A minha história eu sempre conto até na minha casa com a minha família, porque hoje em dia é difícil nossos jovens ensinarem como antigamente: sentar na varanda com chimarrão. Os antigos eram assim vinham todos parentes, netos, filhos, juntava pra contar história, como aconteceu, o que lembrou, o que viu, o que não viu e hoje é só em papel. A primeira coisa que eu lembro eu tinha uns 6 anos, naquela época não tem nada perto, não tem mercado. Quando a gente morava ali perto do Rio Paraná, a antiga nossa aldeia, nós morávamos isolados. Onde nós vivemos hoje é tríplice fronteira. Até hoje chegam dizendo pra gente: Isso é Paraguai, isso é Argentina, isso é Brasil... Para nós não existe isso, não tem fronteira. Mas hoje juntam tudo que é povo no mesmo lugar, não importa se é Xokleng, Kaingang ou Guarani, o juruá quer fechar tudo igual passarinho na gaiola
Os nossos caciques verdadeiros mesmo eram os txamois, rezadores que vivem aqui. Esses, quando falam: “Vamos nos juntar, fazer isso, fazer Nhemongaraí e já chegou o tempo novo e a gente precisa fazer essa cerimônia”. Não é como hoje: “Cacique não veio ainda, saiu”. Depois que eu fui pra lá que eu conheci esse tipo de liderança, vamos dizer assim. Até eu também fui liderança, mas não pensando em massacrar parente. Fui atrás por causa de uma necessidade mesmo. Até os meus 11 anos a gente vivia livremente ainda, 11 anos a gente viveu livremente ainda.
Em 1978 veio a construção da hidrelétrica de Itaipu. Já tem previsão, todos os colonos, tanto indígenas ou animaizinhos que estiverem por aí têm que ser pegos e levados pra cativeiro e, se for indígena, tem que levar pra outra aldeia ou pro Paraguai. Então, veio nosso parente, que se chama Valdomiro, cacique Valdomiro, junto com chefe do posto e veio parente guarani e parente Kaingang. Cacique Valdomiro e o cacique Miro, dizendo pra nós, pra minha família, pro meu pai, pra minha mãe, até pro Fernando...
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A minha história eu sempre conto até na minha casa com a minha família, porque hoje em dia é difícil nossos jovens ensinarem como antigamente: sentar na varanda com chimarrão. Os antigos eram assim vinham todos parentes, netos, filhos, juntava pra contar história, como aconteceu, o que lembrou, o que viu, o que não viu e hoje é só em papel. A primeira coisa que eu lembro eu tinha uns 6 anos, naquela época não tem nada perto, não tem mercado. Quando a gente morava ali perto do Rio Paraná, a antiga nossa aldeia, nós morávamos isolados. Onde nós vivemos hoje é tríplice fronteira. Até hoje chegam dizendo pra gente: Isso é Paraguai, isso é Argentina, isso é Brasil... Para nós não existe isso, não tem fronteira. Mas hoje juntam tudo que é povo no mesmo lugar, não importa se é Xokleng, Kaingang ou Guarani, o juruá quer fechar tudo igual passarinho na gaiola
Os nossos caciques verdadeiros mesmo eram os txamois, rezadores que vivem aqui. Esses, quando falam: “Vamos nos juntar, fazer isso, fazer Nhemongaraí e já chegou o tempo novo e a gente precisa fazer essa cerimônia”. Não é como hoje: “Cacique não veio ainda, saiu”. Depois que eu fui pra lá que eu conheci esse tipo de liderança, vamos dizer assim. Até eu também fui liderança, mas não pensando em massacrar parente. Fui atrás por causa de uma necessidade mesmo. Até os meus 11 anos a gente vivia livremente ainda, 11 anos a gente viveu livremente ainda.
Em 1978 veio a construção da hidrelétrica de Itaipu. Já tem previsão, todos os colonos, tanto indígenas ou animaizinhos que estiverem por aí têm que ser pegos e levados pra cativeiro e, se for indígena, tem que levar pra outra aldeia ou pro Paraguai. Então, veio nosso parente, que se chama Valdomiro, cacique Valdomiro, junto com chefe do posto e veio parente guarani e parente Kaingang. Cacique Valdomiro e o cacique Miro, dizendo pra nós, pra minha família, pro meu pai, pra minha mãe, até pro Fernando Martins: \\\"tem festa indígena gratuita, não vai pagar nada, carne à vontade, bebida, baile, não precisa pagar entrada, pode se divertir à vontade. Inclusive foi levado dia 17 de abril, nós amanhecemos dia 18, véspera do \\\"Dia dos índio\\\" e a gente pensava que ia trazer de novo de volta pra casa e nos levaram e deixaram lá na outra aldeia. Nos enganaram pra tirar da aldeoa. Tem outro que ficou, tomou coragem e fomos e outro pro Paraguai, outro pra Argentina, outros que foram pra São Paulo, várias famílias se espalharam e foi assim que aconteceu.
E a aldeia que a gente foi era na verdade, uma aldeia Kaingang, só que o indígena guarani também ficou morando ali, dividindo o pedaço da terra, juntos na mesma aldeia, só que tem uma divisa pra guarani mesmo. Eu voltei depois de 14 anos de idade. Eu não gostei do lugar, da região, muita serra, muito frio, não tem onde se virar, uma aldeia grande, só que a gente não se acostuma. Pelo menos eu não me acostumei. Daí um dia eu falei pra minha mãe: “Eu vou voltar de novo”. Eu não sabia que eu estava no Paraná, eu falei assim: “Eu vou voltar de novo pro Paraná. Eu fiquei trabalhando um pouquinho ali na sede da missão e um dia, não me lembro a data, mas eu sei que eu voltei de lá a pé. Eu fiz um pouquinho de alguma coisinha pra eu trazer: uma latinha pra carregar água, panelinha pequenininha pra poder cozinhar alguma coisinha e viemos. Eu cheguei aqui depois de 15 dias a pé. Não é que caminhava assim direto. Vê que está meio escurecendo, o sol já está caindo, e a gente acaba se encostando na beira da estrada ou na casa do colono, pedia um favor pra eu dormir ali, comentei pra onde que eu estou indo. Não é que a gente continuando, pegando um tipo de perigo, assim. Vem o dia, saí de novo caminhando, catando fruta da beira da estrada, caminhando e vindo embora.
Naquela época ninguém sabe, ninguém conhece o que é indígena, o que é aldeia. Tem que perguntar assim, meio com palavras que nem deveria se dizer: “Onde mora algum bugre?” Então é que as pessoas indicavam casa do Paraguai, casa de parente mesmo. Se perguntar onde mora bugrada, aí sim a pessoa entendia. Agora se perguntasse onde morava indígena? Onde era aldeia? Ninguém sabia. E aí que eu descobri que estava tudo embaixo da água. E fiquei desesperado sabendo que nossa estrada existe ainda, mas pedacinho em pedacinho a água já tinha coberto tudo.
Nós descobrimos na Comissão da Verdade que nosso direito, vamos dizer que nossa terra, mais de 32 aldeias ficaram embaixo da água. E esse Itaipu não disse nada pra nós, nem a Funai. Mas depois que a gente levantou todos os laudos antropológicos, resgatamos os mais velhos, perguntamos pros mais velhos onde vivia naquela época, como é que chamavam aquele rio, quantas famílias moravam, quantos anos moravam lá, a gente descobriu mais de 32 aldeias embaixo da água e esse a gente está correndo atrás, ver se a gente consegue pelo menos indenização pra gente ganhar
Na verdade, aqui agora onde nós estamos era provisório, porque aqui é a reserva d, vamos dizer assim, de Itaipu. Então, Itaipu trouxe aqui essa família provisório, pra poder uma empresa de Itaipu, a direção de Itaipu comprar outra aldeia, pra poder nos levar pra lugar mais confortável, mais adequado e acaba que até agora nós estamos aqui. Itaipu comprou um pedaço de terra, só que a terra não vale quase nada, tudo pedreira, serra, não tem nem 20% de aproveitamento. A terra é barata e não é utilizada, porque tem muita pedra. Os txamois disseram que vão lutar. O primeiro funcionário de Itaipu que prometeram comprar mais terras acaba que os txamois já não conseguem ver mais a luta deles, faleceram antes de ganhar a terra.
A gente está continuando. Eu, pelo menos, agora estou bem-preparado pra essa luta. Agora já me preparei, líder social, idade de trinta anos pra cá já comecei estudando essa parte, toda a minha família, meus irmãos, eu, meu filho, pra poder defender nosso direito. Hoje em dia eu não sou estudioso, não sou advogado, não sou nada, mas pelo menos eu entrei na Comissão da Verdade, pra poder buscar informações dos txeramois, pra poder registrar e mostrar pra nossa liderança e aprovar. E daí nós mandamos pra Ministério da Justiça, ministérios todos, pra poder ser realizada nossa história. Antes de eu morrer, eu queria deixar tudo registrado, porque o indígena antepassado não tem esse registro em papel, nem em fotografia, por isso que o juruá sempre engana. Por qual razão? Quando aparece alguma coisa, ele não tira fotos. Se tirar foto, com certeza vai ficar registrado, hoje em dia a família nossa já tem essa tecnologia maquininha, celular, qualquer coisa pode registrar. Aquela época, a gente não tinha pra registrar nossa saída, como nós sofremos, como nós passamos, como nós fomos julgados pelos não indígenas e acaba que não foi registrado. Nossa aldeia não foi registrada, daí um dia chegou nesse momento pra nós aí pra poder entrar na Comissão da Verdade, eu fiquei feliz, porque já tenho tudo, não preciso nem buscar mais.
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