P/1 – Boa noite. Eu primeiro, gostaria de agradecer de você ter aceitado o convite para essa entrevista. E agora, pra gente começar, eu queria que você falasse pra gente o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R – Meu nome é Edmar José Alves, nasci dia oito de novembro de 1965, aqui mesmo em Ilhabela.
P/1 – Edmar, fala pra gente o nome dos seus pais.
R – Meu pai chama Itamar José Alves e a minha mãe, Ivone Moreira Alves.
P/1 – E os seus avós?
R – João Bernardo Moreira, que inclusive é o nome dessa rua e Dona… esqueci o nome da minha vó, hein! Dona Rosa Moreira.
P/1 – Esses são então, os pais da sua mãe?
R – Dos meus pais. É, dos meus pais. Da minha mãe é Elza Moreira e meu vô, que faleceu muito antes de eu ter nascido, não tive muito contato, acabei esquecendo.
P/1 – E fala pra gente o que você sabe da origem da sua família, do seu pai, da sua mãe?
R – Na verdade, o que eu sei, a minha avó por parte de pai era uma índia e o meu vô era espanhol. Eles se conheceram e tiveram o meu pai. A minha vó da parte da minha mãe, todos os dois eram de Ilhabela, mesmo.
P/1 – E contra pra gente, o quê que eles faziam, os seus pais?
R – Na verdade, no início, o meu pai era pescador e a minha mãe, dona de casa. Depois com o tempo, quando começou a abrir as estradas em Ilhabela, meu pai começou a trabalhar na DR, que é o Departamento de Estradas e Rodagem. Ele era o responsável por abrir as estradas na Ilha. Eu achava interessante, porque eu ia de vez em quando com ele e as ruas passavam muito perto da vila, hoje, praticamente, as ruas quase dão a volta na Ilhabela, né? E com o tempo… e ele tinha barco de pesca na época e a gente vivia tanto da pesca como do salário que ele tinha da DR.
P/1 – E conta pra gente do bairro que você nasceu. Em que lugar da Ilha que você nasceu?
R – Eu nasci exatamente aqui. Por parteira, porque antes, não tinha hospital, né, nasci em casa, mesmo, na minha casa que é nessa rua aqui. Nasci em Ilhabela.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho mais três irmãs, uma mora em São Paulo (SP), outra em Taubaté (SP) e a outra aqui na Ilhabela, mesmo.
P/1 – E em que lugar que você tá nessa escadinha?
R – Sou o caçula.
P/1 – Conta pra gente, então, como que é ser o caçula de mais três irmãs, quer dizer, três meninas antes…
R – É a melhor coisa, porque além de ser o caçula homem, era um caçula que todas as irmãs bajulavam, então, na verdade, eu tinha quatro mães, né? As três irmãs e mais a minha mãe. Era superinteressante.
P/1 – E das atividades, o quê que você gostava de brincar quando você era pequeno?
R – Tudo ligado ao mar, sempre; a gente como caiçara, vivia a 50 metros do mar, eu brincava muito com canoas, caiçaras, a gente brincava de pique na água, coisas de criança, mas tudo voltado ao mar.
P/1 – Você chegou a fazer uma canoa?
R – Não, canoa eu não cheguei a fazer, não. Eu andava de canoa porque tinham muitos pais de colegas meus que faziam canoas aqui.
P/1 – E o que você se lembra da escola, de começar a ir para a escola?
R – Na minha época, já tinha uma escola aqui na vila, no centro da Ilhabela, então eu ia para a escola, comecei a ir para a escola aos sete anos de idade e era uma escola só que tinha para atender, praticamente, 40, 50% da Ilha, que era a escola Gabriel [Escola Estadual Gabriel Ribeiro dos Santos Doutor], que fica ali no centro da vila.
P/1 – E como era esse caminho para a escola? O que você se lembra de quando começou a ir para lá?
R – Eu como morava muito no centro, o caminho não tinha asfalto, era terra, chão batido e eu me lembro que tinha uma ponte na vila, ali, que a gente passava uma ponte de madeira que eu era pequenininho e a escola tinha quatro salas de aula, só, eu achava interessante, tudo aberto, assim, sem muro, sem nada.
P/1 – E como é que era a professora, as aulas?
R – As professoras eram todas pessoas vizinhas, nativas de Ilhabela, mesmo, uma ou outra vinha de São Paulo, mas logo se adaptava aqui, era muito tranquilo, nada muito diferente como qualquer outra escola.
P/1 – Tinha alguma matéria que você gostava mais?
R – Matemática, sempre gostei de Matemática, nunca fui bom em Português, mas Matemática sempre foi o meu forte.
P/1 – E você falou pra gente do seu pai pescador também, além do trabalho depois com as estradas aqui, e ruas, mas conta pra gente assim, do que você se lembra quando começou a ir para o mar ou a entender do mar, de como que funcionava?
R – Na verdade, meu pai sempre que me levou para o mar, né, por ele ter barco de pesca, era um dever meu todo final de tarde ir lá ver o barco como estava e aí, comecei a pegar amor pelo mar e daí pra frente, foi a minha vida toda foi no mar, tirando uma passagem que eu tive que ir para o Exército, que eu fui servi o Exército no interior, o resto foi tudo no mar.
P/1 – E o seu pai chegou a contar histórias do mar ou de viagens que ele tenha feio, de pescas que ele fez?
R – Não, porque na verdade, é o seguinte, eu vivia muito o dia a dia com ele, né, e as histórias dos caiçaras nativos de antigamente eram muito ligadas somente a Ilha. Então, a gente tem histórias assim de barco de pesca que iam pescar atrás da ilha. Mudou muito do começo do meu pai ao que a gente é hoje.
P/1 – Conta pra gente que não sabe, quais foram essas transformações? O que mudou nesse universo?
R – Antes, o caiçara vivia basicamente da pesca e de alguns outros afazeres, mas muito ligado a Ilha, mesmo. Hoje não, hoje a gente tem uma opção muito maior, por exemplo, eu morei dois anos na Europa, trabalhando com barco ligado ao turismo, que eu era marinheiro no começo, tive um convite para ir para a Europa, fiquei dois anos na Europa, aí a gente atravessou o Atlântico, quer dizer, o caiçara começou a sair da Ilhabela e viver um mundo muito maior, que os pais e os avós não tinham essa possibilidade.
P/1 – Antes de você falar dessa sua viagem, eu queria que você contasse mais da infância, então você falou um pouquinho das brincadeiras, né, sempre ligadas ao mar. Conta assim, na juventude, no final da parte escolar, como é que foi para você essa passagem, se percebendo o grande, com mais responsabilidades?
R – Na verdade, por morar numa Ilha, os impactos são muito menores do que uma cidade grande e as coisas vão acontecendo naturalmente e muito lento, até por falta de oportunidades também, tá? Esse impacto não foi muito forte, não, porque as coisas foram vindo conforme a Ilha foi crescendo, sabe? Então, as coisas foram acontecendo normalmente, não teve aquele impacto como tem em cidade grande.
P/1 – E quando acabou a escola, o que você foi fazer?
R – Então, acabou a escola, quando acabou o terceiro colegial, né, que é o final aqui que a gente tinha na Ilhabela, não tinha faculdade no litoral, a faculdade mais próxima era São José [dos Campos] (SP) e Taubaté e por dificuldade familiar, financeira, a gente não tinha possibilidade de partir para fazer uma faculdade, tanto que é a terceira geração de caiçaras que agora começa a fazer faculdade mais fácil, né, que na nossa geração. Era difícil, era muito complicado, muito complicado de você sair da Ilhabela para morar em outro lugar. Aí, quando acabou o colegial, eu optei por servir o Exército, que é uma coisa que eu tinha um sonho, não sei porque, eu acho que se tiver eu e mais uns três ou quatro caiçaras que serviram o Exército é muito pouco, porque a maioria vai tudo para a Marinha, né, que é a vocação natural e aí, foi uma experiência legal, foi uma experiência única, achei que aquilo me deixou muito mais experiente para a vida.
P/1 – Conta como é que foi, então, deixar a Ilha e ir morar em outra cidade? Longe do mar, também?
R – Então, imagina um peixe fora do mar, né? Foi uma coisa muito legal, assim, difícil num primeiro momento, mas depois muito gratificante porque você acaba enxergando um jeito da vida que eu não via antes. Quando cheguei no Exército, me deparei com um monte de gente inexperiente em vida de mato. Apesar de eu ter tido aqui nessa infância também bastante contato com o mato, mas lá era um pouco diferente, peguei muito fazendeiro, muito cara que já tinha… E onde que eu servia era um Exército meio fazenda. Por outro lado, foi muito engraçado porque teve olimpíadas internas do Exército e quando teve a parte de natação, quando eu entrei para fazer natação era até brincadeira, porque eu nadava... Com 18 anos, imagina que eu nadava todos os dias aqui, aí quando a gente foi para a competição lá, ganhei medalha de ouro! Aí, eu comecei um reconhecimento que eu não tinha lá e os caras começaram a ver o meu valor ligado à água, tanto que quando terminou o meu tempo de prestar serviço, pediram para eu continuar, mas eu tava doido para voltar para o mar e acabei voltando para cá.
P/1 – E como é que foi essa volta e voltar para a sua cidade?
R – Aí, voltei com uma visão muito melhor, porque aí eu tive o impacto que eu não tinha antes, de ficar longe do mar, que em momento nenhum eu tinha passado por isso, né? Quando eu voltei para o mar, eu entrei de cabeça para trabalhar como eu trabalho hoje, com embarcações. Aí, comecei a trabalhar como marinheiro, logo depois, eu tive oportunidade de trabalhar em um barco grande, barco de 41 pés, que na década de [19]84, 85 era barco grande para o Brasil e aí, eu fui para a Europa, trabalhar na Europa num barco de 59 pés. Logo depois, em 87, 88, eu já tava lá e isso foi agregando conhecimento, acabei conhecendo praticamente o mediterrâneo da costa da França, Espanha, Itália todo e isso quando voltei para o Brasil em 90, eu já voltei com uma visão de fazer com que eu montasse o meu próprio negócio. Dali em diante, comecei a trabalhar com energia solar, comecei a trabalhar com tudo que era ligado ao barco, eu comecei a fazer, mais na área de vela, nunca na área de lancha. Com o tempo que eu comecei a passar para a lancha.
P/1 – Então vamos falar da vela, né, o quê que faz o marinheiro?
R – O marinheiro, hoje, é responsável pelo barco aqui enquanto o dono do barco tá em São Paulo, ele cuida de toda parte de manutenção do barco, deixa o barco preparado para quando o proprietário do barco chegue, o barco esteja em condições de navegação. Quando o proprietário do barco chega e tem condições de navegação, ele tem que saber a navegação, então, ele tem que ser tanto organizado para deixar o barco preparado para isso e depois, quando chega o proprietário, o barco está pronto… O marinheiro está pronto para conduzir o barco, então ele tem que ter algumas carteiras de mestre, ter conhecimento elétrico, eletrônico, motor, quer dizer, o marinheiro faz, basicamente, a navegação e o cuidado com o barco.
P/1 – E como foi esse convite para uma viagem maior e cruzar o Atlântico num barco?
R – Isso daí aconteceu um pouco mais adiante, tá? Não foi nessa mesma época, foi em 2000, quando a gente foi lá pegar um barco e atravessar o Atlântico. Foi engraçado, porque ninguém tinha experiência de atravessar o Atlântico, quem tinha mais experiência em embarcação era eu, tanto que fui contratado, mas eu também nunca tinha atravessado o Atlântico, já tinha navegado na Europa, já tinha bastante tempo de milha. E foi um desafio muito legal, porque eram dois presidentes de bancos que também nunca tinham feito isso, tinha o irmão dele também que não tinha também muita experiência e um marinheiro que recém tinha começado ao mundo náutico. Eu achei muito legal porque foi um desafio para todo mundo, desde o aprendizado de quem nunca tinha atravessado e não tinha experiência nenhuma de náutica. Quanto a minha, que eu tinha experiência náutica, mas também nunca tinha atravessado, então foi um aprendizado muito legal, a gente fez isso em 30 dias, sendo 20 dias só de céu e mar e isso também foi bem legal, foi um negócio muito legal por exatamente ninguém ter feito isso antes, então foi um negócio bem interessante.
P/1 – E conta pra gente qual é a sensação dessa travessia, desses tantos dias?
R – A sensação é a seguinte, após o segundo dia que você tá no mar, você se desliga completamente do mundo, você sai fora de você e você vive um mundo que é aquele dali, só quatro pessoas em um barco, que você não tem contato com mais nada, com terra. Então, eu acho muito interessante o convívio entre a gente e foi super legal, tanto que somos amigos até hoje, todos nós.
P/1 – E tempo ruim?
R – Pegamos na costa da África três dias de mar de onda de cinco, seis metros e vento de 35 a 40 nós. E a gente ficou três dias e meio sem comer nenhum alimento quente, porque não dava para fazer. Foi muito legal que nessa mesma época, o Amyr Klink tava indo com o barco dele, com um amigo meu inclusive no barco e a gente trocava informação o tempo todo. O Amyr, naquela época, falou que nuca tinha pego um mar daquele e ele tava com o Paratii, que é aquele barco grande que você conhece, ele foi lá para colocar o mastro na Espanha, na época que tava pronto o barco e pegaram exatamente esse mesmo tempo que a gente pegou.
P/1 – E antes então dessa travessia, conta um pouco da experiência de navegar em outros mares, né, que conhecia bastante aqui o canal, o entorno... Como é sair daqui ou reconhecer as características do mar em outros lugares, como o caiçara ou quem é daqui que já saca as coisas do tempo, do mar faz para se adaptar a um outro ambiente?
R – Como um amigo meu fala, isso é uma coisa muito natural, então é difícil você explicar, é mais ou menos vocês quando saem em São Paulo, que vai pegar um trânsito às oito horas da manhã, então isso já tem na cabeça. A gente, quando sai para o mar, já tem um conhecimento muito natural do negócio, não vou te falar que a gente não passa sufoco, logico que passa, mas o conhecimento é muito natural, quando você entra para fazer uma navegação, mesmo que seja fora da sua região, do seu mar. A gente já entra sabendo das possibilidades que podem acontecer. Então, você sempre tá preparado para o que der e vier. Vou te falar uma outra experiência que é muito interessante, a gente sempre vai correr regata Buenos Aires–Punta, isso há oito anos, direto, a gente faz isso e lá, sempre… O sul da América do Sul, dos mares é onde realmente nascem as frentes frias, né? Então, toda vez que a gente vai lá, a gente sabe que vai pegar o tempo ruim, então, putz, pegamos o tal do pampeiro que é um vento que eu pretendo nunca mais pegar, porque quando entra a frente fria na Argentina e a gente tava saindo da Argentina, pegamos onda de meio metro, 40 centímetros, só que em um espaço de um, dois segundos. É a mesma coisa de você estar dentro do liquidificador e você não tá preparado para esse tipo de situação, que isso você não sabe como… Não tá preparado, nunca passou isso, porque a navegação nossa é mais em mar, não é em rio, né? E aí, você se adapta também… logo você se adapta, é uma coisa muito natural, como eu te falei, antes.
P/1 – Descreve pra gente qual que é essa sensação dessa calmaria para a tempestade, né, ou como que você vê isso se formando e a que abre depois, quando começa a ver que vai clarear e que as coisas vão melhorar?
R – Essa pergunta é um pouco difícil, porque na verdade, é o seguinte, a gente na região nossa, a gente sabe quando vai entrar frente fria e quando não vai entrar frente fria, tá, exatamente por isso, tem a calmaria, tem o vento que puxa a frente, então você já tem alguns conhecimentos locais. Por exemplo, lá em Punta del Leste, esse vento que eu te falei, lá não tem essa calmaria, lá já começa a ventar, é onde nasce a frente, né, então cada região é diferente, né?
P/1 – E conta como é que foi então voltar dessa experiência da Europa, decidido a montar os negócios? Quais foram os passos, né, e vendo que eles foram se concretizando…
R – Quando eu cheguei na Europa e me deparei com aquele mercado náutico, eu falei: “o Brasil um dia vai melhorar, vai estar mais…”, mas até hoje, não consegui ver aquele Brasil com a visão que eu vi. Porque a quantidade de barcos que tem lá é uma coisa impressionante, eu morava numa marina em ___00:19:53____ que tinha dois mil e quintetos barcos, a marina do lado tinha mais um outro tanto, a outra marina… Quer dizer, em um golfo, tinha quase a quantidade que o Brasil tinha, numa baía, quase a quantidade de barco que o Brasil tinha, eu falei: “Poxa, um dia, isso vai chegar no Brasil”, e aí, eu vim com essa visão de entrar para esse mercado. Até hoje, eu tô há 25 anos nesse mercado.
P/1 – E quais foram os primeiros passos para constituição da empresa? Então, você teve essa ideia, vislumbrou essa potencialidade de mercado, mas e chegar aqui e articular e começar?
R – Na verdade, começou muito aos poucos, dando um passo de cada vez, sabe, bem pequeno, até hoje eu sou pequeno, mas um passo de cada vez. Comecei primeiro… E eu sempre gostava de trabalhar com coisas diferentes, por exemplo, trabalhei com energia solar, na década de 80, ninguém conhecia, te dando um outro exemplo, voltando para cá, para o momento agora, eu trabalho com motor a gás, que ninguém conhece, então sempre foi tentando renovar, sempre foi tentando fazer coisas diferentes que o mercado não conhece. Então, eu trabalhei com estaleiros de grande porte, como trabalhei com estaleiros de pequenos, como a Delta Yachts, que eu comecei, eles vendiam quatro barcos por anos e eu deixei de trabalhar, eles estavam vendendo 40 barcos por ano. Então, eu sempre gostei de desafios, ligados à náutica com visão que eu tenho no momento. E por morar num ilha, sempre muito pequeno, né, nunca dei um passo maior do que a perna.
P/1 – E por quê que você decidiu voltar para cá, quer dizer, há outros mercados náuticos que estão aí, que têm uma infraestrutura ou que têm uma certa visibilidade, às vezes, potencialidade também, mas por que voltar para cá?
R – Uma que eu sou nativo da Ilhabela, como eu falei antes e outra que eu adoro essa cidade, essa cidade aqui pra mim, é tudo. Eu gosto de acordar e não pegar trânsito, eu gosto da vila, do tamanho da Ilhabela, eu acho que o que me encanta na Ilha é antes de ser nativa, é o tamanho e toda infra que a Ilhabela tem.
P/1 – Como é que funciona isso, como é que você vê a importância de trazer essas alternativas para o mundo náutico, quer dizer, então, o motor à gás, ou então trabalhar com energia solar, como que essa percepção ecológica ou mais sustentável se alinha a esse...?
R – É uma coisa natural, né, você morando numa ilha, você tenta partir exatamente para esse tipo de mercado. Uma coisa diferente, que seja ligado ao meio ambiente e que você tenha mercado para isso. Então, é uma coisa meio natural.
P/1 – E qual que é a importância de se ter essa conscientização em relação ao meio ambiente, porque você pode ter um lancheiro que gosta só de pôr o gás, sair e tal e aí, larga o lixo… Como é que você faz isso? Qual que é a importância, então, dessa conscientização? Ou gente que é de fora, turista…
R – É uma pergunta meio complicada, porque você vende uma imagem, você nunca sabe se essa pessoa vai estar comprando a imagem que você tá vendendo, né? Mas eu vejo que a Ilhabela tem essa preocupação, os próprios turistas, moradores e pessoas que trabalham no meio mesmo têm essa preocupação da gente tentar fazer com que o meio ambiente seja sustentável, né, que a gente tenha uma ilha sempre limpa como ela é hoje.
P/1 – E por que é importante preservar?
R – Para ter um mercado de alta qualidade, para você ter qualidade de vida, para você ter pessoas que sejam conscientes, onde você convive, né? Então, é por esse motivo.
P/1 – E conta assim pra gente, da sua vida assim, pessoal também ao longo de tudo isso, então você chegou a falar que é casado. Como é que você conheceu a sua esposa?
R – Minha esposa eu conheci na Ilhabela, mesmo, na escola, no segundo colegial, ela foi miss Ilhabela e a gente começou a namorar, temos dois filhos, que é o Mateus e a Carolina e ela é caiçara, também. Na verdade, ela nasceu em Ilhabela, mudou para Ubatuba e depois, voltou… Somos casados há 28 anos.
P/1 – E qual que é a atividade dela?
R – Ela me ajuda aqui na loja, também, ela trabalha na parte financeira, administrativa da loja.
P/1 – E como foi ser pai?
INTERRUPÇÃO, PESSOAS PASSAM NA RUA FAZENDO COMENTÁRIOS...
R – Esse foi o primeiro patrão que eu tive. Eu comecei a velejar com ele, quando eu tinha 14 anos de idade. Ele tinha uma fábrica chamada Taluxo, é uma fábrica de confecção, aí fechou, aposentou e tá morando na Ilha.
P/1 – E como é que foi aprender a velejar?
R – Então… Esse é um dos responsáveis, por incrível que pareça. Ele comprou um barco na década de 81, 1981 e a gente começou a velejar juntos, de 81 até 83, antes de eu servir o Exército e aí, as primeiras viagens foram com ele, fazia Ilhabela–Ubatuba, Ubatuba–Santos e foi assim que começou a minha vida o mar.
P/1 – E para você o que significa a Ilhabela ser a cidade da vela?
R – Na verdade, pra mim isso foi um trabalho muito legal, porque isso traz um turismo de qualidade e voltado àquela questão de meio ambiente, também. por isso que a gente tem que sempre se preocupar com isso, Ilhabela, na verdade, tem lancheiro e tem velejador, pela qualidade das praias e qualidade do mar. O que a gente não pode partir nunca é abandonar isso como Santos, como Guarujá fez, a gente tem vários exemplos ruins que a gente não pode seguir. Então, isso é muito importante para a Ilhabela, manter a qualidade do mar.
P/1 – E se você pudesse definir pra gente o quê que é velejar e contar assim, em algumas palavras, como você definiria essa experiência?
R – Velejar?
P/1 – É.
R – Velejar são momentos em que você esquece da vida, isso que é velejar. O mar tem uma forca tão forte, tão grande e ligado à vela, ainda, que você acaba se desligando da vida, é um negócio assim, mágico.
P/1 – E aí, você tava falando dos filhos, né, antes dele passar, que eu perdi o fio da meada, conta pra gente como é que foi ser pai, ver o nascimento dos filhos…
R – Na verdade, é o seguinte, ser pai aqui na Ilhabela foi um negócio meio assim, aconteceu por acaso. A gente namorava, ela ficou grávida e a gente se assustou um pouco no começo, porque não tava preparado e nem a minha esposa, né? Mas com o tempo, a gente vai se adaptando, então foi um negócio muito legal e até hoje, eles vivem com a gente, a gente não deixa sair muito das nossas asas, não. Uma tem 28 e o outro tem 21 e moramos tudo junto, ainda. Ninguém é casado ainda, estão tudo morando junto.
P/1 – E como é que foi levar os meninos para o mar as primeiras vezes?
R – Então, esse que foi um desafio que eu não conseguir vencer (risos). Meus filhos gostam, mas eles não são apaixonados como eu e a minha esposa, por exemplo, eu e a minha esposa velejamos juntos na semana de vela, meus filhos não se preocupam muito com isso, eles não gostam muito do mar. Gostam do mar, mas para passear, não como a gente gosta tanto para passear quanto para competir.
P/1 – Como é que você se sente assim, tendo a sua família aqui com você, quer dizer, seus filhos também escolheram ficar e ficar junto, né, qual que é a importância disso pra você?
R – A gente fez uma criação para os filhos, exatamente isso, para eles tentarem sobreviver num lugar que a gente sempre gostou e sempre sobreviveu, né? Eu acho que esse negócio do caiçara fazer uma faculdade pensando em morar em São Paulo, eu não curto muito isso, acho que você tem que viver num lugar que você gosta e sobreviver num lugar que você gosta. Então, a gente briga muito por isso, tanto que a gente sempre quer que eles estudem e morem no lugar que eles nasceram e que a gente adora. Tem uma qualidade de vida aqui que poucos lugares do mundo têm.
P/1 – E qual que é a sua sensação quando você volta, sei lá, nessa chegada do Atlântico, depois de 30 dias de viagem aportar? E aportar aqui na Ilhabela, qual que é essa sensação de chegar em casa… de chegar na sua cidade?
R – É uma sensação que parece que você chegou no fim, mesmo, você chegou no seu porto seguro, é uma sensação muito legal, muito de um desafio cumprido. Então, quando a gente chegava, puts, fizemos festa, parecia que tava chegando no final, mesmo, no que a gente queria, no nosso objetivo.
P/1 – E o quê que você pensava durante essa travessia?
R – Na verdade, é uma viagem que você faz pela cabeça, se o que você tá fazendo é certo, se o que você tá fazendo é errado, porque é uma escolha que você fez para a sua vida. Tem hora que você acha que tá errado, mas depois que você cumpre a tua tarefa, você tem uma satisfação muito grande.
P/1 – Conta pra gente alguma história sua com a cidade, dessa… de alguma relação, assim, uma saída para o mar que você fez com alguém daqui ou turista, ou então, alguma história de passar aqui pelo verão ou de ver essa diferença da cidade entre as…
R – Alguma passagem no mar, você fala? Não tô entendendo.
P/1 – Conta… você tem alguma?
R – Alguma passagem no mar? Na verdade, as histórias são muitas, né, a gente acaba esquecendo porque convive todo dia no mar e como te falei, parece uma coisa natural, né? Mas tem várias. Tô tentando pensar em uma diferente, mas…
P/1 – Assim, alguma baleia por aqui?
R – Agora, fazendo Alcatrazes semana passada, uma baleia, duas baleias deram um show aí que tem, inclusive, fotos no facebook. Isso você encontra normalmente, isso é muito corriqueiro, golfinho, baleia, tudo isso é muito natural aqui nessa região.
P/1 – E o quê que você sente quando é verão, assim, e a cidade tá cheia?
R – É um momento que eu peço pra terminar logo, eu sei que os comerciantes precisam disso, na verdade, o meu mercado não é tão voltado à quantidade e sim, à qualidade, mas do dia 26 de dezembro ao dia dez de janeiro… Do dia 26 de dezembro ao dia dez de janeiro, a Ilhabela fica assim, insuportável, nem o comerciante que vive disso não gosta, porque você tem gente como essa que passou aqui, você tem muito carro na ilha, então fica insuportável. Pessoal que suja, pessoal que não tem respeito por ninguém, não é legal.
P/1 – E qual que é a sensação quando eles vão embora?
R – Parece que terminou uma festa e aí é a hora de arrumar a casa, é uma coisa assim, muito… tanto que você vê a quantidade de morador que tem casa na Ilhabela, turista que tem casa na Ilhabela não vem entre o dia 26 e o dia dez de janeiro, preferem viajar para outro lugar e depois disso, aí sim, começa a frequentar a Ilhabela.
P/1 – Descreve pra gente como é morar aqui.
R – Morar aqui é uma coisa assim, muito legal, porque por exemplo, eu que trabalho no meio do que eu vivo, parece que você não trabalha nenhum dia e parece que você tá convivendo todos os dias sem trabalho, né? Então, trabalho aqui, você não tem trânsito, você não tem problema de segurança, o meu carro fica a chave no contato. Então tudo isso não tem preço, tudo isso é uma qualidade de vida que como eu te falei, poucos lugares têm, se você pegar o histórico de Ilhabela. Eu posso estar enganado, mas acho que faz uns seis, sete anos que não roubam um carro na ilha, porque não tem o que fazer com o carro, porque vai roubar, atravessar a balsa, vai ficar preso na balsa. Aconteceu isso uma vez que o cara roubou um carro, foi para a fila da balsa, a polícia militar pegou ele na fila da balsa, ele atravessou num camburão, o carro ficou aqui. Então, isso que é morar na Ilhabela, eu acho que segurança, trânsito, se você parar para pensar quanto tempo você perde dentro de um carro em São Paulo, você fica louco, né? É um absurdo! Quando eu vou para são Paulo e olho a cara do pessoal dirigindo do meu lado, você vê que eles estão completamente fissurados, estão atrás de alguma coisa que você não consegue ver, né, você perde muito tempo dentro de um carro em São Paulo. Isso já não acontece, eu gasto seis minutos para chegar aqui de carro e é isso que eu gasto de carro por dia.
P/1 – E como é que é essa relação, seu pai foi pescador e você trabalha ou é da vela, do ramo náutico, como é que você vê essa transição, esse processo de passagem…
R – Isso daí, todos os caiçaras aconteceram isso, porque o que aconteceu com a pesca? A pesca acabou, pesca com todos esses barcos pesqueiros enormes, grandes que vêm aqui e depredam, acabam com os peixes, a pesca acabou. Então, o caiçara teve que partir para um outro caminho e o outro caminho foi o turismo, que hoje, praticamente a maioria dos caiçaras vivem do turismo, que não tem mais a pesca. Muito pouca gente vive da pesca, a não ser as comunidades isoladas que são atrás da Ilhabela, que ainda não têm outra coisa a fazer, a não ser a pesca. Mas quem mora aqui pela ilha, o caiçara teve que sair da pesca por falta de peixe, mesmo.
P/1 – E descreve pra gente qual que é a sensação de velejar com a sua esposa? De sair com um barco daqui com ela… ainda, na sua cidade, no seu mar, na região…
R – É muito legal. Foi muito legal. Essa experiência, na verdade, passear com a esposa é sempre muito gostoso, a gente sempre vai para Angra [dos Reis] (RJ). Eu tive uma experiência agora, a primeira foi correr a semana de vela com ela e a gente correu uma semana de vela meio em família, com 40 barcos na raia, a gente ficou em segundo na classe e em terceiro no geral, mesma família e super brincando, um negócio muito light, isso que é gostoso.
P/1 – Como foi para você fazer parte da semana de vela, trabalhando com isso, estando na cidade da vela?
R – Isso eu faço há 25 anos, então, eu sempre liguei velejar com a minha profissão. Então, eu tenho que tomar muito cuidado para não deixar o negócio muito mercenário demais, tanto que eu não gosto de competir ganhando dinheiro, porque isso te leva a um negócio que eu não quero na minha vida. Eu trabalho com vendas, então, eu sempre vendo peças, vendo vela, vendo barco, mas eu nunca ganhei para praticar o esporte, isso eu sempre me policiei para não partir para esse ramo, porque você acaba tirando o teu prazer de velejar e colocando a parte financeira na frente, isso eu nunca fiz e pretendo nunca fazer.
P/1 – E como é que é essa semana de vela?
R – A semana de vela é o nosso carnaval, que a gente fala, é a época que a gente ganha dinheiro com isso, porque a gente aumenta a quantidade de barco, aumenta a quantidade de pessoas, tudo ligado à náutica, né? Agora, com essa abertura da Feira Náutica vai melhorar mais ainda. Então, tudo que é ligado a náutica, pra gente, é muito bom. Então, por isso que a temporada pra gente não é muito legal, porque não é muito ligada à náutica e sim, ligado a outras coisas, hotelaria, que também é preciso, né, Ilhabela vive disso, vive do turismo. Só que o nossos turismo é especificamente náutico. Então, a semana de vela pra gente é o top do ano.
P/1 – Como É que é ver esse canal cheio de vela colorida, com um monte…
R – É uma coisa que para quem tá assistindo, eu nunca assisti, tá, mas para quem tá assistindo deve ser uma coisa muito bonita, porque eu vejo pelas fotos, é muito emocionante. Pra gente, como está lá dentro, é super legal, putz, é muito agradável. Ilhabela fica mais bonita, ainda.
P/1 – E mesmo quando não é a semana de vela, né, quando você para aqui na frente, assim, e vê que tem um grupo saindo, você pode ver um pessoal velejando, o quê que você sente quando você vê o barquinho ali com a vela, bombordo?
R – É uma coisa assim, que eu gosto de fazer isso, né, quando eu vejo que os barcos estão saindo, lógico que você tem vontade de sair, mas você tá tão policiado para isso, você faz isso todo dia, toda hora, que você sabe que tem hora que não dá e tem hora que dá. Tem hora que eu fico aqui: “Putz, queria estar velejando”, mas eu sei que no final de semana ou durante a semana, mesmo, a hora que é possível, eu faço isso.
P/1 – Qual foi o melhor barco, o mais divertido que você velejou?
R – Foi desse da semana de vela, agora, por ter corrido entre famílias, achei muito legal. Achei uma experiência diferente. Eu nunca tinha corrido em família, então, correu eu, a minha esposa, amigo dele, esposa dele, então foi um negócio muito legal. Muito legal porque era todo dia, era festa, mesmo que perdesse ou ganhasse, ainda assim, a gente não perdeu, a gente ganhou. Então, foi um negócio bem divertido.
P/1 – Tá, pra gente ir encerrando, conta pra gente assim, quais foram as maiores mudanças pelas quais a ilha passou, que você acompanhou, desde a época que você falou que o seu pai saía para construir essas estradas e ruas até…
R – Eu acho que o impacto de Ilhabela foi muito forte de oito anos pra cá. Foi muito forte de oito anos para cá, por quê? Eu te falo, Ilhabela hoje é cidade produtora de petróleo. Então, antes, não tinha isso. Na minha infância, não existia royalties, não existia nada, existia uma ilha que era uma prefeitura pequenininha, com meia-dúzia de funcionários e hoje, Ilhabela tá uma potência. Hoje, Ilhabela tá com uma arrecadação absurda e com uma abundancia muito grande. Então, eu acho que a grande mudança da Ilhabela foi na parte de estrutura, tanto médica, quanto de turismo, quanto de infraestrutura de serviços. Então, isso da minha infância para cá, foi um negócio assim, brutal. Foi muito, muito forte.
P/1 – E quais são os seus sonhos, Edmar?
R – Continuar morando na Ilhabela sempre. E vivendo da náutica. Esse é o meu sonho.
P/1 – Continuar velejando?
R – Continuar velejando, sem dúvida. Vendendo lancha e velejando, o que eu falo, eu vendo lancha para velejar.
P/1 – Então, eu acho que é isso, em nome do Museu da Pessoa e também da prefeitura de Ilhabela, a gente agradece a sua entrevista. Muito obrigada.
R – Ok, muito obrigado aí pela oportunidade.
P/1 – Tá, então antes da gente encerrar, o que aconteceu foi que de repente, deu uma cortadinha aqui, piscada a luz, o Rafa comentou do enquadramento, conta pra gente essa história então da energia aqui na cidade, como que funciona?
R – Quando eu era pequeno, eu lembro que tinha uma usina hidrelétrica aqui, os cabos submarinos não funcionavam direito até por vários motivos eles não funcionavam direito, então, chegava às dez da noite, a luz acabava na ilha inteira e só voltava às seis da manhã, porque a usina era a gente mesmo que fazia. Era lá na Água Branca, usina hidrelétrica da Água Branca. E tem um caso legal também da minha infância, como acabou a luz, eu voltei a lembrar, era uma época de carnaval, o navio aportou bem aqui em frente a vila e pegou o cabo submarino e estourou o cabo submarino, nós ficamos sem luz três dias do carnaval por esse motivo. Então, todas essas dificuldades de luz, a gente tem na Ilhabela até hoje, porque você viu que não é alta temporada e de vez em quando, dá o pico, acaba a luz e é sempre horário de pico, das sete e meia às dez da noite. Sempre.
P/1 – E o quê que se fazia quando ficava tudo escuro?
R – Tudo vela, só vela. Só não tem o que fazer, né, é vela, imagina no verão, todo mundo ficava na rua.
P/1 – Contando história?
R – Contando história, escutando conversa dos mais antigos, ano tinha muito o que fazer. Tudo escuro na ilha, imagina!
P/1 – Tá certo então, agora sim, a gente agradece, muito obrigada.
R – Imagina, não por isso.
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