, cinco meses, no período em que eu trabalhei nessa madeireira lá em Belo Horizonte, a moto ficou parada em BH e eu em Vitória. Então, ó, quer saber de uma coisa? Eu resolvi vender a minha moto, o meu carro e comprei uma banca de jornal, olha que interessante! Isso não está no currículo, nem consta aí. E aí eu comprei essa banca de jornal, aí fiquei à pé, foi uma das melhores fases da minha vida porque eu vivenciei uma experiência diferente, eu falei: “Gente, eu tenho que ver, como é que é isso?”. Aí eu comprei essa banca de jornal, acordava todo dia cinco horas da manhã...
P/1 – Em Vitória.
R – Em Vitória, na praia de Camburi.
P/1 – Na praia.
R – Não, a minha banca era dois quarteirões da praia, num centro comercial. Então eu comprei essa banca e comecei a fazer o trabalho todo mesmo de quem mexe com a banca, o negócio banca de jornal é muito interessante. É um negócio que você não tem perda de dinheiro se você souber administrar com controle. Você tem 20% de tudo aquilo que você vende e tudo que você não vende você devolve, desde que você cumpara os prazos rigorosos de devolução. Então se você tem uma revista, vou dar um exemplo que vocês lembram da época, da Manchete, se você pega uma cota de Manchete lá, vamos imaginar aí 50 exemplares, se você vender só 30, você pode devolver os outros 20 desde que você respeite a data limite que é a substituição daquela por uma edição mais nova, então se você fizer isso você não perde. O que as editoras fazem é trabalhar com o seu capital porque você paga antecipado todo o encarte que você pega.
P/1 – Foi o que você fez com a venda do carro...
R – Foi o que eu fiz com a venda do carro e da moto, eu comprei o ativo banca e fiquei com um capital de giro para comprar o estoque, para fazer o meu estoque girar. E aí no início eu ficava na banca, então abria a banca, saía às cinco horas da manhã de ônibus, passava nas editoras, devolvia o jornal, pegava as revistas que saiam, isso formado com o diploma de engenheiro no bolso.
P/1 – Passava nas editoras com os jornais?
R – Eu levava as sobras.
P/1 – Mas a pé?
R – A pé. Com uma sacola, com os jornais “O Globo”, “Gazeta”, o que tinha, as revistas, levava duas sacolas e voltava com quatro. Eu estou falando para você assim, é uma experiência de vida diferente, tudo de ônibus e ao amanhecer. Então eu conheço bem o amanhecer em Vitória, muito bonito!
P/1 – Você teve coragem de contar isso para os seus pais?
R – Eu tive coragem de fazer isso e os meus pais sabiam disso. Eu falei: “Eu vou fazer isso, é uma experiência de vida que eu quero viver”. E administrei isso e para você ter uma ideia, com seis meses que eu estava com a banca de jornal, eu ganhava o dobro do que eu ganhava nessa madeireira e aí eu comprei um carro e aí eu comecei a fazer esse trajeto de carro. Fiquei com essa banca uns oito, nove meses, mais ou menos. E aí logo depois eu contratei uma funcionária, porque aí o negócio começou a ter uma lucratividade de controle um pouco melhor. Contratar uma funcionária meio expediente que era esse expediente que eu usava para fazer a aquisição dos ativos da banca, dos exemplares e ao mesmo tempo, mandar currículo e fazer contato com as empresas para que eu continuasse na busca de emprego.
P/1 – E você pensava assim em fazer pesquisa? Assim, de saber o que é que, a demanda da leitura. Como é que você fazia isso?
R – Sem dúvida. Eu tinha inventário do que saía, conversava muito, foi um momento em que eu desenvolvi muito a habilidade de contato com as pessoas porque eu era muito curioso exatamente disso e os públicos são dos mais variados que você imagina. E o tipo de material que você vende numa banca também depende do ponto que você está, do público de moradores que está àquele redor. É muito interessante, muito interessante! A concorrência desleal que existe dentro do mercado, tinha uma padaria na frente da minha banca que começou a vender jornal, minha banca tinha assim uma tiragem de jornais muito grande, o cara da padaria enxergou isso e ele começou a botar jornal para vender e isso era possível, a fiscalização não existia. Então você passa a começar interagir com um mercado diferente, eu acho que isso foi de uma grande valia para minha formação pessoal e profissional, me serviu muito para eu desenvolver uma habilidade de tratar as pessoas, conversar com as pessoas, eu vivi de tudo que você possa imaginar, de pessoas que chegavam lá e te davam um esculacho por nada e ele era cliente, você dependia dele. Então tive esse tipo de experiências fantásticas, por exemplo, eu lembro de um outro caso que vale a gente contar, lembrança é recordar. Lembro de um caso de um senhor que trabalhava na Vale que tinha deixado um jornal reservado e pago e aí eu precisei dar uma saída, essa funcionária ficou para mim na banca e ela não viu escrito reservado no jornal, apesar de estar e ela vendeu esse jornal, esse cara depois chegou para procurar o jornal e pagou um esculacho, eu escutei aquilo, falei: “O senhor está com a razão”, mas ele insistia em desabafar, isso ficou. Eu lembro desse caso específico, quinze dias depois, num domingo à noite eu estava indo à missa, eu estava de carro já nessa época e eu passei próximo e ele estava com o carro com o pneu furado, aí eu desci do carro, chamei a família dele, ele não me conheceu, chamei a família dele: “Eu sei que vocês vão para igreja, querem uma carona e tal? O senhor deixa o carro aí, depois a gente volta, tranque direitinho”, “Pô, mas você vai fazer isso por mim? Vai me ajudar?”, “Vou, vamos embora, vamos para igreja, vamos para missa”, “Engraçado, sua fisionomia não me é estranha, de onde que eu te conheço?” “O senhor deve lembrar, eu sou aquele rapaz da banca que tive aquele infortúnio lá de vender o seu jornal que você já tinha pago, então a gente está se encontrando aqui numa outra situação”.
P/1 – Você está dizendo então que as habilidades que você aprendeu na banca, talvez tenham servido num certo momento muito para sua atividade futura, mas o que você tinha aprendido na faculdade, você usou na banca de jornal?
R – Não, eu usei assim um pouco de controle.
P/1 – Não tinha nenhuma engenharia dentro da banca?
R – Controle, controle sim. Estatística, cálculo, é... Juros, taxa, assim, mas para gente fazer um controle do negócio que eu acho que me ajudou um pouco com a experiência também da Andrade Gutierrez que era uma empresa que eu tinha trabalhado, me ajudou a estruturar o negócio de uma forma mais organizada, então assim, eu tinha um controle muito rigoroso, eu posso dizer que a minha taxa de perda na banca foi muito baixa, eu não perdia prazos, eu não perdia revistas, eu controlava funcionário, claro que eu dei sorte também, essa moça que trabalhou comigo é uma pessoa de formação fantástica, historicamente depois eu vendi essa banca para o cara da padaria que eu te contei que furava meu olho lá, que vendia jornal e depois esse cara conseguiu passar a banca para essa funcionária que foi minha. Então ela hoje é dona da banca lá em Vitória, como eu tenho um irmão lá, quando eu vou lá eu encontro, ela está com a família, ela tem três filhos hoje, ela lembra de mim até hoje, então ficou história. Isso marcou um período da minha vida e aí com esses oito, nove meses que eu estava na banca, eu fui convidado para trabalhar como engenheiro numa empresa, com manutenção e aí na área de motores, de equipamentos hidráulicos... Aí na sequência, uma empresa menor, uma empreiteira, eu trabalhava lá, aí podemos continuar na cronologia e aí trabalhei nessa empresa três anos, nesse entremeio eu fiz um teste na Usiminas, fiquei sabendo da Usiminas de Ipatinga, eu morava em Vitória, fiquei sabendo que a Usiminas de Ipatinga estava fazendo uma seleção para engenheiros, aí eu fiz um teste e aí em 1986 eu fui para Usiminas em Ipatinga. Então esse ano que passou, 2011, dia primeiro de outubro, eu fiz bodas de prata com a Usiminas, então eu fiz 25 anos de serviços prestados lá em Ipatinga e depois eu fui transferido para cá.
P/1 – E as suas atribuições lá e no seu primeiro tempo de trabalho, como você foi recebido? O que você sentiu em relação ao que você via de infraestrutura?
R – Então, foi curioso a minha ida para Ipatinga, na realidade, eu não saí, desculpa, eu cometi aqui uma falha de memória. Eu saí de Vitória e fui trabalhar numa outra construtora grande no norte de Minas, uma cidade chamada Janaúba, perto, cem quilômetros acima de Montes Claros. E na minha saída de Vitória para ir para Janaúba, fiz um teste na Usiminas e esse teste só, eu tive resultado dele sete, oito meses depois. Aí eu trabalhei lá nesse lugar e depois é que eu saí desse lugar e fui para a Usiminas.
P/1 – Você imaginava que você estava escolhendo a empresa que você ia trabalhar? Ou nessa época não tinha como hoje os jovens, eles às vezes querem escolher a empresa que eles querem trabalhar. Existia esse conceito? Essa ideia?
R – Então eu vou te explicar, na minha opinião o que eu sinto. Quando eu fui para essa construtora, saindo de Vitória para ir para Janaúba, foi um negócio também conversado, tinha um colega que trabalhava nessa empresa e aí nós nos encontramos no final de semana em Vitória, ele tinha parente lá e ele me disse assim dessa oportunidade. Então foi assim, foi um convite com escolha minha, foi uma oportunidade. Agora quando eu estava nessa empresa, eu saí para fazer teste na Usiminas e aí já foi uma oportunidade de opção minha, a Usiminas estava ofertando vagas de emprego e eu tinha interesse em trabalhar num lugar que desse mais estabilidade, porque eu trabalhei cinco anos da minha vida na Andrade Gutierrez que foi a do estágio que eu contei para você, durante a faculdade, então eu via os profissionais, obras duravam um ano e meio, dois anos, então assim, a pessoa não tinha um lugar fixo de morar, então se você morava hoje em Campina Grande na Paraíba, um ano depois você ia para Santa Rosa no oeste no Rio Grande do Sul, aí não muito satisfeito porque você saiu só de um extremo pro outro, na outra obra você ia pro Acre, aí na outra você caía dentro de São Paulo para fazer o metrô, então era algo assim, totalmente inconstante, cada hora você estava num lugar, uma experiência de vida para uma pessoa aventureira que queira continuar sozinho um bom tempo, uma experiência de vida fantástica, assim, foi a época da minha vida que eu mais pude ganhar dinheiro, eu pude juntar grana foi nessa época porque tudo é pago por essas empresas em função da própria falta de conforto que elas proporcionam. Então você trabalhar em um acampamento no meio do mato, você vai gastar dinheiro com o quê? Comida por conta da empresa, tudo é por conta da empresa, então você pode guardar dinheiro, me permitiu quando eu me casei, eu tinha minha casa toda pronta e montada. Eu não tive que comprar nem parafuso para montar a minha casa quando eu me casei, tudo de primeira, foi por quê? Graças a essa época, eu tinha um ano de Usiminas, mas tudo eu juntei nessa época que eu trabalhava, não na Andrade Gutierrez, que eu trabalhei nessa construtora entre a minha saída de Vitória e a minha entrada na Usiminas, esses oito meses que eu fiquei lá, deu para juntar um dinheiro bom, assim, se você quiser ficar mais tempo você faz um patrimônio, dá para você fazer um patrimônio legal, agora, você não vive. Eu trabalhava de segunda a sábado de cinco e meia da manhã às oito horas da noite e domingo de sete da manhã ao meio-dia, quer dizer, que horas você tem lazer? Mas eu tinha gasolina por conta da empresa, “Ah! Eu quero sair de Janaúba, eu quero ir para uma boate em Montes Claros no fim de semana”, eu tinha gasolina! Eu não tinha pique! Como é que eu saio oito horas da noite de uma obra, vou tomar banho, vou viajar cem quilômetros para encarar uma noitada, uma balada para voltar às três, quatro horas da manhã para levantar às sete para trabalhar? Não tem jeito, então foram assim oito, nove meses de retiro, retiro profissional, só trabalhar, trabalhar, trabalhar... E aí eu fui para a Usiminas com essa opção de estabilidade, era uma empresa que na época era estatal ainda, então eu tinha feito um concurso, foi uma pré-seleção, mas eu fui assim um pouco assustado com o que eu estaria perdendo de proposta financeira, mas muito otimista com o que eu estaria ganhando com qualidade de vida. Eu saí dessa empresa e fui para Usiminas ganhando exatamente metade do que eu ganhava nessa empresa, metade. Além dessa empresa ter carro da empresa, gasolina por conta da empresa, aluguel do apartamento por conta da empresa, refeição por conta da empresa e passagem para Belo Horizonte de 40 em 40 dias de graça. Eu vim para Usiminas eu tive que comprar carro, tive que entrar numa república, ganhava metade do salário, alimentação era por minha conta, tudo por minha conta, assim, foi uma mudança. O que contrabalanceou como atrativo? Era uma oportunidade de trabalhar numa grande empresa, de ter estabilidade maior, eu já estava pensando já em me casar, em formar família, eu já namorava com a minha esposa atual. Então, é... Minha esposa atual não gente, única, (risos) não tem atual. Então eu já estava com outros planos, eu já tinha na época 27 anos, já não era um recém-formado, então eu busquei na Usiminas uma oportunidade diferente de empresa trazendo essa bagagem toda de ter trabalhado numa construtora, ter trabalhado num segmento diferente e essas outras aventuras que eu contei para vocês lá de Vitória que também foi uma aventura.
P/1 – E o fato dela ser estatal? Como era sua percepção pelo fato dela ser estatal? Você tinha essa percepção na época?
R – Tinha porque eu tinha parentes que trabalhavam em empresa estatal. Eu tinha parente que trabalhou na Vale e parente que trabalhou na Usiminas. Porque assim, me contaram que apesar da Usiminas ter essa política do recém-formado, do profissional de início de carreira, ela tem uma valorização vigiada e que depois que eu entrei no quadro de gestão da empresa eu percebi isso muito. Eu acho isso muito interessante que é um tempo de maturação do próprio convívio entre o profissional e a empresa, quer dizer: É isso mesmo que eu quero? Não é isso que eu quero? Porque que você vai começar também com uma valorização muito alta desse profissional recém-formado porque existe aí a “mortalidade infantil” natural de um profissional novo numa empresa. Os meus colegas que entraram comigo na Usiminas, nós entramos em 60, 48, 50 pessoas, posso te dizer que 50, 60% saíram da empresa antes de completar três anos.
P/1 – As causas?
R – Saíam porque, por exemplo, um saía de Belo Horizonte e ia para Ipatinga, “Não, eu não quero viver longe de BH, tenho minha vida toda estruturada em Belo Horizonte, eu vou voltar para Belo Horizonte”, então voltava para Belo Horizonte. O outro, “Ah, eu não me adaptei, cidade pequena”, o outro, “Não era bem isso que eu quero, eu queria na realidade já ser chefe”. Aí quando a gente entra numa empresa desse porte e na época que eu entrei, existia na época que eu entrei tempo de casa, uma própria sucessão natural que já existia, as oportunidades não eram tão grandes, o próprio público, o efetivo da empresa não era velho, era um efetivo assim, maduro, mas de média idade. Então as oportunidades não são tão grandes e o jovem é muito aguerrido, ele é muito afoito, muito ansioso, então ele quer crescer! É o que a gente chama hoje dessa meninada que entra no mercado e já quer logo com 28, 30 anos estar num cargo de diretor, não é assim numa empresa do porte da Usiminas, isto é muito comum no mercado em empresas de porte pequeno, empresa que tem 30, 40 funcionários você tem essa possibilidade. A empresa de Usiminas tinha dez mil funcionários, oito mil funcionários, era uma planta do tamanho, era uma cidade! Aquilo te impressiona, eu já tinha visitado fábricas, mas a Usiminas me impressionou muito.
P/1 – E o acolhimento foi amigável?
R – Foi, foi.
P/1 – Você se sentiu acompanhado?
R – Foi muito interessante. Eu fui entrevistado na época por um profissional que eu tenho uma profunda admiração, ele chegou a ser presidente depois aqui da Cosipa, na época ele era superintendente, na época o cargo que tinha era chefe de departamento e eu fui, assim, muito bem acolhido. Apesar de ter tido até uma distorção de ideal porque eu entrei e ele me perguntou: “Olha, nós temos aqui três segmentos para trabalhar. Você pode trabalhar na área de Manutenção, na área de Operação, de Produção ou na área de Planejamento. Você tem alguma preferência?”, eu falei: “Claro que sim. Eu gostaria em primeira mão trabalhar numa área de Manutenção porque eu trabalhei com Manutenção a minha vida inteira, e como segunda opção Planejamento e a terceira, Operação”. Ótimo, duas semanas depois eu estava na Operação.
P/1 – Duas semanas depois?
R – Eu estava na Operação. Então assim, eu não fui nem para primeira opção, nem para segunda, fui para última. Não entendi nada, por que esse cara me perguntou o que eu queria? Perguntou quais eram as minhas preferências, eu falei quais eram e eu fui para outra. E aí depois eles me explicaram que durante esse período da entrevista até o período seletivo final, a minha ficha extraviou e por algum motivo eles preencheram, eu fui o primeiro a ser entrevistado e o último a ser admitido. A minha ficha tinha extraviado, eu trabalhava nessa empresa lá no norte de Minas, de contato mais difícil e tal, então as vagas de Manutenção e Planejamento foram preenchidas primeiro, então eu entrei na última vaga, que foi a vaga de Operação. E curiosamente, a partir daí que eu desenvolvi toda a minha história na Usiminas numa área que eu sou apaixonado por ela, acabou também que a Manutenção está comigo, mas a minha vida inteira eu trabalhei na Operação.
P/1 – E o lugar foi escolhido para fundação, instalação da empresa por algum motivo estratégico?
R – Sim, quer dizer, na história da Usiminas, o “vale do aço” que eles chamam ali foi escolhido naquela região porque eles estavam próximos das minas de minério de Itabira, então existia o sonho de construir uma siderúrgica em Minas Gerais e o acesso, assim, mais próximo das jazidas de minério, Ipatinga era uma cidade bem situada, então, a Usiminas foi inaugurada em 1962, na época do Juscelino Kubitschek por esses motivos, realizar o sonho mineiro de ter uma siderúrgica numa região mais favorável, mais próxima da matéria prima que era das usinas lá de Itabira.
P/1 – Quanto tempo você demorou para ter a noção da dimensão da coisa? Inclusive física.
R – Olha, eu não demorei muito tempo não, eu considero que eu tive um pouco de sorte, porque eu entrei numa área de apoio de toda a usina, então eu naturalmente fui obrigado a conhecer toda planta que a área de Energia e Utilidades é responsável por ter contato e municiar todas as plantas da usina com as utilidades e a energia elétrica, todas as plantas dependem da área de Energia e Utilidades. Então quando eu entrei, eu fiquei durante dois anos como assessor do gerente de divisão, então de baixo dessa divisão tinha a área de Águas, tinha a área de Energia, tinha a área de Combustíveis, então como eu fiquei como assessor dele, eu praticamente tive que conhecer todas as áreas da usina, todos os pontos, desde o recebimento de matéria prima até o despacho dos produtos nobres, dos laminados a frio, eu tinha interação e contato com tudo isso. E é um mundo, gente! Você ver aquela usina iluminada de noite é mais bem estruturada que muita cidade, do que muito município, é um negócio muito bacana. E a interação interna, interdependência entre as partes. A correlação que existe entre os processos é algo fantástico. Tanto que me fez ficar nessa empresa ao longo de 25 anos, algumas pessoas falam que pode ser por acomodação, mas eu digo para vocês com muita naturalidade que no meu caso foi opção mesmo. E a empresa ao longo desse tempo vai te valorizando, só que dentro desse período de maturação, ela vai te conhecendo, vai investindo em você e a partir do momento em que ela vê o seu retorno, vê o seu esforço, você vai crescendo dentro da empresa.
P/1 – E em relação com o processo de industrialização do país, você tinha essa conexão na época? Quais seriam as dificuldades, os desafios que a empresa teria de enfrentar nessa época, na década de 1980, considerada a década perdida. Se isso entrava nas suas atribuições, quer dizer, se isso impactava a sua maneira de trabalhar na empresa, o que acontecia no país.
R – Não, mas eu tinha percepção das coisas, então no seguimento de siderurgia a Usiminas sempre foi um diferencial. De todas as siderúrgicas, a Usiminas era uma siderúrgica saudável financeiramente, o grau de endividamento dela era extremamente tolerante, era uma empresa ágil, era uma empresa que não teve influência política na conduta da organização, então, ela teve presidentes políticos, mas com pouca expressão na atuação da cadeia técnica, então eu acho que isso foi um grande diferencial da empresa, apesar da gente ter contato com a Siderbras que na época era o controlador do governo do segmento siderúrgico, mas a Usiminas sempre teve um pouco de autonomia para agir, fazer as coisas, fazer seus investimentos. É claro que a década de 1980 foi uma década de dificuldades, eu me recordo de equipes da Usiminas serem deslocadas das suas atividades natas para prestar serviços em outras atividades porque aquela área estava ociosa ou tinha algum problema de demanda de produtos. Então houve muito esse remanejamento de gente interna, mas eu não me recordo, isto com certeza não aconteceu de dificuldade da Usiminas neste período de década perdida que o país passou, de dificuldades, não. Teve sim desafios a serem enfrentados, não foram épocas de vacas gordas, vamos dizer assim, mas eu acho que a empresa passou por essa crise, por esse período de uma forma muito tranquila, sem traumas, sabendo segurar o corpo de funcionários, o teu corpo técnico, valorizar a sua equipe. Eu te diria que esse período da década de 1980 e meados da década de 1990, nós passamos em Ipatinga à margem. As greves que tiveram. As coisas, não conheço isso na história da Usiminas. Eu nunca vi uma greve na Usiminas. para você ter uma ideia, em 25 anos de trabalho com o sindicato trabalhando de forma ativa, eu nunca vi uma greve, não sei te dizer o que é isso na vida profissional da Usiminas. Então um pouco diferente das histórias que aconteciam na contextualização industrial e econômica do país naquela época, onde o PT [Partido dos Trabalhadores] estava aflorando, tinha aquilo tudo, Ipatinga, Usiminas passou à margem.
P/2 – Qual era o sindicato de vocês?
R – Lá na época era a Força Sindical, hoje também. Diferente de outros, pertinho lá você me mostrou o livro da Acesita. A Acesita era PT na época, década de 1980, década de 1990 e muita dificuldade de relacionamento, vivenciaram greves. A Usiminas sempre teve uma oportunidade de diálogo com o sindicato, é claro que nem sempre ao longo do tempo houve uma concordância com todos os pontos de vista, mas sentava-se e discutia-se, chegava-se num bom senso, numa definição final que atendia ambas as partes, um perdia um pouco de um lado, outro do outro, mas acertava. Isto era muito bom para os funcionários porque isso fortalecia muito a segurança que a gente queria ter, que era a segurança de não ter esse risco da greve, de não ter esse risco do capital ir contra o trabalho, nós não vivenciamos isso.
P/1 – E você se sentia estimulado intelectualmente, existia, assim, uma liberdade de ação, de invenção, de criatividade?
R – É, não muito. A empresa quando eu entrei, hoje essa liberdade é muito maior, mas a empresa quando eu entrei ela tinha uma hierarquia muito forte. Então a gente tinha assim, tinha os nossos momentos criativos, as nossas soluções criativas também para determinados problemas, tínhamos liberdade de apresentar as propostas, mas não necessariamente a gente conseguia que essa criatividade se transformasse em algo um pouco mais palpável. Então essa dificuldade existia pela força da hierarquia. Então às vezes uma ideia sua não chegava onde tinha que chegar para se transformar em atividade, em atitude, mas a empresa sempre investia na gente. Então eu entrei na empresa em 1986 como eu te falei, fiquei esses dois anos como assessor do gerente de divisão, depois eu fui trabalhar, iniciou-se então o meu processo de conhecimento das atividades ligadas a criogenia que é ligada aos gases do ar. Eu fui trabalhar como assistente do gerente das plantas de oxigênio, na Usiminas, na planta lá de Ipatinga. Esse gerente ele era japonês, japonês da gema mesmo, falava mal o português para caramba. E aí eu fiquei como assessor dele por uns dois meses e ele se aposentou e aí final de 1989, início de 1990 eu fui promovido a gerente das plantas de oxigênio de Ipatinga.
P/1 – Você vai contar um pouco para gente, então, essa experiência e por que japoneses. Ou foi uma coincidência um japonês estar lá ou era uma necessidade da tecnologia japonesa? Conta para gente um pouco.
R – É, a Usiminas, a formação dela inicial, ela teve um sócio japonês participando disso, era o governo mineiro e a Nippon Steel que era uma empresa japonesa junto com o governo japonês, foi o primeiro empreendimento grande do Japão, assim, fora do país. Então a colonização da Usiminas ela é toda feita pela Nippon Steel que é uma empresa, que é um grande grupo siderúrgico japonês. Então os primeiros profissionais, principalmente de cargo de gerência, de cargo de chefia na Usiminas eram todos japoneses. Esse que eu fui subordinado a ele não era especificamente desse grupo da Nippon Steel, ele era um japonês sim, mas era um imigrante que veio do Japão para o Brasil e conhecia muito dessa área de fábrica de oxigênio, então ele foi para Usiminas, acredito que a entrada dele aconteceu sim pela facilidade da língua, por ele ser uma pessoa nativa do Japão. Ele entrou porque os primeiros gestores lá da Usiminas eram japoneses e ele foi um dos últimos, vamos dizer assim, a sair, eu ainda trabalhei com alguns pares quando eu era gerente lá, com alguns pares japoneses de outras áreas, mas a tendência natural foi essas pessoas irem saindo, mas a cultura deles é muito forte e a minha cultura hoje é ligada, meus ensinamentos básicos desse período todo de aprendizado que eu tive na empresa tem influência muito grande da cultura japonesa, acho que isso para mim foi muito importante. E esse profissional acabou, por dificuldade da língua, delegando para mim muito a parte de gestão, ele tinha um conhecimento técnico altíssimo e falou para mim: “Olha, vamos fazer uma coisa, enquanto eu não saio, você fica mais com a parte de gestão das pessoas, você vai me perguntando, eu conheço todo mundo que está aí, eu vi todo mundo entrar com 18 anos, então, eu estou há 25 anos aqui na empresa e conheço essa tropa toda que está aí. Então você vai tocando isso que eu sei também que você já tem experiência”, eu não era recém-formado, já tinha trabalhado em outras empresas, “e a parte técnica eu vou te ensinando, deixa ela mais comigo que a gente vai fazendo”. Então eu tive a oportunidade de vivenciar isso dois anos com ele e depois ele saiu. O nome dele era Kaneko, Ka-ne-ko, dois “cas”. O ponto interessante dessa sinergia que eu ia comentar com vocês é que o Kaneko depois por uma ou por duas oportunidades foi consultor da White Martins dentro de uma demanda na planta de Ipatinga, a White Martins contratou o Kaneko depois que ele estava aposentado para dar uma consultoria técnica para trabalhar lá, então foi até um caso curioso de interação do japonês com a White Martins, depois que esse processo passou para eles.
P/1 – E como é que era a estrutura desse local que vocês trabalhavam? A equipe, o que representava isso dentro da Usiminas.
R – Então vamos conversar um pouquinho sobre isso. Eu fui para área de fábrica de oxigênio. Final da década de 1980, 1988, 1989, é... E aí contando um pouco do contexto, a Usiminas tinha na época cinco plantas de oxigênio, cinco fábricas de oxigênio, sendo duas muito pequenas, obsoletas, sendo do início da instalação da usina, plantas que normalmente ficavam paradas e a empresa tinha três plantas um pouco maiores, mais modernas, duas plantas 1973, 1974 e uma planta maior de 1978, eram as três plantas que a gente tinha, todas plantas japonesas, todas fabricadas pela Kobe e essas três plantas eram responsáveis por fornecer todos os produtos criogênicos. Basicamente, nitrogênio, oxigênio e argônio pro processo siderúrgico. Eram responsáveis por isso e de extrema importância, qualquer falta de uma dessas plantas você tinha impacto na produção do aço e era uma característica, principalmente da Usiminas, não tinha, nós não tínhamos líquido, produto reserva em caso de parada de uma das plantas. Então quando acontecia uma parada por algum motivo era uma correria muito grande, uma necessidade, uma urgência muito grande de retorno desses equipamentos para ter o menor impacto possível no processo produtivo. E ao final da década de 1980, quando eu fui para lá, curiosamente, essas plantas começaram a apresentar problemas de própria vida útil mesmo, plantas que já estavam há 15 anos, 20 anos de operação, então, a Usiminas se viu preocupada com uma continuidade operacional dos equipamentos porque começaram a apresentar problemas e aí ela começou, então, a pensar na aquisição de um novo ativo, na aquisição de uma nova planta, de uma planta número seis. Até então esta equipe da fábrica, da planta de oxigênio, da fábrica de oxigênio que a gente chama, era uma equipe que era rotulada como uma equipe de elite, por ser um processo muito dedicado e muito exclusivo, você não tinha nada igual dentro da planta inteira, da planta siderúrgica da usina, da siderúrgica de Ipatinga, a fábrica de oxigênio é um processo a parte. Eu pego o ar atmosférico, faço uma separação dele através de um processo criogênico, separo os diversos componentes do ar e forneço isso para usina em redes, em tubulações. Então a sinergia que existia era só na distribuição, mas a fabricação mesmo era um processo isolado com profissionais dedicados e muito específicos para aquela atividade, ou seja, um cara que tinha habilidade de operar uma planta de oxigênio não era a mesma pessoa que tinha a habilidade de operar um laminador, uma aciaria. Era uma atividade dedicada e não muito também difundida no país como profissão, “o que você faz? Eu sou operador de fábrica de oxigênio, sou líder de grupo, sou supervisor de fábrica”. É um nicho de mercado muito restrito, na época já existia a White Martins, a Air Products que era uma outra empresa do ramo, a Air Liquide e tinha a Aga que era uma outra empresa também que não era fabricante de plantas, mas era distribuidora no Brasil, já tinham esses fabricantes, mas não eram muito conhecidos, só quem conhecia era quem trabalhava no ramo e a Usiminas e as outras siderúrgicas todas tinham essas equipes dedicadas, especificamente que trabalhavam com isso.
P/1 – Não necessariamente engenheiros.
R – Não necessariamente engenheiros. Na realidade no caso da Usiminas, engenheiro na planta só tinha eu e mais tarde um pouco veio um assistente trabalhar comigo, os outros todos eram técnicos, técnicos mecânicos, técnicos em elétrica, técnicos em química e muita gente prática, quando eu entrei na Usiminas, a maioria do quadro de funcionários da fábrica de oxigênio, quando eu fui para lá eram práticos, pessoas que entraram, que aprenderam aquela atividade, aquela profissão e trabalharam a vida inteira até se aposentar.
P/1 – Aprenderam com os japoneses?
R – Aprenderam com os japoneses, que foram os primeiros operadores, e depois isso foi passando, planos de treinamento foram desenvolvidos. A gente desenvolveu apostilas, algum material didático importado, os próprios manuais de operação e de manutenção desses equipamentos vieram. No início, as primeiras manutenções e os primeiros problemas que ocorreram, certamente houve contratações de profissionais externos para poder vir trabalhar. A dificuldade da língua também não ajudava muito porque os manuais alguns eram todos em japonês, então depois alguns tiveram que ser traduzidos quando vieram para cá por intérpretes, a Usiminas sempre teve intérpretes de japonês pro português, então tem muita tradução, mas era uma coisa assim muito específica. E essa condição acabou criando um laço de relacionamento muito estreito, porque para se falar do mesmo assunto eram poucas pessoas, então eu não tinha um público social muito extenso para a gente poder estar conversando sobre esse assunto. Então a equipe da fábrica de operação, manutenção, instrumentação foi uma equipe que se isolava um pouco do resto e que cada dia que passava ela criava um laço de relação mais estreito.
P/1 – Você disse que era uma equipe de elite.
R – É, ela é rotulada, chamavam a gente de metido porque a gente não andava muito com os outros, era uma coisa assim, isolada, ficava um pouco mais afastado, no canto da usina, da área geográfica, igual um CPD [Centro de Processamento de Dados] que é uma área, assim, de TI [Tecnologia de Informação], ficava no alto, esse pessoal nem almoça no mesmo refeitório, tinha mais... Mas não era, era mais pela própria condição mesmo que a gente enfrentava e eu quando fui para lá, eu comecei a me envolver muito com as pessoas porque o Kaneko pediu para que eu o ajudasse na parte de RH [Recursos Humanos], então eu comecei a me envolver muito com isso e passei a participar muito da vida profissional e como Ipatinga era uma cidade do interior, os nossos encontros sociais sempre envolviam famílias, então eu passei a conhecer muitos familiares, as pessoas no seio da intimidade desses profissionais que trabalhavam lá. E quando as plantas começaram a ter esse tipo de problema, a Usiminas pensou então em comprar uma planta nova, começou todo o processo de aquisição de um equipamento novo, empresas vieram participar da concorrência, fizeram as suas propostas e no meio dessa concorrência surgiu a opção da modalidade terceirização do parque criogênico, então aquilo para nós que trabalhávamos na fábrica de oxigênio veio como um golpe. Uma situação assim, e aí? Nós vamos sair da Usiminas? Nós vamos ser terceirizados? Isso vai passar para outra empresa, como é que é outra empresa? Eu trabalho aqui há 15 anos, 20 anos, eu estava tendo a minha primeira oportunidade de uma equipe que estava sendo gerida por mim lá, então isso veio como uma grande preocupação e essa opção tomou um corpo muito grande, isso foi se desenvolvendo pela própria atratividade da proposta de terceirização, mas existia sim aquele receio, mas e aí? Como é que vai ser? A empresa que ganhar isso vai trabalhar do mesmo jeito que nós trabalhamos? Será que vai ter a mesma dedicação? Nós vamos vir para cá duas, três horas da madrugada, feriado, fim de semana, Natal, Carnaval, porque isso é rotina. A gente morava num raio aí de três, quatro quilômetros da usina, eu morava, a minha casa ainda é lá, é cinco minutos de dentro da usina, então, qualquer probleminha que tem, igual médico, a gente saía com a maior naturalidade, você está dormindo, o telefone toca duas da manhã o telefone toca, duas e quinze você está dentro da planta. Então vinha aquela preocupação, será que uma empresa que vier de fora vai ter essa mesma tratativa? Vai pensar dessa mesma maneira? É isso mesmo, chefe? Você vai correr esse risco? Vai ser dessa forma? Como é que vai ser? E aquela ansiedade muito grande de todo grupo como isso aconteceria. E eu tive o privilégio, a oportunidade de participar do processo todo de aquisição do bem e depois do processo de terceirização, de desenvolver toda essa metodologia dos acordos operativos, da transferência das pessoas para dar continuidade a operação, do processo de transição todo, eu tive o privilégio de participar de todo esse processo, vivenciando os pontos positivos que ele ia trazer para empresa, mas ao mesmo tempo também as dificuldades e o sentimento de perda das pessoas que estavam participando disso. Então foi um momento, assim, da minha vida e da minha carreira também de grande aprendizado, foi uma grande oportunidade de vivenciar uma situação que não era comum, ela era atípica, a Usiminas foi a primeira siderúrgica que terceirizou seu parque criogênico, então era uma caixinha de surpresa que ninguém sabia como isso ia acontecer e como ia funcionar e foi através dessa experiência vivida que eu comecei a ter os meus primeiros contatos com a White Martins, a partir da finalização desse processo eu fui transferido para uma gerência de Distribuição de todas as utilidades da Usiminas, inclusive os produtos criogênicos. Então eu passava de gestor do parque criogênico a fiscal do contrato que foi assinado na terceirização. Nós tínhamos na época 65 funcionários, 18 funcionários foram transferidos para a White Martins na época, esse processo todo foi feito de forma voluntária, não houve nenhuma imposição para que qualquer funcionário fosse para a White Martins, houve sim um pedido da White para que alguns funcionários fossem, foi feita uma negociação para que eles fossem para que o processo não sofresse qualquer tipo de interrupção porque o conhecimento daquela operação e daqueles equipamentos, ele era detido por essa equipe que trabalhava lá muitos anos, mas todos os outros funcionários dos 65, exceto os 18 foram todos redirecionados para cargos em outras gerências da Usiminas, nenhum funcionário na época foi demitido. Aproveitamos algumas aposentadorias, então foi assim, foi um processo em que aquela grande preocupação de você perder o emprego, a minha área vai acabar, esse processo todo foi conduzido de uma forma muito transparente e sem qualquer tipo de trauma. E aí começou-se então esse processo de interação de duas empresas de culturas bem diferentes e de própria prática operacional muito diferente. A Usiminas era isso que eu contei, eu fiz questão de contar esse episódio antes, a Usiminas era muito da urgência, da necessidade do equipamento operando, sem reserva de produto para fornecimento em uma eventual parada da planta; e a White Martins tinha uma cultura até então um pouco diferente disso, seus ativos eram situados próximos às plantas, aos seus clientes, normalmente com capacidade de estocagem grande, então você podia parar uma planta dessa um, dois dias, que o abastecimento para a empresa continuava sem qualquer tipo de sequela, só que os volumes de fornecimento antes das grandes siderúrgicas serem terceirizadas, os parques criogênicos, os volumes de fornecimentos eram baixos, então você podia colocar uma capacidade de estocagem que atendia a demanda do teu cliente, quando entrou nas siderúrgicas, as demandas eram muito altas para serem supridas com tanques de estocagem. Então assim, acho que esse, na época, foi uma percepção minha, foi uma surpresa grande para própria White Martins, esse senso de urgência, então a interação da Usiminas que era feita através da minha área com a White Martins, que estava chegando ali naquele momento e ainda a planta nova não estava pronta então aquela urgência, aquele sufoco continuava e mesmo porque eram os mesmos equipamentos quando a Usiminas operava. Então nós passamos assim, momentos de muita dificuldade e de muito aprendizado e de muito exercício de relacionamento e de muita necessidade de compreensão de ambas as partes, então houve, assim, várias oportunidades do grupo Usiminas dentro da planta da White Martins dando um suporte, ajudando com recursos, com equipamentos, com máquinas, com tubulações, com materiais, com capacidade humana para ajudar às vezes, a retornar o equipamento que tinha parado e que a gente estava com dificuldade de encontrar qual a causa que tinha feito o equipamento parar. Então houve muito essa interação, precisou existir. É claro que nesse período, houve dificuldades também, tivemos momentos difíceis, momentos dos equipamentos apresentarem um grau de... Como é que eu vou dizer para vocês, um grau de demanda, o equipamento ser requerido de uma forma extrema e aí muitas vezes a Usiminas não concordava com isso, como o equipamento era comandado, então a gente tinha pontos de vista divergentes. Então nós fomos assim, nesse relacionamento, nesse aprendizado, nesse aprofundamento de conhecimento e de interação das duas empresas durante algum tempo. O processo de terceirização aconteceu, finalizou, a White começou a operar as plantas da Usiminas em janeiro de 1998 e eu te diria que a partir de 2004, 2005 a gente chegou num ponto de maturidade bem alto, onde eu posso te falar que a dedicação da minha gerência para esse contrato passou a ser bem pequena, bem menor, mas de 98 até final de 2004, meados de 2005, a gente teve uma participação muito grande, uma interação muito grande. Uma parceria de momentos bons e de momentos também de grande dificuldade. Então foi, eu não te diria que foi um processo assim, muito tranquilo essa transição até pela própria diferença de cultura das duas empresas, mas a partir daí, o conhecimento que a gente tinha, por tudo que se vivenciou junto, acho que se desenvolveu um sentimento de respeito, de admiração, de segurança de estar tendo esse fornecimento dessa empresa para Usiminas, eu mexi, fui responsável por esse processo até o início de 2008, até o final de 2007, então de 1998 até 2007 eu tive próximo, eu tive junto e acompanhei isso muito de perto e saí lá de Ipatinga, saí da atividade que eu tinha junto a White Martins em 2008 para trabalhar no desenvolvimento da nova usina que seria construída no aeroporto lá em Ipatinga, seria a usina de Santana do Paraíso que seria a usina número três na época. Usina de Ipatinga, usina de Cubatão e iríamos construir uma outra planta do tamanho dessa.
P/1 – Falando em abastecimento, era a White Martins que controlava o estoque? Como que se dá esse controle? É a White Martins que, ela tinha um escritório lá, uma planta?
R – Tinha, tinha, tinha uma planta.
P/1 – Essas pessoas continuaram também no mesmo lugar?
R – Os 18 da Usiminas que foram transferidos mais o efetivo da White que ela levou, ela levou gerente, tinha... O mesmo escritório que era nosso, depois construiu o outro escritório, ficava todo mundo lá dentro.
P/1 – Lá dentro.
R – Então a White era responsável pela produção, pela necessidade de produtos que a Usiminas demandava baseado numa interação dos planos. A Usiminas tinha um plano de produção de aço, esse plano era passado para nossa área de Energia e Utilidades que calculava qual a necessidade que se teria de produtos criogênicos para atender aquele plano de produção e aí sim, planos de produção anuais que depois eram segmentados em planos de produção semestrais, trimestrais, bimestrais, mensais, semanais e diários. A gente sabia quanto que precisava. E nós tínhamos, aqui também tem um Centro de Distribuição, a gente chamava também de Centro de Energia, onde são monitoradas todas essas demandas dos clientes internos, de dentro da planta siderúrgica e o centro de energia tem contato direto com as salas de operação, de produção das fábricas de oxigênio, inicialmente com a própria Usiminas que era uma equipe da Usiminas que operava e, atualmente, desde 1998, com a equipe da White Martins. Então olha a gente vai ter uma parada agora de um grande consumidor, a White Martins toma suas providências para adequar a sua distribuição a essa necessidade que eu tenho agora, só que além de você ter esse contato verbal, via telefone, você tem nas telas de computador, essas programações todas inseridas, então, o pessoal da equipe da fábrica monitora a demanda da Usiminas através da pressão das redes de cada um desses produtos, se você vir uma tendência da pressão subir, automaticamente o operador da fábrica de oxigênio da White Martins liga pro Centro de Energia e pergunta: “Olha, o que está acontecendo? A pressão subiu meio quilo, teve alguma parada?”, aí a pessoa do Centro de Energia informa para a White: “Olha, não foi uma parada, foi um intervalo de sopro só da aciaria, ou houve uma parada, a previsão de voltar dele é de quatro horas, adéque a sua operação para você atender essa situação que está acontecendo”. Então, é um processo de interação contínuo, 24 horas por dia, senão existir uma sinergia, se não existir uma facilidade de comunicação e de interação, eu te diria até de uma interação mesmo humana, não só técnica, as pessoas têm que se conhecer, têm que ter uma capacidade de flexibilidade que às vezes você faz um contato numa hora de pressão, precisa às vezes usar um tom de voz ou uma maneira de proceder essa interação, mais agressiva e isso faz parte do processo e esse entendimento, na minha opinião, ele só é possível caso exista uma interação muito forte que não se constrói da noite pro dia, isso depende de tempo, de muito exercício, de muita compreensão e principalmente de muita abertura e flexibilidade de ambas as partes para chegar a isso. Uma interação dentro de uma mesma empresa não é fácil, imagine uma interação com duas empresas diferentes.
P/1 – Pois é. Você estava falando que você deixou de ser um pouco técnico, quer dizer a área de manutenção, operação, isso ficou com o japonês...
R – O japonês ficou com a parte técnica lá da fábrica, durante o período antes da saída dele, mas eu talvez não completei, o japonês saiu em novembro de 1989. Então eu fiquei com ele dois anos, novembro de 1989! E a terceirização aconteceu em janeiro de 1998, então eu fiquei com essa equipe aí, aproveitei todo o ensinamento que esse cara me passou. Eu tinha, assim, uma facilidade de relacionamento com ele muito boa, ele era uma pessoa realmente fantástica Ele é vivo ainda.
P/1 – Mas por exemplo, a logística de abastecimento.
R – Vou te explicar, é simples.
P/1 – Quem é o responsável?
R – A logística de distribuição, isso é muito fácil, você vai entender, é dentro de uma planta criogênica, esses produtos são gerados a uma pressão, você tem uma vazão de produto, de gás, eu gosto de fazer muita comparação com água porque com água as pessoas percebem facilmente. Imagina a fábrica de oxigênio como uma torneira em três tubos diferentes: um tubo você abre a torneira sai oxigênio, no outro tubo da torneira sai nitrogênio e no outro tubo sai o argônio. E isso sai com uma força que é a pressão que tem ali e essa pressão você manda através de redes de distribuição ao longo dos diversos clientes da Usiminas, então na cerca que separa a área geográfica da fábrica, da área da Usiminas existem medidores, como o medidor que você tem na sua casa de água que lá a concessionária de água vai lá e mede todo o final de mês, faz uma leitura, então ali é o limite de bateria, é o limite de responsabilidade de uma área e de outra e você tem todos esses medidores ali, medidores dessa força que seriam os medidores de pressão e a medição de vazão que vão apurar por mês quanto de produto que a empresa utilizou e esses medidores todos são ligados a uma rede de computador tanto no Centro de Energia quanto lá na cabine de operação da White Martins nas fábricas de oxigênio. Então isso tudo é monitorado, a distribuição você não põe a mão nela, ela vai através desses dutos, você monitora os parâmetros que é a temperatura, a pureza, a pressão e a vazão. Então parou uma área, você precisa fazer uma manobra, você precisa interromper o fluxo de algum lugar, você fecha uma válvula, como se você fechasse uma torneira, tivesse no meio lá do teu jardim de água, só não pode faltar, se essa força diminuir, quando você tem lá uma parada de manutenção na sua rede de água que você vai abrir sua torneirinha lá, aquele fluxo de água começa a diminuir, cair, cair, caiu! Ou quando ela vai muito suja, você fica insatisfeito, quando ela chega quente demais, eu não posso ter essa água, como eu vou tomar banho com uma água quente dessa? Então são esses mesmos parâmetros que você monitora numa distribuição num contrato como esse da White Martins, você monitora os parâmetros que são importantes para atender o seu processo e mantém um estreito relacionamento de comunicação para que você possa garantir a continuidade e a qualidade desse produto fornecido. Então por exemplo, para uma planta lá de produção, planta, problema elétrico, a planta parou, que vai acontecer? A hora que você abrir a torneirinha vai diminuir a quantidade de oxigênio que você está mandando. Opa! Eu vou perceber isso lá no Centro de Energia e vou ligar pro suporte: “Que houve?”, “A planta parou.”, “Poxa, sua planta parou? Que houve?”, “Teve um problema assim”, “Que horas que ela vai voltar?”, “Não, a planta vai voltar daqui uma, duas horas”. Então eu tenho que ligar pro meu consumidor e dizer para ele: “Olha, você se prepara aí porque eu não tenho produto para te fornecer nas próximas duas horas”. Então você adequa o teu processo e aí você começa a monitorar, e a conversar e a interagir com a White Martins para que se acelere esse processo de retorno. Dá a ajuda que precisar e vem essas comunicações que eu falei para você, da pressão que existe para você retornar às condições operacionais demandadas pela tua empresa, pela Usiminas.
P/1 – E você acha que você aprendeu alguns valores dessa cultura diferente representada pela White Martins? Que você tenha incorporado na sua vida profissional? Você pode comentar? Você pensava a respeito? Você podia contar um pouquinho sobre isso?
R – Com certeza, com certeza. Eu acho que você sair fora da tua rotina e começar a interagir com demandas, necessidades diferentes, você tem que aprender, você precisa entrar dentro do mundo do outro lado para você entender também as dificuldades que esse outro lado tem para suprir as suas necessidades. Ô gente, criticar é muito fácil, eu acho que a hora que você interage e começa a conhecer a dificuldade do outro lado e isso não pode acontecer numa via de uma mão só é preciso que o outro lado venha também conhecer as suas dificuldades, por isso que eu te falei, que esse processo de interação, ele não acontece da noite pro dia, ele demanda muito tempo, que é esses profissionais indo na Usiminas, conhecendo as nossas dificuldades, passando o dia inteiro, vivenciando um dia operacional, a Usiminas e na White também, não adianta você me cobrar voltar em 15 minutos porque o meu processo só volta com duas horas, “Ah, mas você tem que voltar!”, o cara não conhece, ele cobra do outro lado defendendo os interesses dele, mas ele tem que olhar o outro lado. Então a gente botou essas pessoas para conhecer o processo do outro lado, para conhecer as dificuldades, para na hora de cobrar também ou na hora de referendar necessidade, a pessoa saiba até qual o limite que ela possa fazer essa cobrança e entender que o outro também está tendo esse esforço todo de fazer isso. Então é, isso no meu caso por conhecer bem a parte técnica, eu não tive muita dificuldade, mas eu tinha responsabilidade de pegar uma equipe de distribuição que não eram aqueles que trabalhavam na fábrica de oxigênio para que eles conhecessem, então eu tive que primeiro, após a minha interação com a cultura da White, com as pessoas e com o conhecimento, eu tive a obrigação e a responsabilidade de fazer com que a equipe da Usiminas que não teve acesso a esse contato, a essa cultura diferente de levar os caras para poder fazer isso. Eu acho que todo esse processo, ele não é, nunca será fácil em qualquer empresa, mas eu tenho hoje a convicção que ele é possível, ele é possível desde que exista uma boa vontade de ambos os lados de buscar isso. Eu falo isso para vocês porque houve momentos da gente ter dificuldades, como eu também não tenho dúvida que pode ter tido o mesmo sentimento por parte da outra empresa, da White Martins em relação a Usiminas.
P/1 – Alguma conquista você consegue contar? Que você tenha dito: “Puxa, que bacana!”, um exemplo dessa possibilidade que você contou?
R – Olha, a maior conquista que eu posso te contar disso foi quando eu te falei que a partir de meados aí de 2004, 2005, eu percebi gradativamente, mas de uma forma muito intensa essa ausência de necessidade da gente estar participando tanto, cobrando tanto e participando tanto do processo interno da White. Eu sinto hoje a White Martins lá em Ipatinga como um braço de continuidade da própria Usiminas, é uma empresa que hoje está incorporada, hoje ela conhece bem a essência do fornecimento de produtos criogênicos para uma siderúrgica. Agora foi um desenvolvimento árduo, complexo, mas tem esse fruto. É um fruto que a gente buscou. Eu hoje não estou lá mais, eu vim para cá em abril de 2011, o processo aqui, esse mesmo processo que ocorreu em Ipatinga, ele aqui é novo, ele conheceu, ele começou em segundo semestre de 2009, começou desenvolver o processo, 2010 a gente estava em crise, então esse processo foi muito pouco exercitado e em 2011 a gente começou a exercitar muito. Então eu estou, eu não tenho o mesmo cargo de Gerente da Distribuição, eu hoje estou num cargo de Gerente Geral que é um cargo acima desse que eu estava quando trabalhava lá em Ipatinga, mas eu estou me sentindo desafiado a desenvolver esse mesmo processo que nós conseguimos em Ipatinga, ou seja, é uma nova etapa, é com a mesma empresa, mas as pessoas são diferentes e o processo, esse processo de interação, ele depende muito dessa facilidade, dessa abertura, dessa flexibilidade das pessoas, não é um processo técnico, é um processo de convivência.
P/1 – Estando em um cargo superior você sabe que existem demandas também da White Martins, ela poderia suprir em outras áreas, não só na produção de oxigênio, mas tratamentos de efluentes, a própria solda, os equipamentos... Os equipamentos não são comprados da White Martins, o tanque mesmo é feito também pela White Martins?
R – É, a White Martins da parte de criogenia ela fabrica tudo.
P/1 – Tudo?
R – Tudo. Aqui ela não precisou ainda botar tanques grandes porque a Usiminas tinha isso. Agora na época em que comprou, eu não sei falar de quem que foi, mas arrisco dizer que foi dela, que como eu falei para vocês a White Martins, ela tem uma fábrica de equipamentos criogênicos no Rio. Os outros equipamentos todos de criogenia no Brasil são importados, então eu acho que pela própria facilidade sim, mas respondendo a tua pergunta, existe hoje uma interação muito grande das oportunidades de tecnologia que a White Martins detém dentro de um processo siderúrgico e nós estamos constantemente em diálogos, não hoje, há muito tempo que a gente participa de reuniões e tem vários encontros com a White em toda oportunidade que ela vislumbra. Uma possibilidade de aumentar sua participação de fornecimento da Usiminas dentro do processo siderúrgico, incrementando tecnologias aqui dentro do processo siderúrgico, isso sempre é feito. Inclusive em Ipatinga foi desenvolvido em parceria Usiminas e a White Martins, num processo de cojete que é uma injeção que tem lá na panela do aço que você faz uma injeção para aumentar a produtividade de aço dentro do convertedor; trabalharam junto também num outro projeto que o slag splashing, que é uma injeção de nitrogênio que você dá dentro da panela para proteger, criar uma película de nitrogênio nos refratários, nos tijolos refratários do conversor para evitar um desgaste maior, para preservar a vida útil do tijolo refratário. Então são todos processos que a própria White Martins junto com a Usiminas sentam e estão sempre desenvolvendo essa parceria para buscar novas oportunidades, é claro de interesse de ambas as partes.
P/1 – Por que Energia, essas palavras Energia e Utilidades estão juntas num cargo como esse que você já exerceu?
R – Porque dentro da usina siderúrgica são insumos que atendem a toda usina e eles não são assim um processo isolado, então coloca-se isso como uma área de apoio às áreas de produção do aço. Então dentro da cadeia produtiva do aço, da chegada da matéria prima, da elaboração do ferro gusa, do aço e dos laminados que são os produtos finais. Em todas essas etapas você precisa entrar com insumos que são necessários para viabilizar o desenvolvimento dessa produção, a gente não fala muito em água, mas água está dentro de utilidades, então todo processo é preciso de água, é um processo eletro-intensivo, não é igual a White Martins, é um processo eletro-intensivo, só a energia elétrica é o mais pesado, vamos dizer do processo. Mas a Usiminas precisa muito de água, de energia elétrica em todas as partes, precisa de combustível em todos os fornos de aquecimento que têm dentro da planta, precisam dos produtos criogênicos e usam muito também de vapor que é um outro processo que é utilizado de aquecimento. Rotulou-se isso tudo como insumos de apoio, então vamos botar tudo dentro de uma área que chama Energia e Utilidades, energia porque energia elétrica tem um grande impacto no processo e as utilidades é uma aglomeração de todos os outros insumos que você precisa dentro do processo siderúrgico para no final produzir o aço e aí são esses que ele tem para você: vapor, água, os combustíveis, os gases gerados dentro do processo siderúrgico, óleo, gás natural quando tem, a gente rotulou isso como utilidades.
P/1 – E qual seria esse insumo que você teria que ficar mais atento para não provocar desperdício?
R – Olha, eu não separaria, eu sou uma pessoa meio obcecada por eliminar desperdício, então eu acho que todos você tem que estar extremamente atento. Por que desperdiçar? Qual a necessidade desse desperdício? E a gente viveu uma experiência do racionamento de energia, no início dos anos 2000 que eu acho que todos nós vivemos isso, inclusive em casa, isso assim aflorou mais ainda essa necessidade, o custo de energia elétrica no Brasil, gente, teve uma evolução fantástica. Há números que falam em mais de 600% nos últimos 15, 16 anos, então é muito dinheiro que está envolvido nisso e hoje competitividade no mercado é algo que você não pode abrir mão, se você não tiver um preço competitivo no mercado você passa por dificuldades muito grandes, resta a gente parar e imaginar que estivemos aí no ano passado produto chinês, produto siderúrgico chinês chegando em São Paulo mais barato do que a gente estava conseguindo produzir. Então todas as siderúrgicas brasileiras no ano de 2011 passaram por uma dificuldade muito grande, de uma invasão de produtos competitivos vindo de fora, excedentes Desse mercado externo, não sei se subsidiados pelos próprios governos desses países, mas nós tivemos aqui, nestes últimos dois anos, praticamente, uma capacidade de produção de uma planta dessa de produto importado, nunca existiu isso na história do país.
P/1 – Junior, conta um pouco então dessa fase de transição para Cubatão.
R – Então, eu comentei com vocês que eu estava trabalhando no desenvolvimento da usina nova, da usina de Santana do Paraíso que ia ser construída em Ipatinga. Com o advento da crise, esse projeto foi suspenso, então eu fui trabalhar na engenharia de processos, ligada a área também de Processos que demandava uma parte de Energia e Utilidades e durante esse período eu recebi um telefonema do diretor da usina aqui de Cubatão me convidando para que eu viesse assumir esse cargo de gerência geral de Energia e Utilidades aqui, então eu até perguntei para ele quanto tempo eu teria para dar resposta, ele foi muito prático e respondeu: “O tempo desse telefonema”, olha, que bacana, então já que eu tenho esse tempo todo para responder, aí vim para cá, fui comunicar para minha família só de noite que eu estaria sendo transferido para cá, minha família continua ainda sediada lá em Ipatinga. Eu vim para cá em abril de 2011, assumi essa gerência com esses encargos todos que eu ainda não tinha vivido essa experiência em Ipatinga, aí a Manutenção também passou a fazer parte das atribuições do meu cargo e eu tive também a grata surpresa que o processo da fábrica estava em curso aqui, das plantas de oxigênio e que a gente teria essa interação com a White Martins para construir esse processo novamente aqui, já existe algo estruturado e a gente vai agora dar a continuidade e espero que a gente consiga atingir muito rápido esse grau de maturidade que nós conseguimos em Ipatinga, que é um processo novo.
P/2 – Mas aqui era a Usiminas?
R – Até 2009, sim.
P/2 – E por que a White? Por causa do histórico?
R – Não, aí foi feita aqui uma licitação igual aconteceu em Ipatinga. Foi feita uma licitação, várias empresas participaram dessa concorrência e a White Martins foi a vencedora que naturalmente a gente esperava que isso acontecesse pela própria facilidade de já ter uma interação com a usina lá de Ipatinga, então no fundo, no fundo a gente acha que é melhor porque nós estamos com a mesma empresa atendendo as duas usinas. Agora, são contratos diferentes, contrato daqui com o contrato de lá, existem algumas cláusulas que não são as mesmas, as próprias pessoas que fizeram os processos lá não são as mesmas que fizeram o processo aqui, então eu acho que isso daqui, na minha opinião, passa por um período de maturação, da gente estar fazendo aquele mesmo exercício de interação das equipes, interação da parte comercial, de interação das dificuldades porque apesar de ser tudo siderurgia e tudo criogenia, as particularidades dos dois sites são diferentes, então a gente vai ter que trabalhar um pouco disso, é um desafio que faz parte e eu estou com muita energia para trabalhar junto com o desafio aqui, já fazendo até um plágio aí a energia e já que você citou energia e utilidades, a gente está com muita energia para aproveitar. Dando continuidade a esse trabalho que já teve início aqui em 2009.
P/1 – E a infraestrutura da empresa aqui é diferente, esse porto.
R – Sim, a nossa siderúrgica aqui a capacidade das plantas são praticamente as mesmas, a gente tem esse ativo porto aqui que ele é um diferencial competitivo do meu ponto de vista, que é uma facilidade que nós temos de redução de custo para escoamento de produto e recebimento de alguma matéria prima. Esse porto é nosso, operado pela Usiminas, aqui também tem uma diferença de logística de facilidade que está próximo do mercado mais consumidor também, o mercado aqui na região Sudeste, São Paulo, as malhas aqui de escoamento são mais fáceis. Para mim está sendo assim, um desafio interessante, a distância da família não é fácil, é um outro desafio que a gente está enfrentando. Não tem uma perspectiva, assim, da minha família vir para cá agora pela própria idade dos meus filhos, em fase aí de fazer vestibular, no segundo colegial, então, a gente tem que pensar nisso com bastante ponderação e ver essa transição total no momento que for oportuno. Espero que seja breve, que possa estar todo mundo junto outra vez.
P/1 – Então a Usiminas tem parceiros no exterior?
R – Sim e recentemente, agora, ganhamos mais um parceiro no exterior. Parceiro que eu estou te falando é dono, sócio, então a Usiminas o grupo controlador é formado pela Nippon Steel, 29,6% das ações que dão direito a votos ordinais; e o grupo Techint, através da termo que é o braço siderúrgico do grupo Techint que adquiriu as ações da Votorantim e da Camargo Corrêa que somam 27,7%. Então essas duas empresas, o grupo japonês e o grupo argentino somado a caixa de empregados da Usiminas, tem 6% das ações, forma o grupo controlador da empresa e essa participação da Ternium do grupo siderário aqui da Usiminas, ela se efetivou agora dia 16 de janeiro, então hoje é dia 24, nós estamos falando de oito dias atrás.
P/1 – E vai fazer parte de projetos ou atribuições suas coisas que acontecem lá fora? Vendas? Importação?
R – É, a gente não trabalha assim, na área de produto final, mas qualquer tipo de incremento na demanda, e a gente acredita que oportunidades ocorreram com a vinda desse grupo argentino como parte do grupo controlador da Usiminas, a gente acredita que surgiram novas oportunidades. Com essas novas oportunidades, a gente espera, deseja que a grande oportunidade que surja é poder aumentar a nossa demanda, aumentar a nossa oferta de produtos. Em função dessa crise ficamos com as nossas plantas restritas, com capacidade de produção baixa, então uma expectativa que existe é que esse grupo possa abrir um pouco o mercado e que a Usiminas possa encher a sua capacidade de produção, que a gente possa aumentar nossa receita, diminuir nossos custos físicos, com isso diminuir os custos de produção e se tornar o máximo produtivo. Então essa é a expectativa que a gente tem nesse momento, essa novidade do grupo argentino fazendo parte do grupo controlador.
P/1 – E voltando um pouco para parte pessoal, você consegue fazer alguma coisa nas horas de lazer? Como é que são as suas horas de lazer?
R – Olha, eu tenho como eu te falei eu gosto muito de velocidade, de esporte de velocidade, então eu tenho meus hobbys hoje. Eu tenho dois carros antigos que eu não gosto muito que chama de carro velho, eu tenho um Fusca, quem não tem uma história para contar sobre um fusca. Eu tenho um Fusca 98, esse fusca está em Ipatinga ainda, todo restaurado, está em ponto de botar uma placa preta de colecionador dele, gastei dois anos para fazer a restauração desse carro, então quando eu vou a Ipatinga, uma das minhas atividades de lazer é encher o tanque desse Fusca e andar até a gasolina acabar. Para onde você vai? Não sei, não importa, vou andar no meu Fusca. E eu tenho um outro carro antigo que é um Puma, não sei se vocês lembram de um carrinho desses baixinhos, conversível, esse carro eu trouxe para cá, então quando chega o final de semana eu gosto de fazer a mesma coisa com ele. Além disso, um outro hobby que eu desenvolvi muito, herança do meu pai, eu adoro cinema, então eu tenho na minha casa uma boa aparelhagem de cinema, então eu gosto muito de ver filmes, mas em casa, eu não sou muito de ir ao cinema, prefiro que o cinema venha até mim em casa, então eu gosto muito de ver filmes, então às vezes de noite quando a minha família não está aqui, eu chego da usina, tomo um banho e eu gosto de sentar e assistir a um bom filme, não me deixa perceber a solidão, um filme é um grande companheiro. E faz parte da minha natureza interagir com as pessoas, então hoje com a equipe que eu tenho aqui, são mais de 300 funcionários, nós já temos assim alguns grupos, algumas pessoas que gostam de participar da vida social, então a gente se encontra, toma uma cerveja, conversa um pouquinho sobre futilidades. Eu estou precisando agora é arrumar uma atividade esportiva. Estou meio parado, dar uma caminhada na orla, praticar algum tipo de esporte. Eu consigo conciliar mais ou menos por aí.
P/1 – Você mora em...
R – Moro num flat aqui.
P/1 – Na região?
R – Moro em Santos.
P/1 – Santos.
R – São 25 quilômetros de distância. Outra percepção que eu senti muito vindo de Ipatinga para cá, eu falei para vocês que em Ipatinga eu moro há cinco minutos da usina, aqui a gente gasta no mínimo, quando está tudo bem, uns 40 minutos para poder vir para cá, meia hora, 40 minutos, quando tudo não está bem, uma hora e meia, duas horas para poder vim ou ir...
P/1 – Melhor vir a pé.
R – Com essa distância é melhor vir a pé, mas o volume, o tráfego é muito grande por causa do porto de Santos, dos containers, então tem uma dificuldade muito grande.
P/1 – Durante a sua trajetória, você diria que se você tivesse um sonho, assim, saberia dizer qual é?
R – Em relação a que?
P/1 – Por exemplo, você gostaria de voltar a estudar? Ou você gostaria de viajar mais? Neste sentido ou pessoal. Já pensou em voltar a estudar?
R – Estudar eu acho que é sempre interessante. Eu confesso para você que quando eu fiz o MBA em 1996, eu estava mais de dez anos de formado, me formei em 1982, então eu tomei um susto muito grande porque eu achei que eu ia chegar nessa turma com a experiência que eu tinha, era chefe de divisão, 600 funcionários subordinados, “Cara, tem essa meninada aí e eu vou tirar isso de letra!”, levei um susto que eu percebi em dois dias que eu estava no curso que eu estava 20 anos atrás de todos esses meninos, eu não tenho dúvida de afirmar para você que para fazer o curso eu tive que estudar 20 vezes mais do que esses meninos estudaram porque eu fiquei assim, houve uma defasagem muito grande até da própria prática mesmo, de lidar no dia a dia com o estudo, com esses livros que eu te falei que a gente tinha que levar para ficar os dois meses estudando e realizando as coisas. Então para mim também foi uma experiência, eu tive que fazer uma profunda reflexão a respeito disso. Eu saí de um estepe que eu cheguei e falei: “Cara, vamos baixar um pouquinho essa energia, reconhecer que você entrou pela porta errada, dá a volta, vai lá no final da fila e entra de novo”. E aí eu percebi que não é fácil. Aí depois que eu fiz esse MBA eu continuei a me desenvolver muito em termos de estudo, mas muito ligado, confesso para você que por aspectos mais técnicos. Porque o MBA é muito bom, mas ele depende muito do cargo que você exerce, eu acho que quando você está num cargo diretivo não de gestor, segunda ou terceira linha, um cargo mesmo diretivo que você precisa ter um fluxo de informações muito grande para tomada de decisões, para as decisões que você vai tomar, eu acho que aí sim ele é, e muito desses jovens que estavam fazendo curso com a gente eram donos de empresas, os pais eram donos, estavam fazendo a transição para eles, então eles precisavam realmente desse preparo que é uma carga de informação muito grande para que você possa ter uma agilidade muito grande para tomada de decisão, que sedimentasse as informações numa velocidade grande para tomar as decisões de forma bastante rápida e eu não pude aproveitar muito isso do MBA porque no nível que eu estava em 1996, talvez hoje até eu aproveite mais, no nível que eu estava em 1996 eu não usava muito isso. Então foi muito bom assim como exercício, então hoje se me perguntar eu tenho até um interesse maior de entrar, de dar uma aula desse tipo dentro dessa, desse segmento de gestão de pessoas para tentar talvez transmitir um pouco pras pessoas a experiência que eu adquiri com as oportunidades que eu tive, que a vida é feita de oportunidades, eu posso exemplificar para vocês profissionais que trabalharam junto comigo, mas talvez não tiveram as oportunidade de vivenciar um processo de transição como esse da White Martins, de vivenciar trabalhar em áreas diferentes, quando eu fui para desenvolver essa área de Energia e Utilidades em Santana do Paraíso é como se pegar do zero, pegar tudo outra vez do zero, inclusive um processo de selecionar pessoas que as equipes antes do cancelamento do projeto, elas estavam todas prontas e todas essas pessoas passaram indiretamente, sem contato por elas por um processo de avaliação de perfil muito grande, eu nunca tinha feito isso. Consultorias, ajudar a Usiminas a fazer isso, então houve um processo de desenvolvimento importante dentro desse aspecto e aí depois essa transferência para cá, um ano que eu estou aqui, mas é a mesma empresa a mesma estrutura, mas são diferentes. A Usiminas teve o cuidado de quando adquiriu a Cosipa de preservar a cultura do efetivo que trabalhava aqui, não foi uma fusão traumática, tipo assim, o que aconteceu na siderúrgica de Tubarão, na época da ArcelorMittal, da Arcelor e depois do grupo Mittal que foi uma fusão profunda. Aqui não, aqui houve um processo de transição assim, aproveitando os pontos fortes, tentando corrigir os fracos de ambas as partes. Então as culturas são diferentes, eu posso dizer isso, poucas pessoas aqui em Cubatão podem falar, eu posso porque eu trabalhei 24 anos lá e estou um ano, vai fazer dez meses que e estou aqui agora e é fácil de perceber isso, mas de valores assim muito fortes, de muito amor a empresa, de muita vontade de fazer as coisas darem certo, mas de um caminho diferente. Eu não poderia te precisar hoje, eu não posso arriscar, mas eu não poderia te precisar a cultura de colonização aqui da usina de Cubatão, da Cosipa não foi japonesa ou se foi, foi em pouca parte ou se foi em intensidade maior pouco se absorveu. Ipatinga talvez por ser uma cidade de menor influência externa, uma cidade do interior, então acabou pegando essa cultura japonesa com muita força. Aqui a influência externa é muito grande, São Paulo é um mundo, muitas empresas no polo, Petrobras, a própria Vale está aqui, então é diferente, é diferente de lá, mas está sendo uma experiência muito interessante.
P/1 - O que acha da proposta então de contar a história do desenvolvimento industrial e os 100 anos da White Martins através desse projeto de memória?
R – Eu acho fantástico, porque eu tenho pena de quem não tem uma história para contar, de quem não viveu a vida intensamente para poder, para poder contar isso para alguém! Então eu acho que é um dos grandes valores das culturas das empresas e eu acho que é preservar a sua história, preservar o que aconteceu ao longo do tempo, que ajudou a trazer essa empresa de onde ela surgiu desde o nascimento até onde ela está hoje. Eu acho que o caso da White Martins como da Usiminas é imprescindível que isso exista porque é uma trajetória de sucesso, eu ouvi dizer que a White Martins começou numa empresa familiar e hoje é um grande grupo, faz parte do grupo Praxair, mas é uma empresa que tem o seu lugar no mercado, mais sedimentado como a Usiminas, então eu acho, parabenizo a White Martins pela iniciativa de fazer isso e tenho certeza que as próximas gerações que vão trabalhar na White Martins vão ter a oportunidade de conhecer a história da empresa que eles vão trabalhar, coisa que não seria possível se esse projeto não tivesse nascido e nem tivesse sido idealizado.
P/1 – Muito obrigado pela sua entrevista.
R – Eu que agradeço.
P/1 – É um prazer tê-lo conosco.
R – O prazer é todo meu. Obrigado.
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