P/1 - Eliane Barroso
P/2 - Manuel Mandric
R - Walter Oaquim
P/1 - Boa tarde, Oaquim.
R - Boa tarde.
P/1 - Nós queremos, então, começar a entrevista pedindo a você que fale o seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Bom, meu nome é Walter Oaquim, nasci em 20/8/1939, na cidade do Rio de Janeiro.
P/1 - Qual é o nome dos seus pais?
R - José Miguel Oaquim, Rosa Oaquim.
P/1 - De onde eles são?
R - Meu pai, sírio, naturalizado brasileiro; é vivo. Minha mãe é maranhense, filha de libanês, já falecida.
P/1 - E seus avós? Você lembra, conheceu?
R - Me lembro, me lembro. O avô da minha mãe, eu não o conheci, mas chamava Alexandre Abud. Foi industrial, primeiro industrial na cidade de Pinheiros, no Maranhão. E a minha avó foi Júlia. Me lembro bem dela. E meu avô paterno era José Miguel... Miguel, meu pai é José Miguel. O nome dele é Miguel e a mulher dele, minha avó Joana.
P/1 - Você tem irmãos?
R - Tenho. Tenho Nelson Oaquim, meu irmão, minha irmã mais velha que é a Lea Oaquim e um irmão que não foi adotado pelo meu pai, mas foi criado pelos meus pais naquela época. Era o Miguel. Primo... Filho de um primo do meu pai. Mas para nós é irmão.
P/1 - Você morava aonde quando criança?
R - Bom, eu nasci na rua... Primeira vez assim é... Minha memória é muito longa, 61 anos. Na Rua Jorge Lóssio que dava no pé do morro do Salgueiro. Depois eu fui morar na Marise Barros, em uma vila, 79. Foi ali que eu passei grande parte da minha infância. Ali perto da Praça da Bandeira. Depois eu fui morar na Rua Marise Barros, morei na Rua Pereira Nunes. Aí, em 1959, eu fui para o Leme. Fiquei grande parte no Leme, casei e fiquei morando no Leme em outra rua. Morei na Gustavo Sampaio, depois passei para a Roberto Dias Lopes.
P/2 - E quais são as suas lembranças de infância?
R -
Eu e meu irmão. Mas é uma coisa, uma lembrança muito pequena porque é cinco anos. Me lembro bem que... E isso, me lembro...
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P/2 - Manuel Mandric
R - Walter Oaquim
P/1 - Boa tarde, Oaquim.
R - Boa tarde.
P/1 - Nós queremos, então, começar a entrevista pedindo a você que fale o seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Bom, meu nome é Walter Oaquim, nasci em 20/8/1939, na cidade do Rio de Janeiro.
P/1 - Qual é o nome dos seus pais?
R - José Miguel Oaquim, Rosa Oaquim.
P/1 - De onde eles são?
R - Meu pai, sírio, naturalizado brasileiro; é vivo. Minha mãe é maranhense, filha de libanês, já falecida.
P/1 - E seus avós? Você lembra, conheceu?
R - Me lembro, me lembro. O avô da minha mãe, eu não o conheci, mas chamava Alexandre Abud. Foi industrial, primeiro industrial na cidade de Pinheiros, no Maranhão. E a minha avó foi Júlia. Me lembro bem dela. E meu avô paterno era José Miguel... Miguel, meu pai é José Miguel. O nome dele é Miguel e a mulher dele, minha avó Joana.
P/1 - Você tem irmãos?
R - Tenho. Tenho Nelson Oaquim, meu irmão, minha irmã mais velha que é a Lea Oaquim e um irmão que não foi adotado pelo meu pai, mas foi criado pelos meus pais naquela época. Era o Miguel. Primo... Filho de um primo do meu pai. Mas para nós é irmão.
P/1 - Você morava aonde quando criança?
R - Bom, eu nasci na rua... Primeira vez assim é... Minha memória é muito longa, 61 anos. Na Rua Jorge Lóssio que dava no pé do morro do Salgueiro. Depois eu fui morar na Marise Barros, em uma vila, 79. Foi ali que eu passei grande parte da minha infância. Ali perto da Praça da Bandeira. Depois eu fui morar na Rua Marise Barros, morei na Rua Pereira Nunes. Aí, em 1959, eu fui para o Leme. Fiquei grande parte no Leme, casei e fiquei morando no Leme em outra rua. Morei na Gustavo Sampaio, depois passei para a Roberto Dias Lopes.
P/2 - E quais são as suas lembranças de infância?
R -
Eu e meu irmão. Mas é uma coisa, uma lembrança muito pequena porque é cinco anos. Me lembro bem que... E isso, me lembro bem da Gávea naquela época, quando era mais garoto. Depois, eles me levavam em outros campos.
P/1 - Como era a Gávea, você lembra?
R - É como ela é hoje, só que não tinha aquele outro lado da onde tem o parque esportivo do Flamengo. Ele parava ali em uma arquibancada, a bola caía na lagoa. Aquilo era ali tipo um manguezal que foi tudo aterrado. O lado da entrada do campo pela Praça Nossa Senhora Auxiliadora era parecido com o que tinha lá até porque aquelas arquibancadas estão lá até hoje. E era mais ou menos aquilo. Quer dizer, quando era garoto eu, na Jorge Lócio, que eu me lembro bem era que tinha um pé de goiaba no meu... Lá eu subia no pé de goiaba e os barulhos dos atabaques que vinham do morro do Salgueiro porque antes não era escola de samba. Principalmente em época de Carnaval era muito usado e assim também era uma lembrança muito vaga. Quando eu fui para a Rua Marise Barros, 79, aí sim porque era uma vila. Então, a vila é uma cidade para você. Tinha um muro, pulava o muro, caía no Sindicato Têxtil e ali a gente jogava futebol na vila, ali fazia festa de São João. Quando chegava na época de São João a gente fazia aquelas bandeirolas todas. Me lembro bem que lá no final eram casas... De um a oito, na casa sete tinha uma árvore frutífera. Então, ali tinha uma casa de sala, dois quartos. Morava na casa dois, tinha três cachorrinhos lá em casa. Era uma coisa assim que ali era uma zona sem prédios, sem edifícios, então, era muito interessante. A Praça da Bandeira quando chovia enchia, até hoje enche, e a gente saía lá pela enchente e levava a vida ali. Do lado, tinha um circo. A gente, para ir ao circo todo dia a gente fez um buraco do lado da lona e botava areia solta. Quando chegava a noite, a gente tirava a areia solta, entrava por debaixo e botava areia. Daí, ia ao circo todos os dias. Era a molecagem de entrar nos lugares de graça. Então, ia ao circo. Então, era uma vida assim muito agradável. Jogava futebol; tinha um time na Quinta da Boa Vista. Depois, ali eu morei, fui morar no 79, passei para o Edifício Vituruna; Marise Barros com Vituruna. E ali era perto do América. A gente ia lá para o América, para a rua de baile de Carnaval, aquela coisa toda, jogar basquetebol. Mas nós tínhamos uma turma que nós íamos para a Quinta da Boa Vista, jogava futebol, pegava o ônibus 67, que não ia até o Alto da Boa Vista e a turma ia cascatinha, aquelas coisas todas. Era tudo para jogar bola. Aí, escolhia-se os lugares mais arborizados, todos ecológicos para a turma jogar bola. E era uma rapaziada! Quando era cinema na Praça Santos Pena era uma turma meio bagunceira. A gente pegava um cigarro, deixava um cigarro aceso, botava uma bombinha, quando chegava no final estourava no meio do filme. (risos) Aquelas coisas todas. Pegava goiabada, na época a gente jogava goiabada. Aquela coisa de juventude. Era uma coisa muito alegre. Não havia excesso, nem violência, mas existia muita alegria. Naquela época, pegar bonde andando, saltar de bonde andando. Então, é uma vida toda assim... E quando em 1950 começou o Maracanã, então eu assisti todos os jogos que vocês possam imaginar no Maracanã. Nós íamos a todos os jogos, todos! E eu gostava de ir na geral porque na geral a gente vê os jogadores mais perto. Meu pai era diretor de futebol do Flamengo, em 1952, 1954, 1955, e eu ia para a geral. Aí, ali era muito bacana. Me lembro até... Tem uma cena que eu nunca mais me esqueço: que eu gostava muito de ir a geral e ali no meio da geral, onde é embaixo das cabines de rádio, tinha um negão que estava sempre bêbado. E ele, como eu era fã do Rubens, que era um jogador, e o sujeito também, então ele chegava assim, era um precursor até de inventar coisa, porque quando o Rubens pegava a bola ele virava e dizia assim: “Dá-lhe doutor Rubens, a máquina que costura sem pedalar”. Quer dizer, naquela época só existia máquina de costura, então ele inventou na imaginação dele a máquina sem pedalar. Quer dizer, era pedalar... E na verdade, ele era um inventor. (risos) Era um inventor também. Então, ele ficava assim... Aquele bêbado e era o jogo todo. E achava aquilo muito bacana. E eu assistia o jogo sempre do lado do negão. Ia para lá e também já gritava: “Dá-lhe doutor Rubens, a máquina de costura que funciona sem pedalar”. E vi no Maracanã todos os grandes craques; Pelé, Garrincha, o velho time do Palmeiras, do Cruzeiro. Vi muito futebol lá. Vi todos os títulos do Flamengo, tricampeonato, 1953, 1954, 1955, com Dida, Evaristo, Zagallo. Todos eu vi jogar. O Flamengo tinha um goleiro que era um paredão; Floriano Garcia. Então, eu vivi aquela minha vida de 1950... De 1950 em diante ali pela Tijuca, jogando futebol, estudando, indo ao Maracanã, onde era um apaixonado...
P/1 - Você ia sozinho ao Maracanã?
R - Não, a gente era uma turma, muita gente.
P/1 - Você ia, então, ao Maracanã a partir de 1950...
R - Sempre, sempre. E tinha umas coisas assim interessantes. Por exemplo, meu pai tinha loja de móveis lá na Rua Machado Coelho. O meu avô ficava com ele lá e quando o Flamengo ganhava o meu avô pegava, botava na eletrola um hino do Flamengo que tocava de manhã até de noite que ninguém mais na rua... E era sempre, toda segunda-feira, era segunda-feira. Quando ganhava, então, do Vasco, você vê a rivalidade como é antiga, ele botava a todo volume. Mas ninguém agüentava. Ele chegava às 7:00, 8:00 da manhã até de noite. Então, a minha vida foi passando assim até que eu mudei, em 1959, para o Leme, 1958, por aí, 1959, na Gustavo Sampaio, aí fiz vestibular para a Faculdade Nacional de Direito e então aí começou uma nova etapa da minha vida.
P/1 - Agora, voltando um pouquinho, Oaquim, você comentou com a gente que você costumava freqüentar a matinê lá na sede da praia. Não é isso, quando criança?
R - É, quando era Carnaval, o meu pai me levava na sede da praia do Flamengo, aquela antiga, 66.
P/1 - Como era a sede?
R - A sede era o seguinte: você chegava, aí tinha um terreno, um espaço largo, tinha um prédio, que você subia pelas escadas, e em cima tinha um salão enorme. E em baixo, você seguindo, você tinha os barcos todos do Flamengo e no final você tinha uma quadra de pelota de mão. Eu me lembro só dessa, não me lembro de outra. O cara jogava bola contra a parede. E ficava os remadores do flamengo todos ali. E eu... O meu pai primeiro me levava nos bailes. Lá em cima era dividido; tinha o cordão, tinha o baile infantil e o baile mais juvenil. Eu comecei no baile infantil, depois fui para o juvenil. Então, sempre no Carnaval eu estava lá ou quando o meu pai me levava em um acontecimento porque eu morava na Tijuca e a distância, não parece, era muito longa naquela época, até porque não tinha grandes avenidas, aquela coisa toda. Mas, ali a praia do Flamengo era espetacular, as festas do Flamengo, regatas.
P/1 - Você via essas regatas?
R - Via, meu pai me levava a tudo; Bariri, Conselheiro Galvão, tudo que é jogo, Caio Martins. Nós íamos embora com o meu pai. Todo jogo do Flamengo ele levava desde que eu me entendo como criança. Domingo era ver com o meu pai futebol. Sempre. E era ótimo porque para mim o futebol teve essa alegria, essa paixão toda. Quando tinha Rio-São Paulo, eu ia para o Maracanã. Gostava dos jogos internacionais. Eu vi jogar o Holod da Hungria, que era um time, Real Madrid. Os grandes times do mundo, eu ia no Maracanã. Então, Pelé eu ia sempre; Pelé e Garrincha. Apesar de ser Flamengo doente, mas ia assistir os jogos do Garrincha porque para mim ele era o Charles Chaplin do futebol. Um sujeito que conseguia correr, levar todo mundo e a bola ficava no lugar. Carlitos e Garrincha... O Garrincha é o Carlitos do futebol.
P/1 - E você praticava algum esporte?
R - Eu jogava peladeiro. Não, basquetebol eu joguei. Joguei basquetebol. Como eu morava ali do lado do América, eu joguei no América. Fui para o Flamengo, mas era muito distante; levava quase duas horas. O meu pai mesmo falou que não era possível. Jogava e bem. E futebol, jogava mais pelada. Sempre fui peladeiro. E sempre fui peladeiro do campo de Chico Buarque. Agora, isso aí é mais para frente. Quando chegar no momento eu até posso falar. E peladeiro; jogava de zagueiro e de goleiro. No campo
era bom goleiro.
P/1 - E quais as outras diversões assim da juventude? Você gostava de cinema?
R - Muito. Sempre gostei muito de cinema. E teve uma coisa muito interessante, foi quando eu estava no primeiro ano científico, que na época era científico, acho que agora é segundo grau, não sei bem ao certo. E aí eu conheci um professor de português, Teomar, que me influenciou muito e eu passei a ler muito, estudar literatura. Eu fui fazer Direito e aí foi ótimo porque eu sou um relativo conhecedor de Machado de Assis, de Padre Antônio Vieira de Eça de Queiroz e isso me ajudou muito na formação intelectual. Eu tinha uma formação mais de lazer, de vida, de criancice. Aí, quando entro para a faculdade já estava mais embasado, pronto, em 1960, para participar daqueles acontecimentos políticos da época.
P/1 - E cinema, o que você costumava ver?
R - Cinema eu via desde as chanchadas de Oscarito, que eram gozadíssimas, Oscarito era um gênio, aos filmes que vinham da Metro. Geralmente era o filme da Metro que era famoso.
P/1 - E onde você costumava ir no cinema?
R - No cinema, eu costumava ir na Praça Sanches Pena. Lá tinha um cinema América, Carioca, Metro, Tijuquinha, que era um tipo... Chamava tipo poeira. E do outro lado tinha o cinema Olinda. Então, gostava de tudo;
... Aliás, até hoje eu sou um apaixonado por cinema. Sou louco por cinema. É claro que eu tenho predileções hoje para ver, mas eu gosto de tudo que é tipo de filme. Interessante. Eu passei a ser um... E se talvez eu voltasse a minha vida para fazer alguma coisa talvez hoje eu fosse me dedicar ao cinema porque tamanha é a paixão que eu tenho; desde o filme do
ao filme do mistério. Eu me lembro bem que tinha uns filmes do Flash Gordon e a gente dizia “ih, isso nunca vai acontecer, o homem vai a lua”. Tinha um negócio, na época, os botões, que hoje são de computação, naquela época a criatividade e ninguém achava que ia ser. Quando eu vejo hoje um filme científico na televisão, até uns filmes desse de ficção científica, eu já me lembro sempre do Flash Gordon. Eu digo: “Isso aí vai acontecer” porque o outro aconteceu. (risos) Aí, vai acontecer. Também filme de amor. Tem aqueles filmes de Elizabeth Taylor. Então, era bonito. A gente jovem queria que acontecesse uma história daquela comigo também. E, depois, já entrando para a faculdade, eu conheci o cinema italiano. Foi o cinema que eu me apaixonei.
P/1 - O neo-realismo?
R - É. eu acho... Todos. Desde Pazollini, o artista fantástico é Vitorio Gassman que eu acho que ele... Branca Leone, o Exército Invencível. Aí você tem toda a linha dos grandes Fellini. Assim, os que mais me impressionam na minha vida... O ator é o Marcello Mastroianni. Eu acho que ele é disparado no cinema o melhor ator. Eu nunca vi nenhum parecido. E ótimo, até o próprio Vittorio Gassman é ótimo, mas o Marcello Mastroianni é fora de sério. E todos os filmes que ele trabalha ele é... Principalmente o filme Os Companheiros que é um filme marcante, extraordinário. Então, é um... O cinema italiano é genial pelo realismo dele. Então, do ponto de vista até político, eu acho que está 200 anos a frente de todos os outros. O melhor cinema do ponto de vista da técnica, e tal, é os Estados Unidos que têm grandes filmes, mas como eles produzem muito também produzem muita besteira. Mas indiscutivelmente é um grande cinema. Eu acho que aqueles cinemas daquelas épocas românticas apesar de parecerem piegas eu não acho não. Achei muito bonito até porque eu também hoje eu sou um sujeito também muito romântico e muito fantasioso, às vezes, em função dessa experiência. Que você começa a utilizar o seu imaginário para criar histórias na sua imaginação. Então, acho muito legal. E tive uma formação, também uma influência muito grande da minha mãe, uma formação muito humanista. Eu fui formado dentro da escola da vida, escolar da escola, escola faculdade, mas com muito humanismo. Sempre assim com uma visão muito generosa do ser humano. Nunca olhei o ser humano como um inimigo. Assim, tu olha um menino de rua com medo, eu não. Eu olho como uma pessoa que precisa de um apoio da sociedade, certo? Olhava um homem que está na rua deitado sempre como um homem que deve ter dentro dele um grande drama social. E quando você vai pesquisar realmente tem muitos que têm dramas sociais. Então, é o olhar. Eu aprendi acho que a olhar. O olhar da generosidade. Isso aí você só aprende com a tua vivência. Não aprende no livro. Aprende na vivência. Então, como eu vivia nas ruas, no circo, no cinema, entendeu, na praça, baile de carnaval, essa vida é uma vida que pode fazer um humanista. A vida de hoje é muito difícil. Você para ser um humanista você está todo dia bombardeado por questões de consumo, de ter é maior do que o ser está entendendo? A violência banalizada na sua frente. Então, você passa pelos problemas querendo ficar longe dos problemas e não viver o problema, e não transformar o problema, e não transformar a sociedade. Eu acho que a vida ficou muito... A divisão do trabalho acentuada e quando você divide muito o trabalho você perde a visão do todo, do global, que os alemães chama de gestalt, que a visão da globalidade das coisas. Então, eu acho que essa minha infância para mim foi maravilhosa porque ela me deu essa visão de generosidade na vida; de poder hoje estar trabalhando com os garotos de rua, com os excluídos da sociedade. Meu trabalho é fundamentalmente com a exclusão social. E eu olho isso não com distância, mas olho isso pelo lado da vida humanista que eu tive, de valorizar o ser humano. Isso sempre esteve muito presente. Música também teve muito presente. Eu ia muito a Rádio Nacional. Antigamente era um programa ir a Rádio Nacional. Pegava o bonde Praça Mauá e ia um grupo. Nós íamos assistir os programas; desde César de Alencar no sábado ao domingo que tinha uma série de programas na Rádio Nacional.
P/1 - Onde ficava a Rádio Nacional?
R - Na Praça Mauá. Tinha um bonde, parava lá, a gente atravessava e ia, via qualquer um. Nós éramos... A turma tinha uma, que nós éramos fregueses. E Carnaval também que era uma coisa maravilhosa a gente passava o ano todo guardando as roupas velhas da minha irmã e nós saímos de bloco sujo, todo mundo de bloco sujo e pegava o bonde, íamos lá para o centro da cidade e comprava uma lança-perfume. Naquela época, a lança-perfume era usada mais para brincar com os outros. E bloco de sujo, carnaval. Era... Gostava da Mangueira, que passava... A Mangueira passava na porta da minha vila, que era diferente o desfile. Antigamente, o desfile tinha... Os mais importantes eram os desfiles da sociedade que tinha democratas, tenentes do diabo. Eu torcia... Porque o tenente do diabo era preto e vermelho. Então, eu ia torcer pelos tenentes do diabo. O outro que era preto e branco, aí o Vascaíno que torcia, o botafoguense. Então, era assim. Era uma vida muito bonita.
P/1 - Você poderia comentar um pouco desse bloco... Desfile de sociedade.
R - Isso era desfile de sociedade. Eram carros alegóricos. Não tinha o samba no pé. Vinha os carros e as pessoas dançando em cima dos carros. E eu me lembro, meu pai tinha automóvel, ele parava ali na Cinelândia, a gente ficava em cima do carro vendo o desfile. Então, era o desfile da terça-feira de Carnaval. Acho que era terça, se eu não me engano. E era o desfile de todas elas.
P/1 - E os rubro-negros costumavam torcer...
R - Torcer para o tenente do diabo. E era muito bom. E tinham blocos também na rua. Quando eu ia nos blocos de rua, a gente ia lá, brincava, todo mundo tinha um cartaz, outro tinha outro. Aquele Carnaval antigo que você vê no Rio, eu vivi esse Carnaval. Então... E tinham umas coisas interessantes que era Elvira Pagã. Tinham umas vedetes que iam nua. Aí ela levava multidões com ela. Tinha uma que tinha uma... Luz del Fuego, que tinha cobra. Elas apareciam pintadas de cabelo verde e vinham em um carro nuas ou então um biquinizinho em cima de um carro. E andavam e ia uma multidão porque ali... Para você ter uma idéia, ficava ali da Presidente Vargas até quase onde é o obelisco de gente. Ali era a Galeria Cruzeiro, onde é o Edifício Avenida Central. E era gente, era bloco um atrás do outro. E é um negócio impressionante. Quer dizer, eu vivi esse Rio todo e isso tudo marca a vida das pessoas. Não é saudosismo não. Isso é muita pureza nas coisas. As pessoas eram menos violentas talvez ou a sociedade era mais tranqüila, a riqueza era mais dividida. Você não via... Você pegava uma pessoa na rua era porque era uma pessoa que teve a sua vida destruída, ficou bêbada, era álcool geralmente. Eu não me lembro de ter visto criança de rua. Nunca. Isso veio de 1964 para cá. Não existia criança de rua. E talvez também não vinha muita gente dos campos para a cidade. As rodovias começaram também trazer mais gente, saindo daquela miséria fantástica. Então, a vida na cidade era mais equilibrada. Tinha prédios, mas eram prédios dimensionados. O Rio, muita escola pública. O Rio tinha muita escola pública, muita praça, muita... Não havia muito desemprego. Então, era muito interessante. Do lado da vila onde eu morava tinha um sindicato têxtil, que ali quando tinha greve ali que era o ponto central das greves. Então, lá eu sempre jogava bola, caía a bola para lá, eu ia pegar e fazia amizade. Quando tinha festa no sindicato entrava para comer sanduíche, guaraná. E lá, assim garoto, assisti os maiores líderes comunistas, socialistas, discursarem porque eu estava ali; Roberto Moreno, aquelas coisas toda. Então, eu via os caras falando. Ainda me lembro até quando um dizia que o Baby Pignatari vai gastar todo o nosso dinheiro no exterior e aqui a gente é trabalhador e vive com dificuldades. Desde garoto eu via todo esse apanhado. Então, a massa de informações que eu recebi eram muito interessantes porque eu acordava em uma vila onde jogava pelada, onde soltava pipa, onde apostava corrida e depois você pegava um bonde, que era uma coisa interessante, você tinha grupo para jogar bola, ia a cinema, ia a futebol, ainda assistia a manifestação política. Uma vez o meu pai me levou para um Getúlio Vargas. Era impressionante aquele negócio: “Trabalhadores do Brasil!”. O estádio ficava lotado...
P/1 - Quando isso?
R - Geralmente primeiro de maio. Primeiro de maio. Meu pai ia... Meu pai era getulista e Flamengo. Aí eu ia atrás com ele e assistia tudo, levava. Então, tinha uma vida assim muito acentuada, muito bonita.
P/2 - Você sabe como é que o seu pai se tornou Flamengo?
R - (risos) Ele conta... É muito gozado. Ele diz o seguinte: quando ele chegou ele era sírio mascate. Então, ele tinha que subir no morro. E para subir no morro ele olhou e viu que tinha sempre um perigo. Sempre houve alguns malandros. Mas ele viu que todo mundo ali era Flamengo e getulista. Então, ele foi Flamengo e daí ele se acostumou e adorou. Mas ele diz que primeiro foi por questões de segurança. (risos) Você vê que o negócio de segurança é antigo nesse país. (risos) E aí ele chegava, subia, com negócio do Flamengo e com um retrato de Getúlio na mala, passava por qualquer barreira que tivesse em favela. Não tinha problema. Apesar do que era menos perigoso do que hoje indiscutivelmente.
P/2 - E você falou que ele participou, teve alguns cargos dentro do clube.
R - Meu pai, ele é vivo. Ele é benemérito do Flamengo.
P/2 - Desculpa.
R - Ele foi diretor do social, ele foi diretor de futebol do tricampeonato. Sempre foi assim uma pessoa que ajudou muito o Flamengo. Naquela época, a pessoa ajudava demais o clube. Então, eu fui de uma família rubro-negro. Só a minha mãe que era Vasco. Era a única que era diferente; era a minha mãe. E era duro aturar ela nesse aspecto. Gozado, toda a família do meu avô era Flamengo, a família da minha mãe era toda Flamengo, toda... Quando veio negócio de Flamengo só perguntaram... Falei da minha mãe. Meu tio, Cezar Abud, foi governador do Maranhão, deputado estadual e fla-rubro-negro tão doente que como naquela época não podia vim sempre no Rio, ele fundou o Moto Clube do Maranhão que é preto e vermelho. Foi fundado por ele. Meu tio Alexandre Abud, todos os meus tios, são falecidos, só tem um vivo, todos foram sócios do Flamengo durante 60 anos. Fora... Pagava fora do Rio, morava no Maranhão. Toda a família. Só a minha mãe que era...
P/2 - E ela falou alguma vez para você o motivo dela ser...
R - Não. Ela... Só quando o Flamengo perdia do Vasco era terrível! Que a gente chegava em casa, íamos no jogo, tomava banho, comia, ela botava todo mundo para dormir, não falava nada. No dia seguinte de manhã, acordava batendo na bacia, cantando Casaca. Aí era uma desgraça. Mas eu levava isso numa boa porque eu acho que o esporte não pode ter ódio, tem que ter essa divergência até sadia, democrática. Tem que ter isso mesmo.
P/1 - Você aprendeu a diferença em casa?
R - Aprendi a diferença em casa e na vida, na sociedade tinha mais diferença. Mas isso é bom. Acho que discutir é bom.
P/2 - E os seus ídolos de infância, quem eram?
R - Meus ídolos de infância... Olha, os maiores ídolos que eu tive foi, de uma maneira geral são do futebol. Geral. Bom, o maior ídolo, talvez, seja o Carlitos, Charles Chaplin. Tem filme do Carlitos que eu já assisti 10 vezes, 12 vezes. Tempo Moderno etc. Eu acho que ele tem humor e tem vida. Ele passa essa mensagem. Charles Chaplin é qualquer coisa de fantástico. Aí você tem cada área tem uma pessoa que você te impressionava. Quando eu era muito garoto, eu era do tipo que torcia para a Emilinha Borba contra a Marlene. Tinha uns negócios desses na vila. Os meninos, garotos mesmo, tudo participava. Tinha dessas coisas todas. Mas durante a vida, na música, assim, minha paixão é o Chico Buarque, Caetano Veloso. Eu acho que são verdadeiros poetas os dois. Gosto muito do... Gostava muito do Lamartine Babo naquelas épocas das marchinhas, que tinha todas as marchinhas de Carnaval. Um que eu acho fantástico é o Dorival Caymmi também. Dorival Caymmi eu acho... Tem muita gente da música. Futebol, a admiração era Pelé, Garrincha, de primeira, e do Flamengo era doutor Rubens. Rubens era... Depois Zico. Que aí Zico já é mais recente. Mas eu conhecia aqueles jogadores todos que eu ia ver, Luís Borracha, Dorival, Nilton, o Guilherme de Almeida, eu conhecia todos.
P/2 - Você poderia falar um pouquinho do Rubens? O Rubens a gente falou aqui...
R - O Rubens era um jogador que era da Portuguesa de Desportos. O Flamengo contratou na época por 600 mil não sei qual é a moeda. O Brasil é o rei das moedas. Inclusive, a última, mais recente, é a moeda podre. Que eles compram o país com moeda podre. E o Rubens era um jogador que veio, estreou, o Vasco... O Flamengo não ganhava do Vasco há sete anos, ele estreou neste dia, jogou demais e caiu na graça. Era um meia de ligação. Era tão bom que a gente chamava de doutor Rubens. Mas teve outros grandes jogadores do Flamengo; Dequinha, Evaristo. Jogador que não faltava no futebol. Então, cada um tinha um ângulo, uma paixão assim por um lado da vida. Eu gostava de cinema. Cinema pelo Carlitos, apesar de todos, tinha uma série de outros, ele era o que me alegrava mais.
P/1 - Oaquim, você costumava ver os cines-jornais, os gols, os jogos pelo cinema ou...
R - O negócio é seguinte, que o cinema é canal 100 quando era mais na frente. Mas naquela primeira época não tinha televisão ainda e o canal... Eu me lembro, tinha uns jornais. Antes do filme tinha sempre um jornal. Quando teve o canal 100, canal 100 era imbatível. Carlinhos Niemayer era um grande amigo, muita saudade dele, era uma pessoa que fez cinema, fez história. E era fora de série na história mesmo do futebol. Eu acho que é da história do futebol.
P/1 - E é uma emoção diferente de ver na tela grande no estádio?
R - Olha, o estádio você se emociona demais, você tem que estar preparado para o jogo. Flamengo sempre foi uma festa. Então, aquele período do Zico era uma festa na arquibancada e dentro do campo. O Flamengo... Porque o futebol é... Eu tive discussão com muitos amigos na época da ditadura, eles usaram muito futebol e muitos amigos meu de formação de esquerda, falava que o futebol era o ópio do povo. Eu disse não. Futebol é cultura, é arte popular, é paixão. Alguém está se apropriando dele como se apropria do cinema, como se apropria de qualquer evento. Então, ele se apropriava por ser um esporte de massa, mas o futebol não é isso não. Futebol é arte popular e é a paixão do povo brasileiro. E nisso aí, eu era muito parecido e até muito amigo do João Saldanha que era para mim, um gênio do futebol. Gênio do futebol brasileiro fora das quatro linhas se chama João Saldanha. E um outro também extraordinário, era o... Esqueci o nome dele agora. Era um outro.
P/1 - Cronista?
R - Não, não. Ele era comentarista de futebol. Daqui a pouco eu me lembro. Agora tinha um sensacional, tinha uma dupla rubro-negra; Ary Barroso e Escasso. Ary Barroso quando começava a irradiar um jogador que veio do Flamengo perdia uma bola, ele parava a transmissão para dar uma esculhambada no jogador pelo rádio. Não podia ficar brincando e continuava em jogo. Quando o adversário fazia um gol, tinha uma gaita que ele fazia “piiiii”. Quando o flamengo ganhava, a gaita ficava cinco minutos e já estava o jogo correndo e a gaita do gol porque o Ary Barroso era a gaita. Se estava com a gaita é porque tinha um gol.
P/1 - E o Escasso?
R - O Escasso era o comentarista. Só via o Flamengo tocando a bola, adversário não tinha. Era a dupla que a gente gostava mesmo porque era rubro-negro e também todos esses... Antes, era tudo definido. Um cara tinha um time bem definido e era uma dupla boa. O futebol era mais calmo, as torcidas na arquibancada, o Flamengo tinha a charanga, cada clube tinha uma torcida só organizada. Aí, a coisa era mais tranqüila. O estádio super lotados.
P/2 - Você estava falando do futebol, quando é que... Antigamente era o goleiro, 2, 3 e 5 na frente?
R - O goleiro era o 1, tinha o 1, 2, 3 e 5. Mas, o 5 acabou voltando e daí veio e foi mudando a....
P/2 - Por que acontece essa mudança de 4-2-4 para o 4-3-3?
R - o 4-2-4 foi mais recente, quer dizer, começou a mudança vir com... Na minha opinião com a seleção húngara. Ela que começou a mudar, por exemplo: O centroavante passou a vim buscar jogo, está entendendo? Aí, o zagueiro de área que geralmente era durão, acompanhava e abria aquele... Aí, entrava um extremo, entrava um outro. Por isso que a seleção húngara foi assim, fantástica, que ela taticamente era diferente. Ou então, quando ele não voltava, ele caía nas costas de um lateral, coisa que não existia porque no futebol era tudo muito estático; meia direita, meia esquerda, centroavante, ninguém se movimentava muito, entendeu?
P/1 - Você assistiu o jogo contra aquele time húngaro, quando que era, contra o Flamengo?
R - Assisti. O primeiro jogo, o Flamengo deu uma goleada porque eles estavam muito cansados. O segundo jogo, já em São Paulo, eles prepararam melhor, eles botaram 5 a 0 em 15 minutos. 5 a 0, 5 a 1. Depois, eles foram perder de 6 a 5 porque cansaram. Mas, era um time, realmente um dos maiores do mundo de todos os tempos. O futebol ainda teve uma escola. Juntou um determinado momento, depois com o problema da Hungria, eles se dissolveram, eles foram jogar na Espanha, no Real Madrid, Koksi, Pucsas eram magníficos jogadores.
P/2 - Você falou que no segundo tri, você garotinho, você...
R - O primeiro tri, eu era... O primeiro tri, eu tinha... Não, eu já era rapaz, 14, 15, 16...
P/2 - O segundo...
R - Não, o primeiro tri eu era garotinho.
P/2 - Era um garotinho, uns cinco anos.
R - Isso. No segundo que eu já era rapaz, rapaz adolescente.
P/2 - Nesse de rapaz adolescente, você também entrava com o time?
R - Não.
P/2 - Aí, já era diferente.
R - Não, aí eu assistia o jogo normalmente. Eu ia para a geral, para a arquibancada, para a cadeira, eu ia... Cada ano, eu ia para um lugar. Não tinha...
P/2 - E havia esse negócio de cantos como tem hoje?
R - Não, era diferente. A torcida batia muita palma, berrava, gritava Mengo, Flamengo, Flamengo, Flamengo. Às vezes, cantava o hino, mas não... Hoje, hoje é diferente. Hoje, tem torcidas organizadas, cada um de uma maneira. Era diferente, mas a participação era grande, a participação era enorme, participava bastante. E eu comecei a ser dirigente do Flamengo em 1969 porque conselheiro eu fui desde que eu passei os 18 anos, passei conselheiro. Aí, aos 20 anos, 30 anos... Menos, 28 anos, 27 anos, em 1967, aí eu fui vice-presidente de relações externas, advogado do Flamengo, ganhei uma causa muito importante que era o jogador César que o Palmeiras ia levá-lo e o Flamengo ganhou. O Presidente era o Veiga Brito. Depois quando o Márcio Braga foi presidente na FAFI foi aí que eu atuei muito. Aí, eu fui vice-presidente das relações externas, era advogado da Federação. O Flamengo ganhou dois, três campeonatos em dois anos e não queriam dar o tri. Aí, eu fui o advogado e ganhei da Federação esse título. Depois, fui Presidente do Conselho Deliberativo do Flamengo, voltei a ser vice-presidente de relações externa, benemérito, eu sou gran benemérito, sou vice-presidente de futebol.
P/1 - E Oaquim, voltando um pouquinho, você em 1960 entra na faculdade. Por que você escolheu direito?
R - Achava legal, bonito, não tinha assim uma vocação específica não. Eu gostava até porque eu estava lendo muito. Eu achava que geralmente o advogado é o que lia, falasse, lesse e tal, mas eu não era o orador não. Eu gostava de ler, eu me tornei orador em negócio de campanha política na faculdade, na sociedade, a gente ia para a Central do Brasil. A gente apanhava o Sérgio Magalhães, na época contra o Lacerda. Eu era orador e orador eu fui aprendendo com a massa falando, discursando e entrei na faculdade e não sabia falar em público. Em 1963, eu fui orador oficial da faculdade. Em 1964, quando teve o golpe militar, eu fui proibido de ser orador de turma da faculdade. Tive que concorrer porque tinha um concurso. Eu era orador da faculdade e fui proibido de concorrer.
P/1 - E como é que era 1960 no Rio? Foi a mudança da...
R - Era o bonde... O bonde estava sempre presente. O bonde aumentava a Light era quebra-quebra nos bondes. Entrei na faculdade com um quebra-quebra na porta da faculdade...
P/1 - Onde era a faculdade?
R - Do Largo do Caco, ali na Praça da República. Ali era o senado na época imperial. Ali, Rui Barbosa falava, fazia os discursos dele na época da defesa da sociedade civil, etc e tal. E ali era um centro político ali, fantástico onde... Entrei em 1960, em 1961 nós ganhamos o diretório, 1962 nós éramos... Eu era vice-presidente do Caco, presidente era um ex deputado, Brandão Monteiro que também Flamengo doente. Que na época que nós ficamos escondidos de 1964, nós íamos aos jogos a noite ver o Flamengo. Eu, ele estavam escondidas, saímos lá da ilegalidade para ver o Flamengo jogar. Era um negócio, tal o vírus mesmo, contaminados pelo Mengão. Mas, na faculdade era sensacional a participação intensa. Eu, no final de 1961, eu fui a Cuba que eu também era do grupo do Paulo Freire, eu era supervisor do Paulo Freire em Nilópolis. Tive em Cuba, conheci Che Guevara, conheci Fidel Castro naquela época porque eu fui conhecer alfabetização lá. E fiquei 15 dias lá, voltei. Era uma vida... Eu alfabetizava ali na Baixada Fluminense. O método do Paulo Freire era qualquer coisa de fantástico. Só no Brasil que era proibido, foi lançado no mundo inteiro.
P/1 - E como é que era... Você poderia falar um pouquinho do método? Bom, retomando então, você estava falando do método do Paulo Freire e a aplicação dele.
R - Paulo Freire é o seguinte, a palavra professor não existe. Coordenador, supervisor e você quando entrava em uma turma de analfabetos, eu não podia ensinar. Eu tinha que orientar. Você tem que buscar da pessoa, o que ele tem de melhor dentro dele, estimulá-lo a se manifestar. Então, geralmente começava ser antes de começar uma alfabetização em uma região, você fazia um estudo sociológico para saber quais eram as palavras chaves, está certo? Que palavras que as pessoas conheciam mais porque não adianta você chegar e falar em mangá se lá não tem manga naquela região, entendeu? Então, nessa região a palavra chave era poço porque não tinha problema... Quase a água não era encanada. Então, a palavra poço todo mundo conhecia. Começava com poço, mas aparecia só uma figura e tu perguntava: “O que é isso?” Aí, um dizia que era poço, um dizia que era um buraco e tal e acabava sempre vencendo a maioria que era um poço. Aí entrava em um outro
, uma palavra embaixo poço em que eu perguntava: “O que está escrito aí?” Os caras, por intuição: “É poço” .“Já sabia, já sei!” Aí, começava aquilo. Quando o outro dizia outro, então entramos: “Não, você falou que é poço, mas ele falou que é isso. O que vocês todos acham?” Eu nunca dizia qual era certo. Isso era uma coisa chave. Você quebrava a linha do estímulo da pessoa, se não ele ia achar: “Não, que professor vai dizer, eu já sei tudo”. Então, era assim, tinham 16 palavras-chave. O mais interessante quando você terminava 16, o sujeito era um cidadão, tinha aprendido e era um cidadão. Tinha consciência política da vila dele. As discussões porque no início eram 10 minutos de só discussões sociológicas. Depois que vinha a parte realmente da... Esse foi um ângulo da vida. Os outros na faculdade, nós tínhamos um... Um dia começou o Centro Popular de Cultura da UNE foi para lá. Era Oduvaldo Vianna Filho, Inês, Cacá Diegues era de cinema, Flávio Migliaccio também do cinema, Joaquim Pedro, quer dizer, foi uma época de grande rebelião cultural do país e eu me lembro quando eu cheguei do país de Havana naquela viagem que eu falei, e teve um ato em defesa, determinação do povo cubano. Quando eu acabei de falar, chegou perto de mim e disse: “Você pode estar aqui amanhã às 18:00, 18:30?” Eu cheguei lá. Quando eu cheguei, ele me deu as ordens: “Você agora é ator”. E estava lá a Neide Days, o Joaquim Pedro, estava também o...
P/1 - Joel Barcelos.
R - Joel Barcelos e...
P/1 - Vereza.
R - Vereza, Carlos Vereza, Carlos Vereza. Carlos Vereza sempre foi muito... Carlos Vereza não podia sair com ele em manifestação política porque quando vinha à polícia, o DOPS, a gente corria, ele se enrolava em uma bandeira e cantava o hino nacional pensando que os caras não iam prender e ele era sempre preso. Era famoso até quando ele era preso. Era um artista, sempre foi um artista notável. E ali, o que era? Era um discurso final e eu falava: “Mas, eu não gosto de ler, eu só faço de improviso”. Então, eu fazia o discurso de improviso. Essa peça, nós passamos na Praça... No Palácio Tiradentes, tinha mais de 15 mil pessoas, passava em sindicatos, esse negócio todo...
P/1 - Como se chamava?
R - Chamava
, mas aí eu nunca fui ator não. Só fui aquele que eu era orador e ficou naquilo. Mas, nós ajudávamos muito e na faculdade... Na faculdade, nós tínhamos um rapaz que era um gênio no CPC, ele era ator, escritor, escultor, pintor, um cara fantástico, se chama Nei Lopes, vocês devem conhecer, compositor popular. Fundou até escola de samba e tudo. Nei Lopes é... Lançou agora há pouco tempo, um CD e o Nei é famoso, músicas famosíssimas aí. Ele era... Ficou famoso com a música, não foi como advogado e era uma vivência... Aí, eu me tornei poeta também, as poesias...
P/1 - Você lembra alguma poesia dessa época?
R - Lembro. Uma poesia ecológica, você vê a tanto tempo atrás, é uma poesia ecológica. Você vê que a gente tinha consciência já jovem da transformação. Eu vou tentar me lembrar aqui: “Vejo alto uma frondosa árvore, Plena de flores e de frutos, No seu corpo baila os insetos, Nos seus braços cantam os pássaros, Como é belo ver a harmonia e o amor fraternal entre a flora e a fauna, Vejo alto uma frondosa árvore, Abrigando as chuvas prateadas de verão, Fertilizando o solo com o seu suor, Transpirando oxigênio puro, Para o homem seu irmão, Vejo alto uma frondosa árvore, Pura e bela como a virgem no altar de sacrifícios, Ameaçado pelo machado o lenhador, O pior fez com as suas irmãs queimadas e destruídas pela bomba Napalm, Vejo alto o crime doloso, O homicídio contra a natureza, O genocídio do próprio homem, Vejo nada morta nada morta nada”. Essa é uma poesia ecológica. Essa poesia eu fiz em Caxambu, em um parque de Caxambu. Fiquei imaginando aquelas árvores sendo destruídas porque você vê: “O meu corpo, o corpo era o tronco, era o corpo, os braços...” O que você tem em uma árvore? Você tem a árvore, você tem o pássaro e você tem o inseto. E você tem a flor, a flora e a fauna. Por isso que uma floresta tem que ser heterogênea. Quando uma floresta não é heterogênea, por exemplo: Para você ter uma floresta heterogênea, você tem mognos, jequitibás, etc e tal. Quando você faz aquelas de eucalipto é homogênea. Quando você derruba aquelas árvores, você transforma em deserto o solo, você termina o oxigênio e você mata a flora e fauna porque tem uma fauna que vive em função daquela flora. E o eucalipto é pobre, é uma forma pobre de vivência humana. Então, por isso que a gente tem aquela frase, que tem pessoas que olha e vê uma árvore, tem outras que olham e vê uma floresta. E essa poesia ecológica é da própria da natureza. Tem uma outra que é mais de rebelde, político. Que era tipo Geraldo Vandré, do protesto que era... Isso aconteceu o seguinte: Houve uma época, o Ronald Reagan que foi Presidente dos Estados Unidos queria fazer a Guerra nas Estrelas e só falava em guerra e armamentos, quer dizer o mundo passando fome e armamentos, querendo a guerra, transformar a guerra fria em guerra quente. E na Europa começou-se ter muitas passeatas contra essa parte guerreira, contra a bomba de nêutron, aquela bomba que matava sem destruir os prédios, matava a população. Então, tem uma assim que era assim: “Queremos liberdade e pão, Amor no coração, Segura firme rapaz, A nossa bandeira da paz, Será que esquecemos de Hiroshima, Onde a dor e a morte se amaram, A vida e a liberdade se acabaram, Numa poesia sem beleza e sem rima, As flores murcharam com a radioatividade, Os pássaros não cantaram mais nas cidades, A criança pura desintegrou, E o povo inteiro acabou, Queremos liberdade e pão, Amor no coração, Segura firme rapaz, A nossa bandeira da paz...” Aí, eu acho que até eu esqueci um pouco agora, mas era mais ou menos assim, nesse sentido de poesia protesto, entendeu?
P/2 - Como é que começou esse gosto pela poesia, quando você descobriu esse talento?
R - Porque eu lia e comecei a escrever sem sentir. Aí, fiz partido alto, fiz cordel, tenho até um livro para publicar. Eu fico fazendo tantas coisas na minha vida e o livro fica para trás. Essa da ecologia foi premiada uma vez e tem uns trechos desses que eu lembro que eu estava falando: “Os povos caminham pelas ruas da Europa, Conscientes nas condições de cobaias humanas, A árvore da vida abre as suas copas, E as forças da paz e essas forças tiranas, Queremos liberdade e pão, Amor no coração, Segura firme rapaz, A nossa bandeira da paz”. É porque o tempo vai passando, eu não vou gravando toda. Então, tinha uma outra que eu partido alto que era com banqueiro, todo mundo reclama, só o banqueiro ficou rico: “Meu irmão, cadê o dinheiro? Está na mão do banqueiro, Acabou-se aquele tempo, No milagre brasileiro, Já não sou consumidor, Pois sumiu o meu dinheiro, O meu irmão, cadê o dinheiro? Está na mão do banqueiro, Estou morando no
, Nos confins da catacumba, Estou usando caldo Knorr, No lugar do frango na macumba”. E vai embora, quer dizer partido alto. Então, uma porção de coisas, assim a gente vai fazendo e aí eu fui nessa vida, em 1964, veio aí pronto. Veio o revertério, auditoria de guerra, está entendendo? E tal, e não sei o que, eu me formei em segunda época porque fui suspenso. Tivemos que formar e não... Formamos antes porque nós fizemos... Tinha prova provinha, tinha uma chance, nós estudamos muito e era um grupo, passamos, formamos. Chato porque eu ia ser orador de turma e você não pode concorrer, frustra muito. E fui orador também do Instituto dos Advogados do Brasil que era a emenda constitucional pela reforma agrária. Era 10 minutos de improviso naquela época. A gente lia muito, eu tinha muita vivência, muita cultura. Não eram pessoas vazias, ocas, quer dizer você vê hoje mesmo esse negócio da droga generalizada porque eu acho que as mentalidades são muito vazia, oca. Se a pessoa tiver substância, cidadania, conhecimentos é muito mais fácil de você se rebelar. Apesar que não seja só isso. Tem gente inteligente que usa as formas de independência, mas de uma maneira geral, uma grande massa funciona dessa maneira. E aí, veio 1964 e aí aconteceu a minha retomada com o Flamengo da infância porque aquele período foi de política...
P/1 - Você falava de futebol nesse, entre 1960 e 1964?
R - Falava, falava muito. Gostava, eu ia ao jogo. Não deixava de ir. Isso, eu não largava nunca, mas não era tão, vamos chamar militante futebolístico como político. E aí, depois começou fechar tudo, ato institucional e eu andava muito nervoso. A gente fica com trauma, ficava com distúrbio neurovegetativo, ficava gelado, era um negócio. Até que um dia, aí eu casei em 1966, tive uma filha em 1967 e o meu filho em 1970 e o pediatra deles que era gostava muito de futebol, gostava do Flamengo. Quando ele ia visitar os meus filhos, conversava muito comigo. Um dia eu falei para ele: “Doutor Wilson, eu não me sinto bem, eu ando nervoso, esses acontecimento tudo, a luta pela vida”. Aí ele falou assim: “Por que você não vai ser lá dirigente do Flamengo, vai ser conselheiro. Você arruma uma coisa para distrair”. Como eu já não podia fazer mais nada, censura, cinema, você já não podia ver o que você queria, etc e tal. Eu voltei assim para o Flamengo, e fui ser advogado do Flamengo. Aí, entrei na história do Flamengo novamente. Aí, eu sou benemérito, sou membro benemérito do clube.
P/1 - Você falou que durante um certo tempo, você ia escondido no estádio? Você podia contar um pouco isso, como é que era isso?
R - É o seguinte: Quando em 1964, eu tive que me esconder e eu ficava em uma casa de uma tia lá na Professor Gabizo e o Brandão sabia onde ele estava por telefone. Então, ele sabia o meu telefone, eu sabia o dele. Mas, a gente tinha medo, ou de escuta de telefone e tal. Entrava na casa de uma irmã, aí eu ligava para ele e dizia assim: “Tem um jogo do Flamengo, vamos lá?” “Então vamos!” “Onde a gente se encontra?” “Tal hora ali na...” Onde tem a estátua do Bellini. Então, a gente ia para lá. “Vamos chegar em ponto”. Quer dizer, o sujeito não pode ficar parado ali dando sopa, esperando não, entendeu? Era fila, chegava oito horas em ponto, chegava e entrava no meio da multidão para a arquibancada, sentava no meio de todo mundo. Quando o jogo ia acabar, a gente não ficava “vamos sair depois”. Não, tinha que sair é na... Os estádios só viviam cheios e aí, interessante. Porque tinha dupla emoção o jogo. Era dupla emoção. E era perigoso porque uma vez, eu estava em Copacabana que eu saía a noite, eu vi dois caras da faculdade que me cumprimentaram que eu achava que eles eram tipo dedo duro. No dia seguinte, apareceram um monte de cara na minha casa para me prender. Eu não estava na minha casa. Eu morava no Leme, mas eu não morava. Eu morava em outro local. Bom, quiseram levar até a minha mãe naquela época. E o pior que era o tal do tempo dos lenços azuis, quer dizer eu acho que tu não sabia se voltava. Porque lá tem uma coisa interessante, não era que eu fosse importante não, eu era um líder estudantil. Eu fui processado no período de guerra, a acusação era fazer discurso em um lugar não permitido. Foi, isso aí é um absurdo. Dizia que o Largo do Caco era um lugar não permitido. Rui Barbosa formou ali quando era candidato a presidente da república. Você vê que eram acusações idiotas. É que eu participava muito para a reforma do país, reforma de base, reforma agrária, reforma da cultura, reforma universitária, reformas que até hoje não saíram no Brasil, por isso o Brasil está com esse problema social. Só houve a reforma do neo liberal que é a reforma monetária. Nunca houve a reforma de estrutura. Vocês nunca viram uma reforma agrária séria, uma reforma de educação séria, uma reforma urbana séria. Nunca houve uma reforma que desse acesso as pessoas, de ter a sua dignidade na sua vida, nunca houve. O que há é aquela reforma de moeda, cruzeiro, cruzeiro novo, cruzeiro velho, não é isso?
P/2 - Cruzado.
R - Cruzado. Real, super real, sei lá. Daqui a pouco é super real. Então, só mudaram a moeda, enxugando a moeda, mas o país pode crescer, o mundo cresce, até a economia, mas a situação do povo é cada vez menor, 151 reais. Hoje, você tem milhões de garotos jovens aí sem mercado de trabalho. A violência está aí. A violência, ela é a aprofundada pelo tóxico, mas a violência maior está na falta de políticas públicas e a divisão de renda no país que é terrível, é muito aviltante e em país esfoliado também, país cêntrico, eles dominam todo o mercado nessa globalização tecnológico onde vem o desemprego. Se na Europa tem o desemprego, mas tem lá seguro social. Aqui não. O sujeito... Descobre uma máquina, coloca a máquina, desemprega todo mundo e cadê? Então, você hoje no Brasil, não tem mais luta de classe, tem luta dos que estão trabalhando e os que estão querendo trabalhar. Transformaram. Antigamente, o homem era o injustiçado. Hoje, dizem que é um incompetente. Como que é incompetente? O sujeito nasce em um local onde não tem educação básica, não tem alimentação normal, está certo? Como é que ele vai concorrer com o outro em algum trabalho? Então é isso, quer dizer, evidente que tem um... Você tem alguns lugares, tem que ter um planejamento familiar, essa coisa toda. Mas, aí é a vida. Então, o Flamengo foi... Aí, no grupo... Voltando ao Flamengo, fundamos a Fafla, Frente Ampla do Flamengo, participei dela. Fiz até o discurso do lançamento da candidatura do Márcio Braga que foi ali, na Marquês de São Vicente. Até tenho a foto até hoje da nação. Eu cabeludo parecia um
, um astro também de cabelo preto. Aí, essa Fafla estourou, Flamengo foi campeão do mundo, fomos campeões...
P/1 - Como foi a organização da Fafla?
R - O Flamengo estava muito paralisado, não que era o caos, mas era muito conservador. Era o Hélio Maurício, o pessoal estava lá. O momento era novo, era ao mesmo tempo que o país saía da ditadura, ao mesmo tempo novas formas de transformação se dava na sociedade. A Fafia era tão importante que os meios de comunicação preocuparam em investigar porque... Pô, que esse grupo está fazendo? Está falando de eleição direta, nós falávamos em eleição direta para Presidente do Flamengo enquanto o povo não tinha eleição nenhuma pro negócio. Então, tu vê que era realmente era uma forma de Bertold Brecht, quem conhece Bertold Brecht do teatro sabe que Bertold Brecht escrevia as peças. Em todas as entrelinhas da peça estavam as formas de libertação, de igualdade social como é. Então, era brechtiana da eleição no Flamengo, quer dizer botava em tudo quanto é lugar “eleição direta para o Flamengo. O Flamengo pode votar, o povo rubro-negro pode votar”. E o país em uma ditadura, tu já viu? Era altamente subversivo nesse aspecto.
P/1 - Quem participava, você lembra?
R - Lembro. Participava o Márcio Braga, o Walter Clarck que era diretor geral da Globo, João Carlos Magaldi que é umas das pessoas inesquecíveis na minha vida, um cara maravilhoso, fantástico. O Carlinho Niemayer, o Hélio Barroso, o Antônio Augusto, o Chambranche, tinha muita gente maravilhosa que fizeram a história do Flamengo ali. E foi um momento que deu certo, tanto é que deu certo que o Flamengo ganhou muito. Depois, ele se esfacelou porque não é nenhum movimento orgânico. Não era orgânico, era um momento de rubro-negro apaixonado. Não era um partido político, era uma facção esportiva. Enquanto ela durou, o Flamengo ganhou.
P/2 - E você lembra mais ou menos, qual era a plataforma da Fafla?
R - A plataforma era democracia no clube porque era dominado pelos chamados Beneméritos, democracia nos clubes e formar grande time, a participação, mas todo o jogo era democrático. E fazia parte naquele momento no Brasil chamada abertura política. Então, eu acho que... E ali, o Flamengo foi. Nós começamos a ganhar, campeões do mundo, eu fui vice-presidente de relações externas. Tinha período que você era e que não era, mas de qualquer maneira a gente contribuiu de todas essas conquistas do Flamengo. Aí, em 1987, eu volto a ser presidente do Conselho Deliberativo do Flamengo. Aí, eu estive... Teve dois fatos interessantes aí: Um é que o Flamengo... Independente dos dois fatos, o Flamengo ganhou Campeonato Brasileiro, ali foi tetra campeão brasileiro e tal. Mas, interessantes foram duas excursões. A primeira excursão que eu chefiei para a África, o Flamengo foi jogar em Angola. Então, em Angola foi interessante porque, antes de ir, eu contei uma história, uma relação que eu tinha com Angola que os angolanos estiveram na faculdade em 1963, aí, eu fundei um movimento porque eles não tinham onde ficar, um movimento de apoio popular Libertação de Angola. Ajudamos os angolanos, etc e tal. Foi aí que me deu um pior problema porque quando veio 31 de março, eu fui perseguido pela DOPS e pela Pid portuguesa que era Salazar que estava fazendo. Os vascaínos me perseguiam desde daquela época. Não é agora só não. Vai ficar pensando, o Eurico Miranda e te xinga, não é? Já vem desde daquela época da Pid do Salazar. Então, ele... O que é que acontecia? Ainda fundamos o movimento. Eu era o vice-presidente Josué de Castro que foi na frente parlamentar nacionalista, cassado. Ele escreveu geopolítica da fome, Geografia da Fome. Josué de Castro era um gênio e até tem um... Posso parar aqui para falar um pouquinho de Josué de Castro. Quando ele escreveu Geografia da Fome, um escritor aí reacionário da Direita escreveu que ele... Não merece nem ser dito o nome. Que ele era um comunista porque não sei o que, porque estava falando de fome, aqueles papos todos. Aí, o Josué de Castro foi entrevistado e disse: “Não, eu não sou comunista coisa nenhuma. Eu sou até socialista sou, mas não sou proletariado”. Sou um socialista de outra vertente. Agora independente dessa situação, o que importa é o que eu escrevo e não quem eu sou. É o conteúdo. Aí, ele falou: “Vou dar um exemplo para vocês”. Aí ele dizia assim no livro, na entrevista: “Um sujeito muito religioso, mas profundamente religioso viajou para uma cidade vizinha para negócios. Chegou lá, foi obrigado a ficar lá um domingo e foi a missa. Chegou na missa, teve um sermão e o padre no sermão fazendo uma palestra assim comovente, se emocionou muito. Toda a igreja chorando, toda, menos ele. E de repente a... Todo mundo olhava era para ele, não era para o padre. E aí do lado, sentindo-se assim, representante de toda a igreja, vira para ele e diz assim: “Desculpa, mas o senhor é surdo?” Ele falou: “Não, eu não sou surdo não. Eu estou ouvindo muito bem.” “Ah ta. O senhor está entendendo o que o padre falou?” “Tudo, muito, magnífico, emocionante.” Ele falou: “O senhor é católico?” “Apostólico e romano.” “Ah, mas se o senhor não é surdo, e católico apostólico romano, está ouvindo o padre falar, o senhor disse que é um dos sermão mais emocionante da tua vida, por que todo mundo está chorando e o senhor não está?” “Porque eu não sou dessa paróquia, eu sou de outra”. Então, quer dizer, que era de outra paróquia, então não queria saber do conteúdo. Era tudo verdadeiro, mas ele queria dizer que era de outra paróquia. Então, o Josué de Castro era o presidente. Aí, quando eu cheguei, contei isso, quando eu cheguei em Angola, tem quatro ministros me esperando. Que esse movimento foi o primeiro movimento no mundo a ajudar ou a MPLA o Movimento Popular Libertação de Angola que está no poder, que era do João Augustinho Neto naquela época. Então, tu chega estudante, faz um ato, isso em 1963. Em 1987, 24 anos depois, tu vai visitar esses países que eram colônia e passou a ser livre, você chega lá e é recebido como se fosse um herói nacional. Quer dizer, isso é uma coisa que me deixou... Ganhei um livro do Agostinho Neto que ele era poeta, e extraordinário poeta. Ganhei deles um livro que eu guardo com muito carinho. Foi uma passagem bonita e depois lá mesmo... Quer dizer, na medida... Eu fui ao estádio, o Flamengo ganhou o torneio e eles eram preto e vermelho, o movimento ______, movimento de 6 de julho. Aí, então eu dizia para eles: “O Flamengo repoliza, 26 de julho, sandinista, aquelas coisas todas... (Frei Tenente de Mor Leste?). Aí eles adoravam aquela... Eu tinha um discurso de futebol e de política. Aí, era legal. E a outra foi na Europa também. Na Europa, nós fomos muito bem. Jogamos... Foi na Holanda. Na Holanda aconteceu um fato muito interessante. O prefeito de Amsterdã, que chama-se Burgo, vem de burgueses... Burgo de cidades. E eles fizeram um encontro. Estava o Flamengo, o Amsterdã, o time de Amsterdã, o Ajax, tinha o Sampdoria da Itália e o Benfica de Portugal. E tinha um tradutor simultâneo. Cada um ficou falando. Cada um falou. Aí, quando chegou a minha vez, eu como conheço bem história, falei muito de Maurício de Nassau, do príncipe com o tradutor, mostrando que ele era democrata, que respeitava o nativismo do povo, a cultura do povo. E o príncipe de Maurício de Nassau é muito reverenciado porque ele tem até uma casa lá em Amsterdã, que é uma cidade lindíssima. E quando eu falei isso, eu fui muito aplaudido. Depois, eu falei muito do futebol holandês que é um futebol arte, tipo o brasileiro. Aí, os holandeses também gostaram muito. E por terceiro, eu contei para eles uma história que poucos no Brasil conhecem. Talvez a maioria que vai um dia ver isso aí, não sei daqui quanto tempo, vai saber uma coisa que poucas pessoas conhecem. Quando os holandeses se retiraram de Pernambuco, que eles tinham invadido o Brasil e foram expulsos, uns 300 a 400 holandeses vieram para o Rio de Janeiro e foram morar em uma praia chamada Praia dos Sapateiros. Naquela época, a Holanda era País Baixo. Era Holanda e Bélgica. Eram chamados Flamengos. E o povo nativo do Rio quando queriam se referir a aqueles holandeses se lembravam dos Flamengos. E eles estavam na Praia dos Sapateiros. Então, com o tempo, os caras iam dizendo: “Aquele cara, está na Praia dos Flamengos.” E Praia dos Flamengos virou Praia do Flamengo e o Flamengo foi fundado na Praia do Flamengo. Ai, eu contei para os holandeses o seguinte: “Olha, vocês, por causa de vocês, hoje o clube mais popular do Brasil, e talvez do mundo, é o Flamengo”. Os holandeses ficaram apaixonados! E é verdade. Está no livro da Nestlé, foi a Nestlé que patrocinou, escrito por um escritor que já se foi, escreveu Maracanã Adeus, Edilberto Coutinho. É um mestre, um mestre. Então, nesse... Aí, no dia seguinte teve um jogo. Foi um jogo. Eu chego na tribuna, eu e Francisco Horta, que Francisco Horta foi convidado nosso, tinha vindo da seleção brasileira, trouxe três jogadores de Oslo para lá, e de repente nós chegamos, todo mundo de pé. Aí, eu falei: “O que houve, Horta?”. Eu não tinha idéia. Me colocaram entre o ministro e o prefeito da cidade. Brinquei com o Horta: “Horta, já vi que eu sou o Rui Barbosa do futebol”. (risos) A águia de Amsterdã, Urubu de Amsterdã, o Flamengo. Eu sou o Urubu de Amsterdã. E foi assim uma coisa fantástica porque os holandeses aprenderam uma coisa extraordinária na vida deles, que eles tinham motivado a criação do Flamengo. Virou palavra Flamengo. Foi daí do Flamingo veio Flamengo. E aí, foi o outro grande momento da excursão. Também teve um terceiro lá em Madrid que nós ganhamos uma caravela de prata, uma nuelva. Lá também foi uma participação maravilhosa. Então, quer dizer, são coisas assim que aí você ... Essa paixão tua vai aumentando. Você é um apaixonado, tu é garoto, torcedor, depois passa ser um dirigente, depois tu passa a falar em nome do clube no exterior, ganhar título, invadir campo, pular cerca, aquelas coisas todas. Aí, foi. Depois dessa conquista, voltei em 1991. Aí em 1991, fui subsecretário de Estado. Depois, fui secretário de Estado de Esportes, presidente do Suderj naquela primeira reforma do Maracanã.
P/1 - O senhor podia contar um pouquinho dessa sua passagem? Como é que foi o convite para ser subsecretário de Esportes?
R - É o seguinte; o Governador Brizola ganhou a eleição. Eu era do PDT, hoje sou do PSB. E naquele momento ele ganhou e o Governador convidou o Márcio para ser o secretário e eu para ser o subsecretário. Aí, nós montamos uma política de esportes maravilhosa no Estado. Eu tive a honra de ganhar o prêmio José Martim de Cuba por ter criado Esporte e Educação, jogos estudantis de escola pública em todo o Estado. Até hoje funciona, está no quinto. E ganhei um prêmio também na área de portador de deficientes que se chama, hoje nós chamamos Necessidades Especiais. Nós tínhamos um futebol para amputado, futebol para deficiente visual, atletismo em cadeira de roda, voleibol em cadeira de roda, basquetebol em cadeira de roda, tudo. Abri todos os espaços do Maracanã, do Caio Martins, da Lagoa quando tinha. Foi umas coisas que eu me emociono muito porque 10% da população é portador de deficiência. E a minha equipe que eu montei, quase todos eram da Paraolimpíada, aquela que foi em Barcelona. Então, é uma coisa que até fico muito feliz de ter contribuído. Já muitas vezes eu recebo até carinho da deputada Tânia que é portadora de necessidades especiais, sempre tento estar relembrando e tal. É uma coisa que me emocionou muito. E nós pudemos montar outras, escola, fizemos uma reforma no Maracanã. Eu fui secretário durante um tempo, Presidente da Suderj e eu fiz um bom trabalho, que eu acho que para ser capa da revista Veja do Rio sendo o maior adversário do Governo na revista Veja é que foi feito alguma coisa de bom.
P/1 - O que falava essa entrevista?
R - “O homem que salvou o Maracanã, a frase era essa. E realmente fiz um trabalho muito bonito, o apoio... Eu motivei os funcionários, eu falei: “Ou vocês vão ser chamados ladrões da Suderj ou funcionário do maior estádio do Mundo”. E essa motivei, lutei por vantagens para os funcionários e conseguimos recuperar o estádio bastante. O plano de transição do Governo Garotinho foi eu que fiz pelo Governador. E naquela época, eu fiz muita amizade com Garotinho. Fundei lá o Conselho Municipal de Direitos, Conselhos Tutelares, tudo isso com ele lá. E depois, aí eu volto para o Flamengo recentemente, monto o projeto Goytafly, ele era prefeito. Fomos reconhecido pela Unicef como o maior projeto de esportes.
P/1 - O senhor poderia falar um pouco do projeto, no que consiste, como foi?
R - O projeto é o seguinte: eu sempre gostei muito de futebol e sempre achei o futebol uma arte popular. Uma coisa que mexe... Ele mexe com o lúdico da criança, ele mexe com o lúdico. E o que é que é o esporte? É promoção social, promoção de saúde porque você oxigena o corpo, é prevenção contra as drogas e a cidadania. Então, todo o jovem que consegue entrar no esporte, ele se afasta muito das drogas, ele se disciplina mais. E ele é lúdico, o esporte é muito lúdico. Então, eu pensei assim: “Puxa, se eu fizesse um projeto desse”. Aí, eu recebi um convite do Flamengo, foi até o Michel Assef, era o vice-presidente, falou “pô, Walter, não quer fazer esse projeto? Você sempre me falou do Goytacaz, que eu sou de Campos e tal”. Eu falei: “Está ótimo”. Eu já conhecia o Governador Garotinho, o pessoal do Goytacaz veio conversar comigo. Eu já conhecia bem Campos porque quando eu era garoto eu ia passar férias em Campos porque a minha irmã é casada com um campista. Então, a primeira vez que eu fui, fui até de trem Maria Fumaça que foi uma experiência fantástica. Saí branquinho, cheguei lá escurinho. (risos) Então... Ainda bem que eu cheguei em Campos. Se chegasse na África do Sul, naquela época, iam me discriminar. Não deixariam nem eu saltar, iam me mandar de volta. Aí, o que aconteceu? Em Campos, chegamos lá. Aí liguei para o Garotinho, falei: “Garotinho, o negócio é o seguinte; estou aqui com o pessoal do Goytacaz. O projeto é do Goytacaz, fazemos um projeto de futebol, mas joga todo mundo segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado e domingo, o que a gente selecionar porque o projeto tem que ser social. Porque ele tem que ser craque na bola, na escola e na cidadania. Agora, o que é que você vai fazer? Tu vai me botar aí professor para ver quem está fora de escola para a gente colocar na escola, médico para tratar da saúde, assistência médica, assistente social para a gente ver a parte social, e tal”. E colocou. Primeiro dia de inscrição, mil. Encerrou a inscrição. A Umbro, naquela época, hoje é patrocinado pela Nike, me deu todo o material esportivo inicial. Peguei jogadores lá de Campos e o projeto com quatro meses foi visitado pelo presidente da Unicef achou... E agora que nós estamos em fevereiro, em março, abril, vou inaugurar o restaurante lá. A garotada vai comer. Já tem um garoto jogando no Flamengo, as divisões de base são do Goytacaz e a idéia que eu tenho no Flamengo é montar oito projetos desses no Estado todo. Já estive conversando com a ISL até porque eles tem interesse na comercialização futura dos garotos. Mas, eu não deixo fazer escolinha só de... Chega lá o bom, acabou! Não. Escolinha é para todos. Depois, na sexta-feira que jogam os selecionáveis, mas segunda, terça, quarta, quinta-feira jogam todos. E ali, por exemplo, em Campos tem uma Fundação da Criança e do Adolescente, da Infância e da Juventude e os garotos vão lá aprender tudo que é tipo de trabalho de iniciação profissional. Então, ele sai ali um aprendiz de alguma coisa, encontra um caminho na sua vida. Agora, o bacana é que tinham 250 garotos de ruas e depois desse projeto os 1250 na rua passaram a ser do projeto. Aí, você começa a ajudar a família, tem bolsa de alimento. É realmente um dos maiores orgulhos que eu tenho na minha vida. Até quando eu chego em Campos lá já me chamam de Goytafla, já não me chamam mais pelo nome. “Chegou o Goytafla!” E vamos ver se montamos em outros lugares. E hoje, agora, hoje eu sou subsecretário do Estado da Criança e do Adolescente. Eu era secretário da criança quando o Flamengo perdeu aquele jogo de 5 a 1 para o Vasco. Aí, me convidaram, eu assumi as duas coisas, falei com o Governador. Depois de um tempo, eu sugeri ao Governador que fundisse a Secretaria da Criança com Ação Social onde ele queria colocar a Rosinha, mulher dele, que é extraordinária pessoa, fantástica, humanista de excelência. Aí juntamos, eu fiquei como subsecretário para toda a área da infância. Acredito que daqui mais uns 20 dias eu devo ser eleito Presidente do Conselho Estadual da Criança, até porque a sociedade civil e o Governo escolheram para o acordo. Mais uma tarefa. Mas, aí eu entrei, falei que o Vasco só tinha ganho o direito de ser vice campeão e ganhamos o campeonato. O Flamengo foi bicampeão invicto, uma briga tremenda que eu continuei, futebol! Depois desse campeonato, nós montamos um timaço, mas ainda não deu tempo de formar e perdemos a competição no segundo semestre. Mas, tenho certeza que o Flamengo tem um bom time e vai para a frente sem dúvida nenhuma. E eu também fico como subsecretário do Estado da Criança e do Adolescente tratando da área da infância, também de uma maneira geral na secretaria onde nós temos uma coisa muito marcante que é esse restaurante popular de R$ 1,00. 3 mil pessoas por dia comendo. Tenho 62 escolinhas de futebol com a CBF em todo o Estado, nós temos projeto de... Para jovens, Todos pela Paz, profissionalizantes na Faitec, estamos fazendo projeto agora para todos os garotos que tem internação e semi liberdade no Degase. Esse projeto, eu mesmo estou comandando. Vamos fazer oficina de música. Vou convidar o Chico Buarque para dirigir com o nome de Meu Guri, convidar alguns jogadores de esporte ou atletas e vamos fazer iniciação profissional para que eles não vá todos internados. Tem que pelo menos, minimizar. A gente sabe que essa sociedade se não mudar esses rumos que a globalização leva da exclusão social é difícil. Então, a gente funciona bem como bombeiro para não deixar o fogo alastrar todo, mas é uma coisa generosa poder fazer políticas públicas. Eu gosto muito de fazer políticas públicas. Não é apenas um projeto. Política pública para que a sociedade, a socialização dos jovens seja efetiva, mas é um trabalho difícil até porque o país tem poucas verbas para isso. Faz pagar muito juros da dívida internacional e não tem tempo para olhar, como deveria olhar, para essa massa de jovens excluídos aí que... Além do mais, quando liga uma televisão, infelizmente... Não que eu não goste porque adoro televisão. Eu acho televisão uma maravilha, eu sou pela tecnologia, pelo avanço, mas tem que ter a serviço do homem e da sociedade. Não ser uma escola de crime, aqueles filmes de... Sujeito chega com um lança-chamas e mata 300. Banaliza a morte na televisão, banaliza a morte na rua, na esquina, na vida. E o futebol para mim tem uma magia, uma arte popular. Então, dessa garotada se apaixona e aí ela tanto gosta do futebol, do esporte como ela ajuda na cidadania dela que é uma das formas que o Estatuto da Criança coloca na formação da cidadania, que é educação, saúde, cultura, esporte, iniciação profissional, lazer. Mais ou menos isso.
P/2 - Uma hora você falou de um cargo que você teve no Flamengo de relações...
R - Externa.
P/2 - Existe esse cargo agora?
R - Existe, mas não é com a mesma função. Hoje, a pessoa que representa é o deputado Dino Fernandes que faz mais um apoio ao Flamengo político, Brasília e tal porque cresceram, as relações do clube aumentaram muito. Na minha época, o relações externas era quem comandava o esporte, a representação nas federações e nos tribunais esportivos, está certo? Era um trabalho difícil, cansativo. Eu fui três vezes vice presidente de Relações Externa do Flamengo. Três vezes. Uma vez, presidente do Conselho Deliberativo, uma vez, vice de futebol. Sou grande benemérito do clube. É bom porque pelo menos contribuí muito pela uma paixão da vida da gente. A gente tem várias paixões. Aliás, eu sempre, por característica da minha juventude, eu sempre fui um apaixonado. Eu quando namorava, eu namorava com poesia para a namorada. Não era aquele papo: “Tá, quer ficar comigo, vamos colar!” Não, teve... “Uma vida sem amor é como jardim sem perfume.” Não há ninguém que resista a isso.
P/1 - E você acompanhava os jogos, tinha algum ídolo nessa época, de 1980 para cá, enfim?
R - O Zico. O Zico é... O Zico é o Geraldo Assobiador, que morreu prematuramente. Esse era um grande craque. Mas o maior craque na história do Flamengo é o Zico. Disparado, o Zico é... O Zico está para o Flamengo o que o Pelé está para a humanidade no futebol porque tudo que o Pelé ganhou para o Santos, o Zico ganhou para o Flamengo. Exatamente. E o Flamengo tem muito mais torcida, mais massa. O Flamengo tem quase 40 milhões de habitantes. O Flamengo... (risos) Tem um fato muito gozado, interessante sobre isso. Uma vez... Quando lançamos a expressão “nação rubro negra”, aí um dia surgiu essa expressão “nação rubro negra”, foi do coletivo, talvez, das pessoas, uma verdadeira nação, e um dia eu falei assim: “Essa nação precisa ter um representante na ONU, pô!” Por que? 40 milhões de habitantes. é mais do que a maioria dos países, tem negro, branco, amarelo, tem tudo. Tem espirita, macumbeiro, ortodoxo, católico, evangélico. Quer dizer, essa é uma nação democrática. Então, tem que ter um representante na ONU. Então... Isso é claro que é uma brincadeira, mas um dia, nós estamos, nós fomos a Campos e o Flamengo, o prefeito de Campos, o Garotinho com a câmara de vereadores deu o título de cidadão campista para mim, ao Flamengo, para mim pelo Flamengo e pelo Agopi Canaã, que era o Presidente da Unicef no Brasil. E ele... Porque ele fez grandes elogios ao projeto. O projeto marco, etc, nós fomos lá. E quando acabou, eu falei para o Agopi Canaã: “Olha, o negócio é o seguinte; o Flamengo todo ano homenageia várias figuras ilustres...”, porque ele falou que gostava do futebol. Ele era libanês, mas que gostava do Flamengo no Brasil. E eu falei “vou lhe dar um título de sócio honorário do Flamengo”. Aí eu falei da nação, aquela história toda. Ele achou maravilhoso, eu gostei. E disse assim, “faltava um embaixador, agora você vai ser o embaixador do Flamengo”. Aí, nós demos o título de sócio honorário e eu falei que era o embaixador. Um dia, ele falando em um negócio desse de crianças e etc e tal, aí não sei quem fez a homenagem dizendo que ele era o Presidente da Unicef, que ele era o embaixador das crianças no Brasil, não sei o que e tal. Aí, ele falou... Da ONU. Aí, ele pegou a palavra e disse que ele era isso tudo, mas mais uma coisa: que ele era embaixador do Flamengo na ONU. (risos) Quer dizer, ele incorporou... Não é burro não, incorporou. Ele achou que ele era mesmo. Então, onde ele ia, ele dizia assim: “Eu sou o representante da nação rubro negra na ONU.” A coisa foi interessante. Essa coisa de gostar de futebol. Você vê que o Flamengo é uma nação e poucas nações tem 40 milhões de habitantes. Essa coisa... E o Flamengo agora foi bom, está entre os 10 maiores clubes do século. Isso aí foi maravilhoso. Isso é bom, pôr a história do Flamengo para a frente.
P/1 - Então, o Zico para você é um exemplo para o Flamengo?
R - É um exemplo, é o ídolo, é o craque do século no Flamengo, sem dúvida nenhuma. Apesar, que tem grandes jogadores: Domingos da Guia, Fausto... Inclusive, Domingos da Guia, o Fausto, Leônidas foi o responsável do Flamengo se tornar o clube mais popular do Brasil porque a partir do Flamengo colocar os jogadores negros ele cresceu muito, o Flamengo. Porque antigamente tinha esse preconceito. O futebol no Brasil é um futebol... Era um futebol de branco e de rico. Até porque as bolas eram importadas, mas depois quando a industrialização começou fazer material esportivo, bola, com o aparecimento dos operários de fábrica. Até, você vê o Andaraí porque tinha fábrica em Confiança, Bangu porque é Moça Bonita, Vasco era São Januário, foram os clubes que receberam os primeiros negros porque ficavam em zona, em áreas de proletários.
P/2 - Quais são as duas partidas inesquecíveis?
R - 5 a 1, o Flamengo no América, o Flamengo foi tricampeão em 1955. Essa é uma partida inesquecível.
P/2 - Você estava lá no Maracanã?
R - Estava no Maracanã. A outra, eu não assisti, eu assisti pela televisão, que foi em Liverpool, o Flamengo 3 a 0, foi campeão do mundo. Tem outras. Mas, essas duas são super marcantes, até porque o Flamengo tinha vindo de... Ganhou de 1 a 0, depois perdeu de 4 a 1 para o América e foi ganhar de 5. Quer dizer, se superou... Não, ganhou de 4 a 1. Tinha perdido de 5, ganhou de 4 a 1. Se superou. Essa foi muito marcante.
P/1 - Quatro gols do Dida?
R - É, três, eu acho que foi três, três ou quatro. É bom, o Maracanã era uma maravilha...
P/1 - E como é que era o ambiente do estádio nesse dia?
R - Não tinha briga, não tinha briga. Maracanã não tinha briga. Era raro ter uma briga, não tinha briga. Iam 120 mil pessoas, 130 e não tinha briga. O povo do Rio de Janeiro sempre foi muito disciplinado. Eu acho que o problema deve ser das drogas que gera uma violência. Eu não sei, também a urbanização acelerada, não dá tempo que as famílias que vão se constituindo tenham um maior acesso. O Brasil se quiser fazer uma melhoria tem que investir maciçamente na educação e seguir o modelo do CIEPS, que é a educação integral. Uma co-criada pelo Darcy Ribeiro e teve a determinação política do Brizola em discutir, mas isso já era um sonho de Anísio Teixeira, já tinha uma experiência de Anísio Teixeira nisso. E onde você tem uma população muito pobre. Tu vai para a aula, aí tu vai fazer o dever de casa, ela não tem casa. Como é que ela vai fazer o dever de casa? Não é isso? Então, o excluído tem que ter uma outra concepção de vida, de história, de social. Então, muita gente sem acesso a cultura, leitura. E isso aí é incrível. Você vê. Marcante, é só você ir a Europa para tu ver como é marcante a diferença de sociedade.
P/2 - Aqui, você falou nessa entrevista duas vezes assim de raspão da sua esposa. Como é que você conheceu ela?
R - Vamos lá. (risos) A história da minha esposa é interessantíssima, da Sheila. Eu estava na minha casa no Leme e eu tinha um tio que gostava muito de mim, ele era sírio. Aí ele falou assim: “Vamos na casa de um amigo meu que tem uma senhora, mãe dele que é minha amiga, da época da Síria, está aí para conhecer.” E eu fui lá. Chegou, gostava muito dele e fui. Cheguei lá, comecei a conversar, bater papo e tal e estava a Sheila, ficamos conversando. Era uma moça muito, até muito bonita, legal. Aí, ficamos conversando. Aí, depois eu fui embora, peguei o telefone e comecei a... Aí, um dia eu chego lá e aconteceu umas coisas interessantes porque eu conheci o dono de uma construtora, eu era advogado, que um dia disse assim para mim: “Você é casado?” Eu falei: “Não”. “Pô, você é ideal para casar com a minha cunhada.” Eu falei: “Que história é essa! Eu lá estou querendo casar? Coisa nenhuma”. “Mas, é. A minha cunhada é bonita, você é o cara ideal.” Eu falei: “Não, não.” Aí, nesse dia, o cara chega lá. Era a cunhada dele, você vê a... Aí tal, comecei a namorar. Aí, um dia, eu vou lá, o pai dela chega, aí me apresenta, era o meu sogro. “Ah, o Walter está aqui!” “O que é que você é do José Miguel?” Eu falei, “eu sou filho”. Aí o homem desabou, começou a chorar, está entendendo? Ele veio para o Brasil com o meu pai, juntos, os dois, com 10 anos de idade. Chegaram aqui, separados, mas continuavam amigos. (risos) Que coisa gozada. Ela era a filha caçula dele e eu o filho caçula. Aí ficou, aquilo que era um namoro, vi, sabe? Ficou muito estreito, mas muito, muita... E ficou assim, como diz hoje: “Não dá tempo nem para escapar mais.” (risos) Entrou muito, muita coisa por fora, assim condicionante. Apesar que não existe esse negócio de só porque é descendente de árabe tem que casar com descendente de árabe. Com árabe, isso não existe não. Isso foi mera coincidência, tanto é que o meu irmão é casado com uma mulher que não é descendente de árabe. E não existe esse radicalismo que existe um pouco na religião judaica. No árabe não existe tanto. E a questão de cultura de cada um, até respeito. Então, aí já aconteceu isso. Aí, começa. Aí, resolvemos ficar noivos. Aí, no dia de noivado eu tinha uma tia-avó que ela não saía de casa desde daquela época que o marido morreu, a mulher ficava... Era dono de uma vila que eu morei, no início que eu montei. E a tia Estrela era a minha madrinha. “Não, a senhora vai no noivado.” Aí, ela pegou, resolveu ir. Aí, ela puxou lá do fundo do baú, um vestido daqueles de veludo que não estragam nunca. E ela ficou bonita com o vestido. Aí, chego lá, estava lá a avó da minha mulher, a Sheila, que era a minha noiva e eu levei a esposa do meu pai... Do meu avô porque o meu avô era casado a segunda vez, mas para mim ela era a minha avó, chamava de avó Joana. Levei as duas. Quando chegamos lá, as três eram amigas de infância lá na Síria, entendeu? Aí ficou um negócio assim. Aí, pronto. (risos) Não foi isso, é claro. Isso aí, ajuda. Aí, casei em 6 meses, 6 meses eu casei. Casei com 6 meses conhecendo ela...
P/2 - Conheceu, casou em 6 meses?
R - Casamos, casamos em 6 meses e isso aí em 1966. Nós estamos em que ano?
P/1 e P/2 - 2001.
R - 2001. 35 anos juntos, casados. Você vê que tem coisas que dão certo. Claro, deu certo com muita bronca. (risos) Porque a vida de casado não é fácil não. Mas aí, nós temos muita coisa boa. Casei e tal. Mas, ela era uma pessoa que é interessante. Esse casamento, eu não sei como é que deu certo porque na prática da vida ela é uma pessoa que é a minha antítese. Ela gosta de uma coisa, eu gosto de outra, nós não gostamos de nada igual. Quase tudo diferente, quase tudo diferente. É impressionante. Mas, só que ela respeita o meu gosto e eu respeito o dela porque se não, não daria certo. Aí, eu tenho dois filhos; a minha filha Olívia, Olívia Maria, nasceu um ano depois, em 1967, socióloga, resolveu também estudar direito... É a minha paixão, aquilo é a minha paixão. Eu tive um filho também que eu adoro muito, mas eu digo para ele, “mas a paixão é ela.” Ele... A minha filha tem uma filha, uma neta, a minha neta Maria, vai fazer três anos, um amor. E o meu filho tem... É economista. Ele com 20 anos fez... Ele fez... Ele entrou para um banco, ele fez sete faculdades, passou nas sete e entrou para uma, Nacional de Economia. E entrou, foi para um banco estagiário, com quase 30 anos tornou-se diretor, acionista, mas saiu e resolveu. Tem a vida dele muito bem definida. Aí, tinha três bancos que estava estudando a proposta e o Edmundo resolveu montar o Futebol Empresa no Flamengo e chega perto de mim e diz assim: “Eu já escolhi o cara ideal.” Eu falei: “Quem?” “Estou contratando para ser funcionário do Flamengo o teu filho.” Eu falei: “Não faça isso, não faz isso comigo não. Vão me chamar de nepotista. (risos) De jeito nenhum, não faz uma coisa dessa, eu não quero que faça ” “Eu vou, estou fazendo porque ele é o melhor que tem no mercado, eu sou do mercado, eu conheço.” Aí, eu falei: “Bom, nepotismo, eu também pensei, não é. Eu entrei no Flamengo no lugar de um cara que ganhava 80 mil reais em um... Sou de graça no Flamengo, sou amador. Só de economia do Flamengo já dei mais de um milhão. Não botei...”. Então, ele assumiu a área de Futebol Empresa, uma outra cabeça, a minha cabeça é mais do lado do amadorismo, mas está fazendo um trabalho extraordinário. Está me ajudando muito. Mas, eu tenho que conviver, eu que nunca empreguei ninguém, fui secretário de Estado, essa coisa toda, ganhei uma peça que eu não gostaria de ter nunca. Mas, a história mostra, vai mostrar, até porque o trabalho que ele está fazendo o Flamengo já vai ter uma economia de 800 mil por mês, quer dizer, agora, a partir de agora, o trabalho... Eu vou apresentar hoje. Até, depois na Gávea. Ele é muito competente, ser filho não, profissional maravilhoso. Até mais, não aceita, tu vai me arrumar um problema. Aí, o que eu vou fazer? Eu que fui torcedor do Flamengo desde garoto também trabalhei para o Flamengo. Se eu não tivesse esse interesse pessoal eu ia aceitar o lugar do outro que ganhava 80 mil, que me ofereceram para ser profissional. Para ficar no lugar, para dar muito trabalho para o meu... Eu não quero, eu tenho a minha vida, eu sou advogado pelo Estado, eu gosto da minha vida. Esses número alto estragam a cabeça da pessoa. Daqui a pouco eu vou achar que um objeto é mais importante que um livro e o dia que eu achar isso eu vou destruir todo o meu passado.
P/1 - Oaquim, essa origem síria da família, vocês tem algum tipo de tradição, a culinária, vocês...
R - Não, tem. A minha mãe, a falecida mãe, era fantástica para fazer kibe na bandeja. Ela tinha um fã que era o Ademir do Vasco, o artilheiro famoso. O Ademir era amigo nosso, o Vagamana. E a minha mãe era... O ídolo dela era a minha mãe. Ela era Vasco, mas o ídolo dele era a minha a mãe. Ele ia na minha casa, já tinha parado de jogar, para comer kibe na bandeja da minha mãe. A família da minha mãe, o pai dela era libanês, a minha mãe é maranhense e a família da minha mãe toda é de lá. Toda rubro negra como eu disse. Só ela que... E foi gozado que o meu pai esteve lá no Maranhão. O meu pai era meio duro, na época, um pequeno comerciante e ela era de família rica. Quer dizer, minha mãe era muito rica. Eles eram o rei do algodão lá. E ela foi sequestrada pelo meu pai, raptada. Ela raptou. A minha mãe veio para o Rio. Naquela época, ficou na casa da minha... Dessa minha tia que eu falei que tirou o vestido e ficou lá até casar. Uma coisa interessante. Foi um rapto as sabinas. Eu brincava com o meu pai, “se você soubesse que ela era Vasco, o senhor não raptava, tenho certeza”. (risos) Mas, a minha mãe era uma pessoa muito boa, humanista. Eu acho que tudo que eu tenho de humanista vem dela, pessoa que dá vontade de chorar. Rosa. Muito bonita ela. A minha neta parece muito com ela.
P/1 - É?
R - Muito. Quando eu vi a primeira vez, eu vi, realmente é o tipo dela. Só espero que não seja Vasco.
P/2 - E por dentro, a neta? Ela é toda, assim tem o jeito da...
R - Ah, ela é artística, gosta de música, de teatro. Sabe como é que ela gosta de sair? Ela vê esses filmes todos, de Princesa Encantada, Pequena Sereia, comprou roupa de tudo. Ela resolve, “eu quero botar a roupa da princesa.” E sai, vai pela rua igual a outra princesa. Vai acabar no teatro essa. Essa é atriz. Pelo visto vai ser atriz. Muito, muito interessante.
P/2 - Como é o dia normal teu hoje?
R - Meu? Eu acordo 6:45, ando na praia 8 quilômetros na areia. Como é que eu vou ter 61 anos com essa disposição? É aí que está o segredo, o segredo é esse. Eu ando 8 quilômetros, mergulho. Aí, chego em casa, tomo um banho, tomo café. Depois do café, eu tomo energizantes cubano feito pelo paraíba do sul pelos cubanos, a base de guaraná, catuaba, essas coisas todas, e realmente melhorou muito, sabia? Eu não estou fazendo propaganda não, mas é verdade. Até acabou, eu vou ligar para lá para mandar. Botaram até um apelido de Viagra Caboclo, mas não é isso não. É só para dar, só para dar mesmo vontade porque o que dar certo mesmo é o andar a circulação. E depois, dali eu saio, vou para a secretaria que é ali no Palácio e de lá eu faço tudo que eu tenho que fazer que são 92 estados para cobrir. Eu tenho equipes. Agora, eu estou com uma equipe lá que ia todo dia comigo. Estou montando seis centros de atendimento às crianças que são vítimas de abuso sexual. Isto é, prostituição, abuso sexual. Outro dia, entrou uma garota de 8 anos que era mantida em um local, fazia sexo oral, reproduzia a garota como se fosse de 15, reproduzia a garota e faziam isso. Quer dizer, tem gente que não acaba mais sem a menor sensibilidade humana. Nós montamos um centro aqui na Praça Tiradentes, um em Volta Redonda e nós vamos inaugurar até 31 de março, vocês estão convidados, vai ser um em Búzios, um em Angra, outro em Nova Iguaçu e mais um Macaé. Então, nós estamos alugando as casas todas, são centros de atendimentos a criança e vamos montar também delegacias especializadas em fortalecer os conceitos tutelares. Onde tiver um abuso de qualquer criança, seja de qualquer forma, um SOS, qualquer vizinho vai denunciar e nós vamos processar e fazer porque está muita violência contra a criança, muita, de todos os níveis, desde o espancamento à abuso sexual. Então, tem que ter uma rede, como... Geralmente faz a rede do crime, tem que fazer a rede do bem, rede de proteção a criança. Aí, eu passo o dia aqui, telefonema também do Flamengo. Quer dizer, eu tenho... Consigo, através da experiência da vida, consegue falar com o Presidente do Flamengo, depois falar com o Governador e vou levando. De vez em quando eu troco,“não Governador, eu não posso ir hoje ao Maracanã”. A gente troca a bola. Mas, de uma maneira geral... E quando bate 17:00, aí eu vou para o Flamengo e vou até 00:00, 23:00, 22:00, 23:00. Evidentemente, não é todo dia e o dia que tem um corte eu pego a mulher, “vamos para o cinema, vamos lá para o shopping, cinema e tal” porque se não tu endoida. Então, é uma vida assim. Viajo também; às vezes viajo de manhã, volto a tarde. Tem helicóptero quando é viagem do Governo, oficial, viajo. E quando o Flamengo joga, por exemplo, ontem foi quarta-feira, eu vou de manhã, quando chega a hora do almoço eu pego o avião e vou para São Paulo aí pelo Flamengo. Nesses momentos só que eu me desligo. Mas, eu tenho uma equipe muito boa. Quer dizer, com a equipe montada, com o Walter lá no Flamengo, economistas, tem mais um outro, e com a equipe que eu tenho do Estado de pessoas na área da assistência social, na área de educação física, toda essa área da criança, o bom é aquele que consegue liderar. Eu consigo dirigir esse pessoal todo. Então, o dia todo fazendo o bem ao Flamengo e fazendo bem às crianças. Tentando fazer pelo menos. E eu sou um homem muito prazeroso porque hoje, na minha vida, pelo o que eu já ganhei, pelo o meu trabalho e tal eu podia ficar em Búzios em uma praia, andando o dia todo. Eu poderia fazer isso hoje porque eu trabalhei a minha vida toda. Até porque uma coisa me ajuda muito é não querer ser rico. Isso é que me ajuda. Você sabe, eu tenho um bom carro, eu tenho um bom apartamento, procuro ter uma casa, quer dizer, eu procuro ter uma coisa de cada coisa que vai me fazer bem. Eu não quero ter duas, não quero ter três, detesto isso. Eu acho que quanto mais você tem, está tirando de mais gente. Então, o meu negócio é viver bem. Vivo bem e acabou. Aí te dá tempo, No momento, eu sou estou triste porque eu estou lendo pouco. A única coisa que está me entristecendo é porque eu estou lendo pouco.
P/2 - E a poesia?
R - O que?
P/2 - Poesia?
R - A poesia está parada, mas daqui a pouco, eu vou me indignar com alguma coisa e faço. Eu gosto mais da poesia da indignação, ela cresce. O poeta bom é aquele que faz quando ele está na fossa de um amor ou quando ele está indignado com alguma coisa e se for possível, com um bom vinho como fazia Carlos Drummond de Andrade. Aí a poesia sai mais rápida, mais fluente. Mas, é verdade. Vê um Castro Alves jovem que o Brasil não reconhece. Ele e Álvares de Azevedo morreram jovem, 20, 21 anos, o maior poeta do mundo! Ninguém reconhece. Castro Alves escrevia poesia da indignação, a paixão dele pela Eugênia Câmera no lado do amor e a indignação contra a escravidão no lado da política, entendeu? Eu fico assim... Essas coisas, eu vejo de repente a minha vida, “Pô, estou parecido com o que ele fez.” Mas, é por isso mesmo porque tu vai... A gente tem um carma, a gente é o produto da nossa vida. Por isso você olha para lá, tu vê tem um pouquinho de cada coisa. É assim mesmo. É um pouquinho de cada coisa. Quando tu junta... Nesse caso, por exemplo, nesse caso essa coisa em comum com Castro Alves, está certo? Então, aprendi com um cara no futebol, o João Saldanha, a gente aprende com outro. A vida, a gente vai formando. Então, hoje eu estou com os meus 61 anos, vou fazer 62, me sinto jovem, honestamente, me sinto jovem, garoto, com uma memória ainda boa. De vez em quando, foge algumas coisas. Mas, uma memória boa a ponto de... Uma coisa, por exemplo, que eu falei para o Brizola que ele fico assim meio sem jeito, quando ele fez um acordo com o Nader e os deputados lá viram que eu crescia muito, exigiram a minha secretaria e ele cedeu. E ele me telefonou, etc e tal. “O senhor não me leva a mal.” “Não, tudo bem, o cargo é de confiança. Eu acho que isso não foi correto e tal, até porque está indo tudo bem, papapá, papapá. Aí, ele falou assim. Aí, depois de conversar, mas você tem alguma coisa a dizer? Eu disse: “Eu tenho. Uma frase de Machado de Assis...” (risos) Uma frase não, é um quilômetro, eu gravava isso tudo na minha cabeça. Eu lia muito, sempre tem muita coisa gravado. Quando ele dizia assim... A passagem é o Rubião que ele, o Quincas Borba deixa uma herança para o Rubião desde que ele cuidasse do cachorro dele se chamava Quincas Borba. E o Rubião, um dia, resolveu ser político, apareceu um cara, seduziu ele para ser político e tal e perdeu. E o cara para poder se livrar a cara e dizer para o cara: “Não, tu ainda vai ser deputado.” Aí, o cara diz assim: “Política pode ser comparada ao nosso senhor Jesus Cristo, não falta nada. Nem o discípulo que nega, nem o discípulo que vende. Coroa de espinho, bofetada, madeira. E morres na cruz da idéias pregados pelos cravos da inveja, da calúnia e da ingratidão.” Foi o que eu disse para ele. Mas, isso aí... O padre Antônio Vieira, até hoje, o padre Antônio Vieira tem um negócio que é muito lindo: “Para falar o vento, basta as palavras, para falar o coração são necessários obras.”Aí, ele falava outras coisas, assim com uma vontade endurecida, sabe? Pregar a vontade endurecida é como pregar uma pedra. Ele diz assim: “Palavras sem obras...” Juntando com isso tudo que ele falou. “É tiro sem bala, atrua, mas não fere.” Então, eu tenho guardado na minha cabeça centenas de citações que eu gravava dos livros, eu marcava. Enquanto eu estiver me lembrando disso, eu sei que ainda estou novo. Eu tenho os meus parâmetros, está entendendo? Então, a minha vida hoje, se resume muito de cuidar da criança e do adolescente em estado de risco social. Isso me dignifica muito. Eu acho que isso aí, talvez, seja a minha biografia da minha infância de humanismo, certo? A minha vida de ver crianças como eu, soltava pifa porque eu era filho de comerciante burguês, mas estudava na escola pública do lado de filho de um operário. Eu aprendi na minha vida que as pessoas, ninguém é superior ao outro. As pessoas tem que ter na mesma vida, igualdade de oportunidade. Depois que tem a igualdade, você se diferencia, talvez, por você ter mais inteligência do que a outra, ou mais vontade, mais desejo, mas a igualdade e a oportunidade é importante. Então, eu acho que eu estou em uma fase da minha vida que eu estou muito feliz servindo ao Flamengo que é uma paixão no esporte e servindo ao povo porque eu estou aí, ajudando com políticas públicas amenizar essa dor social. E quando... Daqui a pouco também, eu tiro umas férias, descanso a minha cabeça, me reanimo porque eu pretendo fazer perto do carnaval e depois continuo na luta aí. A gente plantando idéias, como dizia... Uma das minhas tentativas de namoro. O jardim sem perfume é como... Como é que eu falei?
P/2 - Jardim sem flor?
R -É, não. Como é que é? Não. Uma vida sem... Era de Provençal isso aí. É um jardim sem perfume é como a vida sem amor, uma coisa dessa. Então, é isso. Não tem que ter nesse jardim da vida, um amor por outras pessoas, pela natureza, etc e tal. A lista de inimigos já está fechada a muito tempo. Não gosto de ter inimigos. A gente vai tocando a vida aí. Eu acho que o Flamengo eu vou morrer com a paixão rubro-negra. No dia que eu morrer, eu quero ter a bandeira do Flamengo, mas gostaria de trabalhar muito para ver não só o Flamengo ganhar, para ver essas crianças aí desse país fora das ruas tendo dignidade, justiça social e liberdade.
P/1 - Bom, a gente está chegando perto do final da entrevista, eu não sei se o Manuel quer fazer alguma pergunta?
P/2 - Qual é o seu sonho?
R - Eu, de ordem pessoal, eu não tenho sonho, sabia? Se eu disser assim, qual é o seu sonho? Eu não tenho . O meu verdadeiro sonho, claro, meu sonho de ter sempre dois matizes: Uma é da família que tu constrói. Os meus filhos, os meus netos sejam, continuem a vida que aprendemos juntos. O meu sonho maior é ver a miséria fora da população, ver essas crianças na escola, ver as famílias resgatadas, ver essas crianças de abrigo sendo inseridas nas suas famílias, ajudar essas famílias, entendeu? Diminuir o desemprego, o meu sonho maior é ver uma sociedade mais justa porque eu acho que faço parte de um coletivo, de um conjunto. Eu não faço, eu não sou... O mundo não gira em torno de mim, eu giro com todas as pessoas em volta do mundo.
P/2 – O que é torcer para o Flamengo para você?
R - O mesmo que o Carlito fazendo graça no mundo, levando alegria. Torcer para o Flamengo é uma paixão, futebol é arte popular e paixão para o povo. Flamengo é a minha paixão. A minha mulher sabe, ela pode pedir para não fazer qualquer coisa, mas nunca vai pedir alguma coisa contra o Flamengo porque eu falei: “O dia que você colocar você e o Flamengo , você samba.” Então, ela já sabe que em relação ao Flamengo, ela não se mete. Tem que ir ao futebol, não tem nem papo. Tudo que é Flamengo não tem nem papo. Eu já falei para ela: “Se tiver com bodas de ouro e se você for contra o Flamengo, está fora!” “Ah, não pode ir ao Flamengo hoje?” Tchau, até logo e não volto mais, acabou. Você é muito forte. (risos) Não é?
P/1 - Ok. A gente costuma perguntar para todos os entrevistados, o que acha de deixar o seu depoimento para o Museu do Flamengo?
R - Eu não entendi.
P/1 - O que você acha de deixar o seu depoimento para o Museu do Flamengo?
R - Olha, eu acho com muito orgulho, deixar... Eu até me sinto, talvez uma das maiores homenagens da minha vida porque daqui a 100 anos, 200 anos, alguém vai me ver. Mas aí puxa, tinha um poeta, se existir ainda a palavra poeta daqui a 100 anos. Eu acho que o Museu do Flamengo é uma atitude fantástica do Presidente do Flamengo, da diretoria do Edmundo Santos Silva, do vice-presidente Furtado comandando esses processos. É extraordinário porque a raiz do homem é a sua história. Ninguém vive sem a sua história, nenhuma sociedade e muitas vezes, as coisas, outras coisas maravilhosas da humanidade, a gente não sabe porque não formou-se a história daquilo. E o Flamengo é um clube de história de amor, de luta, de sacrifícios. Não de tiros, de se matar não. De torcida, de paixão e eu acho que esse trabalho que vocês estão fazendo para o Museu do Flamengo, eu acho que, talvez, seja o maior trabalho da história do Flamengo que perpetua todo um pensamento. Muitas vezes, e a gente vê muito em cinema. Eu já vi uma vez um filme, eu não me lembro agora qual, que a pessoa pesquisando um negócio de... Da parte da história foram ver exemplos de muito tempo atrás que morreram, ficaram escondidos na história e ressuscitam esses exemplos. Então, eu acho que a... Por exemplo, alguém que senta aqui, que fala que acredita na vida, na poesia, nos sonhos, quem sabe se futuramente, essas palavras podem estar em desuso e talvez tenha um grupo de pequenos subversivos querendo restaurar amor, luta, dignidade, história, vida. Quer dizer, quem sabe se a gente amanhã não está contribuindo também para uma sociedade ser melhor, ser mais generosa. Então, eu acho que esse trabalho do Museu, eu considero um trabalho lindo, vocês estão de parabéns, todos vocês, a empresa que está comandando isso, o Flamengo porque não há raiz de povo sem a sua história. Nós somos o produto da nossa história. O Flamengo tem que ser futuramente, através do museu, a sua origem, a sua história. Se a gente avançou muito na comunicação, a gente tem que se valer dos meios tecnológicos para se perpetuar melhor. Antigamente era mais difícil. Era manuscritos. Você vê que a história é tão rica, você tem manuscritos de milhares e milhares de anos e cd rom isso você pode restaurar uma cadeia histórica. Então, a gente pode conhecer um pouco mais da vida, das suas origens, de toda uma teoria da vida humana. E se a gente tem os museus hoje, mas pode restaurar a história do futebol, a história do século. A gente não sabe como é que vai ser o futebol no futuro? Que time vai ser, se vai mudar as regras, se não vão. Então, quem gosta de estudar a vida, estudar a história, isso aí é bom restaurar a história. No dia que a gente não olhar a história, a gente não vai conhecer o que foi a idade média, o renascimento, as grandes obras da vida. Quer dizer, se a gente perder esse contato com a história, a gente ainda vai ser muito pobres culturalmente. Porque nós não fazemos toda. Nós fazemos a nossa história todo dia, mas não construímos a beleza da história que ela vem de... A pirâmide do Egito, quantas pessoas estudam a pirâmide do Egito, quantas pessoas estudam Renoir, Rembrandt, Da Vinci e a história da igreja, da religião, as guerras luteranas. Então, você tem desde da Bíblia, Adão e Eva, aquela coisa toda, quer dizer, você tem conteúdo cultural para viver. Então, o museu é isso, faz o acervo desse conteúdo cultural que vai amanhã motivar aqui gerações e que os jovens possam viver melhor. Possam, porque o homem é um selvagem, ele é um animal, com a diferença que ele tem uns princípios biopsíquicos que te dão a inteligência para a reflexão. Um castor faz uma casa, uma represa, mas ele não tem, não planeja aquilo.O homem não. Planeja um edifício, a inteligência humana. E a inteligência humana pode ser muito utilizada para o mal. Então, é importante que haja cultura. A cultura é que dá o condimento, sabor, que dá a forma verdadeira humana das pessoas. Quer dizer, essa eu acredito que o José Martim, um herói cubano diz uma coisa muito linda: “Ser culto para ser livre.” Está certo? E é verdade. Eu acredito hoje, a coisa que eu mais acredito do mundo é na cultura. Eu acho que se você forma um povo culto, um homem inteligente, você forma uma sociedade mais justa, não quer dizer que ser culta seja ser esnobe. Não, está certo? Dançar pagode também, dançar qualquer música, isso tudo é bom para a cultura, fazer uma comida diferente é forma de cultura humana. É que as coisas sejam geradas para uma cultura, até quando você dança, quando você come, quando você anda, quando você viaja. Então, eu acho que cultura humana ajuda. Então, o museu ele vai trazer sempre para as futuras gerações todo um panorama da vida que existiu em que ele pode dali, olhar a experiência do que é bom e do que não é bom. Então, eu espero que eu contribua aí, ouvindo aí... Até o ano 3000, talvez rubro-negros, aqui quem está falando é um sonhador.
P/1 - Muito obrigada.
P/2 - Obrigadão mesmo.
R - Obrigado a vocês.
P/1 - Obrigada.
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