PSCH_HV759_WERA_KUNUMI
ENTREVISTA DE WERA KUNIMI
ENTREVISTADO POR JONAS SAMAÚMA
GRAVADO POR JADE RAINHO
6 DE MAIO DE 2019
PROJETO [00:18]
HISTÓRIAS INDÍGENAS
PCSH_HV759
TRANSCRITO POR SELMA PAIVA
P/1 – Então, meu amigo, seja muito bem-vindo!
R – Obrigada!
P/1 – Eu ia falar pra você, se você quisesse ficar mais à vontade, chamar uma força, falar uma poesia ou trazer um canto.
R – É, queria cantar uma música que, pra mim, é muito importante e tem uma força, tanto espiritual, mas também na política, né, pra nós, porque fala de terra, de luta, da resistência para os indígenas.
[01:03 a 01:49]
Depois eu vou traduzir.
P/1 – Pode traduzir agora.
R – [01:55 a 2:00] = “Dai-nos de volta as terras que vocês roubaram, pra nós vivermos”
[02:05 a 02:10] = “Em nossas matas a gente tinha muita comida, frutas pra comer”
[02:18 a 02:20] = “Os não indígenas vieram pra cá, roubaram as nossas terras”
[02:29 a 02:32] = “Aquela terra que Deus deixou pra nós, pra nós vivermos. E eles, agora, não querem devolver”.
É isso aí.
P/1 – Nossa, que força, cara! Gratidão!
R – Obrigada!
P/1 – Então eu queria que, depois de trazer esse canto, assim, falasse o seu nome e onde você nasceu.
R – Sim. Falar agora?
P/1 – Sim.
R – Meu nome, minha idade também, né? (risos) Meu nome é Wera Tupã, fui batizado assim, mas também tenho outro nome, que está na minha certidão de Guacamirim, mas o meu nome artístico, pois sou cantor de rap e tenho um nome artístico, que é Wera Kunumi. E eu tenho 18 anos e nasci na aldeia Krukutu. Meu pai sempre me incentivou a escrever histórias indígenas, minha mãe também sempre conta, até hoje, histórias indígenas guaranis. Pois ela conta, tem uma habilidade muito boa pra contar história, pois ela ouviu desde pequena, quando tinha um dez anos e ela guarda na cabeça, a minha mãe, as histórias. E eu sempre gosto quando ela fala as histórias que ela conta, né?
P/1 – Você lembra como que ela contava pra você, quando você era bem pequeno, assim?
R – Não. Ela conta direto sempre a mesma história, né, que eu peço, porque eu esqueço. Eu também esqueço algumas histórias, né? E a nossa cultura é diferente, né, pois no Brasil existem mais de 200 povos diferentes e a gente fuma cachimbo, vai na casa de reza e até eu pensava que todos os indígenas eram assim, né? Mas nem todos os indígenas fumam cachimbo, né? Mas também têm sua casa de reza e é isso. A gente, sempre, toda noite, vai na casa de reza pra cantar, pra rezar, pra pedir força, pra dormir bem, mas também a gente vai pra agradecer, porque Nhanderu, que é o nosso deus, já deu muita coisa pra nós: já deu árvores, a mata, os animais pra gente ver como nossos irmãos, né? E a gente só tem de agradecer a ele, né? Só que a gente agradece através da música, né? Então a gente sempre canta, né, agradecendo. E a gente também fuma o cachimbo, em que a gente coloca o tabaco e a gente usa o cachimbo pra os espíritos maus não se aproximarem. Também pra pedir força a Nhanderu. Sempre quando a gente vai pra mata tem que levar seu cachimbo, porque toda a mata também tem um ser que a protege, aos rios, tudo, né? Então, a gente vai e leva o cachimbo, né? E a gente, quando vai pegar um animalzinho pra comer, a gente tem que pedir primeiro. Ou quando vai pescar um peixe, né, tem que pedir a essa entidade, né? E também a nossa cultura é diferente, né? Cada um tem a cultura, a língua diferente e, na nossa cultura, a gente também casa cedo, né? Eu casei quando eu tinha 15 anos, né? E estou até hoje casado, né, já tenho um filho que está com dois anos e se chama Wera Mini também, Cristian Erick Wera Mini. E gosto muito dele. O danadinho é esperto, né? (risos) Sempre brinco com ele. Ele ainda não fala, mas gosto de falar com ele, né?
P/1 – Ele nasceu como?
R – Na aldeia tem parteiras indígenas, né? Só que hoje as mulheres vão mais no hospital, né? Mas o ideal, pra mim, seria que nascessem na aldeia, mesmo, né? Se tivesse um curso para os indígenas, né? Porque hoje está se perdendo essas parteiras indígenas, né? A história, como se deve fazer pra nascer um bebê, né? Porque, pra nós, o nascimento de uma criança é muito sagrado, né? Mas, quando a gente vai para o hospital, as enfermeiras têm uma ignorância danada, vou falar assim, né? Porque o surgimento deve ser sagrado, tem que ser respeitado e a mulher sente muita dor, mas não é só isso, né? Tem muita coisa envolvida, né? Então, quando eu ganhei a criança, minha mulher ganhou, não fui eu que ganhei, é o meu filho, mas então foi muito difícil, porque a minha mulher não sabia falar direito nem português, não sabe falar direito e ela teve um pouco de dificuldade, né, pra enfermeira entendê-la, né? Mas foi tranquilo também, né, graças a Deus, e é isso, né?
P/1 – O que a gente vai fazer aqui... eu gostaria muito, sinceramente, de falar guarani, cara, pra você poder contar a sua história na sua língua, mas eu não tive a maestria de Nhanderu de aprender, mas se você pudesse contar como foi seu nascimento... você sabe alguma história de como você nasceu e como seus pais se conheceram.
R – Meus pais? (risos) Eu nunca perguntei pra eles como eles se conheceram, né? Como é, mesmo, a pergunta? Esqueci.
P/1 – Como você nasceu?
R – Mas como eu nasci como?
P/1 – Você nasceu parto natural, nasceu no hospital?
R – Sim. Nem sei, porque não perguntei, né, mas parece que eu nasci em hospital também, né? Eu tenho um irmão mais novo e um irmão mais grande do que eu, né? Grande, assim, ele não é muito. Tenho uma irmã também, duas irmãs e é isso. Eu e meus irmãos nascemos aqui na aldeia Krukutu, mas a maioria dos adultos indígenas guaranis aqui de São Paulo vieram todos do Paraná, porque antigamente os indígenas não paravam em uma aldeia, né? Então, foi assim, né? A minha mãe sempre conta uma história dela, que ela veio do Paraná até aqui em São Paulo, né? Mas era normal, na época. E agora, pra falar pra um menino pra ir até Paraná já é difícil, né? É impossível, na verdade, né? Mas é isso que ela conta, né? E o meu pai também nasceu em Paraná, veio aqui, conheceu a minha mãe e é isso, né?
P/1 – E como era a sua infância? O que você lembra de quando você era criança, da sua vida?
R – Quando eu nasci, na aldeia Krukutu, quando eu tinha uns seis anos, sete anos, comecei a estudar. E meu pai sempre fala, né, que estudar é muito importante pra nós, indígenas, porque é uma forma de resistência, de luta, porque quando os portugueses vieram pra cá, né, que foram os primeiros alunos daqui do Brasil foram indígenas, né? Só que acontecia muito massacre e os indígenas pensavam assim: “Pra que estudar, se eles vão nos matar, né?” Então, quando estudavam, muitos fugiam, também, pra não estudar, porque sabiam que vão morrer também, né, ao longo do tempo, né, o genocídio foi acabando, mas a gente está querendo estudar, pra ter uma inteligência, o conhecimento que vocês têm, que os não indígenas têm, pra gente lutar, né? Porque a gente, mesmo que eles, hoje, não matem a gente, né, mas a gente sofre do mesmo jeito, por causa do preconceito, por causa da briga pelas terras, né? Aqui em São Paulo, o que mais tem é preconceito, né? Quando vou pra cidade falam que eu não posso usar roupa, que não posso usar celular, não posso andar de carro, nem de moto, nem nada, né? Porque isso não é nosso. E não é nosso, mesmo, mas a gente usa pro bem, porque antigamente eles já deram muita coisa pra nós, né? Então, só que a gente também deu muita coisa pra eles, né? Tipo muitas histórias indígenas foram copiadas, né? Só que não falam que é dos índios, né? E os remédios também, que a gente vai na farmácia hoje e vê muitos remédios, só que foram copiados dos indígenas e tem muita coisa também: os cachimbos, as comidas indígenas também. Só que não falam que é do índio, dos indígenas. Então, isso que, pra nós, é muito triste, porque eles usam muitas coisas nossas, só que não viram índios, né? E a gente não vai virar não indígena porque usamos coisas que vocês usam, né? E foi assim que foi. Meu pai sempre fala pra mim, até hoje, que o conhecimento dos não indígenas a gente tem que saber, pra batalhar. Quando estava na terceira série já comecei a ler e a escrever. Foi daí que meu pai me incentivou pra escrever histórias indígenas também.
P/1 – Você tinha interesse, assim ou...
R – Não, nem sabia o que era ser escritor, né?
P/1 – E ele falava: “Escreve”?
R – Só que gostava de ouvir também, né, histórias.
P/1 – Onde se contavam histórias?
R – Na casa de reza, né? Porque na casa de reza é um lugar sagrado, né, mas é um lugar de brincadeira, assim, não de brincadeira, assim, mas de contar piadas, de se divertir também, né? De fazer jogos, né, tipo tem a dança do (txonaro?) [15:46], a dança das guerreiras e dos guerreiros, né? E lá conta a história, que é o txeramõe que conta sempre, né? Txeramõe é o líder espiritual, que vocês conhecem como pajé, né? Também tem o cacique, que manda na aldeia, né? Só que a gente que escolhe o cacique e também o pajé, o líder espiritual, não precisa estar velho pra nós, ter uma idade certa pra curar as pessoas, né, porque basta ter dom. Sem dom, mesmo que você seja velho, não vai saber curar, né? Pois o líder espiritual é aquele que cura as pessoas através do cachimbo e sabe fazer remédios também, né? É um líder espiritual, mesmo.
P/1 – E você tinha algum contato com o txeramõe na sua infância? Você lembra de alguma cura que ele te fez? Ou de ver alguma coisa.
R – Toda noite, na casa de reza, ele está sempre fazendo curas, porque as nossas doenças, a gente acredita, os guaranis, que são todas espirituais, né? Quando você sente uma dor, resfriado, dor de cabeça, dor na garganta, é tudo espiritual. E ele vai, através do cachimbo, tira a sujeira, que a gente fala, só que é uma sujeira espiritual, né, também. Por isso que sempre tem que estar com o cachimbo na mão, porque qualquer lugar que você vai, o espírito mal toca em você, você pega uma doença, né? Parece que você sente uma dor, né, mas é só espiritual essa dor. Porque muita coisa tem dono, né? A mata, os rios, a pedra, né? Qualquer lugar que você vai ali tem um dono e ele tem que estar com o cachimbo, pra ele não tocar em você, né? E toda noite ele sempre cura, né, mas quando ele não usa cachimbo, ele faz remédio, né, pra tomar banho ou pra tomar, molhar a cabeça, né? E é isso, né? É isso que acontece na nossa casa de reza, né?
P/1 – E aí ele conta histórias?
R – Sim. Também conta, né? Mas nem todo txeramõe conta história também, né? Porque alguns têm dom de curar, só, né? Mas alguns já ouvem desde criança, né e contam, só que a história que eles contam pra nós é uma história que eles viveram, que ouviram ou sonharam, né? Porque os nossos sonhos também a gente não só sonha, mas a gente sonha porque vai acontecer, né, um dia.
P/1 – E você lembra de ter tido algum sonho forte, assim, na infância, que foi importante na sua vida?
R – Não. Toda hora eu tenho sonho, né?
P/1 – Mas teve algum assim que foi bem marcante, que você lembra?
R – É porque toda hora eu tenho sonho que viram realidade, tipo a semana passada agora, vou contar uma história. História, não, um sonho que tinha sonhado. Tinha um cara da aldeia que faz tempo que ele se mudou, né e eu sonhei nele. Fui viajar pro litoral e quem estava lá, no meu sonho? Era ele, né? E no outro dia eu vi esse cara, né? Ele nem era de lá, ele estava passeando, né? Estava chegando, na verdade, né? Acho que é porque o nosso sonho, né, é espiritual também, então o espiritual dele acho que veio e eu vi também, né? Porque as nossas almas estão conectadas, né? E é isso, né? Só que eu já sonhei várias coisas que viram realidade, né?
P/1 – Quer contar mais alguma?
R – Não sei. Acho que não. (risos)
P/1 – Você já sonhou em ser escritor?
R – Ainda não, né? Só sonhei que estava cantando rap, né, também. Só que às vezes muitos sonhos que a gente sonha é porque não vão se realizar, né, também. Tipo: sei lá. Quando você espera demais também, a gente sonha naquilo, é porque não vai se realizar também, né? E quando você não espera e você sonha, é porque você vai ver, né? Viver aquilo. Então é isso, né?
P/1 – Você estava me contando que o seu pai, quando você estava na terceira série, começou a te ensinar, falar pra você escrever a história indígena.
R – Sim.
P/1 – E aí?
R – E aí comecei a escrever histórias indígenas, só que era uma história que minha mãe falava, né? Só que eu mudava algumas coisas, né, pra ficar mais divertido, mas não trocava muita coisa, porque essas histórias também são sagradas. E quando estava com nove anos já tinha vários textos escritos junto com meu irmão, Tupãmirim. Fizemos um contrato com a editora FTD e aí a gente estava esperando pra sair o livro, só que demorava muito, né? E aí, em 2014, quando eu estava com 13 anos, fui convidado pra participar na Copa do Mundo. O pessoal da Fifa foi lá na aldeia, estavam querendo levar uns indígenas pra participar, só que tinha que ser alguns jovens e aí meu pai me indicou e aí fiquei muito feliz, né? Só que na época não sabia que ia ser ao vivo, né? Ia aparecer na TV, né? Mas fiquei feliz também, né? E aí tinha mais duas pessoas que iriam participar na Copa do Mundo pra remar, assim, no barco e eu era pra estar soltando uma pomba da paz, né? A gente foi lá, estava o cacique também que estava nos acompanhando. Aí a gente foi no Itaquerão, pra fazer um ensaio e eu soltei a pomba, né, pra fazer o ensaio. E aí a gente foi na aldeia, voltamos e aí estava uma semana pra acontecer a Copa do Mundo, né, de 2014 e aí o cacique da aldeia Krukutu teve a ideia de algum de nós soltar uma faixa e eu sabia que estava acontecendo alguma coisa estranha, né, porque os caras da Fifa não falaram nada sobre isso, nem ele falou. Aí só que eu era mais pequeno e aí, pra mim, tanto faz se eu fizesse aquilo ou não, né? E ele fez, disse pra nós três: estava eu, um menino e outra menina, né, pra nós fazermos aquele ato, né? E a gente foi e o ato que era pra nós termos feito era de soltar uma faixa escrito Demarcação Já e a gente foi e quando ia acontecer a abertura da Copa do Mundo, a gente foi e aquela menina não fez, né? Porque tinha muita gente, né? E o outro menino também não fez, né? Eu estava no último, pra fazer a abertura mesmo, né, soltar a pomba e já iam jogar os jogadores da Seleção, junto com outra Seleção, né? E antes de eu fazer aquilo, né, de soltar a pomba pra representar a paz, o Fabinho me levou pro canto, né, pra os seguranças não verem, né, a faixa e aí me deu, porque eu estava no último, se não fizesse aquilo, já era, né? Ele falou assim: “Se você soltar essa faixa, não é importante pra você, mas é importante pra todos os indígenas, né? Porque hoje as lideranças indígenas estão lutando pra salvar nossa terra, que um dia já foi nossa, né? Porque a gente quer um pouco da terra pra nós vivermos, né? Pra criar os nossos filhos e salvar a natureza, porque a natureza não merece sofrer e isso que está escrito aqui, Demarcação Já, é muito importante você soltar, mostrar pra todo mundo, porque você vai mostrar nesse momento soltando a pomba da paz, mas também você vai mostrar que não existe muita paz pros indígenas”. Eu fiquei assim, arrepiado, né, de ouvir isso e aí eu fui no meio do campo e aí percebi, naquele momento, que era uma coisa planejada só dele, só que a coragem, né? Eu era mais pequeno e fiquei com medo de fazer isso, né? Só que pensei no que ele disse, né? Porque também eu era pequeno, mas já via que nós, indígenas, sofríamos na mão dos não indígenas, né? Porque eles nos veem como que a gente fosse um ser diferente, né? Mas a gente é diferente, porque a gente tem uma cultura diferente, língua diferente, mas também somos todos iguais, né? Então eu fui no meio do campo, né e estava escondendo uma faixa no shorts, pra ninguém ver e eu fui no meio do campo, junto com um menino branco e uma menina negra e estava eu, que era indígena, né? A gente foi no meio do campo e soltamos a pomba da paz, né? Logo em seguida eu tirei a faixa e mostrei, só que estava olhando pra baixo, né, porque estava com medo, né? Aí muita gente, logo em seguida, aplaudiu pra mim, porque na hora que eu soltei a faixa, aplaudiram, né? E aí fiquei com o coração tuc tuc tuc tuc tuc, tuc, tuc, tuc. Acelerou muito, né? E aí saí do campo e os seguranças pegaram de mim aquela faixa, né? Eram dois seguranças grandões. Só que estava com medo também, porque o cacique não estava perto de mim, estava lá no estádio vendo o jogo, né? Aí, só depois que me levaram lá no cacique e aí a gente ficou só no primeiro tempo do jogo, vendo o jogo e depois a gente foi embora pra casa, né? E voltando em casa o meu pai disse assim: “Foi muito bom, né?”, só que ele não viu o ato que eu tinha feito, né, porque aí percebi que a TV não mostrou, né? A TV do Brasil. Só que muitos europeus, fora do Brasil, viram, né? E aí, no outro dia, veio muita imprensa de fora do Brasil querendo saber o que era Demarcação Já, né? E eu só falei como foi que aconteceu, porque eu não tinha nem noção o que era essa palavra Demarcação Já, nem sobre as lutas indígenas, não sabia de nada, né, a importância disso, mas só falei como foi, né? Como estou contando agora, né? E aí meu pai achou estranho, né? O que aconteceu? Porque ele recebeu a notícia, cheguei em casa dez horas, meia noite, ele recebeu uma notícia nas redes sociais, né, uma foto de mim soltando uma faixa escrita Demarcação Já e aí percebi que a TV não mostrou, né? Só que muita imprensa queria saber, né, o que era Demarcação Já, só que era uma imprensa fora do Brasil, né, que se interessava, né? E é isso, né?
P/1 – Nossa, que forte! E aí, a partir disso, você começou a entrar mais na luta também?
R – A partir desse momento que eu lancei o meu primeiro livro, junto com meu irmão, que é de contos indígenas. Que é o conto dos curumins guaranis. Depois disso eu lancei o meu segundo livro, que é de quase autobiografia, né? Se chama Curumim Guarani. E foi ali que eu decidi escrever poesias.
P/1 – Nossa! Calma aí, que eu quero muito entrar nisso, especialmente, mas conta aí um pouco desse primeiro livro que você publicou. Como foi pra você aprender a escrever contos?
R – Porque eu gosto muito de criar também histórias indígenas, né? Só que são histórias que falam de bichinhos da natureza, também da mata, que eu falo muito, porque a mata está viva e a gente pode se conectar a ela. E foi assim que eu fiquei pensando, quando ia escrever cada história, né, falar sobre os bichinhos, porque até os bichinhos a gente pensa que eles não conversam, né? Mas eles também pensam que a gente não conversa, né? Porque os bichinhos são animaizinhos sagrados. Então é isso. Escrevi com muito respeito a eles, né? Com a natureza também. E depois que lancei o meu segundo livro, eu comecei a ler os livros do meu pai também. Eu já lia, né, só que decidi ler o livro 500 anos de Angústia, que é um livro de poesias do meu pai. Aí decidi escrever também. Porque, na hora que eu li, eu gostei muito, né, das poesias dele. Eu escrevi e aí mostrei pro meu pai e ele achou muito boa as poesias, né? E aí eu decidi cantar. E eu cantei essas minhas poesias e tinha uma força grande, né? Porque falava principalmente da luta que a gente luta, né?
P/1 – Você podia falar uma poesia pra nós?
R – Sim. Na verdade, não, porque eu escrevo, só e não guardo na cabeça, né?
P/1 – Ele falou que você guardava.
R – Não, eu não guardo muito, porque eu guardo, só que faz tempo que não leio, né?
P/1 – Mas você não sabe nenhuma dele?
R – Tem. “Em 1500 começou a injustiça e fomos invadidos, perdemos nossas terras, perdemos nossos rios e nossas florestas e outras coisas mais. Por isso devemos estar sempre unidos, índios do Brasil e de todas as nações”. Tem outra também que... deixa eu lembrar... bem, do começo esqueci... espera aí... esqueci, porque faz um tempinho que não leio mais as poesias, né?
P/1 – Desse livro, né?
R – Sim.
P/1 – E aí você tinha quantos anos aí? Uns 15?
R – Treze. E aí decidi escrever poesias e cantar.
P/1 – Você já tinha publicado o outro?
R – O quê?
P/1 – O primeiro você publicou com quantos?
R – Com 13 anos, mesmo. E o outro também, né? Foi depois que participei na Copa, né? E aí, quando eu escrevi as poesias, tentei cantar, deu certo, porque falava de luta, de natureza, da resistência, né? E tinha muitas rimas. E eu tentei cantar e parecia muito com o rap, né? Mas eu já ouvia o rap do Bro MCs, né, que é o primeiro grupo de rap indígena aqui no Brasil. E eu gosto muito deles e tive o privilégio de cantar junto com eles. De participar também.
P/1 – Como é que foi o dia que você cantou com eles?
R – Primeiro, quando os conheci, porque estou fazendo um documentário média metragem e a gente foi lá em Mato Grosso do Sul, pra gravar com eles, né? E me apresentei, que sou cantor de rap também, aqui de São Paulo. E eles ficaram muito felizes, porque também estava nesse movimento de cantar rap. Porque o rap hoje, também, quando a gente canta rap na cidade, muitas pessoas falam que a gente não pode cantar rap, nenhuma música, né? Mas os indígenas têm uma conexão muito forte com a música também, né? Não importa o estilo, né? Mas o rap a gente canta pra se defender, mesmo. Porque não posso cantar hoje falando sobre a minha vida pessoal, enquanto que o meu povo está sofrendo muito, então isso que eu sempre escrevo, né? Sobre o meu povo, o sofrimento, né? E é isso.
P/1 – E aí você começou a cantar rap direto, assim, também?
R – Quando vi as poesias, vi que pareciam muito com o rap, porque tinha muitas rimas e falava de luta e decidi cantar rap, né? Aí procurei um nome, foi Wera Kunumi, porque Wera é o meu nome de batismo e Kunumi quer dizer jovem, né? Porque todos nós somos jovens, né? Ninguém é um adulto assim, mesmo, porque todo mundo está numa fase de aprendizagem que nunca vai acabar. E ficou assim. Vou cantar rap. E aí tinha muitas coisas que eu queria falar no meu rap, que eu coloquei no meu rap, mas ao longo do tempo, parecia que a inspiração sumia, né? Só que hoje tem um truque, né, até: sempre quando vou cantar, escrever um rap, uma música, eu sempre penso na natureza, no meu povo, o que eles sentiram na época, quando os portugueses chegaram aqui, né? E na nossa luta, que sempre penso nisso e isso que me traz inspiração.
P/1 – Nossa, que bacana, cara! E aí você chegou a entrar nesse grupo?
R – Qual grupo?
P/1 – Ou você só cantou uma vez?
R – Não. Eu canto sozinho, né?
P/1 – E aí você começou a cantar onde?
R - Eu já escrevia rap, só que demorou um tempinho, né? Acho que um ano, pra fazer a primeira apresentação, né? Só que nunca tinha feito uma apresentação, só que já era conhecido, assim, como cantor de rap. Mas a primeira apresentação que eu fiz foi lá em Diadema, né? E foi de graça ainda, né? Mas fiquei muito feliz, porque estava aprendendo, né? Não sabia nem como pegar um microfone direito, mas deu tudo certo, fiquei muito feliz, me senti um MC, mesmo. (risos) É isso, né?
P/1 – Que bacana! E aí você publicou seu livro também?
R – Sim.
P/1 – E aí, como é que foi na aldeia, você, criança, com 13 anos, ter publicado um livro? O que mudou na sua vida?
R – Pra mim foi muito importante, né? É muito importante até hoje, porque escrever histórias indígenas, falar os indígenas sempre falam, falavam, só que hoje a gente tem essa oportunidade de escrever também, porque como eu disse àquela hora: a gente sempre falava histórias indígenas para os não indígenas e eles roubaram da gente muita coisa, né? E hoje a gente escreve e aí a gente mostra pra nossas crianças a importância das nossas histórias, de preservar, porque hoje muita gente não gosta mais de ouvir, assim, porque perde um pouco do interesse, porque as mães não falam, né, as histórias. Não falam porque não sabem, né? Então hoje a gente tem a escrita, né, as criançadas já sabem ler, ficam lendo, né e aí vão aprendendo as histórias antigas, nossas, né?
P/1 – E você começou a contar, depois que você escreveu o livro, também? Contar história?
R – Sim.
P/1 – Aí você contava onde as histórias?
R – Eu conto mais na palestra que eu faço, né?
P/1 – Você faz palestra já?
R – Participo junto com meu pai. Não sou muito experiente pra falar, mas porque eu também, faz pouco tempo até que eu aprendi a falar em português, né? Acho que quando estava com uns seis, sete anos já, quando eu comecei a entrar na escola, fui aprendendo a falar, mas até hoje não consigo falar direito, né? Mas as crianças, quando nascem, agora, com dois, três, quatro anos, já sabem falar muito bem em português, né? Mas eles falam porque hoje vêm muitos turistas pra conhecer a aldeia e eles têm uma facilidade enorme de aprender muito rápido, mas primeiro eles aprendem a falar em guarani, que é uma língua que não pode ser perdida, que é importante e depois o segundo que aprende é o português, né? Só que a gente não ensina o português, eles aprendem sozinhos. Porque é uma necessidade que eles têm, as criançadas, em falar português, né, porque toda hora um branco conversa com uma criança indígena e a única palavra que eles sabem dizer é sim ou não, né? (risos) Vai aprendendo, né? Quando vão crescendo, vão aprendendo a falar direito, né? Melhor.
P/1 – E nesse tempo de curumim, mesmo, pequeno, que você só falava guarani, que foi logo quando você publicou seu livro, o que você lembra de brincadeiras, por exemplo, que você acha que as crianças daqui não fazem muito? Os brancos, negros. O que tinha lá na aldeia, o que você costumava brincar?
R – Como é? Não entendi.
P/1 – Desculpa. Eu perguntei o que você costumava brincar quando você era pequeno?
R – Vou lançar agora um livro, que é um livro de família, né? Vai estar o meu irmão mais novo, meu irmão mais velho e minha mãe, meu pai e eu. E, nesse livro, eu conto uma história de um menino, né? Um dia o menino... não tinha braço, era um menino indígena, guarani e queria brincar, né, com as criançadas, só que ele não podia brincar, porque muitas brincadeiras indígenas usavam sempre a mão, né? Tipo: jogar peteca, jogar bolinha de gude, que é dos indígenas, mas não se fala, né? Só que era uma bolinha feita com argila, né? Os indígenas que criaram, mas não fala que é dos indígenas. O arco e flecha. Tocar flauta, que é ________ [45:55]. Tocar violão, violino. Não podia fazer esse tipo de brincadeira, né, esse menino, porque ele não tinha um braço, né? Então, ele vivia ali junto com seu cachorro, né, que era o melhor amigo dele, né? E um dia ele foi pra casa de reza rezar um pouco, que era de noite e um dia foi ali que ele decidiu se benzer, pro nosso txeramõe, né? Só que o txeramõe achou estranho, porque era um menino que não tinha muitos amigos, não brincava muito. Tinha os amigos, mas não brincava muito, mas era alegre também. E achou estranho porque o menino queria se benzer e não tinha nenhuma coisa, algo de errado nele. E aí o txeramõe benzeu o menino na cabeça e falou assim: “O que você tem? O que se passa na sua vida? Por que você decidiu se benzer, né?” E aí o menino disse assim: “Eu estou muito triste, né? Parece que eu sou muito diferente, né, dos meus amigos”. Aí o txeramõe escutou, benzeu a cabeça e falou assim: “Você não é diferente, todos nós somos iguais”. Porque é isso, todos nós somos iguais. Não sei o que ele tinha falado que eu tinha escrito na história, mas tem mais coisa que o txeramõe tinha falado, né? E aí o moleque, o menino ficou muito feliz porque o txeramõe tinha dito aquilo e aí ele voltou pra casa. Tinha falado assim, né, que eu tinha esquecido: “Os nossos sonhos sempre a gente tem que observar, porque os sonhos que a gente sonha Nhanderu está dando uma dica pra nós, pra como a gente deve seguir no nosso dia a dia”. Aí o menino não tinha entendido, só que disse _________ [48:54] = obrigado e voltou pra casa junto com seu cachorro e aí ele agradeceu a Nhanderu, pediu força pra viver bem e dormiu e ele teve um sonho de um dia que ele estava correndo e os amigos estavam correndo atrás dele e no pé ele estava levando uma bola, né? E ele acordou sorrindo, ficou muito feliz e aí ele estava tentando se lembrar o que tinha sonhado, né? Porque tinha esquecido. Logo em seguida ele se lembrou e aí ele foi pra mata junto com seu pai, porque o seu pai estava indo pescar e caçar, né? E o menino foi na mata pra pegar terra, barro e folhas pra grudar, né? Aí ele inventou a bola, né? E aí ele mostrou pro seu cachorrinho, né, uma bola pra jogar e ficou jogando e aí outro menino da aldeia viu e os dois se divertiram, né? E aí estava de tarde e o menino que não tinha braço ficou muito feliz. No outro dia, quando ele acordou, tinha muita gente já esperando fora da casa dele, pra mostrar o que ele tinha criado, né? E aí ele mostrou, com muito orgulho, né, a bola. E aí muita gente hoje conhece a bola, que foi graças a esse menino que hoje a gente joga bola, né? (risos) Porque a bola foi inventada pelos guaranis, só que não se fala isso, né?
P/1 – Ah, é? A bola foi inventada por esse menino?
R – Não. É uma ficção minha, é uma história, assim, só que a bola, mesmo, foi inventada pelos guaranis do Paraguai, né, só que não se fala que é dos indígenas guaranis. Aí criei uma história assim, falando sobre isso.
P/1 – Mas você sabe um pouco dessa coisa dos indígenas do Paraguai terem criado a bola? Porque eu nunca ouvi.
R – Sei.
P/1 – Pode contar?
R – A prova que tem é porque tem um antropólogo do Paraguai que também prova que a bola é dos indígenas. Só que a gente mostrou essa bola e os ingleses viram e patentearam e hoje existe o futebol, né? Só que sem inventar uma bola não existiria o futebol. A bola foi graças aos guaranis inventarem a bola, que hoje existe muito esporte de jogar bola, né? Só que era uma bola assim que a gente se divertia naturalmente, né? A gente chutava, né, arremessava na mão. Era isso.
P/1 – E tem outras brincadeiras tradicionais que se usa a bola?
R – Tem a bolinha, né, que também é dos indígenas, né? Só que não se fala também.
P/1 – A bolinha de gude?
R – A bolinha de gude, só que é uma bolinha pequena, feita com aquela terra que gruda, que fica dura, argila, né? Uma bolinha que a gente joga. Tem essa também, né? É a bola, né? E é isso.
P/1 – Aí você fez 13 anos, começou a cantar rap, escreveu um livro e como seguiu sua vida? Você morava lá na aldeia ainda?
R – Sim. Foi difícil. Até pro meu povo indígena passava uma dificuldade, porque eles não entendiam que isso que eu estava fazendo era um forma de protesto, de luta, né? E foi ao longo do tempo que a gente, os cantores, foi mostrando que a gente está fazendo uma coisa pro bem, né? E até mesmo na música, quanto na arte da literatura nativa, porque o que a gente escreve é uma literatura nativa, uma história que a gente ouve na aldeia, histórias nativas. É isso, né? Sobre a literatura nativa, quem pode contar melhor, é o meu pai, né, o livro.
P/1 – Mas não precisa contar da literatura. É pra você contar da sua vida, mesmo. Aí você viajou com ele?
R – Sim.
P/1 – O que mudou na sua vida?
R – Eu fiz muita palestra, junto com meu pai. Meu pai me botava pra falar, pra aprender um pouco a falar direito, falar sobre a minha vida na aldeia e no começo eu sempre falava em guarani, né, porque não sabia falar em português. E aí fui desenvolvendo, né? E quando dava palestra, eu fico emocionado em falar, ter o privilégio de falar sobre o nosso povo. Só que ao mesmo tempo a gente sofria, né, porque muita gente não conhecia os indígenas e fala qualquer besteira, né, que a gente nem gosta de ouvir, mas a gente tinha que responder, né? Tipo: falam se a gente anda pelado aqui na aldeia de São Paulo, se a gente come gente. Esses tipos, né?
P/1 – Você ouve isso, às vezes?
R – É, às vezes eu ouço isso, né?
P/1 – Assim como, por exemplo? Você pode dar um exemplo de uma vez que você ouviu?
R – A última vez aconteceu faz pouco tempo, né? Acho que faz duas semanas. (risos) Eu estava indo pra outra aldeia junto com um amigo meu e aí passou um carro, tinha uma mulher que estava procurando uma liderança indígena ou alguém pra fazer uma palestra, né? E eu falei: “O meu pai é bom pra falar”. Ela falou assim: “Posso saber um pouco como vocês vão, se vai pelado assim, porque não tem problema”. (risos) Falou assim. Só que não falei pro meu pai, né? Eu levei perto do meu pai, pra minha casa, só que não falei o que ela tinha falado pra mim, que não tinha problema da gente ir pelado, né? Mas falou pelado, pelado mesmo. (risos) E aí ela conversou com meu pai e meu pai conversou como a gente ia e ela foi conhecendo como a gente vive, mesmo, né, a nossa realidade. Só que o que ela disse, mesmo, essa mulher é muito amiga nossa agora, só que não falo pro meu pai o que ela tinha dito. Porque acho que ela não conhecia, porque pra falar dos indígenas acham que é fácil, mas quando vai conhecer, é muito diferente a nossa realidade. Semana passada a gente foi no Sesc Araraquara, parece. Não, a gente foi em algum lugar semana passada e a gente estava dando uma palestra e as criançadas ficaram muito emocionadas, porque nunca viram indígenas e aí, uma menina, quando acabou a palestra, veio perto de nós e falou assim: “Meu pai fala mal de vocês, mas eu gosto muito de vocês”. Eu fico muito emocionado em falar isso (choro) porque é muito forte. Porque nós, indígenas, sofremos muito, né? (choro) Desculpa.
P/1 – Tranquilo. É bom que você é contador de história, gosta de história, está me contando essa história. Desse período da sua adolescência toda, qual história que você viveu na sua vida que você acha que entraria num livro?
R – A Copa do Mundo, que eu citei, porque aconteceu muita coisa depois disso. Coisas boas, coisas ruins.
P/1 – Uma boa. Fala uma coisa boa que aconteceu depois disso.
R – Uma boa, mesmo... tem muitas, né, só que uma boa que gostei também é de conhecer o cantor que eu gosto muito, que são os Racionais MCs, que é um grupo de rap. Conheci o Mano Brown e o KL Jay e vários que cantam e conversei com o Mano Brown, né? Também uma coisa boa que foi depois disso é que eu lancei rápido meus dois livros, o Contos do Curumim Guarani e o Curumim Guarani. E também porque, na hora, muitos indígenas me apoiaram também nessa luta. E é isso, né? Porque fiquei conhecido por estar soltando uma faixa, né? Um indígena jovem que já se interessava na luta indígena, né? E muitos indígenas me elogiam, né? Fico feliz por isso, né?
P/1 – E cantando rap, qual foi uma coisa muito boa que te aconteceu, que você lembra? Na verdade, essa do Mano Brown. Isso é bem interessante. O que você conversou com ele?
R – Eu não cantava rap ainda. E não tinha nenhum livro. Mas falei que um dia vou lançar um livro e ele falou assim: “Caraca, véio, vai ser o maior da hora, né, lançar um livro, porque vai ser uma resistência forte, né?” Falou assim, né? (risos) Eu fiquei feliz, né? E falei onde que eu moro, né? Mas tem outra coisa, né, que eu fico muito feliz de estar escrevendo: fiz uma música com o Criolo, cantor e me inspirou muito, porque ele é um cara muito da hora e falei assim pra ele, quando o conheci, quando a gente estava escrevendo uma música, que tinha visto um documentário dele indo lá pra Mato Grosso, Amazonas, pra conhecer os indígenas, fazer um trabalho com eles e ele mora aqui no Grajaú e eu em Parelheiros, estávamos pertinho um do outro, mas muito distante assim e falou: “Caraca, tem indígena aqui em São Paulo?”, porque ele não sabia, não percebia que aqui na selva de pedra existiam muitos indígenas guaranis. E aí falei: “Tem, sim. Só que a gente está batalhando pra demarcar nossas terras, pros nossos filhos viverem e pra salvar a natureza, né? E eu, através do rap, estou tentando mostrar isso, né?”
P/1 – E como foi a música que você fez com ele?
R – Posso até cantar, né?
P/1 – Canta.
R – “Terra, ar, mar, mais
Terra, ar, mar, mais
Terra, ar, mar, mais
Terra, ar, mar, mais
Sem armas de fogo pra cantar
Só palavras de fogo pra rimar
O coração dói
Só quem sabe sente
Demarcação das terras
Morte de um parente
Parelheiros, zona sul, ______ [1:05:01]
Guarani da aldeia krukutu passando uma visão
Wera com Criolo vão cantar
Pra fazer a defesa, eu sei, vai cansar
Mas tenho que lutar
Demarcação já
Para o meu povo se libertar
Sei que nunca vou desistir
Os moleques da aldeia
Todos estão aqui
Precisam se alimentar, brincar, correr, amar, nadar
Não fui eu que fiz assim
Eu sou feito de amor
Hoje eu posso sorrir
Meu povo não quer a dor
Árvores, lagos, família, raiz, antepassados”
É isso aí.
P/1 – Super forte.
R – Escrevi uma música com ele.
P/2 – Como você sente que sua arte pode ajudar o seu povo?
R – Porque a música é uma arte muito ótima, muito forte, né? E a gente canta músicas indígenas que são religiosas e isso ajuda muito também pra nós, porque a gente pede força, mas também tem a outra arte, que é do rap ou de outro estilo musical que a gente se expressa, né? Fala da vivência do nosso povo, pra mostrar pro mundo que a gente está sofrendo muito, mas que a gente está aqui na resistência, na luta e é isso. E também na literatura nativa. Pois sei que as editoras não se interessam muito na questão indígena, porque sabem que, se a gente publicar isso que a gente quer, o indígena vai ficar mais famoso assim e isso que eles não querem, né? Só que a gente consegue publicar histórias indígenas, mas alguma crítica lá já é difícil, né? Mas histórias indígenas também é importante pra nós, pra preservar as nossas histórias, né? Pra mostrar pras nossas criançadas, né?
P/1 – E o que os antigos, os mais velhos acharam quando você começou, assim, a escrever? Quando vocês começaram a fazer rap, que não é da tradição de vocês. Quando vocês começaram a trazer esses elementos artísticos, o que os mais velhos acharam?
R – Pra eles, eles entendiam, porque nem eu sei porquê. Mas sabiam que - mesmo eles não escutando o meu rap - eu estava falando uma coisa que tem que ser falada. Mas eu não uso isso pra ganhar riqueza, nem nada. Eu já venci. Hoje não sabe, não pensa, pensa que eu canto rap pra ter fama, mas isso, pra mim, não é nada, ter fama. Não é importante pra mim. Importante é meu rap chegar em muitas pessoas, pra que eles tenham o conhecimento, né, de como a gente é, né?
P/1 – E como foi que você começou a tocar os instrumentos?
R – Os instrumentos indígenas que a gente toca é o violão, né? Que não é dos indígenas, só que a gente pegou porque a gente gosta muito de música também. Tem o violino, tambor, a flauta e o chocalho e a gente toca ali na casa de reza. A gente não ensaia, a gente aprende naturalmente, assim, porque a gente ouve toda hora, né? E quando a gente pega, a gente vai e já aprende, né? Já sabe as notas, porque são três cordas o violino e o violão são cinco cordas, né? Tira uma, né? E a afinação também é diferente. O violão é tocado e a melodia vai no violino, que acompanha o tambor e o chocalho, né? Que é tocado pelos meninos, né? As crianças tocam, já sabem tocar, né?
P/1 – Mas você lembra quem te ensinou?
R – Não. Eu aprendi sozinho, mesmo né? Porque eu ouvia e aí, quando fui tocar, já parecia que já sabia tocar, né? Porque a gente olha também. Só que eles não estão nos ensinando. A gente só fica observando, né, as notas. A gente aprende sozinho, né?
P/1 – Qual foi um dia que você sentiu que Nhanderu estava bem presente, assim, foi bem mágico? Além do dia da Copa, mais um.
R – Espera aí, deixa eu lembrar.
P/1 – Na natureza, na aldeia, mesmo. Algo que aconteceu que foi encantado, mesmo.
R – Espera aí.
P/1 – Pode pensar.
R – Tem muitos, só que eu queria contar uma sobre o meu filho. Ele estava doente, né, só que estava dormindo em casa e aí eu estava tomando ayahuasca, que é um remédio indígena e aí eu vi muita coisa. (risos) A alma dele eu vi e foi muito forte. Eu vi, percebi que já tinha ouvido muito sobre isso, mas pra ver, mesmo, pra sentir a realidade no que tinha visto, né? Sempre se fala que a nossa alma está no nosso corpo, né? Quando a gente dorme, somos conectados através da nossa alma e aí meu filho estava dormindo, só que estava longe de mim, eu estava numa cerimônia, mas mesmo assim ele estava perto de mim e aí senti a força dele, né? E foi muito ótimo, né? E a experiência com o Nhanderu (risos) foi na casa de reza, né? Na verdade, sempre tem a presença de Nhanderu, quando eu vou pra casa de reza. E quando eu sinto mais a presença dele é quando o pessoal canta a música religiosa, né? Eu sinto, né, a presença dele. Porque as letras que são cantadas são muito fortes, né? A gente percebe que Nhanderu está aqui dando força também, né? E é isso.
P/1 - Você toma ayahuasca?
R – Tomo.
P/1 - Como você começou? O seu povo toma?
R – Algum pessoal toma, né? E foi ótimo. Rapé também a gente usa, né? Tem muitos remédios que a gente toma banho, né? Pra afastar os espíritos maus também, né?
P/1 – Que interessante, cara! Você já andou em outros povos indígenas, sem ser guarani?
R – Sim. Fui lá pra Mato Grosso do Sul e conheci o povo guarani kaiowá, né? E a língua é um pouquinho parecida, né? Só que muda muitas coisas também. O povo que eu conheci uma aldeia foi lá em Maranhão, quando fui fazer o documentário lá, né? Aí conheci o povo gamela, né? Aí conversei com eles e, na época, eles estavam fazendo uma retomada e muitos indígenas sofreram, né? Os fazendeiros ruralistas atacaram a aldeia e muita gente teve a mão cortada, né? A gente gravou isso, né? E recebi agora uma notícia que esse filme tá pronto, já. Estamos esperando agora quando vai ser lançado.
P/1 – Você que filmou?
R – Não. É um inglês, né? Quando eu estava com 14 anos ele se interessou muito pelo meu trabalho de escritor e cantor de rap e a gente ficou gravando por dois anos. Foi um longo tempo, maravilhoso, né? Conheci o Bro MCs, eles participaram, foi pro Mato Grosso do Sul, pra Maranhão e gravamos aqui em São Paulo e eles me ajudaram a lançar o meu primeiro álbum de rap, que é O Meu Sangue é Vermelho, né? Gravei uma música que se chama Guarani Kaiowá, que fiz uma homenagem ao povo guarani kaiowá de Mato Grosso do Sul, né? E um dia participei também na Globo, na Criança Esperança, né, onde eu conheci um cantor de rap chamado (Joe Matera Hill?) [1:16:41], né? Fiz o contato com ele e aí falei sobre meu trabalho e ele apresentou o filho dele e eu não esperava que era o filho dele, pois eu já conhecia, né, o filho dele das redes sociais e já o seguia, que é Nicolas MC e fiquei muito feliz por estar os conhecendo e eles me convidaram pra participar, pra gravar uma música e aí fui gravando várias músicas, até que lançamos ano passado uma música, um álbum de rap, né? O segundo álbum de rap, que se chama Todo Dia é Dia do Índio. Fiquei muito feliz, né?
P/1 – Nossa! Seu segundo álbum de rap?
R - É. Todo Dia é Dia de Índio. Lancei no dia 19 de abril. (risos) Pra mostrar que todo dia é o dia do índio, né, não só no dia 19 de abril, né? Porque hoje criaram o Dia do Índio, que é só o dia 19 de abril, né? Mas pra nós todo dia é dia do índio. Porque a gente sempre está na luta, pra tentar salvar a natureza, porque a natureza está sendo destruída, o mundo, pelas pessoas, né? E, aqui no Brasil, onde mais se tem mata, onde é menos poluente, só nas aldeias indígenas, né? Mesmo assim a gente recebe muita crítica, falam que a gente quer muita terra, pra que, se a gente não faz nada. E aquilo que a gente não faz nada, a gente faz melhor, a gente faz muito mais coisas do que o não indígena, porque o não indígena só destrói. Porque faz uma produção de uma fazenda, é uma riqueza que eles geram, só que não é para o bem dos brasileiros. Eles vendem pros estrangeiros. E o resto que sobra é só pra nós, né? Só que a natureza, não. A natureza faz o bem pra todo mundo, né? Porque a gente consegue beber água boa dos rios, o ar é bom. É isso, né?
P/1 – E rio, você já viveu alguma história forte em algum rio?
R – Como é? Não entendi.
P/1 – Porque aqui vai contando história. Eu estou perguntando se tem algum rio que você já viveu alguma coisa especial ou bem forte, que tenha te marcado dentro de algum rio ou próximo de algum rio?
R – Espera aí, deixa eu lembrar. Na nossa cultura tem muita coisa que envolve o rio, a água. Porque a água, os rios, o mar tem o dono e tem certos momentos que não pode brincar com a água, não pode tomar banho no rio, porque não pode, mesmo. Quando um homem, que é de uma criança, que vira um adulto, a passagem, porque não existe jovem pra nós, porque é de uma criança que vira um adulto, já, quando se casa. Então, quando tem esse momento, tipo a mulher, quando vira uma mocinha, que pra nós vira uma mulher, quando tem a primeira menstruação, ela tem que cortar o cabelo e não pode sair até um mês pra fora. E o homem é o mesmo: ele tem que furar aqui no meio pra não falar muito e não pode sair muito pra fora, não pode ficar bravo à toa, pra qualquer pessoa, tem que viver bem, não pode sair pra mata, nem tomar banho no rio, né? E é isso, né, que acontece conosco, porque, no futuro, se não for respeitado isso, a gente vai sofrer, né, espiritualmente. E é isso, né?
P/1 – Qual foi a coisa mais doida que você já viu nesse mundo daqui dos __________ [1:22:12], fora da aldeia. O que você achou mais estranho na hora que você viu?
R – Estranho? (risos) Vixi, nem sei! Tem muita coisa, que nem lembro mais. Parece que já estou acostumado e esqueço tudo, né? (risos) Nem sei. Espera aí.
P/1 – Tranquilo também.
R – Acho que não vou consegui responder isso.
P/1 – Teve alguma coisa que você viveu que você quer deixar registrado? Que essa aqui é sua história de vida, né? Alguma outra coisa que você tenha vivido, que você queira contar?
R – Tipo o quê? (risos)
P/1 – Qualquer coisa.
R – Tenho que pensar um pouquinho.
P/1 – Na verdade, eu queria também perguntar uma coisa, porque você tem 18 anos, né?
R – Sim.
P/1 – Só que você já é um homem, né?
R – Sim.
P/1 – Eu, por exemplo, tenho 24, só que na cultura daqui não sou. Como é que você virou homem dentro do seu povo? Você já é?
R – Sim. Porque, a partir do momento que, como eu falei agora há pouco, que não pode ficar bravo à toa, porque tem que ser um homem de verdade, não pode fazer nenhuma palhaçada. Já pode casar, mas também tem que trabalhar. Quando se casa, a mulher quer casa, né? É isso, né? Tem que ir todo dia pra mata pescar, caçar, pra sustentar seu pai ou sua mãe ou, quando casa, tem que ir pra mata buscar madeira e aí tem que fazer uma casa, né? Pra nós uma casa simples tá bom, porque a gente vive na natureza, né? E pra nós tá muito bom uma casa simples, de madeira, feita de pau a pique, coberto com barro, né?
P/1 – Você que fez sua casa?
R – Sim, eu que fiz.
P/1 – Como foi? Conta um pouco como é que você fez sua casa.
R – Na verdade, antes de casar eu já tinha uma casa, né? Porque eu já estava querendo morar sozinho, né? Na época, minha irmã, _____ [1:25:18], deu uma casa, a casa dela, pra mim, né? Porque não tinha tempo, estava estudando, né? E aí não tinha tempo pra fazer a casa, né? Também não tinha muita experiência, né? E aí ela deu a casa pra mim e depois que casei a gente, alguns meses depois, decidimos fazer uma outra casa maior, né? Eu juntei um dinheirinho, porque tinha que comprar uma telha também, né? Só que o resto eu busquei da mata, né? A madeira. Só que não é qualquer dia que tem que ser cortada. Tem que cortar na lua certa, né? E é isso, né? Tinha que esperar o momento pra cortar, pra fazer a casa, né? E consegui fazer, porque não tinha experiência, só que eu fui pesquisando através do txeramõe, junto com o txeramõe, como se faz uma casa, né? Que dia deve ser cortada, né? E aí eu fiz a casa e aí está lá até hoje, firme e forte. (risos)
P/1 – E como está a sua vida hoje?
R - Está muito ótimo porque hoje eu tenho uma família, né? Meu filho, minha esposa. E hoje eu ganho direitos autorais dos livros e está muito ótimo pra eu comprar alguns alimentos pro meu filho, brinquedo, porque ele é danadinho, gosta muito de brincar, né? E eu amo muito meu filho e sempre estou incentivando, porque ele já sabe ouvir, não fala ainda, mas jogo bola com ele e espero que ele seja um escritor também ou que encontre alguma arte pra ele se expressar e viver tranquilo, né? E é isso, né?
P/1 – E o que você sonha pra sua vida?
R – Sei lá! Parece que já se realizou. Não sonho mais. (risos) Porque já tenho um filho que amo muito, uma esposa. Meu sonho, também, de estar cantando já se realizou, mas um sonho grande, mesmo, é do meu povo indígena, um dia, ser reconhecido, pois sei que daqui pra frente vai ser muito difícil porque nosso __________[1:29:08] não ama os indígenas. Você sabe, né? Não ama qualquer ser humano. Os bichos, os animais. Então, pra nós, indígenas, ele não é uma pessoa boa, né? Então, ele vai ________ [1:29:41] o Brasil. O que espero para o meu povo é força e respeito, que a gente está procurando dos brancos, né? E é isso, né?
P/1 – Eu ia falar pra você encerrar falando mais uma poesia, se você tiver. Ou, talvez, uma história.
R – Tem uma outra que queria contar, que é o começo, mesmo.
P/1 – Vai fundo.
R – Espera aí. Falar uma poesia, que virou um rap, até:
“Wera, sou guarani
Indígena na arte
É importante quando fala de protesto
Sou de uma etnia
Entre 200 povos diferentes
Unidos somos com os parentes
Porque somos uma única nação
Somos irmãos
Brancos, negros, índios
E nós andamos sempre com a nossa tribo”
É isso aí.
P/1 – Você tem alguma em guarani?
R - Em guarani, não. Acho que não, ainda.
P1 – Você não escreve em guarani? Escreve em português?
R – É, escrevo, né, mas só pra cantar. As poesias acho que não fiz ainda.
P/1 – Quer cantar uma em guarani?
R – Sim, pode ser. Rap? (risos)
P/1 – O que você quiser.
R – Espera aí. Deixa eu lembrar, que tem várias, que até esqueço:
___________ [1:31:56] sempre alto astral
___________ [1:32:00] respeito
[1:32:02] a [1:32:10]
É isso aí.
P/1 – Vai do começo.
R – É que sem a base fica estranho, né? O instrumental.
______________ [1:32:24] sempre alto astral
______________ [1:32:30] respeito
[1:32:30] a [1:32:40]
Acho que só sei até aí, né? Esqueci.
P/1 – Tem outra?
R – Tem. É porque, sem instrumental, é difícil. Espera aí. É porque é uma tradução que eu fiz, né?
_____________ [1:33:12] nunca desistir
Estamos aqui na luta, sempre alto astral
Que é tudo por direito, queremos mais respeito
_______________ [1:33:21] com respeito
Porque esse é nosso lugar
Na rima com isso, vai pra cima
Queremos harmonia na mata bem vivida
Poesia, linda rima, bela rima
Muda tudo, não me iludo
Vou com tudo
Nhanderu, pra nós, é tudo
______________ [1:33:38] nunca desistir
É isso aí. Esqueci tudo.
P/1 – E só pra fechar, mesmo, você é contador de história também, não é?
R – É. Não sou experiente em contar, mas escrevo, né?
P/1 – Eu ia falar pra você me contar mais uma história.
R – Espera aí. Posso contar uma.
P/1 – Pode?
R – Espera aí. (risos) Que na aldeia sempre a gente vê uma cobra. E sempre, na maioria das vezes, nas estradas que a gente sempre anda, né, as cobras estão mortas, né? E um dia tinha um cachorro que estava passando dor de barriga, né? E a cobra disse assim: “Toma aquela fruta que é boa, né?” Só que era uma fruta que ardia muito, né? E o cachorro comeu, né? E aí demorou semanas pra sair o gosto ruim, né? E aí o cachorro viu o que a cobra tinha feito com que ele... sei lá, esqueci a frase, né? E o cachorro queria se vingar, né? E aí, um dia, estava esperando o momento certo e aí a cobra, agora ela que estava com dor de barriga, né? E aí o cachorro a encontrou e disse: “Vai no meio da estrada e fica uma hora ou até duas horas, né, no sol, você não pode se mexer e a dor de barriga vai passar, né?” Aí a cobra se enganou e foi mesmo, né? E aí passou um carro e já era, né? (risos) Atropelou. Sempre é por isso que quando a gente passa na estrada, a gente vê uma cobra morta, né? (risos) É que o cachorro... é uma piada engraçada.
P/1 – Muito boa.
R – Essa quem me contou foi meu pai e achei muito legal, né? Que Nhanderu nos trouxe aqui pra viver como irmãos, né? Pra respeitar, né? Como fala, ele criou a própria imagem, né? Só que tem muitos tipos que a gente acredita de onde está Nhanderu? Tem uns que acreditam que está lá em cima, né? Tem uns que acreditam que está dentro de nós. Tem uns que acreditam que está no outro lado do mar, né? Tem vários tipos, né? Um dia, numa aldeia indígena, tava passando um velhinho e ninguém o conhecia, estava visitando, mas não falava o nome de onde que ele veio e ele foi visitando as casas de todo mundo, né? De algumas pessoas, né? Ele viu um quintal e tinha uma família ali e um homem que estava limpando o quintal, estava plantando algumas coisinhas pra comer e ele, o velhinho, falou assim para o homem: “Você está plantando o quê?” Respondeu pro velhinho: “Estou plantando pedra”. Falou: “Que bom!” E passou direto o velhinho, né? Aí chegou em uma outra casa e fez a mesma pergunta: “Você está plantando o quê?”, que estava plantando também. Ele falou assim: “Estou plantando bosta de galinha, né, coco de galinha”. Foi direto o velho, foi embora. Em uma outra casa, bem mais simples, ele viu uma família, tinha várias crianças e aí ele falou assim: “Oi, boa tarde! Você está plantando o quê?”, porque estava plantando. “Estou plantando algumas frutas pra gente comer: banana, milho”. E o velhinho ia passar direto, né, só que aquele moço que respondeu bem, chamou o velhinho pra comer, jantar. Aí conversaram e, ao sair, ele saiu pela porta, se despediu e foi embora e aí, quando o moço foi abrir, ele já tinha ido embora, não tinha mais o visto. Só que na hora ele viu que o seu quintal, ele tinha acabado de plantar e já estava bem grande a banana, os milhos, as verduras que ele plantou, né? E na outra casa, que o cara tinha respondido mal, falado mal pro velhinho, aquele cara que falou que estava plantando pedra, né, só tinha muita pedra ali, né? E o cara que falou que tinha plantado, estava plantando coco de galinha, só tinha coco de galinha mesmo. Só que ninguém percebeu que ele era Nhanderu, né? Porque ele era Nhanderu. Por isso que você não pode tratar as pessoas mal, porque Nhanderu não gosta, né? Porque ele está dentro de nós, né? É isso.
P/1 – O que você achou de contar sua história aqui, hoje?
R – Foi uma experiência. Porque nem sempre conto as histórias, né? (risos) Eu estou aprendendo, né? Estou desenvolvendo. É muito ótimo contar história, né? Porque a gente nem sempre percebe que as histórias... a gente entra nelas e a gente tenta trazer pro nosso mundo, pra melhorar o nosso dia a dia, né? E é isso, né?
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