Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Sarlene Macuxi
Entrevistada por Tiago Nhandeva
Entrevista concedida via Zoom (Curitiba/Boa Vista), 09/01/2023
Entrevista n.º: ARMIND_HV031
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
P/1 - Bom dia, parente Sarlene Macuxi. Já quero te agradecer por aceitar essa entrevista, contando sua história de vida aqui no projeto do Museu da Pessoa, Indígenas Pela Terra e Pela Vida. Vai ser uma honra ter a tua história no Museu. Então já quero começar dizendo que você pode se apresentar falando o seu nome, se você tem um nome indígena, quando você nasceu. Então uma apresentação… e também do seu povo, por favor.
R - Bom dia! Primeiramente gratidão! A minha organização é o Conselho Indígena de Roraima, eu sou Sarlene Macuxi, sou da região de Serras, Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada no município do Uiramutã, no estado de Roraima, Amazônia, Brasil. Recentemente recebi um nome indígena, Tîp'a, que significa pedra em Macuxi, é uma rocha, uma rocha muito forte e que eu me identifico muito com essa pedra. Porque ela é resistência, é firme e forte. A pedra você pode tentar destruí-la, mas ela não é tão fácil de quebrar. Porque ela pode sim ser lapidada, mas ela não é destruída. Então esse é o significado do meu nome em Macuxi, minha etnia. A etnia Macuxi é uma etnia do estado de Roraima.
P/1 - Ainda nessa linha do significado do seu nome. Acho que um momento muito especial é o nascimento de uma pessoa, e eu gostaria de te perguntar se te contaram como foi o seu nascimento, como foi esse dia, sendo um dia especial, seus pais relataram para você? Como foi?
R - Meus pais… a minha mãe é Macuxi, o meu pai também é Macuxi. Nós vivemos em uma região fronteiriça entre Roraima/Brasil e Guiana Inglesa. Roraima pra quem não conhece é tríplice fronteira com o país da Venezuela, o estado do Amazonas e Guiana. E eu sou...
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Entrevista de Sarlene Macuxi
Entrevistada por Tiago Nhandeva
Entrevista concedida via Zoom (Curitiba/Boa Vista), 09/01/2023
Entrevista n.º: ARMIND_HV031
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
P/1 - Bom dia, parente Sarlene Macuxi. Já quero te agradecer por aceitar essa entrevista, contando sua história de vida aqui no projeto do Museu da Pessoa, Indígenas Pela Terra e Pela Vida. Vai ser uma honra ter a tua história no Museu. Então já quero começar dizendo que você pode se apresentar falando o seu nome, se você tem um nome indígena, quando você nasceu. Então uma apresentação… e também do seu povo, por favor.
R - Bom dia! Primeiramente gratidão! A minha organização é o Conselho Indígena de Roraima, eu sou Sarlene Macuxi, sou da região de Serras, Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada no município do Uiramutã, no estado de Roraima, Amazônia, Brasil. Recentemente recebi um nome indígena, Tîp'a, que significa pedra em Macuxi, é uma rocha, uma rocha muito forte e que eu me identifico muito com essa pedra. Porque ela é resistência, é firme e forte. A pedra você pode tentar destruí-la, mas ela não é tão fácil de quebrar. Porque ela pode sim ser lapidada, mas ela não é destruída. Então esse é o significado do meu nome em Macuxi, minha etnia. A etnia Macuxi é uma etnia do estado de Roraima.
P/1 - Ainda nessa linha do significado do seu nome. Acho que um momento muito especial é o nascimento de uma pessoa, e eu gostaria de te perguntar se te contaram como foi o seu nascimento, como foi esse dia, sendo um dia especial, seus pais relataram para você? Como foi?
R - Meus pais… a minha mãe é Macuxi, o meu pai também é Macuxi. Nós vivemos em uma região fronteiriça entre Roraima/Brasil e Guiana Inglesa. Roraima pra quem não conhece é tríplice fronteira com o país da Venezuela, o estado do Amazonas e Guiana. E eu sou dessa região. Aqui em Roraima, nós, povos indígenas, moramos em uma região de lavrado e serrana, que é a parte norte e nordeste do estado. Então na área de florestas nós temos mais para o sul do estado, na fronteira com o Amazonas. Então nós, Macuxi, somos oriundos de uma região que é serrana. É rica em belezas naturais, em montanhas, vales, cachoeiras e foi nessa região que eu nasci, em um lugar que se chama Uruka, próximo do que hoje é o município Uiramutã, mas que também é comunidade devido essa historicidade da questão dos invasores, vamos usar assim essa palavra, dos colonizadores que chegaram nos territórios indígenas, justamente com essa questão de tirar as nossas riquezas, de destruir essa mãe terra. E eu sou dessa localidade, de Roraima, especificamente dessa região que é uma área, digamos assim, de bastante jazidas naturais. Eu nasci na década de 1980, então os meus familiares são dessa, digamos, dessa região e dessa historicidade que eu vou trazer um pouco também, como é que se dá todo esse contexto de invasão e ao mesmo tempo em que indígenas também, digamos, trabalham essa monocultura do garimpo. E a minha família vem com isso. Principalmente… atualmente ainda existem muitos indígenas que trabalham essa questão artesanal do garimpo, digamos, na terra indígena. E eu nasci nessa localidade, nessa região, em um momento em que as pessoas estão ali fazendo esse trabalho artesanal. E a família é desse contexto, digamos assim. Um momento em que muitos nordestinos chegaram nas terras indígenas, se apropriaram daquela região. Então na década de oitenta, noventa, isso era bastante, digamos assim, explícito na região, nas regiões das serras especificamente, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. E foi nessa localidade que eu nasci e posteriormente, nos anos noventa, meus pais saem dessa região. Depois que também… é com decreto em 1998, que demarcou a Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Muitas dessas pessoas, os invasores, digamos assim, saíram da terra indígena. Então os indígenas também pararam ali de trabalhar, de certa forma, nessa região do garimpo. E eu sou dessa parte. Então posteriormente o município onde eu nasci, a comunidade na verdade, virou município e a gente tem essas duas, digamos, localidade. Porque é tanto comunidade quanto município. Então eu nasci nesse contexto, digamos. Momento em que os povos indígenas trabalhavam e os meus pais, digamos, é dessa linhagem. Hoje a minha família, uma parte da minha família reside na comunidade na região, na área indígena. E os meus pais já residem em outra parte, de município do sul do estado.
P/1 - Muito bem! Ainda sobre a sua família, eu gostaria que você falasse um pouco da sua mãe. Você trouxe os seus pais. Contasse um pouco sobre ela. Quem é sua mãe? O nome dela? Se você pudesse falar dessa parte da família.
R - A minha mãe se chama Sônia Moreira. A mãe dela morava na comunidade Maracanã I, que é uma comunidade próxima da comunidade do Uiramutã. A minha mãe, como outras mães indígenas Macuxi, é uma mãe guerreira. E uma mãe que teve onze filhos, no qual dois faleceram. Esse conceito que nós temos de população é completamente diferente da população não indígena, que para a gente é gerar filho, aumentar a nossa população para ocupar nossos territórios. E a minha mãe é uma mãe muito guerreira nesse sentido, criando nove filhos no qual... com bastante dificuldade. Porque hoje a qualidade das comunidades, das mães é um desafio, principalmente na educação das crianças. E a minha mãe, eu não posso deixar de mencioná-la aqui. Nessa época que eu morava na comunidade enquanto criança, ela me ensinou, eu acho que esse registro vai para ela especial, as primeiras vogais em um pedaço de papelão com carvão. Até hoje eu lembro. Então ela escreveu ali o A, E, I, O, U, em um pedaço de papelão e foi onde eu tive a primeira vez o contato com o alfabeto. Então a minha mãe é uma mãe muito guerreira, como todas as outras mães, enfrentou diversas dificuldades. Ela é a minha base! É a base de todas... de onde a Sarlene Macuxi hoje chegou, claro, além também do fundamento das lideranças, do apoio de todas as lideranças que eu tive. Da Amazônia, especial, vou citar o nome aqui, seu José de Souza, o qual ele me cobrou também: “Olha, você esqueceu de mim, né?”. Recentemente, recebi uma notícia muito boa, de ser a primeira indígena, inclusive mulheres jovens Macuxi, a fazer o doutorado na Universidade de São Paulo. Estou me organizando inclusive para chegar aí, porque devido a essas correrias dessas semanas... e eu agradeço a ele, que é uma das maiores lideranças aqui do estado de Roraima, da Amazônia, do Brasil e do mundo, também é um exemplo para a juventude. Ele é o tio da minha mãe, é uma liderança muito forte que há muito tempo vem lutando para o reconhecimento da terra indígena, principalmente a nossa Terra Indígena Raposa Serra do Sol. A vida dele praticamente foi em prol dessa luta, para que hoje a gente pudesse ter uma terra, digamos, homologada, demarcada e reconhecida pelo governo Brasileiro. E a minha mãe é parte disso, Sônia Moreira Macuxi é o fundamento, digamos, de todo esse ensinamento, de toda a educação que hoje eu tenho. Sou muito grata a minha mãe, não só à minha, a meu pai também, que foram essa base, digamos, do que eu sou hoje.
P/1 – Com certeza, parente. Acho que tua mãe teve um papel fundamental, e acho que trouxe todo esse conhecimento para a tua formação acadêmica e pessoal. E você tinha falado das nossas lideranças que sempre esperam dos indígenas, que eles cada vez mais se apropriem de conhecimentos para lutar pelo seu povo. E você também trouxe seu pai né, quando você estava falando o seu nome, seu pai e sua mãe. Eu gostaria que você falasse também dessa parte da família, do seu pai, contasse um pouco sobre ele, o nome dele, quem é ele?
R – O meu pai é Inácio Soares da Silva, é um homem bastante guerreiro! Como eu falei, hoje, atualmente, eles não moram mais na comunidade, eles moram no sul do estado. Continuam indígenas, não necessariamente tendo saído da comunidade e foi um local onde eles hoje vivem, eles se identificaram. Então eles não estão na comunidade indígena agora, mas eles estão morando, digamos, não na parte serrana, mas na parte de floresta. E o meu pai também é um guerreiro. Nessa época, digamos, quando a gente morava na comunidade, ele era uma das pessoas que sempre trabalhou justamente para sustentar a família e ele estava muito ligado a essa questão do garimpo artesanal. Então o trabalho dele praticamente era fazer a comercialização com as comunidades, de vender os produtos que ele trazia da cidade, em troca de farinha, de beiju, dos mantimentos que não tinha ali para os indígenas que trabalhavam naquela região de garimpo. Ele fazia esse trabalho de articulação, digamos assim, onde ele com as comunidades vizinhas da... olhando ali para a região que eu estou, não é tão perto de montanhas. E participava muito de festejos, dessas comunidades, e levava nós, as crianças. A criança Macuxi é muito guerreira também! Geralmente a gente acordava ali às cinco horas da manhã, subia uma montanha de mais de quatro mil metros de altura, para poder ir para os festejos em outras comunidades mais longínquas. E o meu pai, ele fazia esse, digamos, essa comercialização, essa articulação com outras comunidades, com trocas. Até hoje ainda existe esse momento de trocas que as comunidades fazem, onde vendem esses produtos. E o trabalho dele era esse. Então ele trabalhava no garimpo e fazia trocas, fazia essa comercialização. E o meu pai não fez parte dessa trajetória de lutas, ele foi uma pessoa que ficou, digamos assim, mais reservado. Porque hoje as lideranças que são da região das serras da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, são lideranças que são muito ligadas na questão da luta. Então geralmente os homens estão muito ligados a uma atividade de liderança. Mas o meu pai não seguiu essa trajetória, mas não deixou de ser uma pessoa guerreira. Hoje está em vida e também faz parte dessa minha trajetória de luta.
P/1 – Uma contribuição também muito importante, não é parente? Acredito aí, dos seus pais, tua mãe, cada um com um perfil, com uma forma. E você falou também sobre os seus irmãos né, são onze, você tem onze irmãos. Eu gostaria que você falasse quem são eles, os seus irmãos, falasse um pouco sobre eles.
R – Bom, somos cinco mulheres e quatro homens. Os meus irmãos praticamente seguiram outros rumos também, não buscaram esse caminho do estudo. Então hoje essa juventude indígena, muitos seguem o caminho de buscar educação, e outros também não... eu acho que eu tive o quê? Duas irmãs que tiveram acesso à universidade, aqui o Instituto Insikiran [de Formação Superior Indígena], principalmente um Instituto que foi criado para formar três eixos de formação, que é a formação de professores, a formação de gestores territoriais indígenas e agora recentemente o curso de Gestão e Saúde Coletiva Indígena. Então a gente tem essa oportunidade. Mas os meus irmãos buscaram, digamos, outras trajetórias de vida também, procuraram formar famílias e não necessariamente buscaram esse caminho da educação. É claro que a gente respeita também. Cada trajetória do jovem é a forma dele escolher, dele ter essa autonomia também. Então é uma questão que a gente respeita. E buscaram hoje construir famílias. Hoje tem suas famílias e eu não tenho muito, digamos assim, a entrar nessa profundidade dos meus irmãos. Mas também são bastante guerreiros na questão dos seus objetivos de vida.
P/1 – Perfeito, registrado. Então, um assunto que me chamou muita atenção é sobre formação, e você fala que o teu primeiro contato com a escola foi com a sua mãe, a alfabetização ali, o carvão que ela riscou para você, as vogais, e eu gostaria que você falasse então da questão da sua trajetória escolar. Como foi a sua trajetória escolar até chegar na academia?
R – Sim. Então retorno aqui minha reflexão para minha comunidade, onde estudei até os sete anos de idade na escola Joaquim Nabuco. Eu lembro perfeitamente e lembro também perfeitamente o nome da minha professora, primeira professora que foi, Carmem Moura dos Santos, que foi uma professora não indígena. Naquela época, ainda, as escolas indígenas não estavam institucionalizadas, digamos, nas comunidades indígenas. Hoje nas nossas comunidades nós temos algumas escolas institucionalizadas. E naquela época, como não tinha ainda, as crianças da comunidade do Uiramutã estudavam nessa vila, que hoje é um município. Então a minha educação, onde estudei até a sétima... sempre tive esse interesse pela leitura, vem desde esse tempo. Enquanto criança, enquanto observar a natureza também naquela forma de ensino. A minha trajetória começa a partir daí. Ela começa a partir dessa, digamos, dessa formação escolar que foi instituída na época, no município, pelos governos do estado. Posteriormente, em 1992, a minha família saiu da comunidade, foi para outros contextos e outras realidades, devido claro, naquele momento em que muitas famílias saíram, digamos, dos territórios indígenas. Ou seja, em busca de uma possibilidade de uma vida melhor, ou outras formas, digamos, de vida. Então aqui, na cidade de Boa Vista, que a gente também chama de Maloca Grande. Por que? Porque é uma cidade, uma capital que está rodeada de várias comunidades. Então aqui, praticamente nós somos 60% da população indígena e nós estamos em trânsito o tempo todo. A minha comunidade é um pouco mais distante. Essa que eu estou trazendo para vocês, como ela é bem próxima da fronteira, acho que são 380 quilômetros para chegar até lá na capital. Então é o momento que os meus pais saem, eles vêm para o sul do estado e vem com eles todas as crianças. Todas aquelas crianças, entre elas eu. Eu lembro perfeitamente o dia que os meus pais saíram da comunidade e que minha mãe queria me deixar com a minha avó. Minha avó se chama Julieta, hoje está com 79 anos e ainda é moradora da comunidade. É uma vovozinha bastante guerreira também. E eu lembro perfeitamente quando os meus pais saem da comunidade. Eu lembro que a minha mãe queria me deixar com a minha avó e eu não quis. Já era uma criança, eu queria ficar com os meus pais. Então é o momento que eu saio da comunidade e a gente vai morar no sul do estado, em outro contexto, em outra realidade com os não indígenas. Principalmente a região que os meus pais se encontram, é uma região onde vivem bastante maranhenses, que na área de Roraima teve uma época que recebeu bastante nordestinos. Então Roraima é um estado que praticamente tem bastante nordestinos. E foi nessa, digamos, relação, que a gente passou a viver. Então estudando em município, já não mais na terra indígena. E lembro perfeitamente hoje, uma trajetória bastante importante também, que gostaria de registrar, futuramente, talvez, até escreva um livro. Uma escolinha que nós estudamos juntamente com filhos de outros colonos, que durante o dia era uma salinha de aula, um local, um espaço ali, uma casinha, e a noite virava a casinha dos bodes. Então a noite era a casinha dos bodes e durante o dia era a escolinha. Acho que tinha ali uns onze alunos, entre eles, indígenas, meus irmãos e também outras crianças filhas de colonos. E eu lembro perfeitamente também que no ano letivo, só dois alunos passaram. Era tanta dificuldade, o ensino era bastante, digamos, inacessível. Então a gente tinha um professor, sem estrutura praticamente ali. E eu lembro que no ano letivo tiveram duas aprovações, e foi eu e minha irmã, minha outra irmã. Então eu conto sempre essa história para os meus alunos, onde eu pude estudar e o quanto foi a dificuldade de conhecimento, e isso não me impediu de estudar nas melhores universidades do Brasil. Então eu estudei, fiz o meu mestrado em administração na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na PUC, em 2012 e agora eu vou acessar a Universidade de São Paulo. Então se você olhar para trás e ver um pouco da trajetória de como é a realidade das crianças indígenas e de muitas outras crianças não necessariamente indígenas, da dificuldade que a gente enfrentou, digamos, na nossa história acadêmica. A educação escolar indígena é bastante difícil, mas nada que seja impossível. Então eu trago toda essa história com bastante orgulho, sempre mostro isso para os meus alunos, que a gente pode alcançar sim, os nossos objetivos de vida, seja ele educacional, seja ele de qualquer âmbito daquilo que você almeja. E isso eu trago com muito orgulho na minha história, digamos assim, de estudo enquanto criança, enquanto juventude. Acho que agora, um pouco mais à frente eu vou poder relatar mais um pouco sobre isso.
P/1 – Eu quero voltar um pouco no tempo. Você chegou a comentar sobre a sua avó Julieta, e os avós, eles são assim, fonte de muito conhecimento. Eles trazem uma bagagem muito grande e pela idade da sua avó eu acho que ela deve ter contado muita história para vocês no tempo que você era criança. Se você pudesse falar um pouco sobre esse tempo de criança e trouxesse também a sua avó em algum momento, eu acho que seria bacana.
R – Retornar novamente à questão da temporariedade. Acho que o momento de criança é um momento, digamos, mais feliz que eu tive na minha vida. E os avós eles tiveram... tem né, minha avó especialmente, tem um papel muito... não só ela, Julieta, como também os avós por parte de mãe, porque a vovó Julieta é por parte do meu pai. E é muito bom você levar a memória de quando você era criança e o papel dos avós na formação da criança naquele momento, ali no dia a dia, de educar, de envolver a criança nas atividades de roça. Hoje no dia a dia das crianças indígenas, as crianças Macuxi são crianças que estão nas atividades, digamos, envolvidas, da comunidade. Atividades comunitárias, projeto de roça, do dia a dia. Então a criança tem sua atividade também. Além de estudar, de trabalhar também no dia a dia, está ali. O momento que a comunidade preza bastante ___________ vou falar, é o momento do trabalho comunitário, que eles chamam de trabalho coletivo, ou o ajuri. É o momento ali que tá os avós, que tá as crianças reunidas para fazer uma determinada atividade, por exemplo, se você vai querer um jovem ali que vai casar, que precisa fazer uma roça, eles chamam o ajuri, que é esse trabalho coletivo para as famílias ajudarem. Então cada pessoa leva uma contribuição, uma alimentação. As mulheres estão atribuídas a fazer o caxiri, que é nossa bebida tradicional. Tem o pajuaru também, que é uma bebida mais forte, digamos assim, mais fermentada e que foi proibida nas comunidades. Justamente porque ela é alcoólica e tem um alto teor, aí foi proibida nas comunidades da Raposa Serra do Sol, mas tem outras comunidades que ainda fazem. As mulheres têm essas atribuições de fazer o caxiri, de fazer farinha, de fazer beiju, a damurida também, que é um prato típico nosso, que pode ser de carne, de peixe que é bastante apimentada. Macuxi comem bastante pimenta, as crianças desde pequenininhas, ali dos três anos, já comem bastante pimenta, com beiju e o caxiri. Tô vendo até umas criancinhas aqui na minha frente. Então desde muito pequenos a gente tem essa, digamos, essa cultura, da gente tá envolvido nesse trabalho e também se alimentar das comidas dos adultos. Ter essa questão da comida típica, do caxiri, a criança também bebe do caxiri, não o caxiri forte, porque quando você deixa... nós temos um balde que se chama ___________, que se você coloca o caxiri dentro e deixa ele ali uma semana, ele fermenta e aí fica bem... o grau fica mais... com álcool também, mas... geralmente são esses ___________ e as crianças, elas não tomam dessa, elas tomam do que é mais... do que não é tão fermentado. Então é isso, as crianças... a minha trajetória enquanto criança foi isso, foi participar de todas essas atividades, de ter, digamos assim, muitos desafios. A criança Macuxi anda muito nas serras, a criança Macuxi gosta muito de tá com a natureza, de tomar banho nas cachoeiras, e é isso, está envolvida nos trabalhos da comunidade, de tá com a família, de tá com os avós e claro, os avós também tem esse papel fundamental na nossa formação.
P/1 – Você dizendo sobre essa fase, esse período de quando era criança, da infância, e eu fiquei muito curioso de saber sobre a juventude, os jovens. A gente sabe que muitas culturas indígenas não tem essas fases que vem do mundo Ocidental, criança, depois adolescente, depois adulto, em muitas culturas já pula essa fase da adolescência, mas eu acredito que tem esse momento da mocidade, esse momento assim, do meio, né? Criança, adulto. Eu gostaria que você comentasse como foi sua mocidade, se tem lazer, diversão? O que vocês faziam para se divertir também?
R - Olha, a minha adolescência foi de muito trabalho, claro que a gente tem também o nosso momento de lazer, de festividade, mas a minha adolescência foi de muito trabalho, trabalho pesado mesmo, digamos, para ajudar na construção da família, digamos assim. Então enquanto adolescente fui juquireira, não tenho vergonha de dizer isso. Juqueireira, não sei se vocês, na linguagem de vocês, aí de outras etnias, seriam aquela pessoa roçadeira. Hoje o roçador é geralmente aquele que usa, digamos, materiais, equipamentos elétricos, mas um juqueireiro... como o meu pai tem essa trajetória fora da comunidade, ele passa a trabalhar no município coletando castanha do Pará. Agora eles estão em uma região, onde é uma região de floresta, onde vivem os parentes Waiwai, mas na fronteira com o estado do Amazonas. Então é uma região que tem bastante castanha do Pará. Então moramos nessa região próximo dos parentes Waiwai, onde tem bastante castanha. Então ajudava o nosso pai, não só eu como minha irmã, meus outros irmãos, a coletar castanha para o nosso sustento ali de vida. Tirava também os produtos ali da castanha, o leite da castanha e ajudávamos também o nosso pai a derrubar o mato para fazer roçada, essas coisas. Então é onde entra essa parte da juqueiera, que você vai derrubar o mato. Claro, não degradando a natureza, mas claro, tirando ali aquele espaço que é para o nosso sustento. Então a visão que nós, povos indígenas, temos... geralmente a gente faz o roçado, faz uma roça ali, mas não que afete tanto. Claro que hoje a gente tem outros indígenas que tem a visão de querer usar a terra de modo mais econômico, digamos assim, mas naquela época a gente também... até hoje essa questão da sustentabilidade. Então a minha adolescência está muito ligada a isso, essa questão de trabalho mesmo, no dia a dia para o sustento da família.
P/1 – Você dizendo desse papel que você teve durante a sua adolescência, já assim, encaminhada para o trabalho e você também enquanto professora, agora com outro trabalho, me fez pensar também sobre a sua entrada na escola, lecionando agora em um novo formato de escola, na educação escolar indígena diferenciada. Eu gostaria que você contasse dessa experiência enquanto professora em sala de aula, com os seus alunos. Me fez pensar muito assim, você no seu primeiro dia, depois a sua trajetória agora, já consolidada enquanto professora.
R – Então, pós adolescência, quando eu entro um pouco na juventude, digamos, eu retorno para a cidade, que até então eu estava sob os cuidados dos meus pais, nesse mundo de trabalho. Retorno para a cidade e tenho aos dezessete anos um encontro com o meu avô, que é essa grande liderança que eu mencionei anteriormente, que é Jaci José de Souza, que é o avô da minha mãe e também o meu avô. Então eu tive um encontro com ele em 2003. Então, até então a trajetória era só de trabalho, não de luta, digamos assim. Então é um momento que eu entro no Movimento Indígena do estado de Roraima. Eu quero contar um pouco aqui dessa minha trajetória de luta, momento que a gente passa a... começa a trabalhar na organização Conselho Indígena de Roraima, com o apoio do Jaci José de Souza, que é o meu avô, que naquela época era o Coordenador Geral do Conselho Indígena. Uma liderança que articula com várias lideranças do mundo. Então poder acompanhá-lo naquela gestão, foi de muito aprendizado para mim o momento em que ele me deu a oportunidade para eu poder estudar também. Em 2003 o Movimento Indígena de Roraima discutia o ingresso da juventude, principalmente a preparação de formação de nós juventude, para atuar em diversas instituições, digamos assim. Então como até hoje ainda não é valorizado nas instituições essa participação indígena, devido a muitos preconceitos institucionais que a gente sofria e ainda sofre. “Então vamos formar a nossa juventude”. Então é o momento em que as lideranças estão discutindo ali a nível estadual e até nacional também, por meio da COIAB, que é a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, discutir essa formação da juventude indígena para a gente atuar em vários espaços. Hoje acho que já avançamos muito nisso. E eu venho disso. Então em uma reunião que teve, nós temos aí três reuniões ampliadas pelo Conselho Indígena de Roraima, eu lembro que foi enviada, aprovada o nome dos estudantes para ingressarem na universidade. Antigamente nós não tínhamos ainda o Instituto Insikiran, que é esse local que eu estou aqui hoje, na época tinha somente as faculdades particulares, era um momento também que estava se discutindo essas questões das realizações afirmativas, do direito de ingresso dos povos indígenas na universidade. Sendo que hoje o Insikiran é a universidade que eu vou falar um pouco mais à frente, é uma grande conquista, onde estudantes podem ingressar em diversas áreas de conhecimento, de formação, eu vou falar um pouco mais à frente, onde foi indicada nessa época da reunião do Conselho Indígena de Roraima para estudar na faculdade Cathedral, que é uma universidade particular no qual o Conselho Indígena e mais duas organizações indígenas, que foi, acho, as Organizações das Mulheres Indígenas, também que a gente tem aqui, a Omim e a Opixes, era uma parceria com a faculdade. Então nós fizemos vestibular, eu e outro indígena, Wapichana Mário Nicácio, hoje ele é vice-prefeito no município de Bonfim, muito orgulhosa dele também, pela trajetória que ele teve. E nós conseguimos ingressar, não era uma faculdade pública, era uma faculdade privada e eu lembro que só tinha uma bolsa. Então quem ficou com a bolsa de estudo, que era... acho que tinha que pagar, o curso era R$ 380,00 na época. Então ele ficou, acho que, na sexta posição no vestibular, eu fiquei, acho que, no vigésimo segundo. Então ele ficou com essa bolsa. Então eu falei: “Nossa e agora, como eu vou estudar?”. E aí eu ingressei em Administração, ele também, no curso de Administração. E eu falei: “Não, mas eu não vou desistir!”. E eu lembro que eu falei com o Doutor Aroldo, muita grata a pessoa dele também, vê se eu conseguia ali um desconto, porque naquela época nós não tínhamos bolsas, como nós temos hoje a Bolsa Permanência. Hoje o estudante pode acessar a Bolsa Permanência para poder ter uma manutenção aqui na Universidade Federal de Roraima, principalmente. E na época que nós estudamos não tinha bolsa. Então eu tive que trabalhar para poder me formar. E aí o Doutor Aroldo me deu 50% de desconto. E eu tive a oportunidade de trabalhar na biblioteca, também fui coordenadora de esportes nessa faculdade, praticamente até o finalzinho da minha formação. Bastante dificuldade, mas sempre fui aquela aluna que sentava lá na frente e dava toda atenção ao meu professor. Hoje a gente tem que valorizar muito os professores. E hoje, infelizmente, a gente vê que nem todos tem essa valorização, digamos assim. Então sempre valorizei, com muito esforço consegui, em quatro anos, no tempo que era para você se formar, que a Universidade dá, consegui me formar juntamente com os meus outros colegas indígenas também, e conseguimos nos formar. Então essa foi a minha trajetória, todo o apoio do Conselho Indígena. Porque eu trabalhava no Conselho Indígena, trabalhava na Faculdade Cathedral também. Eu lembro que eu era tão magrinha naquela época e sempre conto para os meus alunos também que eu conseguia passar entre aquela grade que tem da escola, que você fala, que geralmente o aluno quando ele vai gazetar, ele pula o muro. E na época eu lembro que eu era tão magra que eu passava entre aqueles caninhos, lá da escola, quando às vezes eu chegava atrasada. E foi bastante, assim, de superação mesmo. Acho que os colegas que acompanharam essa trajetória, que conseguem visualizar o que nós vivemos. Mas claro né, todas as dificuldades existem justamente para a gente contar e servir de exemplo para outras pessoas, para outros jovens que vem atrás de nós, digamos assim. Então foi com bastante desafios, mas muitos momentos também de gratidão, momento em que... Na cidade é um desafio para os estudantes indígenas, porque aí você precisa ter uma casa, precisa ter transporte, alimentação e isso é um desafio até hoje, digamos assim. Por mais que ainda tenha bolsa, ainda é um desafio, porque a localidade... é onde os estudantes moram também, é longe. Então eu acho que foi de superação, digamos assim, essa fase. Uma coisa que eu nunca esqueço é quando eu voltava para a minha casa de bicicleta, às onze da noite e às vezes estava chovendo e o ônibus passava e jogava lama em mim. Mas foram momentos de resistência, de superação, até hoje isso está na minha memória. E isso não fez com que eu desistisse dos meus objetivos. Então agradeço o Conselho Indígena de Roraima mais uma vez, todas as lideranças daquela época, principalmente os mais velhos, que tem esse papel fundamental de tá nos orientando. Porque é isso que eles querem ver, eles não querem... esses espaços que foram de luta, de conquistas para nós, devem ser valorizados e mantidos. Até hoje a gente coloca isso, vamos valorizar aquilo que foi conquistado para que a gente possa ter os nossos espaços hoje. Então foi isso. Então foi firmar um compromisso de estudar com o Movimento Indígena, ao mesmo tempo que eu estudo, eu também estou em diversos movimentos, muito mais forte pela conquista da nossa terra, da Raposa Serra do Sol. Até então, em 98 a gente tinha demarcação e nós lutávamos, brigávamos pela homologação dessa terra indígena. Até porque estava tendo muitos invasores ainda, na reserva indígena Raposa Serra do Sol. As nossas terras, geralmente, são muito produtivas. Então geralmente os invasores estão ali levando o agronegócio, o desmatamento em vários locais a mineração mesmo, agora voltou muito forte, né. Então a gente lutava para que a gente pudesse ter esse reconhecimento da nossa terra indígena Raposa Serra do Sol. Então eu estava na mobilização, estava nos movimentos de retomada, não só com os povos indígenas, mas também com toda uma sociedade, naquela época que ajudava. Então a luta pela terra Raposa Serra do Sol, ela não foi uma luta, digamos, individual, ela foi uma luta coletiva que teve muita colaboração, inclusive de não indígenas. Então a gente tem que reconhecer isso, dos movimentos das pessoas também da cidade, dos negros, das mulheres camponesas. Na época tinha o Movimento Nós Existimos, que ainda hoje existe. Então no mesmo tempo que eu estou estudando, eu também estou, digamos, na mobilização pelo reconhecimento da nossa terra indígena. Então a minha trajetória de luta começa aí. Então no movimento com as lideranças, indo para as manifestações, indo para as estradas. Então a juventude hoje ainda tem papel bastante importante, digamos que agora muito mais forte. Só em 2008, quando foi feito um levantamento pelo CIR, pelo Conselho Indígena de Roraima, a população da Terra Indígena Raposa Serra do Sol representava... mais de 60% eram jovens. Então era uma preocupação: "O que a gente vai fazer? Daqui a dez anos você vai ter pessoas ali, o que eles vão estar fazendo?”. Então acho que aí que entra esse papel, digamos assim, fundamental da formação da Universidade. Então é isso, acho que a trajetória ela perpassa, tá em conjunto a partir daí com o movimento indígena, pela conquista dos nossos territórios indígenas. Então primeiro compromisso desde de lá, de luta. O que foi bastante difícil depois para poder, digamos agora, já enquanto professora na Universidade Federal de Roraima, enquanto indígena, nesses espaços institucionais, que nós estamos, é bastante difícil. Então, digamos, você assim, cumprir esse compromisso. Então quando a gente fala assim: “Resistir para existir, desistir jamais!”. Acho que essa frase, principalmente nesse governo do Bolsonaro, foi bastante desafiadora para mim, foi bastante desafiador para mim. Sofri muito e reforço, renovo meu compromisso de continuar na luta pelos nossos direitos. Então pós formação, após eu afirmar esse compromisso, digamos, de luta, eu volto para a comunidade novamente, para a região do Surumu. Foi uma região que me apoiou muito nos meus estudos também. Volto para firmar meu compromisso de trabalhar para as comunidades indígenas e onde eu fui atuar no Centro de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, que é um centro que forma povos indígenas do estado de Roraima para essa parte técnica. Então na parte da agricultura, na parte de projetos, é uma escola de ensino médio, digamos assim, profissionalizante. Então quando eu me formo, eu retorno para lá, para trabalhar onde as lideranças me indicam para ser secretária, mas na verdade acabei não sendo secretária, acabei sendo professora. Porque era bastante, digamos assim, não tinha professores. Então eu assumi a parte de gestão ambiental ali, de fazer trabalhos práticos com os alunos, no dia a dia da escola. E aí eu fiquei quatro meses nessa escola, é uma escola que é regida pelas comunidades indígenas. Por que eu saí da escola? Porque no dia 28, 29 de março de 2008, explodiu o conflito, momento em que saíram os arrozeiros da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Na verdade, acho que teve uma ação do STF para tirá-los, porque a homologação ocorreu em 2005 e em 2008 é que eu retorno para o Surumu, e é o momento que, digamos assim, explode o conflito na região do Surumu, onde estava o maior rizicultor, invasor do agronegócio na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, na região do Surumu. Faturavam por ali mais de quatro milhões de reais dentro do nosso território indígena, na produção de arroz e que diziam muito que contribuíam para estarem, na verdade nem sequer pagavam imposto para o estado de Roraima. Então, a minha trajetória mais uma vez se cruza com a luta ali… muito, digamos assim, de conflito mesmo. Porque era um momento que eu vivenciei. Senti na pele como é que era, esses conflitos, como é que digamos, dos não-indígenas, conosco, os povos indígenas. Então vivenciei, pedi para sair da escola e acompanhar o movimento ali na comunidade do Barro. E passei a trabalhar com a gestão de projetos de sustentabilidade, que é o projeto de roça e também escrever. Sendo que a gente, na época, encaminhou um projeto de sustentabilidade, para fazer, acho que fazer encanamento de água, alguma coisa assim, para molhar ali as plantações, para o PDPI, que era o projeto que existia, de 116 mil. E aí eu não fiquei para a execução desse projeto na época, porque aí eu passei no meu mestrado, na Pontifícia da cidade de São Paulo, na época em que eu estava na comunidade do Surumu. Então a minha dissertação do mestrado é justamente sobre isso, onde eu conto a história desses conflitos socioambientais na região do Surumu, Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Lá, quem quiser visitar pode conferir as imagens, a degradação ambiental, os conflitos culturais com os povos indígenas, os impactos na economia dos povos indígenas. Sobre isso que eu descrevi na minha dissertação de mestrado, e também falo desse conflito, praticamente que teve, dos não-indígenas contra nós os povos indígenas. Eu estava lá nessa época, foi a partir daí que surgiu esse tema para eu poder apresentar, digamos, um projeto na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no curso de Administração. Bastante desafiador, agradeço ao Tuxaua, coordenador atualmente da região do Surumu. Senhor Valter Level, que naquela época, eu trabalhava, voluntário mesmo. Falei sempre para os meus alunos: ‘‘A gente sempre tem que começar de baixo, na nossa base, e que um dia você vai alcançar seus objetivos’’. Então eu trabalhava como voluntário, e tive todo o apoio das minhas lideranças, da região do Surumu, para que eu pudesse ingressar mais uma vez nas universidades. Então sem eles… são, e foram, a minha base, eu não teria todo o histórico hoje de luta, essa… digamos, esse lattes, que os não-indígenas valorizam tanto, que é o papel. Hoje você vai concorrer a um concurso público, você vai fazer uma seletiva para SESAI [Secretaria Especial de Saúde Indígena], você vai fazer uma seletiva para educação, ainda é o regimento de não-indígenas. Não existe ali cotas para indígenas, não existe. Você vai concorrer, o que vale é o seu conhecimento, e seus títulos, que é o papel. Então agradeço todos os títulos hoje, eu agradeço as minhas lideranças, é para eles, essa luta, ela é coletiva. Eu não estou aqui, Sarlene, para dizer assim: ‘‘Olha, eu sou uma pessoa que eu consegui vencer sozinha’’. A minha trajetória não é individual, a minha trajetória é coletiva. Todos os títulos hoje que eu tenho, todo lattes hoje que você entra lá e consegue ver, é em homenagem as minhas lideranças dessa trajetória, que ela veio da base. Então muita gente não conhece isso, e eu digo mesmo. ‘‘Ah, mas a professora Sarlene só fala das lideranças, nossa ela só sabe falar disso’’. Claro, porque esse foi o meu fundamento de luta e de formação, para eu poder chegar onde estou hoje. Então, é a eles que eu… em especial, seu Valter, Irmã Lecilda, é muita gente que eu não vou conseguir citar todos aqui. Porque se eu for citar tantos nomes, posso ser injusta com alguém que fica de fora. Mas o seu Valter, e também o Tuxaua Dionisio, da região do Surumu também, são pessoas que eu sou muito grata. Então naquela época eu trabalhava como voluntário. Hoje ninguém quer trabalhar como voluntário. ‘‘Nossa, mas eu estudei, me preparei, eu não vou vender meu trabalho de graça’’. Mas para nós, o nosso conceito dos povos indígenas é completamente diferente, mas também depende desse compromisso de objetivo que você tem de vida. E o meu é marcado nesse sentido. Então, nós estávamos numa assembleia regional do Surumu. As assembleias acontecem anualmente nas regiões, para que aconteçam as assembleias estaduais aqui em Roraima. As assembleias envolvem mais de quatro mil lideranças. E eu lembro perfeitamente que uma pessoa, em memória da senhora Silvia Rosemberg, chegou nessa reunião, na região do Surumu, apresentando o projeto da Fundação Ford Foundation - não posso deixar de agradecer, de citar aqui - onde estava selecionando indígena e não-indígena, pessoas que eram vulneráveis socioeconomicamente, digamos assim. E eu tinha todo o critério que eles estavam procurando, digamos assim, o perfil. Pessoa que já tinha se formado, e que iria, ali, pleitear uma bolsa para estudar com tudo pago, mais uma vez, novamente. Tudo pago. E eu lembro que eu me inscrevi, fiz juntada aí, de mais de vinte documentos para concorrer a bolsa da Fundação Ford. Então, eu estava falando dessa eletiva para concorrer a bolsa, para estudar a pós-graduação pela Fundação Ford Foundation, e onde eu consegui. Eu estava no momento na comunidade do Surumu, já atuando, como eu falei, voluntariamente na parte de projeto. E foi com muita alegria que eu recebi esse resultado, fiquei entre 75 semifinalistas, depois a gente teve que ir para São Paulo, para ir para a etapa final, digamos assim. Agora, imagina você concorrer. Eu tinha escrito o meu projeto justamente falando desses conflitos socioambientais na região do Surumu, dessa situação que eu estava vivenciando, e o meu projeto foi um dos escolhidos. E posteriormente do resultado final, começamos esse trabalho, digamos, de agora concorrer a ingressar nas universidades do Brasil. Então eu concorri aí pra USP, não passei. Concorri para a UNB, não deu certo também. Justamente os fusos horários, que a gente, às vezes, não está atento aos fusos horários, perdi a seleção. E depois eu fui para São Paulo, a gente teve um preparatório ali na USP, recebido ali pela antropóloga Lucia Helena Rangel, não posso deixar de citá-la aqui também, uma pessoa… um nome com tal importância para nós, que nos acolheu. Nós tivemos, não foi só eu enquanto indígena, tivemos outros indígenas do Brasil inteiro que concorreram a bolsa da Fundação Ford, e fomos estudar na Pontifícia, na PUC, em São Paulo. E aí tivemos toda fama com o recurso já da bolsa, o momento em que fomos acolhidos, e cito a professora Lucia Helena Rangel que nos acolheu enquanto professora das Ciências Sociais. E reforçar, dizer que as universidades, infelizmente, ainda são muito fechadas, essa é a palavra que eu vou falar muito, são universidades muito elitizadas. Porque a primeira coisa que vai pedir para o ingressante é a língua inglesa, se você não tem ali o exame do TOEFL, hoje que fala o exame do TOEFL, de proficiência. Dificilmente um indígena ele vai conseguir, se não tiver uma preparação. Então… ou uma prova ali de inglês, onde te dão uma folha para você traduzir. Então uma crítica que eu sempre faço. Nós, indígenas, já temos a língua portuguesa, que já é uma língua imposta, de colonização dos portugueses, e agora nós somos obrigados a mais uma terceira língua. Ou seja, então não deveria se considerar isso. E quem está preparado para estudar, digamos, a língua inglesa? Então, a palavra na verdade é: excludente. As universidades são excludentes. Então se não tivesse essa questão das ações afirmativas, onde… não que a gente seja incapaz, nós não somos incapazes, nunca fomos. Mas isso está muito ligado à questão socioeconômica. Hoje um curso, para você fazer um curso de inglês, acho que deve estar trezentos, quatrocentos reais. E quem tem baixa renda não vai conseguir fazer um curso, ou fazer um intercâmbio, para você concorrer de igual para igual com um não-indígena. Digamos que está preparado ali, que estuda, se prepara o ano inteiro. Então essa questão de acessar a universidade ainda é um desafio para muitos de nós indígenas. Então, justamente por causa… que a primeira coisa que se coloca lá é um impasse. ‘‘Poxa, mas se eu não tenho, e como é que eu vou acessar isso?’’. Então deve haver nas universidades essa preparação. Mas, enfim, todos esses desafios foram vencidos. Consegui entrar no mestrado de Ciências Sociais, e consegui entrar também na Administração. Os cursos de Administração, Direito, Economia e Contabilidade, são um dos cursos, digamos assim, menos acessíveis às pessoas de baixa renda. Geralmente nós estamos nas Ciências Sociais, estamos na História, na Antropologia, nós não estamos nessas outras áreas, principalmente no mestrado e no doutorado. Então, quando eu passei em Ciência Sociais e Administração, eu optei pela Administração, que já é minha linha de formação, e quis muito ficar ali. Lembro perfeitamente hoje, quando eu ingressei, um professor olhou para mim e disse assim: ‘‘O que você está fazendo na minha disciplina? O que você está fazendo?’’. Eu lembro que tinha disciplinas obrigatórias e tinha disciplinas optativas, e geralmente fecham muito rápido as disciplinas obrigatórias, e eu não consegui pegar a obrigatória, e eu fui para uma disciplina que se chama Gestão de Negócios Internacionais, que foi onde o professor me perguntou o que eu estava fazendo enquanto indígena na disciplina dele. Muito interessante isso, nunca esqueci. Depois desse professor Delmira João - hoje um grande amigo -, ele veio aqui avaliar um curso, aqui em Roraima, de Administração, eu falei: ‘‘Professor, você sabia que eu fiz um concurso na Universidade Estadual de Roraima e fui lecionar Comércio Exterior lá? E se não fosse pela sua disciplina eu não ia ter esse conhecimento, digamos assim, know-how para lecionar essa disciplina’’. E eu conto para ele hoje. Muito interessante você trazer essa, digamos, a magnitude de conhecimentos e diversos espaços que nós estamos atuando enquanto indígenas. Então você fica admirado. Então, indígenas lecionando em universidades, comércio exterior, lembro perfeitamente, teoria aduaneira para não-indígenas. Então foi a primeira vez que eu ingressei no concurso público, antes de ingressar aqui no curso de gestor e saúde coletiva indígena. Mas antes disso, do meu retorno, que é o momento que eu vou trazer agora a resposta, que eu vou falar como é que deu essa entrada na universidade, aqui no Instituto Insikiran. Então, primeiramente, eu entrei lá na faculdade de Administração, do estado, na Universidade Estadual de Roraima, que aqui é a universidade federal. Então antes de vir para cá, eu lecionei lá. E tive bastante conhecimento. E agora, nesse segundo momento, que eu retorno para São Paulo, com certeza, eu quero aproveitar muito mais conhecimento. Principalmente outros lugares, como a Universidade São Paulo, que tem um amplo conhecimento, debate questões a nível internacional. E é importante que a voz da Amazônia, das questões indígenas, seja discutida nesses espaços, justamente para que se mude esse modelo de ver a economia, de ver a Amazônia somente com um olhar de lucro. Então é preciso desenvolvimento, sim. Mas desde que seja pensado pelas comunidades, e ele seja sustentável, isso a gente sempre falou, e é importante levar. A gente está no meio acadêmico, no meio dos intelectuais, dos profissionais, da ciência, trazendo esse debate e discussão. Hoje já avançamos bastante, já tem bastante indígenas em diversos espaços e contextos, acho isso, é fato. E pude aproveitar bastante, tive disciplinas nas Ciências Ambientais, na PROCAM. Na própria USP mesmo, no doutorado, acho que em três disciplinas, fui estudar como aluna especial, onde pude também conhecer os professores, dialogar com a sociedade ali, outros acadêmicos. E realmente, mais uma vez, as universidades são excludentes, porque a única pessoa, digamos assim, diferente ali, daquelas turmas, era eu. Não tinha um negro, gente, não tinha um indígena, no doutorado, no mestrado, na USP. O único negro que eu consegui ver na Universidade de São Paulo, sempre falo isso também, era um intercambista, que ele era de outro país e estava estudando Relações Internacionais lá. Mas indígena, negro, eu não vi nenhum. Se eu vi, eram, digamos, zeladores. Isso no espaço acadêmico da USP. Então, ingressar nesta universidade também é demarcar espaço, demarcar a nossa voz da Amazônia nesses espaços acadêmicos. Então, trago essa reflexão, e que outros jovens também possam estar nesses espaços. Nesses espaços, eu pude aproveitar bastante, inclusive agora quando ingresso nesse… nesse doutorado dessa universidade, eles me perguntam: “Como foi que você conseguiu estudar na USP?”. Então, também depende daquilo que você está buscando. A gente não pode ficar parado só no contexto, vai buscar outros conhecimentos para justamente você debater com a sociedade. E, após a formação, ainda fico mais um ano em São Paulo, justamente tentando o doutorado, mas aí os recursos das bolsas acabam, aí eu passo a trabalhar na universidade, acho que trabalhei seis meses na PUC, como… na parte de especialização, na parte administrativa. E depois meu contrato venceu. Foi quando também eu recebo o convite, em memória do Doutor Marco Antônio Braga, um grande apoiador nosso aqui, dos povos indígenas de Roraima, que se foi pela Covid-19, infelizmente. E ele falou: “Sarlene, volta que aqui no Insikiran, abriu a vaga para a gestão”. Que é essa grande área que eu atuo, área da Gestão de Saúde Coletiva Indígena. É, mas é, com foco na formação de gestores indígenas. São grandes três áreas que eu atuo: política, planejamento e gestão de saúde, economia e financiamento. Então todas essas questões das políticas públicas, planejamento, gestão, monitoramento, gestão participativa, e controle social, formação de gestores para atuar em contexto intercultural, é… medicina tradicional indígena. Então todas, eu faço diálogo com todo o sistema. Então olha, praticamente a minha formação vai de encontro com… com essa vaga que tinha aqui. Então é uma preparação, às vezes a oportunidade. Então todo esse know-how que eu tive, eu vim fazer o… sendo que quando eu fiz o concurso, ninguém concorreu comigo, que era difícil. É… não entrei por cota aqui, que às vezes as pessoas perguntam: “Você é…” Não, eu falei: “Eu fiz um concurso como todos os outros, apresentei meu projeto, apresentei é… a… o meu intuito de trabalho”. O qual a gente trabalha pesquisa, extensão, ensino. Nós não trabalhamos só em sala de aula, trabalhamos projetos, no qual… inclusive, projeto de extensão em parceria com o Distrito Leste Sanitário Yanomami. Ganhamos o quinto prêmio de saúde pública, David Capistrano, em defesa do SUS, trabalho voluntário aqui da universidade, curso da saúde. Então, vários frutos. Então nós ganhamos esse prêmio, e… é o momento em que… eu retorno, daí ingresso e desenvolvo várias atividades de… de extensão, e também trabalhamos a parte de pesquisa. Mas claro que a gente não consegue trabalhar todas essas temáticas ao mesmo tempo, são várias atividades. Hoje também atuo… hoje estou como Coordenadora do curso de extensão de coletivo indígena. Também estive como Coordenadora Administrativa, faço parte dos conselhos universitários, são muitas atividades que nós temos aqui na Universidade Federal de Roraima, do Cepita todos esses conselhos internos e atividades também, é… é, digamos, do dia a dia de gestão administrativas, de comissões. Todas essas partes burocráticas da universidade. Então, como eu falei, a preparação, às vezes, a oportunidade. Hoje a gente trás para esse cenário, nossa tantos indígenas, que bom, assumiram esses espaços constitucionais de gestão, mas é importante a gente ver realmente como são os caminhos burocráticos da legislação, de como é que o sistema de gestão de… principalmente de uma Universidade Federal, de uma Instituição Federal, funciona. Porque às vezes a gente quer as coisas para ontem, e tem todo o fluxo de gestão, digamos assim, todos os pareceres, todos… então, é a área que eu atuo hoje é tudo isso. Então, além de também ser conselheira nacional de saúde. E porquê saúde? Se você me perguntar, desde que eu participava das reuniões, das assembleias, dos movimentos, das viagens, o tema que sempre me chamou atenção foi essa questão das crises da saúde indígena. Gente, mas a gente sempre tenta entender porque tanto recurso 1,4 bi… bilhões na saúde indígena, até hoje eu sou uma crítica disso. O que acontece? Será que o problema é de gestão? É de política? O que está acontecendo? É corrupção? Então, quando eu trago lá na minha monografia, quando eu me formei em Administração, eu trabalho esse tema, Gestão da Saúde Indígena no Brasil. Porquê das crises na saúde indígena, Queria entender isso. Então, como eu tive bastante essa… essa indagação, então fui estudar. Então, hoje conheço o histórico, conhecer as burocracias da saúde indígena no Brasil. Hoje eu tenho um pouco, digamos, mais claro do que é. Então, esse tema, digamos, é o que eu trabalho hoje, políticas públicas em saúde, e também essas outras áreas de demandas administrativas, gestão escolar, mas… mais aproximada, digamos, com essa pauta da saúde indígena e da saúde pública no Brasil, e também agora no mundo. Compreender tudo isso e como a gente pode melhorar, digamos assim, e aí paralelamente na formação de gestores em saúde coletiva indígena aqui da Universidade Federal de Roraima. Aqui nós somos… o curso foi criado em 2013, é o menor curso que tem na Universidade Federal de Roraima, com menor número de professores. Iniciamos com seis professores, hoje somos oito. E isso, não… não foi limitador para que a gente não recebesse a nota máxima pelo MEC. Hoje o nosso curso é avaliado com nota máxima, mesmo tendo o menor número de professores da universidade. Gente, muito orgulho de dizer isso, e na formação de povos indígenas. E também, não posso esquecer que o curso tem duas vagas de ações afirmativas para não indígenas, que justamente são profissionais que trabalham na saúde indígena nos hospitais ou nos distritos, e podem também ingressar, estudar esse curso conosco aqui. Então, já temos 77 egressos, e queremos levar a pauta do fórum dos condizes na SESAI, para que ele seja já contratado, a nível de Brasil, nossos gestores aqui mesmo em Roraima, para atuar na área de gestão e gerência de saúde. Então, aqui em Roraima, pioneira mais uma vez na formação de Gestores de Saúde Coletiva Indígena, onde o Instituto Insikiran de formação superior indígena, tem essa área de formação. E também, aqui temos a licenciatura intercultural e a gestão territorial indígena, que é justamente para formar gestores para atuarem nessa parte de desenvolvimento de territórios indígenas. E por último, esse da saúde, o qual eu estou hoje, coordenando esse curso. Então, está… mais uma vez essa trajetória de vida, de luta e de profissionalismo, ele se dá conversas, justamente com esse espaço, digamos, essa oportunidade que eu tive, enquanto jovem no movimento indígena. Mais uma vez, agradeço as minhas lideranças que sempre me apoiaram, me apoiam até hoje, para que eu hoje possa estar onde eu estou. Então, é com muita gratidão, é com muita perseverança que continuamos, lado a lado com nossas organizações indígenas. E outra, o Instituto Insikiran também vende essas pautas, de formação dos povos indígenas. É um espaço nosso, dos povos indígenas, nessas três horas de formação dentro de uma Universidade Federal de Roraima, da Universidade Federal, acho que é a primeira no Brasil, na formação de povos indígenas, é uma grande conquista para nós, como Roraima sempre… é… lutando pelos diversos espaços. Então, também temos o PSI, acho que eu fiquei de mencionar isso anteriormente, Processo Seletivo Indígena, onde são ofertados diversos cursos aqui da Universidade Federal de Roraima, curso de Medicina, Direito, Economia, duas vagas, três vagas, duas ou três ou quatro, não sei se aumentou, para povos indígenas. Então, aqui você anualmente concorre, pode acessar qualquer curso, desde que você estude, passe pelo Processo Seletivo Indígena. Mas é uma grande conquista que nós temos aqui no estado de Roraima, não sei se em outra universidade tem. Mas além da… aqui do Insikiran nós temos esse PSI, que é a… essa oportunidade que os jovens têm de ingressar na Universidade Federal de Roraima. A gente sempre fala: Vamos valorizar aquilo que foi luta de nossas lideranças, porque nada, nada foi dado de graça pelo governo, nada foi… isso tudo foi de lutas lá atrás, desde quando… cito aqui o grito de guerra em 1976, onde as comunidades decidiram trabalhar esses três eixos: terra, território e saúde. Então, isso… nessa luta pela demarcação, reconhecimento da terra, esses três eixos, eles são, digamos assim, sustentáculo do movimento indígena. Então, hoje a gente tem esses espaços na universidade, da luta de muitas lideranças que já morreram. Que na época, nem se quer transporte tinham, andavam duas, três semanas a pé, para chegar em uma reunião. Para tomar decisões importantes, para que hoje a gente tenha esse espaço.
P/1 - Olha, já abri até um parêntese aqui, entre parente, para parabenizar vocês, eu acho que é o modelo, assim, de que vocês estão construindo para todas as outras regiões. Quem sabe uma outra hora a gente bate um papo desse, eu quero muito conhecer a realidade de vocês, o contexto de vocês. Mas falando em saúde, aqui uma das nossas perguntas, nosso roteiro, é relacionada à saúde, a luta pela vida. Nós estamos ainda em uma pandemia, e eu gostaria de ouvir de você, como vocês enfrentaram? Você anteriormente citou até um professor, que foi… você teve uma… ele foi vítima da Covid, e gostaria que você falasse desses impactos. Você trouxe a luta pelo território e a luta pela vida. E você, como uma gestora de saúde, gostaria que você falasse desses impactos do Coronavírus, das perdas, dos enfrentamentos do início até o momento.
R - Então, já estava esquecendo a minha trajetória enquanto conselheira distrital. Fui conselheira distrital pelo meu distrito aqui, Distrito Sanitário Especial do Leste de Roraima. Aqui pela Insikiran nós temos assento lá, estava como suplente e depois participei também do… enquanto Conselheira Suplente do Conselho Distrital Yanomami, que nós temos dois distritos aqui em Roraima, Yanomami e o Leste. Então… pelo Yanomami, eu fui pela minha organização, então fiquei suplente também, e depois essa minha organização UCI, porque mesmo que eu esteja vinculada a uma universidade, eu ainda tenho compromisso com a minha organização, que é essa de luta. Me indicou para ser conselheira estadual de saúde. Acho que eu fiquei quatro anos, são dois anos cada mandato aqui no meu estado, tentando… o Conselho Indígena de Roraima, que é essa nossa organização, é a única organização que tem esse espaço que representa os Povos Indígenas na cadeira do Estado, digamos assim, o conselho do Estado. E posteriormente, fui convidada pela COIAB [Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira], que ela… essa nossa organização, também a nível da Amazônia, para ser Conselheira Nacional de Saúde. No qual… fiquei em um mandato de 2018, um ano enquanto conselheira titular, tive bastante aprendizado, muitas lutas, muitos desafios. Porque as coisas realmente são… não são fáceis à nível nacional, à nível da Amazônia. E foi onde eu pude, digamos assim, me inteirar um pouco mais sobre essas questões políticas, as questões de articulação, de realmente como é que funciona essa gestão na Saúde Indígena, porque eu tive oportunidade de circular em vários espaços, digamos assim, da Cesário, Ministério da saúde. E pude compreender um pouco, digamos assim, dessa… de como é que funciona essa gestão. Fiquei durante o mandato, agora estou como suplente, participo na ausência do meu titular em algumas reuniões, trazendo bastante, digamos, incidências, cobrando principalmente o governo das ações para ser executada nas nossas comunidades, nas nossas bases. E, 2020, é o momento que a pandemia chega e pega o SUS, digamos assim, despreparado, não só o nosso ___________ , que é o nosso subsistema, mas o SUS no geral. Os municípios ____________, profissionais, ninguém estava preparado para uma pandemia, e é onde apareceu diversas, digamos, percalços, digamos assim, a dificuldade que o SUS tem que a gente pode refletir o que a gente pode melhorar, tanto no âmbito da Saúde Indígena, quanto a nível de… município, de estado, atenção primária, terciária ou média, alta complexidade. Porque o SUS é para todos nós, os povos, sociedade brasileira e do mundo. Porque o SUS é universal, integral. E, nesse momento, acho que… da pandemia que Roraima, principalmente… fomos pegos de surpresa. No início, infelizmente, teve muitos óbitos. Posso falar, que como é que foi papel dos conselheiros, na verdade, foi de muito medo, porque acho que se teve alguma ação de conselho, foi do Conselho Municipal de Saúde. Então as comunidades… algumas comunidades, vinculadas a nossa organização, fizeram barreiras… barreiras para que não entrassem não-indígena nas comunidades indígenas. E muitas, infelizmente, foram resistentes a isso, mas que é raridade também, porque nem todo mundo está consciente. Então, isso foi bastante visível, não só na sociedade indígena, mas na não-indígena também, dessa falta de consciência, de você guardar, principalmente aquele momento… de restrição que teve, que ninguém tá acostumado com essas coisas de viver isolado. Principalmente as comunidades que vivem uma vida coletiva, digamos, comunitária. Então acaba sendo desafiador, não teve jeito… o vírus chegou nas comunidades, ceifando várias vidas, várias lideranças, vários vovós, ancestrais, conhecimentos, muitas das nossas bibliotecas vivas se foram com essa pandemia. E os gestores fizeram, com certeza, tudo o que podiam fazer, os profissionais que estavam na linha de frente também. O qual, eu parabenizo, os profissionais de saúde, não só da saúde geni comum, de todo o SUS, que tiveram na linha de frente, que muitos, inclusive, perderam a vida. Então, o papel da medicina tradicional foi muito importante, foi de fundamental importância, para que… o que aconteceu nas comunidades. Havia muitas remoções desses casos que, às vezes, era uma coisa simples talvez, que enviavam para os hospitais, e ali, o parente acabava, na verdade, se contaminando e indo a óbito. E aí que começou a trabalhar a medicina tradicional, nosso conhecimento tradicional, chá de erva, vários medicamentos foram feitos, xarope. As mulheres passaram a fazer, trabalhar nas regiões e distribuir para os membros da comunidade. E aí passa… de enviar os pacientes, porque, assim, as pessoas, na verdade, ficaram com medo, porque a maioria das pessoas que estavam indo para os hospitais estavam indo a óbito. Então passamos a valorizar a nossa medicina tradicional, eu acho que com isso dá uma desacelerada, digamos assim, então a gente passa a se tratar com medicina tradicional indígena, uma coisa que a gente conseguiu observar nessa gestão da pandemia, a nível de Secretária Especial da Saúde ____________ é que, a saúde indígena é desigual, tá bom. Inclusive esse é o tema do meu doutorado, da minha tese de doutorado. O que nós conseguimos? Nós, indígenas que vivemos em diversos contextos, não só na cidade, porque você viu como é toda a minha trajetória. Hoje eu sou professora em uma Universidade Federal de Roraima, mas não deixei de ser indígena. Estava conselheira na época, não tive acesso a vacina, acompanhamento, a nada. Porque o nosso… a nossa Lei Arouca 8986 é uma lei excludente, ou seja, ela é… ela está destinada apenas para fazer a gestão da saúde indígena a nível de comunidade. Entendemos, legislação é legislação, então recentemente tivemos, a Sexta Conferência Nacional da Saúde Indígena, onde, infelizmente, não foram discutidas as propostas referentes a questão da pandemia, que eram propostas de 2018, devido… diversos desafios, a conferência não foi realizada e ela veio realizar agora em 2022, ano passado, e que discutimos apenas as propostas que vieram de 2018. Sendo que, essa demanda da pandemia foi bastante importante para ser discutida, principalmente, e agora que nós podemos… já que estamos discutindo uma atualização da PNAISP, é o momento de alterar a legislação. Então, se a saúde indígena está excludente, é preciso que o SUS… ele é geral, ele é para todos. Então, porque a Sarlene, enquanto indígena, eu não tenho direito… acesso à vacina? Então a gente precisa, e a resistência… por parte, principalmente, de muitos indígenas, a resistência por não compreender: ‘‘Não. Vai. Vai tirar primeiro essa comunidade’’. ‘‘Não, não vai’’. Porque isso depende da gestão. E aí nós fizemos uma mansão, justamente para isso, para que em tempo de pandemia, os povos… nós povos indígenas, não só da cidade, mas quem vive de diversos contexto, possam ter dignidade da vida, como você bem colocou. A vida… a vida é muito mais importante do que qualquer sistema. Hoje, o sistema tá fechado, sistema nosso da saúde indígena. O que são os Povos Indígenas conforme a Constituição Federal? Será __________. Nós… quem está na comunidade? Não né. Então hoje nós estamos em diversos contextos, espaços, e não podemos continuar sendo invisibilizados. Então é preciso alterar a lei, então vamos alterar a lei, vamos atualizar a política. Foi aprovada uma mansão com 60%, só para você ter ideia, de 100%, 60% aprovou essa mansão para que a SESAI, em tempo de pandemia - acho que vou até fazer um vídeo sobre isso, ainda não parei para fazer um vídeo - e que nós vamos cobrar que ela esteja nessa PNAISP. Não é em toda a sua integralidade, porque essa é uma questão a ser debatida, à nível nacional. Mas em tempo de pandemia, é necessário que a SESAI atenda os povos indígenas, e diga “sim” à vida. Porque, de mortalidade, o tanto de parente que nós perdemos, não só do contexto urbano. Manaus, acho que vocês puderam acompanhar, foi uma mortalidade de muitos indígenas, foram a óbito, sem sequer serem reconhecidos enquanto indígenas. Então, a gente, acho que… na saúde indígena, como foi gerido tudo isso, você consegue ter um panorama, digamos assim, do que precisa ser melhorado. E a parte de melhorar, também, alta dimensionalidade, está muito ligada à questão de orçamento, de recursos. De quando que vai ser planejado, não só disponibilizar, mas também, fazer um planejamento e executar. Porque o que nós não queremos ver é ter recursos sobrando enquanto que o poço da nossa comunidade está caindo aos pedaços. Então, essa é uma reflexão que eu trago, para nós, povos indígenas, que a gente possa… é… estamos em 2023, né? Então eu espero que daqui a muitos anos, nosso subsistema já tenha, digamos assim, ele já seja, digamos, acessível a todos nós, os povos indígenas.
P/1 - É… para a gente… já chegando ao fim das nossas perguntas e de tudo o que você contou, é… você esperar essa melhoria da saúde indígena, e eu pergunto para você, Sarlene, é… quais são seus sonhos, Sarlene? Além de ver toda essa trajetória sua, essas lutas, sendo alcançados… e… mas, eu pergunto ainda, qual é o seu principal sonho ou sonhos, também, e o legado que você quer deixar, para sua família, para o seu povo? Se você pudesse falar sobre isso.
R - Eu acho que… eu ouvi da minha própria narrativa de vida, é dizer para o jovem o legado, e que ele nunca desista dos seus sonhos. Então, acho que, quem puder ver essa minha história, e ver que eu estudava em uma casinha de bode, e hoje eu vou acessar a melhor universidade do meu país. E o meu sonho, não sei se é sonho ou era um desejo, justamente devido a esses desafios, eu falei: “Gente… acho que não existe mais… não existe nada impossível’’. Era estudar na melhor universidade do mundo, o meu sonho, o meu desejo era estudar na melhor universidade do mundo, que é a Harvard University, inclusive, agora para o doutorado, pesquisei bastante, a parte da… da saúde pública, achei bastante interessante, mas, mais uma vez, não que seja impossível, mas… acho que a língua, mais uma vez o inglês aí, como desafio… porquê… demandaria mais tempo de preparação, na verdade, eu com meus planos, então contratei um intercâmbio para 2018, no qual eu ia em 2020, mas com a pandemia não foi. Eu… em 2013, depois que eu concluí o mestrado na PUC, eu tive a oportunidade de morar nos Estados Unidos, estudar três meses, mas três meses não é o suficiente para aprender uma língua, quer dizer, dá para saber o básico, mas para você fazer leituras, acompanhar uma aula em uma universidade, em uma palestra, por exemplo, você não consegue compreender, você consegue se comunicar no dia a dia, mas você não vai conseguir. Então, precisa de um tempo maior para você se preparar, para acessar essa universidade. E aí eu andei olhando, fiz o… contratei o intercâmbio, eu estou indo agora inclusive, em junho, para São Francisco, justamente para estudar inglês. E que já era um preparatório para ingressar na Harvard, mas não deu certo. Então não era o momento também, porque esse era o plano. Mas eu estou muito satisfeita de que… estar na melhor universidade do Brasil, que… quem sabe, eu vou no meu pós doutoramento, para essa universidade, eu tenho… eu tenho outro momento para poder conhecê-la, justamente pensando nisso. Nada é impossível para a gente poder alcançar os nossos objetivos. Então, não consegui chegar lá… teve uma oportunidade de seleção, que é o… USA Education, que é um programa do estado americano para preparar os estudantes, para ingressar em diversas universidades do mundo, mas que eu fiquei de fora da seleção 2021, infelizmente. E não consegui, mas tudo bem, eu estou muito satisfeita de ter ingressado na Faculdade de Saúde Pública. Acho que é a próxima trajetória, agora de vida, que eu vou poder estar estudando, digamos, o meu… o doutorado, depois quem sabe fazer uma bolsa sanduíche, que é aquele momento em que o estudante passa seis meses, um mês, em uma universidade. Então… é, sou muito jovem ainda, a luta, com certeza, continua e a gente tem que buscar sempre o melhor, não só para o nosso individual, para nossa família, mas para o nosso povo. Como eu falei, tudo… toda a minha formação vai trazer um impacto para a sociedade indígena e para a não indígena também. Então, a minha formação é assim, ela é coletiva e esse meu aprendizado eu quero continuar usando para que a gente traga resultados realmente… para as nossas comunidades, nosso povo, para a nossa família. E, um sonho pessoal, de família, é ter minha família, que acho que devido a essa trajetória toda que eu tive, eu não… não, não consegui ainda constituir a minha família. Mas em breve, estarei… acho que é o maior sonho, acho que é… é constituir, dependendo… não é o de toda mulher, é claro, porque hoje a visão das mulheres mudou muito. Mas esse é, digamos assim, é um sonho. Essa palavra mesmo, que eu posso confirmar, é ter uma família. Poder também continuar ajudando o meu povo, e é isso. Olha, a luta continua, a luta não para por aqui, com certeza, virão muitos desafios, e que a gente sempre esteja, digamos, ligados a essa… o nosso território, a nossas comunidades, a nossa liderança, e a nossa, digamos, ideal de vida, a nossa ideologia. Porque não é fácil. Quantas pessoas não chegaram até mim, nesses tempos políticos, e: “Por que você não muda a sua visão, por que você não apoia o Bolsonaro?” Gente, não tá ligado a eu mudar. “Ah, agora eu vou apoiar”. Não, é uma… é uma questão de vida, de vida, de uma trajetória, e que isso não é negociável e nem vendível, que justamente, a nossa história de vida. E muitas pessoas não compreendem isso. Então não tem como apoiar quem destrói a nossa vida. Então, esse é o meu ideal também, de vida, de sonho, que eu nunca, independente de onde eu esteja, onde a… onde eu esteja, com quem eu esteja, que eu nunca possa esquecer quem eu sou, de onde eu vim, e os meus ideais de luta, de compromisso, que é com os povos indígenas, não só do Brasil, do mundo, e que eu nunca esqueça isso. Acho que essa é uma coisa que tem que continuar viva em nós. Quem nós somos realmente. Acho que o jovem tem que refletir: “Quem eu sou?”, “O que eu quero?”, “O que eu estou fazendo da minha vida?”. Então é isso. Encerro aqui, com muita gratidão a vocês, pelo convite, pela minha organização, novamente, o conselho indígena, que, com certeza, foi essa a minha trajetória. Márcia Mura, a você, a toda equipe. E vou querer ver esse vídeo quando eu estiver em São Paulo. É isso, parei, se tiver mais alguma pergunta, estou à disposição.
P/1 - Nossa… com certeza, tudo o que você nos contou hoje, eu acho que é para enriquecer, enriquecer esse rol de entrevistas. De… dos parentes de todo o Brasil. É… tinha uma pergunta que eu ia fazer, eu não fiz no… durante as suas respostas às outras perguntas. Era sobre constituir família, mas você acabou respondendo agora, se você é casada, tinha filhos. E aí você acabou respondendo. Mas…
R - Ainda não…
P/1 - Para finalizar, como foi contar a sua história, esse ciclo? Acho que tem um ciclo aí, e que vai continuar, outros ciclos virão. Mas como foi contar a sua história? Para finalizar.
R - Olha, primeiramente, de gratidão. É… muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo, muitas responsabilidades. Eu acho que, uma palavra que eu queria além da gratidão, é… também. Aqui na universidade, devido a essa minha luta, trajetória, eu fui processada. Hoje, eu não posso mais participar de movimentos, e isso é muito triste. Eu não posso deixar de citar isso. E isso, acaba que mata tudo aquilo que eu sou. Porque lá atrás, quando eu falei, eu firmei um compromisso de luta. Quando você passa a acessar os espaços públicos, é uma coisa que eu até falei para a minha organização, que assim. Na época que, inclusive, tentaram acabar com a SESAI, eu levei meus alunos para… para o manifesto, e daí isso gerou várias denúncias. Infelizmente, devido a essa questão política, que a gente viveu, que a gente não viva mais, mas se viver, temos que continuar na resistência. É, então o que vocês trazem, acho que é de reconhecimento. Porque eu não tive oportunidade de me defender, juridicamente. Até porque, muitas dessas denúncias, elas são… partiram daquilo, do próprio Instituto, porque foram denúncias anônimas. Até hoje, acho que eu sei quem são, duas ou três pessoas. Mas isso foi muito feio, foi muito feio, porque eu não poderia fazer nada contra aquilo que as minhas lideranças lutaram, que é, justamente, esse espaço que eu estou. É feio, né? Porque eu poderia ter me defendido, diante da justiça, também. Mas isso demandaria um processo contra nós mesmos. Então eu fiquei calada, só ouvindo e vendo o que o tempo traria com tudo isso. Mas dizer que… acho que eu venci esse espaço, acho que é um… é um teste na minha vida toda, assim, na minha trajetória, foi um teste, digamos assim, para que eu possa amadurecer também, observar, também, claro, os erros cometidos, de avaliação de toda essa trajetória. E enquanto funcionário público, até onde que a gente pode chegar também, e repensar outras formas, também, de apoiar esse movimento indígena, que é o que eu estou interligada. Mas dizer que isso me matou, enquanto essa pessoa que eu sou… hoje eu só posso participar de movimento indígena, no feriado ou no sábado e domingo. Porque se eu for na semana, com certeza, vou saber que tem alguém me observando. E que eu posso ser perseguida, porque eu coloquei mais como essa perseguição mesmo, institucional. Então, essa entrevista vem, eu acho que enquanto reconhecimento dessa trajetória, e, com certeza, a liderança que me escolheram, que me indicaram, pensaram muito nisso. Então, é de gratidão mesmo que eu tenho, e voltei à minha terra para refletir esses dias… para refletir sobre tudo isso. Claro que não dá para fazer todo um panorama, assim, mas acho que eu tive contato com a mãe natureza, com o meu povo, e onde eu pude refletir, também, aquilo que eu sou, que para eu poder trazer essas palavras, eu tenho que saber quem eu sou e aonde eu estou e para onde eu estou indo, como eu falei. Com certeza, agora, após essa… esse momento nebuloso, e que nós vivemos, não só eu, com certeza, todos nós, povos indígenas do Brasil, sofremos ataques genocidas, morte até hoje ainda. É, eu acho que agora a gente tem um outro horizonte, e como eu falei, eu nunca esqueço quem eu sou, e qual que é a minha finalidade de vida, que é justamente isso, acho que é o compromisso e lutar pelo os nossos direitos, agora, com certeza, o conhecimento, o conhecimento e com a legislação também. Então é isso, a minha… a minha finalização é de gratidão, e pelo reconhecimento e pelo convite que vocês me fizeram, e a todo povo indígena do Brasil, da Amazônia. Uma grande responsabilidade, a gente estar à frente dessas questões todas, que é lutar pelos nossos povos, pelo nosso direito.
[Fim da Entrevista]
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