Histórias Que Iluminam
Depoimento de Valdir Folgueral Rodrigues
Entrevistado por Felipe Rocha e Tatiana Rommel
São Paulo, 05 de maio de 2016
Realização Museu da Pessoa
HQI_HV_08_Valdir Folgueral Rodrigues
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições
P/1 – Novamente queria agradecer pela disposição e pelo tempo aí. Começar com a perguntinha qual é o seu nome, o local e a data de nascimento.
R – Meu nome é Valdir Folgueral Rodrigues, nasci em 17 de novembro de 1963, na cidade de São Paulo, capital.
P/1 – Bairro?
R – Mandaqui.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Manuel Folgueral Rodrigues, minha mãe Terezinha do Menino Jesus Folgueral.
P/1 – O que eles faziam?
R – Meu pai é encanador, minha mãe era do lar. Foi doméstica e depois que casou só do lar, só cuidou da gente.
P/1 – Sua família tem alguma origem, ascendência?
R – Sim, espanhola.
P/1 – Tem alguma história de família que você saiba, de seus avós vindo...
R – O que eu tenho conhecimento é que o meu avô casou com a minha avó para poder sair da Espanha na época da Guerra Civil de Franco e vieram pra São Paulo. Entraram no navio para o Brasil, Santos, subiram a serra e fizeram história aqui na cidade de São Paulo.
P/1 – Eles se estabeleceram aqui em São Paulo com alguma atividade?
R – Meu avô trabalhava para o Departamento de Águas e Esgotos, o DAE, e minha avó, do lar.
P/1 – Você tinha falado que o seu pai era...
R – Meu pai é encanador.
P/1 – Encanador. Ele aprendeu a profissão com seu avô?
R – Na verdade com o meu tio, um cunhado dele que foi casado com a minha tia, que era encanador e aí passou a profissão para o meu pai. Meu pai foi um encanador que trabalhou em grandes construtoras, meu pai foi responsável por toda a parte hidráulica na construção do Hilton Hotel, lá no centro de São Paulo, na Avenida Ipiranga. Foi o primeiro prédio redondo na cidade de São Paulo, isso no final dos anos 60.
P/1 – E você acompanhava esse...
R – Fui algumas vezes lá, inclusive numa das passagens que nós fomos lá era para avisar do falecimento da minha avó, tal. Mas algumas coisas sim. Quando a Portuguesa comprou o Canindé do São Paulo, meu pai também trabalhava na empresa que restaurou toda a parte hidráulica do estádio, do ginásio, das piscinas da Portuguesa. A gente ia lá, às vezes meu pai levava pra ver, tal.
P/1 – Você tem bastante memória disso na infância.
R – Tenho.
P/1 – Sua família tinha algum costume? Seja dessa tradição espanhola, ou algum hábito comum que vocês tinham, passear, alguma coisa que você lembra muito?
R – Não, não, não, sem hábitos assim. E também a gente não frequentou muito a colônia, até porque meus avós, acho que por terem fugido da guerra ficaram com medo, tal, um dos fatos que meus avós nem registraram os filhos no consulado e a gente acaba nem tendo a nacionalidade espanhola em virtude disso.
P/1 – Os seus avós eram de algum movimento político, social, engajados em alguma coisa?
R – Então, não tenho certeza disso, a gente não tem essa memorização de história, Felipe, mas pelo medo, sim. Meu avô acabou se naturalizando brasileiro até pra poder trabalhar no DAE. Minha avó nunca quis, o sonho da minha avó era voltar pra Espanha, mas também não foi possível. Meu avô era da região da Galícia, de La Coruña, minha avó madrilena, de Madri mesmo.
P/1 – E quando eles chegaram aqui a cidade era antiga, tal, você ouve histórias dessa São Paulo antiga, como que era?
R – Essa história a gente ouve mais por parte da minha mãe e do meu pai. Meus avós chegaram nos anos 800, finalzinho dos anos 800, início do século XX, então, lógico, tudo era muito diferente. Eles chegaram em Santos e a cidade não existia praticamente. Eles foram pra Zona Norte, tinham chácaras lá. No bairro da Vila Mazzei, que é próximo do Tucuruvi, o meu avô tinha uma chácara, plantava tomate, essa é a história que a gente tem. Eu consegui andar de bonde ainda na cidade de São Paulo por causa da minha mãe, então a gente tem essa memorização da cidade pouco antiga já, mas no final dos anos 60 em virtude disso.
P/1 – Tinha uma época que não tinha, por exemplo, iluminação pública na cidade. Você lembra como era? Você falou da chácara lá na Zona Norte.
R – Não, eu não lembro, mas minha mãe e meu pai contam do pessoal sair da rua acendendo os lampiões, minha mãe viveu a Revolução. Minha mãe foi babá do Eduardo Suplicy.
P/1 – É mesmo?!
R – É. Minha mãe foi órfã, foi criada em orfanato de freiras e tinha uma senhora que cuidava da minha mãe. Então, fazia as visitas, ela era da família Glicério de Freitas, então minha mãe viveu dentro dessas famílias grandes da cidade de São Paulo, famílias tradicionais, a ponto dela trabalhar na casa dos Matarazzo e ser babá do Suplicy.
P/1 – Tem alguma história que ela te contou?
R – Não, é só o fato assim. Ela contava muito pouco. A vida da minha mãe não foi muito fácil, porque você imagina, ela viveu dentro dessas famílias tradicionais, conheceu o meu pai fazendo uma obra, trabalhando atrás de uma dessas casas, da família Fontoura, que minha mãe trabalhava pra família Fontoura na época. E ela acabou se apaixonando pelo meu pai, tiveram um relacionamento e casaram, tanto é que os padrinhos de casamento dos meus pais são os Fontoura. E deram todo o apoio. Meu pai jogava bola, mas meu pai não aceitava favor nenhum, enfim, então a gente teve sempre uma vida muito difícil vivendo só com o salário do meu pai e a gente até conseguiu um imóvel, tudo, por causa da perseverança da minha mãe, de guardar esses valores e poder pensar na coisa. Meu pai era meio chucrão, era aquele espanhol criado daquele jeito mais rústico de ser e a minha mãe com aquele jeito mais educado de passar pra nós esse lado de: “Poxa, tem que se portar dessa forma, falar dessa forma, não fala alto, come direito, não come assim, come assado”. Então é a história que a gente tem um pouco disso. E depois a nossa infância, uma infância muito difícil em periferia de São Paulo, uma família de cinco filhos.
P/1 – Você tem irmão então.
R – Tenho irmãos, o meu irmão mais velho com 62 anos hoje. Aí eu perdi um irmão novo recente, cinco anos atrás mais ou menos, com 56 anos de idade. Depois tenho mais dois hoje no Turismo, tenho um sobrinho que é sargento do exército americano, combateu no Iraque, combateu no Afeganistão, de um irmão que morou muitos anos nos Estados Unidos, hoje ele voltou, que é o pai. Tenho um irmão que foi subsecretário de Esporte e Turismo do Estado de São Paulo, meu irmão mais velho, no primeiro Governo Alckmin. Então, apesar de todas as dificuldades, todos conseguiram crescer e ver um objetivo, ver um mundo diferente daquele que a gente cresceu ali ao redor do nosso bairro, da casa. Então a gente tem amigos que ficaram parados no tempo. A gente conseguiu, através de estudos e sempre com muita força de vontade da minha mãe.
P/1 – E você sabe como foi o casamento deles? Você falou que os Fontoura foram padrinhos. Tem alguma história desse dia, eles contavam?
R – Só aquelas fotos, foto tradicional que você vê, vestido de noiva e coisa e só. Eu lembro assim, na memória muito vaga porque eu era muito novo, que a minha mãe ia no escritório do Fontoura e eu achava legal porque tinha aquelas portas que rodavam, sabe, de madeira, que você empurrava, eu achava aquilo o máximo, tal. Mas assim, era só de vez em quando, só para fazer uma visita muito rápida. Lembro um pouco da madrinha da minha mãe que morava na rua Primavera, que é uma travessa da rua São Gabriel; da rua Batatais que ela morava na rua Batatais primeiro, depois esse casarão acabou sendo vendido pra virar prédio. Então essas histórias que eu tenho. Meus avós eu não conheci, a não ser minha avó, meu avô já tinha falecido, a minha avó eu convivi até os sete anos de idade, mais ou menos, até que a gente praticava o espanhol porque ela não falava português, mas depois a gente foi perdendo esse documento na memória.
P/1 – E vamos falar um pouco da sua infância agora. Como é a casa onde você cresceu?
R – Bom, a casa existe até hoje do mesmo jeito. Eu nasci, como eu falei, no bairro do Mandaqui, em casa, eu e um dos meus irmãos nascemos em casa com uma parteira, que até essa parteira depois foi minha madrinha, uma pessoa maravilhosa, tal.
P/1 – Ela era conhecida no bairro?
R – Ah, totalmente. No bairro do Mandaqui, dona Adelaide era o top da referência (risos). Depois minha mãe comprou esse terreno no bairro do Jardim Peri e a casa foi sendo construída pelo meu pai, pelos meus tios e eu fui pra lá com um ano de idade, em janeiro de 65. E a casa existe até hoje, eu moro próximo do bairro, tenho meus amigos todos lá, lá foi minha infância. Então a casa é do mesmo jeito, com lateral, com a parede da casa sendo muro e todo um quintal pra direita. Hoje a casa está do mesmo jeito, minha cunhada mora lá.
P/1 – Era uma casa bem gostosa.
R – Bem gostosa. E onde eu moro hoje, que são os apartamentos, era um local onde a gente fazia Educação Física no colégio. Tinha um campo de futebol, o colégio não tinha quadra, não tinha nada, então a memória do bairro, do crescimento, hoje tem shopping, tem tudo.
P/1 – Já tinha energia elétrica no Mandaqui quando você nasceu?
R – Já tinha energia, mas era assim, você imagina que se você deixasse cair uma panela no chão apagava a luz porque achava que ia chover. Era muito engraçado também porque no horário de pico a energia caía muito, você tinha uns transformadores que você ia virando pra televisão poder funcionar. A luz ficava bem amarela. Era muito doido. Depois à noite, conforme as pessoas iam desligando as luzes você tinha que ir voltando esse regulador pra não queimar seus eletrodomésticos e tudo.
P/1 – Tinha bastante eletrodoméstico na sua casa?
R – O básico. Geladeira sempre teve, desde que eu me conheço por gente. E televisão, rádio, fogão, essas coisas, só.
P/1 – Sua família ouvia muito rádio?
R – Sim. Meu pai ouvia muito rádio e eu tenho o hábito de ouvir futebol até hoje pelo rádio por causa dele. Luta de boxe, eu vi os títulos do Éder Jofre. Eu lembro do meu pai sentado na mesa com o rádio na frente e eu ficava sentado próximo dele pra ouvir a luta. E ele falando, explicando mais ou menos, porque você imagina, eu tinha sei lá quantos anos, seis, sete anos de idade. E televisão. Tinha os horários, claro, pra gente ouvir, mas os programas, tipo o Vila Sésamo, Perdidos no Espaço. Como era o outro lá? Nacional Kid, aquela coisa bizarra que hoje você vê aquilo (risos). Cara, como eu gostava disso! E gostava de desenhos, desenhos que nem movimentação tinham. Eu não gostava de Capitão América, Homem de Ferro, nada disso, porque os desenhos que passavam na televisão não tinham movimento, era só os barulhos e os quadrinhos, era muito louco, mas eu lembro bem disso.
P/1 – Você estava falando do futebol e do boxe, então seu pai era bem fã de esportes em geral.
R – Sim, meu pai, inclusive, ele não foi um dos fundadores, mas ele jogou durante muito tempo no Lausanne. E o Clube Lausanne hoje, onde é, meu pai participou da negociação daquele terreno porque o campo do Lausanne ficava onde é próximo a uma avenida que é a Engenheiro Caetano Álvares e a prefeitura pediu o terreno, que era o campo, pra construir um colégio, que existe até hoje. Meu pai, junto com a prefeitura, negociou todo o espaço onde é o clube do Lausanne hoje. Meu pai jogou bola, jogou bola no Jabaquara de Santos, sabe, amigo do Pepe, não do Pelé, mas do Pepe sim, que meu pai me levava pra assistir futebol no campo do Nacional e uma vez eu lembro bem jogou Santos e Portuguesa e eu estava lá, meu pai me levou e o cara saiu, entrou com o time dos meninos do Santos, na época era dente de leite e foi cumprimentar meu pai, meu pai abraçou, cumprimentou ele, depois voltou lá pra ficar na beira pra treinar o time. Eu ainda perguntei: “Ô pai, você conhece esse cara?”, eu tinha essa mania: “Você conhece?”, papai: “Esse cara, você vai ouvir falar muito dele, ele é o Pepe, jogava com o Pelé”. Então meu pai foi um zagueiro, jogava na várzea em vários campos de várzea. E o Lausanne tem a história até do meu pai, na seleção dos anos 60 tem o nome do meu pai lá nos livros de história do Lausanne.
P/1 – Ele era zagueirão raçudo.
R – Ele era zagueirão raçudo. E artilheiro ainda, fazia vários gols de cabeça, tal. Então a gente acabou...
P/1 – Tinha apelido na várzea?
R – Meu pai? Mané. O nome dele era Manuel, era Mané.
P/1 – E você falou do Éder Jofre. Ele era um grande ídolo?
R – Ah, era. Foi, foi um grande.
P/1 – Seu também ou mais?
R – Não, não tanto. Eu depois, mais velho, comecei a gostar de boxe, mas com Tyson e aquela coisa toda que veio. Mas a história, eu sempre gostei muito de história então tudo o que representou o Éder Jofre pro esporte eu fui ler, fui obter informação, fui ver tape de lutas dele, tal.
P/1 – E como era o Mandaqui quando você era criança?
R – Cara, era... como posso dizer? Muito diferente do que é hoje. Poucas casas, casas com terrenos grandes, com árvores nos terrenos, abacateiro, ameixa. E hoje é uma cidade, hoje tudo aquilo deu espaço a prédios, os terrenos viraram condomínios. Então você imagina, onde era uma casa hoje tem seis, sete casas. A casa que eu nasci mesmo virou acho que cinco ou seis sobradinhos. E era tudo uma casa só, um terreno só, pra você ver o tamanho do terreno lá.
P/1 – Você brincava muito na rua?
R – No Mandaqui não, porque como eu te falei eu fui pro Jardim Peri com um ano de idade. Mas no Jardim Peri, sim. O futebol em campos de várzea, tudo, isso sim. Sempre assistido ali ou por minha mãe ou por um vizinho, a rua ficava tudo na frente ali.
P/1 – Tinha horário pra voltar pra casa?
R – Ah, sempre. Horário pra ir pra casa, só ia pra rua depois de estudar, fazer as lições de casa.
P/1 – E à noite tudo bem brincar ou tinha que...
R – Não, minha mãe não deixava, era muito raro. A não ser quando tinha luz, que graças a Deus era uma coisa comum (risos), aí ficava todo mundo pra fora, conversando, e a gente ficava brincando.
P/1 – Faltava luz com frequência?
R – Ah, sempre, era uma coisa impressionante (risos). O pessoal não imagina o que é isso hoje, sabe? Telefone, então, não existia, né? Era algo imaginário você ter um telefone, só as pessoas de muitas posses tinham telefone. Carro era a mesma coisa. Porque o carro não se financiava, então ou você tinha dinheiro pra comprar carro à vista ou você não tinha carro.
P/1 – Do que você gostava de brincar?
R – Cara, eu gostava de brincar com meus carrinhos, sempre gostei de carro, então tinha os carrinhos de plásticos. E tem um que eu ganhei do meu irmão mais velho que me marcou muito, que era uma Ferrari, aquelas Ferrari antiga, você puxava uma alavanquinha. Toda de ferro, cara, a gente não se cortava, não morri, era um negócio impressionante (risos). Você apertava e ela saía correndo, esse era um dos meus brinquedos prediletos. Era realmente carrinho e bola, futebol, acho que não tem como você nascer e crescer na periferia e não gostar de futebol. Eu brinco assim, eu gostava de futebol, não aprendi a jogar, mas aprendi a gostar de futebol (risos).
P/1 – E você estava falando da escola que onde você mora hoje é onde você tinha estudado.
R – Não, o colégio existe até hoje, o colégio que eu fiz o meu... estudei lá até a sétima série do ginásio.
P/1 – Qual é o nome?
R – É Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau Professor Antônio José Leite. E na época era só um prédio, depois construíram o segundo prédio com a quadra esportiva, tal. E depois eu mudei para um outro colégio que construíram, que era o Colégio Guilherme de Almeida, que também existe até hoje. E eu tenho a lembrança assim, é incrível os apagões que dão na memória. Eu lembro de duas professoras que foram muito importantes pra mim nesse período acadêmico de primário, que foi a do primeiro ano que era a dona Luísa, foi uma pessoa assim, digamos que ela me resgatou pro ensino. Porque eu não fiz prezinho, não fiz nada. Então você imagina você chegar no primeiro ano sem nunca ter pego num lápis. E era tão interessante colégio estadual naquela época que depois que você se adaptava, acho que um mês, talvez, sei lá, o tempo não corre como hoje, na memória da gente. Mas fazia tipo um vestibulinho onde você fazia um, na verdade era um psicotécnico, e dali eles distribuíam as crianças por salas, pela capacitação intelectual delas. Então essa professora foi interessante porque eu não fui pra classe dos caras que tinham síndrome porque era a classe um, mas eu fui pra classe dois, que eram os piores. E eu falava errado, tinha problema de pronúncia, trocava sempre o “r”, parecia o Cebolinha. Então a professora ainda falava assim: “Presta atenção nele, que ele fala errado, mas ele escreve correto”. Então eu fui pra lá, aí não dava mais porque o acompanhamento era muito superior ao da classe, aí eu acabei mudando de classe, fui para uma classe mais top. E também foi uma mudança meio traumática pra mim porque pra você ver eu não lembro o nome dessa professora, mas eu lembro da dona Luísa. E depois na quarta série, foi um período muito complicado pra nós, meu pai muito doente, então faltava muita coisa em casa e essa professora abraçou a gente, que é a dona Edite, então isso fica na memória.
P/1 – E como você ia pra escola?
R – A pé. No início minha mãe não podia me levar porque tinha um irmão menor, tal, e aí eu aprendi até a metade do caminho, onde tinha uma conhecida que levava as filhas e eu ia junto. Aí um dia eu cheguei na casa da pessoa e a pessoa: “Ah, elas estão doentes e não vão pra escola”. E agora, né? Eu falei: “Meu, eu sei o caminho, eu vou continuar”. E fui e cheguei até a escola. Tinha um guarda, sempre tinha um guarda que atravessava a gente, era muito legal isso, os guardas de trânsito eram a nossa referência. E eu falei: “Bom, agora eu não preciso mais, agora eu sei ir sozinho”. Já era “o” cara, com sete anos de idade eu falei: “Eu vou sozinho”. E aí foi. E assim que eu ia pra escola. Depois passei a ir sozinho a pé mesmo, levando a malinha, os livros e pronto.
P/1 – E um pouco mais pra frente, adiantando um pouco mais a sua história, como é a sua adolescência, a juventude?
R – Então, Felipe, eu falo que eu não tive adolescência, cara, porque eu comecei a trabalhar com 13 anos de idade. Completei 13 anos em novembro, dia 17, dia 15 de dezembro de 76 eu começo a minha vida profissional, começo como office-boy numa agência de turismo, a maior agência de turismo da época do Brasil, a Transeuropa Turismo pra ser office-boy do presidente da empresa. E esse cara tipo que me adotou porque eu tinha a mesma idade do filho mais velho dele. E através desse cara eu pude ver o mundo melhor e a querer aprender, querer conhecer esse mundo e fiquei por dez anos nessa empresa. Então de office-boy eu passei pra Arquivo, de arquivo eu fui pra Contabilidade e fiquei dentro da parte de Contabilidade até 86, quando tive uma... ah, nesse período morei uma época em Piraju, na fazenda dele. Ele tinha uma fazenda, eu fui morar lá, tomar conta de um restaurante que abriu, daí eu cuidava de toda a parte da contabilidade do restaurante e fui me envolvendo na parte da fazenda também, comprar cavalo, vender cavalo, boi. E foi muito interessante porque eu tinha 21 anos de idade.
P/1 – Como que era viver nessa fazenda?
R – Cara, era muito louco pra mim porque era uma baita de uma fazenda, era mil e 700 alqueires de terra, mil alqueires só de café, haras. Pra você ter uma ideia, ele tinha uma pista de avião toda asfaltada, dava pra descer ali brincando, brincando, dava pra descer um Electra ali fácil. Então ele tinha avião, vinha, pousava, fazia todo o taxeamento, entrava no hangarzinho que era como daqui, andava assim cem metros ele estava na suíte dele da fazenda, então você imagina como era o cara. Daí em 77 ele comprou o barco do Roberto Carlos, o Lady Laura I. E o Roberto Carlos foi lá na Transeuropa pra poder assinar a escritura, porque o barco tem escritura. Então você vê o Roberto Carlos assim, pô, moleque: “Cara, é o Roberto Carlos, meu!”, então aquilo vai mudando o seu conceito de vida. E depois o Roberto Carlos foi ainda na fazenda, pra você ter ideia morou lá na fazenda. Morou não, foi fazer show beneficente na cidade de Piraju, que na cidade de Piraju era a fazenda.
P/1 – Você gostava do Roberto Carlos?
R – Não, cara, não era meu estilo de música, nunca foi. Por causa de um dos meus irmãos o meu estilo era rock, e é até hoje.
P/1 – Você saía pra ouvir rock?
R – Ah, saía. Saía, ouvia meus rocks sempre, os rock dos meus irmãos, de vinil, de Led Zeppelin, de Black Sabbath, de Ozzy Osbourne. Então foi essa base de rock que eu fui crescendo. E depois, claro, um pouco de MPB, da época eu pude conhecer o Arnaldo, Arnaldo Antunes morava na Alameda Santos, então era muito louco conhecer esse pessoal.
P/1 – Você ia em shows?
R – Ah, muitos, muitos, vários shows, vários.
P/1 – Tem algum marcante, que você não esquece?
R – Olha, o show do Queen em 80, no Morumbi, foi o principal, eu era muito novo na época ainda, 17 pra 18 anos e aquele show foi maravilhoso pra mim. Estar no Morumbi ali, ver o Fred Mercury, acho que foi o primeiro show que nós tivemos no Brasil, se não me falha a memória, pelo menos pra mim foi o primeiro que eu fui. Ia no Ibirapuera, tinha muito show, Elis Regina. Trabalhei com o irmão do Caetano Veloso, com o Bob Veloso, figuraça, no Turismo, durante dois anos a gente sentava lado a lado. O Bob é uma pessoa maravilhosa, ele mora na Vila Madalena e é uma pessoa fantástica. E através do Bob você acaba conhecendo Bethânia, Caetano, sabe? E poder conversar com um pessoal assim no dia a dia, no almoço, é muito legal.
P/1 – Então através do Turismo que você acabou conhecendo...
R – Acabei vendo um mundo desse. Pude viajar pra vários locais, então, Londres, Paris, Estados Unidos, Miami, Nova York, Califórnia.
P/1 – Qual foi a primeira viagem?
R – A primeira viagem internacional que eu fiz foi Londres.
P/1 – Como foi a experiência? Quantos anos você tinha?
R – Ah, eu tinha uns 25 anos. Tinha viajado muito pra dentro do Brasil, América do Sul, tal. Mas assim, que me marcou mesmo. A primeira viagem de avião foi pro Rio de Janeiro, essa foi muito interessante também, eu tinha o quê? Dezesseis anos.
P/1 – Como foi?
R – Ah cara, foi louco, eu nunca tinha andado de avião. Avião de grande porte, eu tinha andado do avião do Santouro, naquele aviãozinho pequenininho, tal. Mas ter voado em um Electra, assim, sabe, cara, você vê o mar, você vê as pessoas. Caramba, aquilo foi marcante, foi bem, bem... até a ponto de eu brincar com um amigo meu, que nós fomos juntos, parcelamos a viagem em dez vezes, sabe? (risos) “Se a gente morrer pode trazer o caixão aqui dentro, cara, porque eu paguei e quero voltar” (risos). Então foi. E ver o Rio, conhecer o Rio. Eu já tinha ido pro Rio com meus pais, mas de ônibus, não de avião. E foi legal, foi bom. Mas a experiência principal foi quando chegou em Londres, que o avião pousou em Londres, você vê o aeroporto de Londres, o caminho do aeroporto pra cidade, sabe? Você vê uma coisa. Meu, não dá pra explicar, sabe? E aí você começa a olhar os prédios, as praças, as pessoas, tal, que é tudo diferente. E isso me trouxe um negócio bacana porque quando volto, hoje eu consigo andar, desde então, andar na cidade e olhar pra determinados lugares. Então, você passar no centro histórico de São Paulo e olhar os prédios, olhar os detalhes daquela construção, como a gente faz em Londres. O pessoal vai em Londres: “Olha, que bonito”, mas não vê aqui. Aqui nós temos coisas maravilhosas, nós temos uma arquitetura fantástica. Então isso foi muito importante pra mim, foi uma experiência, como eu posso descrever? Pra quem a primeira vez entra no museu, sabe e vai ver... eu sou são-paulino, tá? Mas pra quem é corintiano, vai lá no Museu do Corinthians lá e vê a taça da Libertadores, o estádio, então acho que pra descrever é mais ou menos isso, essa sensação.
P/1 – E você falou que você ficou quantos anos trabalhando com Turismo?
R – Fui trabalhar com 13 anos com Turismo e trabalhei até três anos atrás. Foram 36 anos voltado pro mercado corporativo. Então dentro desse período passei por várias etapas. Na Transeuropa eu saí da parte de Contabilidade e fui pra Mundirama, que era uma operadora de Turismo e fui trabalhar na área de emissão de bilhetes, eu fui aprender a emitir bilhete, calcular tarifa, tudo na mão. Tinha telex, cara? Sabe o que é sentar na frente de um telex e mandar telex por mundo inteiro? Depois quando veio o fax você fala: “Caramba, um fax!”, tudo isso dentro do Turismo e hoje nem lembro mais dessas coisas, sabe? E aí eu fui pra Maringá Turismo e fiquei muitos anos na Maringá, fui atender a parte corporativa, aí fui atender Fiat, Volkswagen, Gerdau. E você ter chance de conversar com Jorge Johannpeter, Frederic Johannpeter, reuniões com o Coda da Fiat, aprendi muito com o Coda, que fez a Fiat estar onde a Fiat é hoje. O Cledorvino Belini, que hoje é o presidente da Fiat, você conversar com ele pessoalmente, na época ele era da Magneti Marelli. Então o Turismo abriu o leque de opções da minha vida de conhecer vários segmentos. Então por você atender o mercado corporativo, eu vou atender uma empresa, me obrigava a entrar e conhecer a história daquela empresa pra poder atendê-los de uma forma melhor. E voltando um pouco dentro da visão de detalhes, né? Essa coisa que eu te falei de Londres, de você começar a olhar tudo e querer ter essa curiosidade: “Pô, a árvore, como ela cresceu, como ela foi plantada aqui? Por que ela foi plantada aqui”. Eu fui fazer uma visita em Alphaville para um cliente, a reunião acabou se estendendo e eu saí no final de turno lá de Alphaville. E ali é terrível, né cara, trânsito. E eu fiquei trancado atrás de um ônibus até poder chegar na Castelo. E em um determinado momento eu vejo o nome da empresa, estava lá o nome da empresa. Pode falar o nome da empresa, tem problema? JSL, que é Júlio Simões Logística, e depois me fez até estudar um pouco sobre a Júlio Simões, eu quero conhecer isso. Mas o slogan da JSL tem até hoje se vocês repararem, hoje eles têm ônibus, mas eles começaram com caminhões, tal. Está assim: “Entender para atender”. Então você imagina você ficar 40 minutos lá atrás e aquilo lá: “Entender para atender”, “Entender para atender”. E aquilo fez, eu falei: “É isso que eu preciso, eu preciso entender o meu cliente, senão eu não consigo atendê-lo. E aquilo mostrou que não é só no Turismo, é em qualquer segmento. Mesmo hoje no segmento de táxi, a pessoa entra no meu carro e fala assim: “Por favor, pega a avenida tal, vai aqui em frente” “Claro, com certeza, farei isso, mas, por favor, pra onde nós vamos?”. Porque eu não posso ser guiado, eu tenho que entender pra onde ele vai. Se eu entender pra onde ele vai eu posso atendê-lo de uma forma melhor porque de repente eu posso até indicar um caminho diferente. Às vezes a pessoa está tão acostumada com aplicativo: “Então o senhor faz assim” “Tá, mas pra onde eu vou? Que caminho você está pensando que eu faça? Olha, eu posso andar no corredor de ônibus, se a gente for reto é mais curto o caminho, a tarifa vai ser menor e vamos chegar mais rápido. É que o sistema não conhece que você está num táxi”. Isso me trouxe essa bagagem pros dias de hoje, então é muito interessante isso porque eu acho que se não fosse o turismo eu não sei qual seria a minha oportunidade.
P/1 – Você falou muito dessas experiências todas da fazenda, do pessoal da MPB. Qual foi a sua experiência mais marcante nesses 30 anos?
R – Felipe, eu vou falar pra você que pra mim todas as experiências me marcaram. Profissionalmente eu tenho duas empresas no coração, a Transeuropa Turismo e a Maringá Turismo. Uma, porque me deu todas as oportunidades na vida. E a outra, que foi a faculdade, a MBA e a pós-graduação no Turismo, que é a Maringá, do Marcos Arbaitman, esse cara me ensinou muita coisa, cara, eu aprendi MUITA coisa. Profissionalmente falando, Transeuropa, Antônio Carlos Santouro; Maringa Turismo, Marcos Arbaitman. Ele é judeu e me ensinou coisas incríveis. Nas reuniões ele falava assim, era muito engraçado (risos): “Se você acreditar que pode ou se você acreditar que não pode, em ambos os casos você está certo”. Que é assim, eu não quero que meu cliente fique satisfeito, eu quero que meu cliente fique encantado. Então se o meu cliente não tiver razão eu vou dar razão a ele, porque eu quero que ele fique encantado. Então isso tudo foi muito marcante na minha vida. E até pra minha vida pessoal, porque você traz a sua vida profissional pro seu lado pessoal, não tem como não trazer, de você atender as pessoas com respeito, de cumprimentar todo mundo. Não no Santoro, no Santoro eu não vi isso, mas no Arbaitman eu via isso. O Arbaitman vem, ele cumprimenta do porteiro ao faxineiro, à pessoa que entrega o café, todos têm a sua importância. O Santoro não, o Santoro era um cara que entrava sem conversar com ninguém. Eu falei: “Pô, isso não é legal”. E depois conhecendo o Arbaitman eu pude confirmar que isso realmente não é legal (risos). E tem até um diretor dentro da Maringá que é uma figura, que ele também vai nesse estilo, cumprimentando. E uma vez eu conversei com ele: “Pô, seu Nelson, eu acho muito legal isso, o senhor sair cumprimentando todo mundo”. Ele falou assim: “Seu Valdir, eu vou falar uma coisa pro senhor: eu cumprimento todo mundo primeiro porque é o correto, é educado. E segundo, aquele porteiro, amanhã pode ser o presidente da empresa. E se eu tratar ele mal, quando ele assumir a presidência a primeira coisa que ele vai fazer é trocar o agente de viagens, vai chamar outro (risos). Porque não existe diferença, dentro do segmento de turismo, o avião é da TAM, é da Gol, é da Azul, tudo é igual. Hotel é o Mercury, ou o Blue Tree, não importa, a diferença quem vai fazer sou eu”. Eu é que vou fazer a diferença, Felipe, de como te tratar, de como ver a tua viagem, de como entender e te oferecer o melhor. Mas de repente o outro, ou até a internet, vai te por no mesmo hotel, no mesmo avião, né? Então isso foi muito válido pra mim, de ter esse cuidado, de conhecer, de ver o que a pessoa precisa, o que ela espera de mim. E o que eu posso fazer de melhor.
P/1 – O ramo mudou muito nesses 30 anos?
R – Ah, o turismo mudou demais, mudou demais. Nós tínhamos, ainda tem hoje, um cargo chamado Consultor de Viagem. Esquece, isso não existe, não existe consultor de viagem, existe sistema, né? Eu fico feliz porque eu ajudei a desenvolver esses sistemas, que nem estamos fazendo aqui agora, esse bate papo, a gente passa para um engenheiro de TI e aquilo que eu passei ele põe lá e depois aquele computador vai fazer. Então hoje está aí, a Decolar está aí, esses sites todos nada mais é do que todo mundo fazia isso, era um consultor. Você falava: “Olha, eu quero viajar” “Tá, o que você quer fazer?”, falava e em cima disso criava um roteiro, te apresentava um roteiro: “Ah não, ficou muito caro” “E se eu tirar isso e se eu pôr aquilo e se eu fizer isso?”. Hoje não, hoje você põe lá no computador e ele faz tudo.
P/1 – Nessas áreas ligadas diretamente com o Turismo você percebeu também uma evolução, por exemplo, na aviação civil?
R – Olha, a evolução é só tecnológica, infelizmente. A evolução humana, eu vejo que ela foi desvalorizada, né? Todas as empresas hoje têm o RH, mas eu acho que o RH hoje está mais para um DP, que era antigamente Departamento Pessoal, do que um Recursos Humanos. Hoje é, eu não preciso do ser humano, você faz o seu check-in na web, você vai no totem, sabe? O cara lá, o comissário mal te serve nada, hoje nem, só se você quiser comprar alguma coisa, tipo o McDonald’s da vida lá, um combo. Se você entrevistar alguém que trabalhou na Varig, por exemplo, você vai ver como ele vai falar da Varig. O orgulho que ele tinha de ser Varig, sabe? De todo aquele detalhe, aquele cuidado em trazer a água pro passageiro, com talheres de prata. Hoje não pode pôr talher de prata que você pode matar o cara do lado, então é muito louco tudo o que está acontecendo. Acho que hoje a evolução foi só tecnológica: aviões mais modernos, mais econômicos, que têm uma autonomia maior, antigamente você tinha que parar na Espanha pra poder continuar sua viagem, hoje você vai até Dubai, por exemplo, sem ter que fazer escala. Então a evolução é mais tecnológica mesmo.
P/1 – Pra fechar essa parte do Turismo, tem alguma história com cliente que você saiu tocado ou que te afetou de alguma forma, alguma venda?
R – Sim, sim. Tem, cara, tenho muitas, muitas. Mas eu tenho um carinho muito especial por um cliente que eu aprendi muito, que é a Asea Brown Boveri, Giuseppe de Marco é o presidente dela, esse cara me ensinou muito, muito, um cara fantástico. Mas a Gerdau, a Gerdau marcou muito. Em dois processos. Em processos internos que na época chamavam de FCA, Fato Causa Ação, então aconteceu um fato, precisamos entender a causa pra tomar uma ação. E aí há várias perguntas do por quê, os vários por quê. Por que aconteceu? Aconteceu porque... ah, por que o cara se queimou? Ah, ele se queimou porque ele usou o liquidificador de maneira errada. Tá, mas por que ele usou o liquidificador de maneira errada?” “Ah, ele usou o liquidificador de maneira errada porque ele não sabia manusear” “Mas por que ele não sabia?”, até entender que houve uma falha de preparação daquele profissional, que a máquina estava quebrada, que ela não devia estar ali, mas se não fosse os vários porquês você não entenderia aquilo, não tomaria uma ação para que o cara nunca mais, ninguém se queimasse. E a própria Gerdau, aconteceu um fato que eu tive que trazer o neto do doutor Jorge pra São Paulo e ele estava na Califórnia, estava em Los Angeles pra ser exato. E o diretor com quem eu tinha relacionamento me ligou à noite na minha casa, quase madrugada por causa de fuso horário, que eu precisava trazer o neto dele pro Brasil. Peguei o telefone, liguei pra Los Angeles, falei com o diretor da Varig gerente de aeroporto: “Cara, é da Gerdau, me ajuda aí” tátátá. A passagem não tinha sido comprada com a gente, os dois, estavam o neto e mais um, não tinham comprado com a gente. Mas eu consegui, havia lugar no voo e embarcaram a pessoa sem nenhuma cobrança de multa, de diferença de tarifa, nada disso, embarcaram os dois e eles vieram. No dia seguinte, poucas horas depois, porque até concluir o caso já era duas e meia, três horas da manhã aqui no Brasil. Aí oito horas da manhã eu já estava no escritório. Esse diretor me ligou pra agradecer e que o doutor Jorge estava perguntando quanto que tinha ficado, quanto teria que pagar. Eu falei: “Nada, né”, porque não teve despesa. Eu falei pra ele: “Não teve despesa” “Mas fala um preço”. Aí eu liguei pra São Paulo, falei com o diretor e o diretor falou: “Ah Valdir, não teve despesa, não pode cobrar nada”. Tá bom, confirmei a informação. “Olha, realmente não teve nada pra se pagar, não” “Tá bom”. Passou mais um pouco tempo, a secretária ligou, era ele de novo, me transferiu a ligação, aí ele falou: “Valdir, tenho um recado do doutor Jorge pra você”. Eu falei: “Pode falar”, vai falar obrigado, né? “Ele falou assim, pra dizer pra você, que tudo o que não tem preço não tem valor. Então tudo o que você fez, todo o seu conhecimento, de você ligar pra pessoa certa, isso tem um preço sim, porque senão não vai ter valor nenhum”. Cara, aquilo me desmontou. Num primeiro momento: “Eu vou ver então”, aí liguei pra São Paulo, o Arbaitman me ligou porque eu falei para um diretor porque eu não tinha acesso direto com o Arbaitman, aí o Arbaitman me ligou e falou assim: “Tá vendo, seu Valdir! A gente não sabe quanto vale o nosso serviço”. E aquilo ficou muito na minha cabeça, Felipe, porque a gente não sabe quanto vale a nossa prestação de serviço. Às vezes a gente pega passageiro no táxi: “Quanto você cobra pra ir pra Guarulhos?” “Eu não cobro nada, quem cobra é a prefeitura. Tem um taxímetro, que ali já está calculado tudo, e tem uma taxa de retorno”. E por que tem a taxa de retorno? Porque eu não posso trabalhar lá, eu vou voltar vazio, então eu tenho que ser remunerado por isso. Quanto que vale o meu trabalho? O pessoal fala assim: “Mas o cara lá cobra por 80” “Ok, então vai com ele, porque 80 pra ele está bom e pra mim não porque o meu serviço é melhor”. Então isso ficou muito gravado pra mim, cara, sabe? O que não tem preço não tem valor.
P/1 – Bem legal. E como foi essa virada por táxi? Conta pra gente.
R – Então, cara, essa virada foi assim: um momento difícil da minha vida, eu estava como gerente pra São Paulo de uma das maiores agências de Minas Gerais, que é a Master Turismo e financeiramente não estava sendo legal. Como eu posso dizer pra você pra não ficar agressivo? Eu não concordava com a forma que a empresa estava sendo dirigida. Eu estava abaixo e eu tinha que me reportar para um diretor, não problema de idade, ele era mais novo do que eu tinha de tempo de serviço, eu tinha mais tempo de serviço do que ele tinha de vida, mas eu não concordava com a visão, a visão estava equivocada. E aí eu cheguei e falei pra minha esposa atual, porque eu venho de dois casamentos e falei assim: “Mari, deu pra mim, eu vou ser taxista. Chega”. Ela falou: “Bom, você que sabe”. Eu falei: “Cara, não dá mais pra mim, chega, me manda embora”. Fizemos um acordo, fui demitido e fui encarar ser taxista. Mas eu acho que eu estava correto porque a empresa fechou em São Paulo e na minha gestão estava 35 funcionários. Então eu fico feliz por isso. Ficaria mais feliz se a empresa tivesse crescido, claro, e tivesse hoje cem funcionários. Mas o meu ideal eu acho que realmente não batia, não estava correta a forma de administrar e gerenciar.
P/1 – E por que o táxi?
R – Cara, o táxi foi porque naquele momento, três anos atrás, eu não via uma perspectiva de futuro pro Turismo que eu fazia parte, onde só números eram importantes, planejamento só em cima de números. Não, planejamento é mais do que isso, sabe? É você treinar pessoas, poder fazer mais, deixar profissionais. E eu atender com a excelência que eu aprendi lá atrás. O Turismo hoje não é assim, tanto é que o mercado está passando por sérias dificuldades, vários cortes, várias empresas fechando por erro de administração, claro. Então eu falei: “O que eu vou fazer?”. Eu queria um pouco de autonomia, eu estava muito cansado, passando um momento muito difícil, aí eu falei assim: “Cara, eu vou ser taxista, não vai ter ninguém me enchendo as paciências, ninguém falando o que eu tenho que fazer”. Triste ilusão, tem um monte de gente. Se você carrega 15 pessoas, 15 pessoas estão falando o que você tem que fazer (risos), me deu essa certeza que eu vou ter sempre alguém falando pra mim o que eu tenho que fazer. Até quando eu for aposentado alguém vai falar: “Entra naquela fila de aposentado, não fica nessa”. Mas era um momento da minha vida e eu queria um pouco de autonomia. E três anos depois eu vou falar pra você, eu gosto desse segmento, eu estou apaixonado por esse segmento de táxi, de transporte.
P/1 – Você falou que você sempre gostou de carro, desde pequeno.
R – Desde pequeno, de dirigir. E o táxi, por dirigir então, maravilhoso, né? “Ah, o trânsito, o trânsito estressa”. Não, Felipe, o trânsito não estressa. Eu aprendi isso, cara. E eu vivia estressado no trânsito, xingando o cara do lado. Por quê? Porque eu saía pra uma reunião onde eu tinha uma pauta pra discutir nessa reunião, eu sabia das cobranças que iam ser feitas, eu tinha um staff atrás de mim me ligando, me perguntando: “Aconteceu tal coisa, o que eu faço?”, e aquilo ia te estressando e o relógio, o trânsito. Eu falei: “Meu, o que estressa não é o trânsito, é o teu compromisso, é teu tempo, o teu relógio. Pô, eu vou chegar atrasado”. Eu hoje aqui não estresso, cara. Eu tenho que levar meu cliente, se ele estiver atrasado o problema é dele, não é meu, tem trânsito, o que eu posso fazer? Não vou subir na calçada. Nós estamos num país que está brigando por honestidade. E com todo esse tempo de briga por honestidade, que estamos há quase dois anos nisso, e eu quase há três anos no táxi, eu venho desenvolvendo uma tese de que o brasileiro é contra a corrupção quando ele não faz parte dela, aí ele é contra, sabe? Porque o brasileiro traz a corrupção dentro do seu eu. E você vai me perguntar: “Por que você pensa assim, Valdinho?”. Cara, eu tenho um carro de cem mil reais, eu vou num show que custa 500 reais a mesa lá que eu comprei para assistir o show. Não vou sozinho, ou vou com minha esposa, ou com minha namorada, enfim, vou com alguém que estou paquerando. Então eu gastei mil reais. Fora o que eu vou gastar lá. Eu vou beber, sabendo que eu não posso beber porque eu estou com um carro de cem mil reais. Aí, eu paro o carro mais próximo possível do local, aí eu suborno um cara que depois me falam que ele tenta me tirar dinheiro, eu pago pro flanelinha. Mas por que eu vou pagar pro flanelinha? Porque eu sei que é proibido parar ali. Por que eu não ponho o carro no estacionamento que tem seguro, que gera emprego, que paga aluguel daquele espaço? Porque em vez de eu pagar 20 pro cara, que eu estou falando que ele está me extorquindo em 20, não, eu não estou sendo extorquido, eu estou subornando o cara em 20 reais quando eu podia por um carro por 50. Então isso vem do brasileiro. Cinquenta quilômetros por hora, que é a lei hoje, tá, é pouca? Não sei, foi feito um estudo, não foi apresentado pra nós o estudo? Ok, não foi, mas fizeram um estudo, acharam que 50 quilômetros é uma velocidade razoável que se você atropelar alguém você não vai matar essa pessoa. Concordo, a 50 por hora a chance de você matar alguém atropelado é pequena, remota. A chance de você bater no carro da frente também é pequena. Só que ninguém anda a 50 por hora aqui, só onde tem radar. Ué, mas não estou querendo um país sério, correto? Por que eu vou andar a 50 por hora só onde estão me vendo? Então o táxi fez tudo isso comigo, sabe, pensar. Outro dia eu estava conversando com um dos meus filhos eu falei: “Cara, se eu fosse Senador da República e alguém chegasse e pusesse um pacote de dinheiro na minha frente, você acha que eu pegaria?” “Não, eu acho que você não pegaria, pai” “Então, eu também acho que eu não pegaria” “É, porque está errado”. Você entendeu? Eu acho que eu não pegaria. Porque eu não sou senador e ninguém pôs um saco de dinheiro na minha frente. E se acontecer isso, qual vai ser minha postura? Pera aí, eu paro o carro em um lugar proibido, não fui multado porque não passou o cara do CET. Mas se o cara do CET passar eu vou xingar o cara do CET. Mas por que eu vou xingar o cara do CET? Então, são as ocasiões. E você vai vendo a postura das pessoas, sabe? Aconteceu um negócio muito interessante comigo um dia desses. Eu estava passando numa avenida na Vila Olímpia, um funcionário de um hotel me chamou, mas me chamou porque eu estava passando lá e os táxis do ponto não estavam. Entrei. “Olha, tem dois passageiros pra Guarulhos” “Tá legal, obrigado” “Então, deixa dez reais pra nós”. Pô, fui lá na minha carteira, peguei dez reais. E tem um empreendimento muito grande da Camargo Corrêa próximo desse hotel. Aí eu falei pro cara assim: “Pô, vai ficar bom esse empreendimento pra vocês aí. Duas torres, tal, vai alavancar novos negócios pro hotel” “Ah, acho que sim” “O que você acha desse negócio da Camargo Corrêa com o governo, com o PT, com tudo?” “Ah, é um absurdo, né meu, isso aí, nossa, tem que acabar”. Aí eu falei assim pra ele: “Pô, legal”. Aí eu botei os dez reais no bolso dele: “Ó, estou pondo dez reais no seu bolso mas ó, lembra o seguinte, eu estou pondo dez reais porque hoje você trabalha no hotel e eu sou taxista. Quem sabe amanhã você é um Senador da República, eu estou numa grande construtora, eu tenho que pôr alguns milhões no seu bolso pra poder fazer uma obra, tá?”. Aí ele parou, ficou me olhando assim, né Felipe? Não, cara, pensa nisso. Aquele dia que está dando tudo errado pra você, sabe? Que você está com vontade de xingar as pessoas mas você tem que... Aí vêm os passageiros, estou pondo a mala do cara dentro do carro com toda humildade possível: “É, quanto você vai me cobrar pra ir pra Guarulhos?” “Não cobro nada, senhor, é assim assado, tal” “Mas quanto você acha que vai dar?” “Ah senhor, sei lá, vai dar x reais, entre 120 a 150 reais no máximo” “Tá bom”. Aí fomos. E eles conversando, achando que o serviço de táxi em São Paulo é muito caro”. E eu quieto, dirigindo meu carro, que eu só converso se alguém me questiona, se conversa comigo eu converso, se não conversarem comigo não falo nada. Aí num determinado momento eles me colocaram na conversa porque ele me perguntou: “Você não acha que o serviço de táxi é muito caro em São Paulo?”. Eu falei: “Não, senhor, eu acho que o ônibus é caro em São Paulo”. Aí ele falou assim: “Imagina, o ônibus pro aeroporto custa 42 reais”, na época estava 42 reais. Eu falei: “Não, custa não, quem falou isso pro senhor?” “Não, está lá no hotel, tem o papelzinho, eu vi atrás do ônibus escrito”. Eu falei: “Não, vixi senhor. Essa informação está equivocada. O ônibus cobra 1 mil e 260 reais pra ir pra Guarulhos. Aí ele fica parado lá e cobra mais 1 mil e 260 pra voltar, porque ele pode ir e voltar. Então uma ida e volta do ônibus pra Guarulhos custa 2 mil e 520 reais”. Eles deram risada: “Você está louco, taxista?”. Eu falei: “Senhor, o ônibus leva 30 pessoas. Quanto custa o ônibus? Quarenta e dois, vezes 30”. Eu falei: “O senhor imagina que um ônibus desse faz cinco viagens por dia em média. A dois mil 520. A empresa deve ter uns 15 ou 20 ônibus rodando em várias linhas por esse valor. O senhor acha barato o ônibus?”, aí ficaram meio quietos. “O metrô, o senhor anda no metrô de São Paulo está lá: quatro milhões de pessoas. Puxa, três e 80 não é muito dinheiro?” “Ah, não é só três e 80 porque...” Mas quanto entra no metrô? Eu não sei, eu não sei quanto custa a folha de pagamento do metrô, não sei quanto custa o investimento em publicidade, manutenção, eu não sei quanto sobra pra novas linhas. O INSS está quebrado mas eu não sei quanto arrecada, quanto que paga. Os hospitais recebem x de verba, estourou a verba. Mas por que o outro que sobrou verba não manda pra esse que estourou? Então, falta transparência. O táxi tem mexido tudo isso comigo, você tem mais tempo pra pensar, pra olhar as pessoas, ver detalhes, sabe? Uma coisa que é muito legal, cara, eu sempre dei valor a todo mundo, mas hoje o valor que eu dou ao gari, ao lixeiro, eu falo que eu não gosto desse nome mas... Cara, é impressionante, a gente anda de madrugada nessa época fria, você vê os caras correndo atrás do caminhão e a alegria que eles estão correndo atrás daquele caminhão, cara, pegando saco de lixo, jogando ali, brincando um com o outro e correndo atrás do caminhão, xingando motorista quando eles dão uma esticada que ele tem que correr mais. Cara, é impressionante. Eu falo assim: “Cara, por que é que as pessoas não conseguem ser felizes? Por que as pessoas às vezes têm que roubar ou fazer alguma coisa?”, está aí as oportunidades, você olha na rua. Morador de rua. Pô, por que o cara chegou naquela situação? Aí vem aquele FCA da Gerdau, por que? Será que ele quer sair daí? Mas por que ele chegou ali? Talvez se eu entendesse por que ele chegou ali eu conseguiria evitar que outras pessoas seguissem aquele caminho, trilhasse aquele caminho, buscasse treinamento. Sei lá. Então eu estou amando táxi, cara.
P/1 – Você falou um pouco disso agora, né, tudo o que você estava falando você estava sentindo uma falta disso no Turismo, justamente de lidar com as pessoas. E como que é ouvir diariamente as pessoas? É um pouco isso, mas esse papel de psicólogo que o taxista acaba ouvindo todo mundo, todo dia.
R – É, a gente ouve, mas tem que tomar muito cuidado com o que a gente fala, né, porque senão pode estar advogando em causa própria, então você tem que tomar muito cuidado. Mas é isso, você ouve muito as pessoas, vários segmentos de mercado, crises, pessoas que entram chorando dentro do seu carro, sabe, porque está mal, porque foi demitida, porque brigou com o namorado ou com o marido, ou perdeu um ente querido. Então isso aí é muito interessante, cara, é bacana.
P/1 – Tem alguma história recente legal nesse sentido?
R – Olha, Felipe, são várias histórias assim. Eu vou falar pra você que no táxi eu ainda não tenho uma coisa que me marcou, até porque a gente deleta muita coisa, como um psicólogo talvez, é isso que você falou. O psicólogo ouve tanta coisa e deleta tudo, não pode ficar guardando aquilo. E eu acho que talvez isso seja até um mérito que eu consegui adquirir porque eu vou ouvindo e vou deletando porque a pessoa desceu, depois vai entrar outro, vai contar uma outra história e a gente vai deletando aquilo. Claro, a gente sofre de cantada, que nem o pessoal fala: “Ah, vocês assediam”. Não sei, isso não acontece comigo, graças a Deus meu carro o banco dianteiro está sempre pra frente, entra sempre no banco de trás e procuro. Mas às vezes a gente é assediado também, recebe alguns torpedos que você deleta, mas é...
P/1 – Como foi seu primeiro dia como taxista?
R – Foi tenso. Eu sofro de ansiedade, eu sou um cara muito ansioso. Eu tenho trabalhado isso até dentro da doutrina religiosa que eu estou seguindo hoje a gente trabalha a ansiedade. Mas eu sou um cara muito preocupado, então você sai de manhã. Você imagina, você sai de manhã pra trabalhar, fazer o seu trabalho, Felipe. Você sabe exatamente quanto que você vai receber (risos).
P/1 – Pode voltar um pouquinho?
R – Então eu sou um cara muito ansioso. Você sai de manhã para um trabalho comum, você sabe o que você tem pra você fazer no seu trabalho, você sabe que nos dias certos você vai receber x valor e com aquele x valor você vai pagar suas contas. O nosso trabalho, eu saio de casa devendo todos os dias. E uns devem mais, outros devem menos, porque uns são proprietários do carro, eles saem pra fazer o valor do carro, que tem a gasolina, manutenção, quem tem prestação, a prestação e depois ele tem que fazer as prestações da despesa normal dele, casa, tal, alimentação e ainda mais um pouco. Então o nosso segmento de mercado, assim como os empresários num todo, eles começam devendo. Uma grande empresa começa o mês devendo. Normalmente até o décimo segundo dia, décimo terceiro dia do mês ele está devendo. A partir dali ele começa a pagar tudo o que ele já investiu. E nós não, nós somos diariamente. Então isso causa uma ansiedade muito grande. Então você imagina, eu saio de um segmento onde eu tinha um salário razoável pra você ter que fazer um valor na rua. E aí você roda uma hora, duas horas, três horas, não acha passageiro. “Meu Deus, não vai dar, não vai dar, não vai dar”. Então isso no primeiro dia era muito tenso. E o pior ainda, os primeiros dias. Entrava um passageiro no meu carro, eu ficava com mais medo ainda porque eu não conhecia a cidade, eu não dominava o que eu ia fazer, como levar. “Olha senhor, eu estou começando agora, o senhor tem um caminho que o senhor queira indicar?” Põe no GPS, mas só depois de um tempo você tem uma prática no GPS. Ou então você passar da rua, do local, fazer uma volta, parecer desonesto com o passageiro por não conhecer, então era muito tenso, era muito tenso. Hoje não, hoje é mais tranquilo. Claro que a ansiedade dos valores, isso não tem como trabalhar, você vai trabalhar de uma forma mais adequada. Mas hoje eu sei, por exemplo: "Puxa, hoje não deu. Tudo bem, amanhã talvez dê”. Então você vai trabalhando um dia pelo outro, você vai começando a trabalhar essa ansiedade, esse medo de não conseguir. Mas foi bem difícil.
P/1 – Você estava falando da madrugada. Como é andar de madrugada pela cidade?
R – Olha, hoje eu estou um pouco mais adaptado, mas é triste, viu, você ver as pessoas dormindo na rua, o anoitecer te intimida, você vai pra determinados lugares que te dá medo. Não que eu more num lugar maravilhoso, eu moro numa periferia e às vezes até conversando com minha filha: “Pai, você estava com medo de tal lugar? Mas olha aqui” “Só que aqui eu conheço, né? Eu sei que ali vai virar ali, eu sei quem mora ali”. Ou então, hoje nem tanto ser assaltado pelo passageiro porque hoje você trabalha mais com aplicativo, tudo. Corre risco? Corre, claro, mas eu já fui assaltado. Então é complicado. Mas é o local, você deixar o passageiro, sair de lá olhando retrovisor pra ver se alguém está te seguindo, moto, alguma coisa. Então te causa um pouco de medo em relação à segurança, porque nós não temos segurança, você não vê carro táxi parar em blitz. Eu estou passando com passageiro, às vezes eu estou com o luminoso aceso, por exemplo, que teoricamente me ensinaram que quando você está com dúvida deixa o luminoso aceso que a viatura de polícia vai te parar (risos). Não vai te parar. Sabe, não está preocupado com o passageiro que você está levando, se ele vai te assaltar, quem é aquele cara? Polícia. Em três anos eu nunca fui parado numa blitz, nunca. Uma vez eu já dei sinal pra polícia e não parou o carro. Naquele dia eu não fui assaltado, então tudo bem. E o problema social, da pobreza, de você ver essas pessoas na rua sem perspectiva, andando com pedaços de papelão na mão. Machuca, viu? É complicado. Filas pra pegar quando passa um negócio que vai distribuir comida, sopa, seja o que for, você vê aquela fila de pessoas. Cara, como esse cara chegou nessa situação? Como pôde? A noite lhe traz isso. E o que eu te falei, né, da corrupção. Nos grandes centros, vamos supor, onde tem a vida noturna, bares, restaurantes, você vê a pessoa bebendo com serviço de valet, ele termina de beber, entrega a chave pro valet, o cara busca o carro, entrega o carro pra ele. “Cara, e você está falando mal dos outros, o que você está fazendo com a sua vida?”. Porque ele bebeu, ele consumiu bebida alcoólica, fato. E eu vou te falar aqui sem medo, pelo menos 90% que está consumindo vai sair de lá dirigindo. Então a noite me mostrou isso também, sabe, que a gente fala, faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço.
P/2 – Como foi quando você foi assaltado?
R – Então, foi um momento de bobeira meu. Por quê? Eu estava distraído, cansado porque já fazia 18 horas dirigindo e o cara na rua: “Tá livre?”. Eu falei: “Estou”. Eu abri a porta e entraram três pessoas dentro do carro. Eu já não me senti confortável porque eu só tinha visto um, os outros dois surgiram do nada. E aí pediram pra levar num lugar. “Mas olha, que caminho você vai fazer?” “Vou voltar aqui, pegar a Marginal” “Não, não, a gente conhece um caminho melhor, vai por aqui”. Meu, começou mandar entrar em muita rua e aí falou: “Você sabe o que aconteceu, né?”, eu falei: “Sei”. Mas isso com uma faca encostada no abdômen, um revólver na nuca. Sensação de impotência. Pro cara te levar 150 reais. Um celular que ele vai vender por 30 reais. Só que é meu trabalho, sabe? Então você ali, o que vai acontecer? Vou reagir, não vou? Aí o cara ainda pega a sua chave e joga sua chave bem longe e você demora quase duas horas pra achar a chave. E não passa uma viatura de polícia e você começa a lembrar dos seus impostos e caramba, cadê todo mundo? Então é bem complicado. Quem foi assaltado, seja ele onde for, no farol você está com seu carro, o cara chega com revólver, a sensação é igual pra todos, eu acho, é terrível. Não desejo pra ninguém, muito triste.
P/1 – Essa questão da tecnologia, aplicativos, maquininha de cartão, você sentiu que melhorou? Como que foi?
R – Ah, melhorou, Felipe, melhorou muito. A tecnologia é importante. Como eu falei pra você, ela veio no Turismo pra abrir vagas porque muita gente saiu, mas ela é importante. E hoje com os aplicativos, eu não consigo imaginar um serviço de táxi em São Paulo sem aplicativos. Então você imagina, chovendo você tinha que sair da sua casa, se morasse aqui, por exemplo, nesse local que estamos fazendo essa entrevista. Não passa táxi aqui, você tinha que andar na chuva até uma avenida, ou ligar pra um ponto. E dependendo do horário não ia ter carro no ponto, não ia atender telefone. E com o aplicativo não, cara, você aperta ali, o aplicativo vai buscar o carro mais próximo e vai te trazer dentro daquela forma que você pediu: “Olha, eu quero um carro que aceita cartão de crédito, que aceita um cachorrinho, que aceita não sei o quê”. Então o aplicativo é muito importante, tanto pro usuário como pra nós, prestadores de serviço. Eu vejo ele assim, não posso responder pela categoria, longe de mim isso, mas meu movimento, 90%, é pelo aplicativo. E o dinheiro eletrônico, cara, isso ninguém mais anda com dinheiro no bolso, até o vendedor de flor na rua aceita cartão, cara. Pra mim é mais seguro, é mais prático, e até financeiramente acaba sendo mais viável porque a corrida deu 15 e 30, por exemplo, você cobra 15. Com cartão não, você cobra os 15 e 30. Isso no final do ano faz uma diferença, 30 centavos. Se você fizer dez corridas são três reais por dia, são 900 reais por mês, são dez mil e 800 por ano. Só em 30 centavos. Então a praticidade, a segurança, a rapidez, eu sou super a favor.
P/1 – E você está com o mesmo carro nesses três anos?
R – Não. Eu comecei com um Classic, que eu brinco lá na frota que todas as peças faziam barulho menos a buzina (risos). Depois eles me deram um Logan. E depois eles me passaram para um carro elétrico. Esse carro estava parado lá, eles estavam procurando um motorista que tivesse um perfil pra poder dirigir o carro. Eles já tinham oferecido a algumas pessoas com mais tempo de casa, mas essas pessoas não aceitaram o carro. E aí me ofereceram o carro. No início eu fiquei um pouquinho com medo, mesmo vendo o carro, o carro sendo muito bonito, confortável, tal, mas falei: “Poxa, mas aí eu não posso viajar, se eu tiver pouca carga, tal”. Mas eu não poderia dizer não pra empresa, primeiro porque eles me deram uma oportunidade, eu nunca tinha trabalhado com táxi e essa empresa me aceitou dentro do quadro dela. E também eu não posso dizer não para algo que eu não testei, eu tenho que testar primeiro, pontuar e falar: “Isso aqui não funciona. Não funciona por causa disso, disso, disso e disso”. Pronto. Então pra fazer isso eu teria que trabalhar com o carro. E já tem dois anos e meio que eu estou com o carro (risos), nesses quase três anos de táxi. Então eu sou super fã do carro elétrico, não só pela parte ecológica, mas pela praticidade, o conforto e silêncio, o carro é maravilhoso.
P/1 – E como ele chegou na empresa? Você falou que a empresa tinha...
R – É. Isso é um projeto da Prefeitura de São Paulo, da gestão anterior ainda, com a AES Eletropaulo e a montadora do veículo, que é a Nissan. A Nissan disponibilizou esses dez carros pra prefeitura. A Prefeitura, por problema burocráticos, não pôde deixar esses carros na CET, então esses carros ficaram sob a responsabilidade da Adetaxi, que é a Associação dos donos de empresas de frotas. E a Eletropaulo entrou na parceria fornecendo as máquinas de recarga rápida, são quatro máquinas, ela forneceu e fornece a energia pros carros nessas máquinas, embora o carro tem que passar também por uma carga lenta, que é feita em casa em qualquer tomada 220 igual o seu celular. Você chega em casa, põe o carro na tomada, em até cinco horas ele está carregado. Num custo de dois reais, dois reais e pouquinho por dia pra rodar esses 160 quilômetros que o carro tem de autonomia.
P/1 – Nossa, é muito mais econômico.
R – Muito mais. Dentro das máquinas de recarga é subsidiado pela Eletropaulo e por isso que tem a publicidade da Eletropaulo no carro.
P/1 – As máquinas de recarga então são os abastecimentos públicos?
R – Exatamente.
P/1 – Tem muitos pontos?
R – Quatro. Quatro pontos espalhados nos pontos cardeais da cidade. Tem um na Zona Norte, um na Zona Sul, na Leste e Oeste.
P/1 – E todos patrocinados pela...
R – Pela AES.
P/1 – Como é o abastecimento? Como que você tem que abastecer, digamos, pra você preparar uma rotina. Então vamos dizer, você abasteceu essa recarga lenta, que é a do posto. Você fala: “Putz, então eu tenho que fazer esse abastecimento, depois eu posso fazer uma recarga em casa”.
R – A logística funciona assim, digamos, não é muito lógica. Porque o táxi hoje eu estou aqui, agora, nesse momento. Terminando eu vou ligar o aplicativo, posso pegar uma corrida aqui e me levar pra Osasco, pra Alphaville. E aí eu já vou ter que ir para um ponto de recarga porque ele vai me consumir muita carga. Então a logística, não existe uma logística lógica. O que eu desenvolvi no meu dia a dia foi: não ficar nunca com menos de 30% de carga no carro. Então eu fiz algumas corridas, eu estou com 30% de carga no carro? Eu estou próximo de um ponto de recarga? Eu vou recarregar. Até porque com 30 quilômetros eu posso correr o risco de prejudicar um cliente do aplicativo e prejudicar um colega. Porque eu estou com 30, aí eu estou, sei lá, na Zona Sul. Tocou o aplicativo, eu aperto. Ganhei a corrida. Vou demorar uns cinco, dez minutos pra chegar no local. Às vezes o cliente não está, vai descer do prédio, tal, mais uns cinco minutos. Aí ele está desesperado, aeroporto, Guarulhos. Eu não tenho carga pra levá-lo. Porque com 30 eu até chego, mas não voltaria. Aí eu prejudiquei o meu cliente e prejudiquei algum colega que poderia pegar essa corrida, que estava naquele momento passando por ali. Então pensando em tudo isso eu desenvolvi essa logística. Estou com 30 km, estou próximo? Eu desligo o meu aplicativo e vou carregar o carro pra poder não dizer não pro meu cliente. Na rua, o cara te deu um sinal já é diferente. Nesse carro a Prefeitura permite que eu questione onde ele vai. Então se for uma corrida curta eu faço, se for uma longa que eu vejo que não posso, eu posso recusá-lo, claro, explicando pra ele porque eu vou recursar: “Olha, o senhor me perdoa, eu não vou poder levar”. Porque eu pergunto: “O senhor vai perto? Eu não vou poder te levar porque o carro é elétrico, está com pouca quilometragem e eu não vou conseguir chegar, tal”. Então eu desenvolvi essa logística de trabalho ao longo desse tempo aí e está dando certo. Nunca fiquei parado na rua sem carga e, digamos que eu deixei, ao longo desses três anos, não enche uma mão, não deu cinco vezes que eu não pude fazer uma corrida. Claro que viagem é muito difícil de calhar mesmo e os clientes fixos que costumam contratar uma viagem. E aí você já sabe que você não pode ficar a pé, então.
P/1 – E numa emergência? Digamos, você está aqui com o táxi estacionado aqui e está com muita pouca carga. Você tinha falado que qualquer tomada. Então, por exemplo, você poderia recarregar aqui?
R – Posso. Se aqui tivesse uma tomada eu colocaria. Posso bater numa casa e pedir: “Por favor, me empresta uma tomada?” e posso no posto de gasolina. Normalmente, quando isso acontece, a gente para no posto, o posto tem tomada 220 na maioria das vezes no compressor de ar, então até isso a gente vai aprendendo. E aí a gente pede, claro, explica. Olha, eu vou te dizer que só uma vez um posto de gasolina me negou, cara. Mas depois eu encontrei um outro na frente que foi muito gentil e autorizou. Porque o consumo é muito pequeno. E aí acabo explicando o carro, a gente mostra o carro por dentro, mostra o motor, mostra o funcionamento do carro. E é até interessante pros postos, né? Porque é como eu te falei do Turismo, muitas pessoas quebraram no Turismo porque não acreditaram na tecnologia. Os postos de gasolina, embora aqui no Brasil e em São Paulo nós temos hoje só seis carros rodando, em uma frota de dez tem seis rodando, o proprietário de uma rede de postos inteligente, ele já vai começar a pensar o que ele vai fazer quando a frota estiver em 30% de carro elétrico, quanto vai cair do faturamento dele e o que ele pode fazer pra recuperar esse faturamento, onde? Seria muito interessante as redes de postos já começar a pensar nisso. No Rio tem 20 carros rodando, desse Leaf.
P/1 – Que é a mesma parceria.
R – Mesma parceria.
P/1 – E sempre com a Nissan.
R – Sempre com a Nissan.
P/1 – Esse Prius é o principal modelo de carro elétrico hoje?
R – Leaf. De folha. Esse é o principal modelo de carro elétrico no país hoje. Existem outros, outros carros, outros modelos. Mas que está na rua andando, que você vê, é o Leaf.
P/1- Você tem ideia de quantos tem no Brasil circulando hoje?
R – Eu vou falar pra você que tem 25 (risos). Vinte e seis. Que são os 20 do Rio e os nossos seis aqui. Eu sei que tem a montadora, se eu não estiver enganado é a Fiat, com parceria com a Itaipu, com a hidrelétrica, que existe o modelo dela rodando lá. Não sei te precisar quantos carros, mas existe. A Fiat já tem também esse carro elétrico rodando por mais de dois anos dentro da usina.
P/1 – E você estava falando dessa questão de acreditar na tecnologia, tal. Quando você começou a andar com o carro elétrico você falou: “Putz, legal” e provavelmente, você falou que se interessa, você foi pesquisar sobre o assunto. O que você encontrou, como que foi, o que você acha da tecnologia
R – Olha, Felipe, eu fui no YouTube, Google, fui pesquisar porque até o carro aqui só tinha o manual de instrução dele, então a gente foi pesquisar, ver depoimentos, foi ver o que, nos Estados Unidos isso já é uma realidade, existe um modelo lá que roda 600 quilômetros de autonomia, chega a 300 quilômetros por hora. Vai vir pro Brasil também, é previsto que ele venha pro Brasil. A parte da bateria, o descarte da bateria, também eu fui pesquisar isso, a própria montadora é responsável por esse descarte. Embora a bateria aparentemente parece ser infinita, não sei, posso estar falando uma grande bobagem, mas eu não vi em nenhum momento ainda, talvez porque existam poucos carros, a bateria se mantém, ela perde pouca autonomia ao longo do tempo. Então eu vejo com muito bons olhos o carro elétrico. A parte como ele está sendo desenvolvido. Até porque acho que o petróleo um dia acaba, né? Pelo menos se prevê isso, a gente lê isso. E o petróleo, a gente sabe que a gasolina é muito cara por causa até da refinação, do processo de ir para a refinaria e ela sair de petróleo e virar gasolina, esse processo é muito caro. Então talvez seja até interessante que não se venda tanto a gasolina e use o petróleo para outras coisas, para fabricação de outras coisas. Então pesquisei, ainda é pouco perto de tudo. Mas se você ver, na Alemanha, por exemplo, as auto pistas já estão recebendo placas nos asfaltos e que o Leaf passa e por, eu esqueci o nome agora, ele vai recarregando andando. Ele tem um nome, eu não vou lembrar, mas tem um nome que chama que ele vai puxando a energia do próprio chão dessas placas. A França com carros, onde você vai tem carro elétrico plugado lá, que nem as nossas bicicletas aqui, você vai, aluga, põe o cartão, anda com o carro, deixa ele em tal lugar. Tem até caminhãozinho pra fazer pequenos carretos, pequenas mudanças que você faz a mesma coisa. Então está caminhando, eu fico feliz por estar fazendo parte disso, né? Eu posso falar pra minha neta que está com oito meses, vai fazer nove, mas eu posso dizer assim pra ela: “Pô, está vendo esse carro elétrico aí que você tem? Eu fui um dos pioneiros a andar nele aqui”. Foi a coisa que mais me chamou a atenção. Eu tenho cinco filhos, né? Então, caramba, você vai viver isso. Seus filhos vão viver isso, talvez, porque meus filhos, meu caçula já tem 20 anos. Então eu vi assim com muitos bons olhos, eu acredito nisso, estou no projeto aí da Nissan.
P/2 – Você falou das vantagens do carro elétrico, economia, e você falou que tem outras vantagens também, você falou que tem placa solar. E tem também benefícios fiscais, tipo isenção...
R – É, o que está correto é um desconto, um abatimento no valor do IPVA e que ele vai estar isento de rodízio. Como ele não polui ele pode rodar direto. Então eu vejo que quando as montadoras colocarem esse carro, ele vai ter uma boa aceitação no mercado em virtude disso, você não vai ficar preso no rodízio. Sobre solar, muito interessante. Ele tem uma bateria auxiliar que alimenta toda a parte elétrica do carro: farol, lanterna, multimídia. E essa bateria, ela num sistema normal o carro tem alternador, dínamo, que gera energia e recarrega essa bateria. Como esse carro não possui isso, ele tem uma placa e ela recarrega por energia solar. Então, acredito que também está sendo estudado que o carro ande através de energia solar daqui alguns anos, sei lá, não dá pra precisar tanto porque é tão rápido. Temos um avião que está terminando de fazer a volta ao mundo por energia solar, então existe essa placa já no Leaf, o Leaf tem essa placa.
P/1 – E você já teve algum cliente que por ser elétrico o carro, ele foi um diferencial por ele optar? Ou que comentou com você?
R – Felipe, é um diferencial. Todos os passageiros que entram no carro, raríssimas exceções, raríssimas exceções, querem saber sobre o carro. Chama a atenção o carro. “O seu carro é diferente, como ele é? Nossa, o painel dele, o câmbio”. O pessoal confunde a alavanca de câmbio com câmbio. Câmbio, a gente não vê o câmbio do carro, ele está escondido. Mas todo mundo, todos querem saber. Já tenho clientes que me fidelizaram. É uma pena, né, gostaria que fosse só pelo meu serviço, mas é pelo carro. A gente vê que o carro é um diferencial. Pessoas com poder aquisitivo que fala assim: “Cara, quando esse carro vai vender? Pô, eu vou querer um carro desses”. Na rua o pessoal para: “É elétrico? Já está vendendo? Como que você comprou, onde você conseguiu?”, sabe, então faz um diferencial nas ruas, sim. Você passa nas ruas e você vê pessoas olhando: “Olha, o carro elétrico”, umas fotografam. E é como você diz, eu não sei te precisar o nosso universo, a nossa frota da cidade de São Paulo, vou falar só da cidade, só do município, eu não sei precisar quantos carros têm rodando no município de São Paulo. Você vê seis carros elétricos, quando vê, ah, é festa. Eu já fui parado pela polícia. Eu falei que eu nunca fui parado pela polícia, mentira. Fui parado. Eu fui parado sim, lá no centro da cidade, na Major Sertório, tem uma base. Eu estava parado no farol, o guarda olhando pra minha cara, eu falei: “Ele vai me encostar”. Mas não deu outra. Na hora que abriu o farol ele tirou o cone e mandou eu encostar. Encostei e ele falou: “Olha, vou te pedir os documentos do carro e os seus documentos”. Falei: “Sim, senhor. Posso abrir? Está no porta-luvas” “Não, claro”. Aí ele pegou e falou assim: “Ó, é só uma desculpa, eu vou pedir pra ele lá, me mostra esse carro que eu tenho curiosidade de saber como que é esse carro” (risos). Aí eu abri o capô, como se ele estivesse fazendo uma vistoria no carro, porta-malas. Aí ele viu tudo, motor, o motor não esquenta, você roda, roda, roda, você põe a mão e o motor está gelado. Então, fui parado numa blitz sim, está vendo? Justo, né, por estar com o carro elétrico.
P/1 – Essa questão tecnológica, quais são as diferenças desse carro pra um carro movido a combustíveis fósseis?
R – Olha, esse carro, eu digo que só a poluição, a nível de tecnologia, claro, eu não sou expert, a tecnologia dele é de ponta como um carro com combustão fóssil também tem. Eu vejo ele assim, a retomada de velocidade dele é muito mais rápida porque ele não troca marcha, então, muita gente imagina que o carro automático você não troca marcha. Não, você não troca marcha, mas o carro troca, primeira, segunda. Esse não, esse é uma marcha pra frente e uma marcha pra trás. Você pôs no drive, você vai acelerar e ele vai embora. Então não tem aquele troquinho que ele... numa subida, por exemplo, você está subindo em quarta, já aconteceu na Ministro Rocha Azevedo, subidão, o cara emparelhou comigo e eu fui embora, sumi. E um carro potente. Ele veio atrás de mim, quando ele encostou ele veio perguntar do carro elétrico. Por quê? O carro dele, mesmo ele não trocando marcha o carro dele trocou, estava numa quarta, mudou para uma terceira, uma segunda, até chegar lá em cima. Eu não, eu piso e ele vai embora. Então a retomada de velocidade dele é instantânea, você controla no seu pé. E ele recupera energia no sistema de freio, quando você tira o pé do acelerador. O painel te mostra tudo, como você está dirigindo, quanto você está consumindo. Eu já cheguei em Guarulhos, por exemplo, com oito quilômetros de carga no painel. Do aeroporto até o ponto de recarga que é na ponte da Vila Guilherme são 15 quilômetros, medido pela própria prefeitura, que a própria placa fala “aeroporto de Guarulhos a 15 quilômetros”. Então a gente começa a andar e vê placas também, começa a tomar cuidado com esses detalhes. E eu voltei pra máquina com oito quilômetros saindo de Guarulhos. Porque a forma que você dirige, esses oito quilômetros pode virar 16, pode virar 20. E o painel te auxilia nisso. Então eu falo assim, às vezes as pessoas perguntam, a maior pergunta é: “Mas e se acabar a energia?”, eu falei: “É igual um carro de gasolina, eu não posso deixar acabar. Não tem o marcador do tanque? Aqui tem um marcador também. Além dele me mostrar as luzinhas ele vai me mostrando a quilometragem. Então, é só dirigir com atenção, com cuidado, e saber até onde você pode chegar”.
P/1 – No começo você deu umas engasgadas?
R – Nossa, nem me fale.
P/2 – A adaptação foi difícil?
R – Ah, os primeiros 15 dias foram. Porque o tempo de freada dele é diferente, eu acabei batendo o carro duas vezes (risos). Por falhas minhas. Eu ficava desesperado. Por exemplo, estava com 30 quilômetros eu achava que não dava pra rodar mais nada. Trinta quilômetros eu ainda rodo 60 (risos). Foram 15 dias para eu me adaptar ao carro. Hoje eu não sei trabalhar com outro carro, eu não sei. Se eu ficar com um carro a gasolina eu não vou conseguir fazer o que eu preciso fazer na rua.
P/1 – E a manutenção dele é difícil?
R – Então, cara, esse aí eu acho que é o pior detalhe pra montadora e pros mecânicos, ele não tem manutenção. Eu estou com esse carro há dois anos e meio, já rodei 113 mil quilômetros nele, nós só trocamos o pneu do carro. Pastilha de freio é original. O carro não tem desgaste de peça porque não tem combustão, não tem explosão. É igual uma geladeira, motor de micro ondas, vamos supor assim, não estraga.
P/1 – Se quebrar um peça, por exemplo, você acha a peça fácil?
R – Não. É por isso que nós temos seis carros, infelizmente tem quatro que se envolveram em acidentes, não por culpa dos motoristas, dos condutores deles, eles foram abalroados por ônibus ou por caminhão, o outro por uma pessoa que estava com mal súbito e bateu no carro. E aí é assim, esses carros entraram como peça única, então você tem que fazer todo aquele processo, tem que vir peça de fora pra fora, todo aquele processo de importação que é burocrático. Eu sei que esses carros não podem ser vendidos, esses daqui, ou eles vão virar sucata. Imagina, já até sofro só de imaginar que os caras podem botar meu carro lá e fazer ele virar sucata, sabe? Então problema de peça, realmente. Mas assim, Felipe, nesse projeto que nós estamos. Claro que quando o carro começar a ser montado, que ele vai ser montado no Brasil, o governo do Rio já fechou com a Nissan me parece, pelo que eu acompanhei isso no ano passado, que o carro vai ser montado na fábrica da Nissan em Resende. Então aí vai ter peça, vai ter tudo, não vai ter nenhum tipo de problema.
P/1 – Hoje quem arca com problemas dessa natureza.
R – De manutenção, a Nissan. A Nissan que arruma o carro, ela que tem os mecânicos especializados pra mexer no carro. A loja da Nissan que mexe é ali na Radial Leste. Tem um elevador energizado, muito engraçado. Mas é por problema de segurança, não que você vai tomar choque no carro, mas se ele fecha algum tipo de curto o elevador é energizado, então os funcionários são treinados pra isso.
P/1 – E voltando um pouco, a questão ambiental também é relevante pra cliente, mesmo pra você?
R – Então, eu vou falar assim, eu posso ser até duro, não sei quem vai ver a entrevista, quem vai assistir, mas é um puxão de orelha realmente. É como eu disse, nós somos contra a corrupção porque não participamos dela. As pessoas são favoráveis ao meio ambiente, mas o que elas fazem pra realmente não agredir o meio ambiente? Eu fui, já tentei fechar convênios com algumas empresas que têm uma visão da sustentabilidade, principalmente hoje todo mundo está preocupado com a emissão de carbono. Então você sabe que como eu trabalhei em Turismo eu emitia relatórios de quanto aquele funcionário poluiu o planeta voando, o quanto ele emitiu de monóxido de carbono, tal. E eu sei que a gente tem algumas instituições que preservam isso. Eu falei: “Pô, caramba, eles usam táxi, por que não usar o meu? Vamos fechar um contrato”. É área de Vendas. Eu não consegui fechar nenhum até hoje. É muito legal, muito bacana, mas ninguém está preocupado não. A preocupação é econômica: “Quanto que eu vou economizar?” “Nossa, 250 quilômetros de autonomia?”, que o Leaf hoje está nisso. “Puxa, vou por uma carga a cada 15 dias. Então eu vou poder economizar, vou poder rodar no rodízio”. Mas entender que o carro tem toda a parte de plástico dele reciclável, que tem dez airbags, meu, não faz diferença. É uma pena, mas eu não consigo ter um cliente. E a gente sabe de empresas hoje voltadas só para esse mercado de sustentabilidade. Ou eu tive muito azar, falta de sorte de pegar nenhum passageiro voltado pra essa área, mas as áreas que eu bati porta ninguém nem me ouviu (risos).
P/1 – E essa questão de energia consciente, tal, ela apareceu na sua vida, por exemplo, com o carro.
R – Com o carro. É claro, meus filhos sempre me puxaram a orelha por causa disso, mas minha preocupação era outra, minha visão era outra. Claro, preocupado com meio ambiente, com água, nunca gastar mais água do que o necessário, até porque faz bem pro bolso, além de fazer bem pro planeta. Então meus banhos sempre foram muito rápidos, nunca fiz barba deixando torneira ligada, então a gente sempre toma algum cuidado. Mas hoje procurando entender mais isso.
P/1 – E você estava falando da sua esposa. Como que foram esses casamentos? Voltando um pouco pra sua trajetória.
R – Então, cara, eu tenho três casamentos, hoje eu estou no terceiro. E Turismo a gente é moleque, comete muito erro, muita falha, enfim. Então eu errei muito, tenho três filhos de um relacionamento que durou quase 18 anos, tenho uma menina do meu primeiro casamento, e uma filha mais velha, que mora comigo, com 32 anos. Eu não casei com a mãe dela, eu era muito jovem, estava saindo de 18 pra 19 anos, entrando em vida acadêmica, então acabei não casando com a mãe dela, mas a minha filha é um amor de pessoa, formada em Letras, é um orgulho pra mim. Depois eu conheci outra pessoa, casei, fiquei oito anos de relacionamento, tenho uma filha que me deu uma neta agora essa filha. E aí conheci a mãe dos meus filhos e larguei e fui e assim aconteceu a mesma coisa depois de 18 anos. E a gente vai falando assim: “Poxa, quanta bobagem a gente comete por não saber administrar a vida”. Mas os casamentos foram bacanas, lógico, tenho frutos maravilhosos deles, até eu não fazer minhas coisas erradas. No momento que eu comecei a fazer as coisas erradas aí o casamento acabou sendo um transtorno, um martírio, vamos dizer assim, mas martírio mais por minha culpa, você acaba tendo muitas brigas, muitas confusões. Mas hoje já está tudo superado, tudo bem, graças a Deus.
P/1 – E como é ser pai?
R – Ah, cara... eu falo que ser pai é responsabilidade muito grande, é uma alegria muito grande e tudo é muito maravilhoso, né? Seus filhos eles são... eu falo o seguinte, você quer saber o que é uma dor de verdade? Tenha um filho. Porque a dor dele vai doer muito mais em você. Eu resumo filho nisso. Se você quer saber o que dói tenha um filho, porque se ele estiver com... ele quebrou uma unha, cara, chegou com a unha estourada com sangue, meu Deus, como aquilo dói em você, é impressionante. E aquilo de amor incondicional. Eu acho que é até mais de mãe pra filho o amor incondicional, o pai é um pouco mais, talvez pareça ser mais gelado, porque a gente tem outras responsabilidades, mais atribuições, então isso faz com que a gente talvez demonstre um carinho um pouco diferente pelos filhos. Mas cara, fantástico, eu não consigo descrever em palavras a emoção de ser pai e a emoção que eu tive quando peguei minha neta no colo. É um filme doido, muito louco, você volta naquilo, quando eu peguei minha filha no hospital, vi minha filha, aí depois peguei minha neta, filha dela, você pensa: “Cara, que loucura isso! Que bacana”.
P/1 – É a única neta?
R – É, por enquanto é a única.
P/1 – Como foi o nascimento dela?
R – Ah cara, é assim, ela veio prematura, chegou de oito meses, então aquela correria, mas hoje ela está linda, grande. Então aquela coisa de você ver a sua filha grávida, depois você levar pra maternidade, você ver a sua neta nascendo. É indescritível, não dá pra descrever, Felipe, é muita emoção, muita doideira cara.
P/1 – E o que você faz hoje além da atividade de taxista, como você se diverte, quais são seus hobbies?
R – Então, essa atividade te priva de muitas coisas. Eu trabalho hoje 30 dias por mês, vamos por uma média de 15 horas por dia, tem dia que mais, tem dia que menos, mas uma média de 15 horas. Então o meu hobby hoje continua sendo futebol, adoro futebol. Escuto noticiário pelo rádio do carro, ouço minhas músicas pelo rádio do carro e esse é o meu hobby hoje, dirigir, porque não me sobra muito espaço. Porque tudo muito caro, os filhos em parte acadêmica, então eu não consegui ainda ter uma vida social, voltar a ter uma vida social desde que eu fui pro táxi.
P/1 – Você falou de dirigir na cidade. Você gosta de dirigir na estrada também, fazer viagens?
R – Ah, gosto, na estrada é muito melhor, né?
P/1 – Tem alguma viagem de estrada que você fez e você falou: “Caramba”.
R – Ahhhh, eu fiz rally, lá em 1984. Então eu participei de rally, eu gosto muito de dirigir, gosto de estrada. Mas assim, acho que a loucura maior foi eu fui pra Campo Mourão, cara. Campo Mourão não, perdão, como é o nome daquela cidade? Meu filho está estudando em Campo Mourão, é que é próximo. Pra frente de Maringá.
P/1 – Londrina?
R – Não. Nossa. Eu estava começando a namorar minha ex-esposa, ela saiu de férias e foi passar as férias com a família, com pai e mãe nessa cidade, que é antes de Pato Branco, próximo a Foz do Iguaçu. Aí eu trabalhei o dia inteiro na sexta-feira, aí peguei meu carro e fui rodar mil quilômetros, cara. Cheguei lá sábado de manhã pra ficar o final de semana com ela pra voltar domingo à noite, pra chegar segunda-feira de manhã e voltar a trabalhar. Isso dirigindo. Então eu acho que foi uma das coisas mais loucas que eu fiz de viagem, mais doida. O resto foi viagens programadas, podem ser longas mas você sabia: “Vou fazer tal lugar, vou parar em tal lugar, vou ver tal coisa”. Mas essa foi...
P/1 – E participar desse rally? Como é que foi, o que era? Que carro.
R – Era um rally universitário, patrocinado pela Hermes Macedo (risos). Eu tinha uma Brasília, 74 a Brasília. Aí eu adaptei a Brasília e fui e meti a Brasília. Três mil carros participando, cara, e eu fiquei em décimo oitavo. Era eu, o Fair, um colega de faculdade, ele era o navegador. Eu falo que o rally na verdade, o piloto não tem a menor importância, porque qualquer um pode pilotar. O navegador não, cara, o navegador é primordial, é ele que te dá todas as coordenadas, ele que lê o mapa. É o seu GPS. Imagine em 84, então, que era uma calculadora, um relógio de pulso numa prancheta igual a sua (risos), calculadora de pilha, o relógio, você lendo o mapa e calculando ali o tempo que você tinha que fazer pra fazer a velocidade, que era um rally de regularidade, né? Então isso foi muito louco, foram três etapas e foi, nossa, uma experiência única. Serviu muito para localização, pra você ter um senso de localização, saber o norte, sul, leste, oeste, foi muito legal.
P/1 – Como você ficou sabendo, se inscreveu?
R – Na faculdade, né, porque era um rally universitário, então foi através de publicidade que foram estampados os papéis nas faculdades, lá nos quadros de aviso da faculdade.
P/1 – O que você fez de faculdade?
R – Administração de empresas.
P/1 – Qual que era?
R – Na FMU.
P/1 – Você estava falando de futebol, você falou que você é são-paulino.
R – Sou, graças a Deus (risos).
P/1 – Fã do São Paulo?
R – Muito, muito. Já fui mais. Eu até brinco assim, hoje eu falo: “Eu não ligo muito”. Eu não ligo muito até o São Paulo começar a jogar (risos), aí eu vejo que eu continuo ligando muito, ficando nervoso quando perde (risos), fico chateado.
P/1 – Tá difícil, né?
R – Tá, está uma situação. Mas está melhor agora porque como o Palmeiras e o Corinthians estão perdendo então a gente esquece um pouco a má fase para rir dos outros.
P/1 – Você teve alguma fase que você foi muito em estádio?
R – Fui, eu fui associado da Independente. Eu viajava pra Porto Alegre pra assistir jogo, Bahia.
P/1 – Caravana mesmo.
R – Caravana mesmo, pegar aqueles ônibus loucos com aquele pessoal tudo bacana (risos).
P/1 – Tem algum jogo marcante pra você?
R – Tem. 1986, final do campeonato brasileiro no Brinco de Ouro da Princesa, São Paulo e Guarani. São Paulo perdendo o jogo na prorrogação, estava 2 a 1 na prorrogação pro Guarani, já estava tocando o hino do Guarani. O Tite já era jogador do Guarani, olha como eu estou ficando velho (risos), o Tite jogava bola no Guarani. E, cara, 14 minutos e meio do segundo tempo da prorrogação, cruzamento na área, se não me engano, acho que foi o Pita que cruzou, o Careca deu um passo pra trás, só o Careca com toda a qualidade técnica que ele tinha e deve ter ainda, pra fazer aquilo. Hoje eu falo pra você, qualquer centroavante ia matar aquela bola no peito, esperar o zagueiro chegar e ia se jogar dentro da área. O Careca não, o Careca de um passo pra trás e deu um sem pulo e empatou o jogo e eu estava atrás do gol, quase que eu caí de tanta alegria. E depois o São Paulo acabou ganhando nos pênaltis com Gilmar Rinaldi, que é auxiliar do Dunga, era o goleiro do São Paulo, defendeu dois pênaltis. Porque o Careca depois perdeu, na abertura o Careca bateu e perdeu o pênalti dele. Mas acho que foi o jogo mais marcante pra mim. E claro, a primeira Libertadores do São Paulo, essa foi uma aventura incrível. Porque o São Paulo jogou na Argentina, perdeu o primeiro jogo do Newell's Old Boys de 1 a 0 e aí na quinta-feira eu já comprei o ingresso e era na Federação Paulista que vendia o ingresso, a Federação ainda era na Brigadeiro Luís Antônio. Eu comprei o ingresso, peguei fila antes de ir trabalhar, passei lá, comprei os ingressos. Uma semana depois era o jogo. Eu tinha marcado de ir com os amigos e esse meu amigo acabou pisando na bola comigo, na verdade, porque os irmãos dele apareceram e levou os irmãos pro estádio e eu fiquei órfão naquele momento. Aí a Erundina, eu não lembro quem era o prefeito, acho que era a Erundina, ela não pôs ônibus da CMTC na época pra ir pro estádio, então você tinha que ir de ônibus de linha. Cara, eu estava indo a pé, aí eu peguei carona numa Brasília, nós fomos sentados no banco de trás do carro. Um trânsito, um trânsito, Felipe, eu falei: “Nós vamos perder o lugar, não vamos conseguir chegar”. Aí quando chegou na ponte da Cidade Jardim tudo parado, tudo parado. Eu estava com um amigo meu e falei assim: “Zé Banha” (risos), imagina que ele era magrinho, pra ter o apelido de Zé Banha. “Banha, vamos a pé, meu”. Meu apelido era Magrão, “Você é louco, Magrão?”. Eu falei: “Não, vamos a pé, cara, nós não vamos chegar no estádio. E eu não passei por tudo isso pra perder esse jogo, cara”. Descemos e fomos correndo. Eu corria, depois olhava, cadê meu amigo? Estava lá pra trás: “Vamos, Banha!”, puxando. Andamos até o estádio do Morumbi. Chegamos no estádio do Morumbi nove e trinta da noite, o jogo era às nove e quarenta. Os portões fechados. Não cabia mais ninguém dentro do Morumbi. “Mas como assim não cabe ninguém? Eu estou com o ingresso, pô” “Não, não cabe, não cabe”. Eu comecei a bater boca com o guarda e falei: “Não, cara, você está doido, meu. Eu comprei o ingresso tem uma semana” “Não, não, não”. Aí eu falei algumas bobagens pro guarda, ele falou: “Ah, tem ingresso, então vem aqui”. O meu amigo: “Você está louco, cara, não vai, não”. Nisso um outro cara falou: “Não, eu tenho” e foi. Cara, quando ele foi o guarda desceu o cacete nele, pegou o cassetete. Ah, quando deu na perna foi a brecha, eu falei: “Vamos, vamos, vamos!”, empurramos o portão, abrimos, invadiu. Eu acho que eu tenho o ingresso até hoje. Pulamos a catraca. Você andava em volta do anel e você não conseguia entrar dentro do estádio. Então os caras ficavam narrando o jogo, você só escutava o uuuuu uuuuu, barulho e você via parte do gramado só do outro lado, só o risquinho. Eu falei pro meu amigo: “Cara, vamos descer, vamos ver na televisão”, eu falei: “Não, cara, pera aí, vai acabar o primeiro tempo”, porque eu consegui entrar já estava quase nos 40 minutos do primeiro tempo. Acabou o primeiro tempo, claro, o pessoal sai e nisso que ele saiu eu entrei. Entrei, peguei um lugar atrás do gol, ainda lá do outro lado e ficamos naquele sufoco danado até o Telê colocar o Macedo, Macedo se jogar dentro da área, que eu acho que nem a mãe do Macedo apitava aquele pênalti (risos), mas como lá na Argentina não tinha sido também, aí empatou 1 a 1 e vai pros pênaltis. Aí eu me lembro bem que eu estava bem de frente assim e na hora que o Gaboa foi bater o último pênalti dos caras, estava 4 a 4, eu virei pra esse meu amigo e falei assim: “Banha, ele vai bater no canto direito do Zetti, cara, e o Zetti vai pegar”. Mas não deu outra, ele bateu e o Zetti pegou, depois o Muller bateu, fez e acho que foram esses dois jogos mais marcantes pra mim. Assim, de estar dentro do estádio, ali, vivendo aquilo.
P/1 – Como que é assistir o jogo no Morumbi?
R – Ah cara, é a mesma sensação de eu ver meus filhos nascerem, cara, porque eu sou tão são-paulino assim. E esses títulos do São Paulo dentro do Morumbi. Cara, nossa, é muito emocionante, é uma emoção única, de fazer você chorar. Já chorei no Morumbi com essas vitórias e chorei também em 81 quando ele perdeu o título pro Grêmio, aí também eu estava lá, tinha cento e tantas mil pessoas dentro do estádio, você vê o cara fazer o gol e um silêncio ensurdecedor dentro do estádio, sabe? Só vê meia dúzia de pessoas gritar ali, tal. Puta, que loucura aquilo.
P/1 – E quem é o grande ídolo?
R – Ayrton Senna. Esse, no esporte, é o meu grande ídolo.
P/1 – Você também acompanha Fórmula 1.
R – Tudo. Eu ia pro Rio de Janeiro assistir Fórmula 1.
P/1 – Jacarepaguá?
R – Gosto muito do Piquet. É, Jacarepaguá, 89 foi o último Grande Prêmio ainda, que o Felipe Streiff sofreu um acidente, ficou paraplégico. E depois em 90 veio pra Interlagos, que redesenhou todo. Acho que o Senna, o Senna não só como o atleta, o esportista, o profissional, sabe, a vida dele, a perseverança, aquela vontade de vencer, de não aceitar o segundo lugar. É vencer ou vencer, eu entrei aqui pra vencer. Então acho que o Senna pra mim foi meu maior ídolo. Futebol? Ah, futebol tenho vários que eu gosto. Pelé eu vi jogar, Zico, tem inúmeros. Mas acho que como atleta, Ayrton Senna. E muito também assim, por incrível que pareça, João do Pulo.
P/1 – Sério, João do Pulo?
R – Sério, João do Pulo. Pela época, por tudo o que ele representou, sabe? De tantos anos que demorou pra baterem o recorde dele novamente, o acidente que ele sofreu. Porque são pessoas que colocam o nome do Brasil ali. E o João do Pulo ali sozinho fazer aquele, 16 metros e pouco.
P/1 – Você viu ao vivo?
R – Na televisão, assistindo. Eu gosto muito de esporte, né? Então eu estava.
P/1 – Você acompanhou na Olimpíada?
R – Acompanhei assistindo a TV, não no local, mas sim, pela TV.
P/1 – Qual Olimpíada era, você lembra?
R – Foi nos Estados Unidos, acho que foi em Atlanta... caramba, não vou lembrar. Se eu não me engano deve ter sido nos Estados Unidos.
P/1 – Mas no dia, você lembra como é? Você vê empolgado Olimpíada?
R – Vejo, vejo assim. É o Brasil, eu gosto, cara. Então eu fico, mas não que nem uma partida de futebol, isso te marca mais, mas ali você sentado na frente da televisão: “Agora vai mostrar o cara correndo cem metros”, porque é assim. “Agora vai cortar o cara que vai arremessar o dardo, vai fazer o primeiro arremesso”. Então não tem como te prender muito. Mas aí lá: “O João do Pulo vai fazer um salto”, aí pulou: “Ahhhhh, medalha de ouro!”. Aí você fica e fala: “Putz, vou sentar ali só pra ver ele ganhar medalha de ouro?”, não. Não sou um acompanhador de Olimpíadas assim que vai fazer: “Vou pegar aqui e vou ficar vende parte a parte”. Eu não gosto de judô, essas coisas eu não gosto, cara, não tenho paciência pra ver aquilo ali, um cara ficar abraçando o outro, demorar meia hora. Não. E claro, se você me falar em Olimpíadas não vou falar de Olimpíadas, mas vou falar de Panamericano, foi o melhor jogo do Brasil no basquete em cima dos Estados Unidos nos Estados Unidos com Oscar, Marcel, Gerson, os caras jogando muito e ganhando medalha de ouro dos caras lá dentro. Claro que naquela época não eram os caras da NBA, eram atletas, não eram profissionais porque pra ser olímpico tinha que ser amador, né? Então era um basquete universitário, mas os caras eram bons. Depois de lá saíam e iam pra Chicago Bulls, pra todos esses outros aí.
P/1 – Mas esse simbólico.
R – É, esse foi muito bom.
P/1 – E caminhando já pro fim, quais são as coisas mais importantes pra você hoje, na sua vida?
R – Ah cara, são meus filhos. Meus filhos, minha família hoje porque eu estou casado de novo, então, minha esposa também tem os filhos dela, são grandes, mas é a minha família, meus filhos. A ambição de você conseguir grande coisa, eu vou falar que vai diminuindo, vai ficando pra trás. Hoje o maior foco é conseguir dar o conforto maior pra eles, não deixar que falte as coisas, enfim, esse é o meu maior objetivo.
P/1 – E conta um pouco o que você achou dessa experiência de contar essa história de vida aí?
R – Ah, muito legal, cara, muito bom. Porque são coisas que a gente guarda só pra nós e você poder falar pra alguém, e pra alguém que eu não conheço, eu não conheço vocês, então eu estou contando aqui. Eu sei que outras pessoas vão ouvir e talvez sirva aí pra ânimo, pra algumas pessoas não terem medo de mudar também de segmentos. Enfim, foi uma experiência, eu gostei. Não é minha primeira experiência numa entrevista, como eu falei eu fiz até recentemente uma entrevista sobre o carro, só especificamente sobre o carro, mas é muito legal, gostei.
P/1 – Você falou da sua outra entrevista. Só para amarrar: a imprensa procura muito pela questão do carro elétrico?
R – Não. Já procurou no início do projeto três anos atrás. Inclusive quem mais dava entrevista era o seu Nunes, que dirigia o carro 01. Seu Nunes faleceu há um ano e pouco, mas ele tinha muito orgulho. Ele andava com as revistas, que ele deu várias entrevistas, foi em várias feiras e tudo isso que eu te contei, até do projeto, eu aprendi com o seu Nunes, com o falecido seu Nunes. Ele que me falou, me contou, porque eu também fui atrás perguntando, a gente se encontrava nas bombas, principalmente ele trabalhava mais à noite, mais de madrugada, então eu fiquei sabendo mais do projeto até por ler essas revistas dele, ele dando essas entrevistas e conversando com ele.
P/1 – Beleza. Obrigado.
R – Imagina, eu é que agradeço.
FINAL DA ENTREVISTA
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