Projeto Correios – 350 Anos Aproximando Pessoas
Depoimento de André Pereira Garcia Ramos
Entrevistado por Isla Nakano
Rio de Janeiro, 08/08/2013
Realização Museu da Pessoa
HVC079_André Pereira Garcia Ramos
Transcrito por Francisco Guilherme Ribeiro Ruiz
MW Transcrições
P/1 – Bom André, primeiro eu queria agradecer por você ter tirado um pouquinho do teu tempo para participar do projeto, contar a tua história de vida. E para a gente começar eu queria que você falasse seu nome completo, onde você nasceu e quando você nasceu.
R – André Pereira Garcia Ramos, nasci no Rio de Janeiro, em três de mais de 1978.
P/1 – E o nome dos teus pais?
R – João Carlos Garcia e Silvia Helena Garcia.
P/1 – E dos avós, você sabe?
R – É, tem que pensar, (risos). José, Zilda, a outra eram Maria e Félix.
P/1 – E qual é a história da tua família?
R – Da minha família?
P/1 – É.
R – Ah, imigrantes portugueses, espanhóis, vieram para o Brasil no início do século 20, não todos, tinha uma brasileira também. Meus pais nasceram lá para 1950, meu pai é engenheiro, minha mãe professora de Português, meu pai é aposentado agora, minha mãe também é aposentada, moram no Rio de Janeiro.
P/1 – E André, você sabe como seus pais se conheceram?
R – Ah, sim, foi em Teresópolis, minha mãe tinha uma casa, meu pai também tinha uma casa, se conheceram por lá, não lembro exatamente como.
P/1 – E André, me conta uma coisa, como que foi a tua infância? O que é que você gostava de brincar quando você era pequeno?
R – Ah, andei de skate, bicicleta, o que mais? Gostava de montar uns aviãozinhos ali de modelo, de plástico, pintava depois, muito detalhista sempre. Gostava de nadar, natação, pipa, soltar pipa, pescar, desde pequeno gosto de pescar. Acho que por aí.
P/1 – E você gostava de ler, tua mãe é professora de Português, teve essa influência na tua vida?
R – Ler na realidade foi uma coisa que eu descobri com, mais velho, acho que uns 18, 19 anos. A escola não me ensinou a ler, a escola me ensinou a não gostar de ler. No meu colégio o castigo era ir para a biblioteca e lá você podia ler se quisesse, mas o castigo era ficar lá trancado lá. Nas próprias aulas, quando era dado o livro extraclasse, você era obrigado a ler aquele livro, você não podia exercer tua subjetividade e nem sequer escolher entre dois livros, ou três livros. Eu costumo falar que a escola normalmente ensina a odiar ler, porque eu acho que leitura é subjetividade, leitura é você ver o que te interessa. E ser obrigado a ler um livro é um absurdo. Eu fui começar a ler com 18, 19 anos, um amigo me indicou um livro que ele sabia que eu ia gostar, ele me conhecia, sabia meu jeito, foi o livro do Rubens Fonseca, O Buraco na Parede. E ele é muito sarcástico, muito ácido, até críticas sociais, críticas econômicas e tudo numa ironia também, e aquilo me fisgou, a partir daí eu comecei a ler, mas antes não.
P/1 – Como que foram seus anos na escola? teve alguma influência de professor, alguma coisa marcante no teu período de escola?
R – Não, não teve aquele professor xodó. Não, ao contrário, os professores, a maioria eram chatos. Eu sobrevivi a eles, eu não devo muita coisa a eles, alguém especificamente ali não, acho que a escola acaba sendo mais uma instituição de repressão e de massificação, pelo menos a escola onde eu estudei não estimulava muito a subjetividade não. Então eu, basicamente, tolerei a escola.
P/1 – Teve algum amigo dessa época que tenha ficado até hoje?
R – Esse amigo que me indicou esse livro ficou até hoje, desde o início do segundo grau.
P/1 – E André, na juventude o que é que você gostava de fazer? O que é que marcou a tua juventude?
R – Juventude você diz depois, que idade?
P/1 – Adolescência, antes desse período de escolha profissional?
R – Tá. Bom, tinha o skate, tinha a música, a música é um hobby que eu desde 12 anos levo muito a sério, comecei com violão, depois fui para a guitarra, depois bateria, flauta, que mais, pífano, que é uma flauta de bambu. Cantar também, naquela época eu estava na guitarra, era muito rock, heavy metal, tinha uma bandinha dos amigos e tal. Era por aí, a música sempre foi uma veia de subjetividade muito forte na minha vida que levo até hoje.
P/1 – E André, no período de infância, juventude, você lembra de alguma carta que você tenha enviado ou recebido? Algum amigo à distância? Alguma comunicação, assim?
R – Carta? Eu lembro que tinha carta, eu lembro de ter mandado, eu mandava cartas, mas eu não lembro exatamente para quem. Ah, lembrei, tinha uma namoradinha de verão que eu tinha conhecido em Cabo Frio e que ela era de Fortaleza. E aí acabou o verão, a gente seguiu se correspondendo por algum tempo e eu lembro de receber a cartinha dela de Fortaleza, bonitinha, manuscrita. E realmente hoje é uma memória, parece de outra era mesmo, mas era muito legal.
P/1 – E você morou sua adolescência, infância em que lugar do Rio de Janeiro?
R – É, Flamengo.
R – É.
P/1 – E tem lembranças bacanas, assim, do bairro?
R – Ah, não. Na realidade eu tenho lembranças boas do Aterro, o Aterro do Flamengo, que é o parque que tem ali, fim de semana as pistas fecham e você pode andar de bicicleta. Até os meus dez anos, ou seja, até 1988, final da década de 80, ainda dava para tomar banho na Praia do Flamengo, eu tenho boas memórias disso, hoje infelizmente é uma proeza meio arriscada. É mais por ali, para aquela área fora dessa confusão toda das ruas movimentadas e dessas ruas com prédios até 15 andares seguidos, com corredores, que eu realmente abomino isso. Recentemente me mudei para Laranjeiras, até onde fica aqui a Estante, porque tem menos prédio, tem umas casas intercaladas, não é tão opressor como lá no Flamengo.
P/1 – E André, como que foi teu processo de escolha profissional? Porque é que você escolheu fazer Administração? Fala um pouquinho para a gente.
R – Eu estava na dúvida entre Administração ou Informática. Desde 12 anos eu tenho computador, meus pais compraram lá um 286, em 1992 por cinco mil dólares, uma coisa assim, uma cifra astronômica e de modo que desde cedo eu tive essa vivência com computadores. Ao mesmo tempo, sempre o meu pai, meu pai que é engenheiro, me estimulou muito uma noção de empresários, de olhar os serviços de forma crítica, ver como é que podiam ser melhor executados. Por exemplo, restaurante ou comércio, ele é um cara muito crítico como consumidor e sempre me estimulou essa visão. Então eu tinha essa veia, sentia que eu tinha essa veia para administrar as coisas, fiquei na dúvida, fiz um teste vocacional que me disse que eu podia tanto ir para um quanto ir para o outro, que eu ia ter vocação e capacidade para qualquer um dos dois. Acabei escolhendo a Administração, porque eu achei que eu ia conseguir gerir mais recursos, gerir mais coisas que na Informática. Na verdade a veia de gestão foi mais forte do que a veia de tecnologia e aí eu trabalhei nove anos em empresas de marketing, de banco de investimento, empresas de energia, telecomunicações, até num restaurante eu trabalhei na parte administrativa. Antes disso tudo eu vendi planos de capitalização por conta própria, foi meu primeiro trabalho, depois eu vendi equipamentos musicais também por conta própria. E aí chegou uma hora que eu me cansei, estava já cansado dessa vida de trabalhar por um objetivo que eu não me identificava muito, por exemplo, a última empresa que eu trabalhei era uma empresa de celulares e tinha lá um prospecto de vendas, que era dado para os clientes, era um executivo passando assim em movimento, com uma pasta, na verdade com uma pasta pendurada olhando o relógio e falando no celular e tudo isso em movimento. Então era uma pressa ali, é uma aceleração que eu já não achava tão legal assim, aqueles valores. Então cansei, chutei o balde, queria fazer algum Mestrado em Filosofia, Sociologia, Ciências Políticas, Psicologia Social, alguma coisa na área para olhar o mundo de uma forma crítica e não só ficar trabalhando para a operadora “A” ganhar 0,01% de market share da operadora “B”, não ia mudar nada para o cliente, porque é tudo igual. No fundo é tudo igual, ao contrário do que a propaganda faz parecer e eu sempre fui crítico, tive uma fase de deslumbramento inicial com o marketing, que o marketing cria produtos que as pessoas precisam, só que na realidade muitas vezes não, muitas vezes ele cria as necessidades de que os produtos precisam. Sempre fui meio filósofo, então quis buscar essa veia filosófica e acabei escolhendo, fui em várias faculdades, viajei no Brasil, fui lá no Sul, vi palestras, vi seminários, na verdade congressos de Sociologia, tudo, acabei escolhendo Psicologia Social, na PUC [Pontifícia Universidade Católica] de São Paulo. Foi na preparação para esse Mestrado, para fazer a prova para entrar que eu tive que ler muitos livros, tive que ler uns 100, acabei lendo 100 livros em um ano. Eu tinha lá meu referencial todo de marketing, de tudo, e tive que me reinventar e, fui ler Freud, Marx, Max Weber, Erich Fromm, todo esse arcabouço teórico aí de Psicologia, de Filosofia e Sociologia. E foi nesse meio que eu precisei de livros diferentes, raros e alguém me deu a ideia de procurar no sebo. “Ah, vai no sebo”, eu acho que eu já tinha ido a algum sebo, mas não tinha sido nada muito marcante, tanto que eu nem lembro. E eu fui no sebo, fui no sebo no Catete, aqui em um bairro vizinho e tentei procurar os livros que eu queria, só que o livreiro, ele não conhecia alguns autores, outros ele conhecia e mandava procurar na estante e eu ia na estante e não achava e, tinha aquela coisa que os livros no Brasil não são padronizados, a lombada não é padronizada, alguns escrevem de cima para baixo e outros de baixo para cima. Então você está de frente, os livros estão na lateral e você tem que ficar virando, além disso, a experiência do contato com o livreiro que não era exatamente um especialista, eu tinha que ficar lá soletrando, então achei a experiência muito ruim de busca no sebo. Aí fui no segundo sebo, no terceiro, achei alguns dos livros, mas ainda faltavam outros, aí eu fui na internet para ver, “Ah, deixa eu ver se tem algum sebo na internet para resolver meu problema”. Achei seis sebos que tinham um acervo para busca, outros 100 que eu contei depois, só tinha uma foto e um link de e-mail. E me chamou a atenção porque é que só aqueles seis tinham um site com busca e outros 100 nem isso, não tinham foto e, outros tantos que eu já tinha pesquisado que existiam não tinham nem página com foto e link de e-mail. E aí que surgiu a ideia da Estante Virtual, “Poxa, se alguém montasse um portal que reunisse esses acervos todos e as pessoas pudessem fazer uma busca só e retornassem esses livros que tem lá”. Então, eu marqueteiro de longa data, acendeu minha luzinha. A motivação era resolver o problema, meu problema, depois resolver o problema das pessoas e nisso fazer certa subversão daquele gueto, daquela estrutura de poder que relegava os sebos a um gueto. Pegar, fazer um empowerment dessa minoria, isso sociologicamente me motivou muito.
P/1 – E como que foi o começo da Estante? Conta para a gente um pouquinho.
R – Na verdade eu aprendi programação para fazer a Estante, eu não quis terceirizar porque eu não ia ter dinheiro para pagar, eu não quis investidor porque para mim a Estante era minha alforria, eu não queria mais ter chefe e enxergava o investidor como alguém que com certeza ia querer delinear rumos, ia colocar alguma pressão de data, de resultados e eu absolutamente não queria isso. Eu comprei um livro de programação que era Aprenda CGI [Common Gateway Interface] em uma semana e era assim, era um capítulo de manhã, um capítulo de tarde. E assim foi uma semana eu estudando, depois de um mês eu engoli outros livros, eu estava em um regime de leitura muito forte, muito intenso antes, eu brinco que eu passei de Freud para Java Script e que foi muito fácil porque, nossa, tem filósofos que são muito mais complexos do as mais complexas linguagens de programação. E aí aprendi, fui e comecei a codificar o que eu aprendia e fazia ao mesmo tempo. Estava na casa do meu pai, meu pai tinha casado de novo, estava com uma nova esposa, só que a gente não se dava, ela com uma filosofia muito diferente da minha, ela não aceitava que eu tivesse em casa e não trabalhando em alguma empresa, não entendia que o próprio trabalho do Mestrado e o trabalho desse projeto eram trabalhos. Era em casa, mas era trabalho, era em um horário diferente também, eu não trabalhava de nove às seis, eu acordava mais tarde e começava às 11 e acabava meia noite, uma da manhã, ou seja, trabalhava mais do que oito horas, mas isso também era estranho. Essa situação durou dois anos, na verdade dois anos foram o total que eu estava lá, mas desde que eu comecei a Estante, até o final que eu fiquei, um ano. Até que ficou insuportável, eu tive que sair da minha casa, houve uma discussão lá séria, que eu tive para mim que eu, “Ah, não. Aqui não fico mais”. E meu pai ao mesmo tempo lavou as mãos, não ficou do lado dela, mas lavou as mãos. E eu fui terminar a estante na casa do meu avô, meu avô materno que era vivo, a minha avó também, já estavam velhinhos, mas estavam inteiros ainda e tal. E me receberam lá com todo carinho e tinha um quartinho de empregada de um metro e meio por um onde eu montei o meu escritório. E foi onde eu acabei de programar a Estante e foi de onde a Estante foi lançada no dia 20 de outubro de 2005.
P/1 – Me conta um pouquinho, depois do lançamento como que cresceu, como tomou proporção?
R – Desde o lançamento a imprensa se rendeu, a imprensa se entusiasmou muito com a ideia, porque era uma coisa útil, que muita gente estava esperando. Um serviço útil, para mim era muito interessante trabalhar com uma coisa que não era igual ao que o outro fazia e que eu tenho que ficar fazendo propaganda, dizendo que se consumir o meu você vai ter mais mulheres, você vai ter mais status, vai ter mais amigos. Não, o produto é utilíssimo e tem a ver com cultura, então a Estante desde o início recebeu apoio total da imprensa. Saíram matérias em veículos especializados, em veículos de economia, eu contei com muita força, muita ajuda nesse aspecto, uma divulgação que entendia que era um projeto legítimo e interessante culturalmente. Eu trabalhava ainda, fiquei aí uns nove meses no quartinho de empregada ainda, só que não era mais do meu avô, depois de uns seis meses eu já consegui alugar um apartamento para mim. E aí fui para o meu apartamento, mas mantive o escritório no quartinho de empregada, (risos), porque eu gosto de separar trabalho e ócio. Eu não quis montar na minha sala para misturar tudo, então na hora de eu trabalhar eu ia para o quartinho de empregada e na hora de terminar o trabalho eu saía do quartinho, acabou. Seis meses ainda no meu avô, três meses na minha casa, no quartinho de empregada, foi ótimo ter minha casa, meu teto, sem ninguém para encher o saco. E foi quando a gente conseguiu montar um escritório, até então eu não estava mais sozinho, eu tinha dois amigos, cada um na sua casa trabalhando, respondendo as mensagens. Então existia eu e mais duas pessoas trabalhando na Estante, cada um das suas casas. Depois disso a gente montou um escritório, porque eu achei que era interessante ter todo mundo junto para uma sinergia maior. E foi em outra casa, não essa aqui, onde a gente ficou uns três anos, até não dar mais, era uma casa que a gente sublocava de um escritório de arquitetura, eles tinham duas salas embaixo e a gente tinha duas salas em cima. Tinha uma terceira sala em cima que ainda era de uma designer, ela saiu, a gente alugou essa terceira sala. E aí começou a ficar muito pequeno, tinha uma hora que tinha gente trabalhando já quase com um espaço de 60 centímetros. Então a gente encontrou essa casa e mudamos e hoje a gente está aqui, já está ficando pequena a casa também.
P/1 – E André, agora me conta uma coisa, qual o papel dos Correios no desenvolvimento da Estante, a questão das entregas, das dificuldades, dos avanços? Se você puder contar um pouquinho para a gente.
R – Olha, os Correios são fundamentais porque sem eles não teria essa logística, não teria como imaginar essa maravilha de sebos centralizados em um site, que você compra nesse site e esses sebos entregam na tua casa. Sem isso, sem essa logística e sobretudo sem a capilaridade fantástica que essa logística tem, não teria como imaginar a democratização do acesso que isso traz. Por exemplo, uma pessoa do interior do Rio Grande do Norte comprar um livro de Porto Alegre. Antes os sebos tinham uma benécia, era um privilégio dos moradores dos grandes centros, quem estava em São Paulo, oh, está ótimo, se deu bem porque tem mil sebos lá, tem lá 600 sebos, especificamente. Agora quem está em Mossoró, Rio Grande do Norte, não tem sebo, até surgiu de lá para cá algum sebo. Mas então quem não está nesses centros passou a poder comprar nesses centros, inclusive quem está fora dos centros pode montar um sebo e vender para quem está nos centros ou o resto do país inteiro, isso é muito interessante porque sempre se fala que a internet está fechando o comércio de rua e na prática não é bem assim não. Na prática a internet, por exemplo, ela dá um canal de vendas para você montar uma loja onde quer que seja, você não precisa montar uma loja em um lugar onde haja demanda local. Você monta a loja naquele lugar, a demanda local pode até ser fraca, mas aquilo ali é a tua base de operações para vender para o Brasil inteiro, ou para o mundo inteiro. Eu acho que democratiza essa estrutura de poder em que só quem está nas cidades grandes ou médias realmente consegue prosperar, consegue comprar livros. Então isso é quebrado, essa força, essa desigualdade. Eu acho fundamental e claro o preço, eu acho que nenhum operador logístico tem o preço que os Correios tem, e sobretudo para livros, os Correios tem tarifas especialíssimas para livros que fazem toda diferença.
P/1 – E teve algum serviço, alguma mudança que os Correios ofereceu ou deixou de oferecer nesses anos que tenha talvez afetado na Estante?
R – O que atrapalha sempre é a greve. A greve sempre é um problema quando acontece e a periodicidade que ela acontece é um problema sério. A gente chega até, “Esse ano quando vai ser a greve dos Correios?”. Mas fora isso, fora isso a gente está bem satisfeito com o serviço, chega no prazo. E, assim, acontece um ou outro atraso, mas é um serviço bem consistente e, com essa capilaridade total praticamente.
P/1 – E André, eu queria te perguntar agora, na história da Estante se você pudesse delinear um divisor de águas ou alguma coisa dessa trajetória.
R – Até certo momento eu era um empresário e depois de certo momento eu passei, tive que passar a ser um executivo. De três anos para cá eu passei a ter sócios, são duas pessoas que trabalhavam comigo já há bastante tempo e que eu reconheci o quanto elas eram imprescindíveis para a continuidade do negócio e tornei elas sócias. A gente seguiu, seguimos juntos, mas chegou um momento em que as coisas que eu acreditava para a Estante, eu precisava embasar para eles com números, eu precisava embasar até para mim mesmo, não dava mais para ser um empresário que vai só no feeling, sem muitos números, sem muitos dados objetivos para embasar. Então isso causou conflitos até entre nós porque eu senti que eu era, tinha, tenho essa veia do empresário, muito feeling, muita coisa e eles precisavam mais de dados para ficarem mais tranquilos. Então foi um momento até recente, coisa de seis meses atrás, em que eu vi que eu precisava me reinventar. Eu acho que essas reinvenções são várias, eu acho que a gente precisa voltar várias vezes e ter humildade para ver que tem que ser e quanto isso é rico para a gente agregar novas visões, pensar um pouco fora da caixa. E o que eu fiz foi isso, foi embasar melhor, convencê-los e, sim, tem feeling também, o feeling é muito importante, esse instinto de negócios e sem isso não dá para ir. Mas tem que ter os dados, a empresa está crescendo, eu já tenho 30 pessoas aqui dentro, não dá para gerir da mesma forma como era com 15. O negócio se torna diferente, mas é muito importante ver que a filosofia, ela vem junto e ela continua. O que é que é essa filosofia, por exemplo, a Estante foi montada, o horário de trabalho são seis horas, ela é pioneira, até onde eu sei, eu sempre se alguém sabe outra empresa que faz seis horas por dia, não, ninguém até hoje diz que sabe. A gente tem uma política de RH totalmente diferenciada, a gente entende que oito horas, as pessoas acabam ficando improdutivas uma boa parte do tempo e que reduzir de oito para seis é concentrar o trabalho realmente efetivo e tirar uma folga aí que as pessoas acabam não trabalhando. O detalhe que as pessoas ganham o salário de oito horas, então toda discussão de jornada de trabalho, de redução, a gente faz e a gente paga a diferença porque a gente entende que as pessoas se tornam mais felizes, mais criativas, mais produtivas do que em oito horas. Eu até, tem uma palestra que eu tenho dado que eu chamo de Empreendedorismo do Ócio, que eu mostro de alguns vieses como o ócio pode ser produtivo, produtivo porque você descansa nele e quando você vai no trabalho você produz mais, você cria mais. E produtivo também dentro do trabalho é uma noção de ócio que pode injetar no trabalho, que é a criatividade. Na Grécia o trabalho era dos escravos, comerciantes eram os escravos também, o que eles chamavam de ócio era a Filosofia, Artes, Música, Esportes, tudo que tinha criação, diversão, eles chamavam de ócio. Na verdade não dessa palavra, mas não era trabalho. Então a gente tem uma filosofia, além das duas horas que a gente libera, a gente nessas seis horas tem um filosofia de injetar criatividade, injetar diversão, injetar subjetividade, dar vazão a subjetividade, que realmente é uma parte importantíssima dessa inovação que a gente traz. E para mim é muito interessante ser empresário não só de um case de sucesso, mas de uma empresa que protagoniza uma inovação dessa e mostra que é possível para além dos livros críticos de Sociologia e que entram em conflito com as pessoas da área produtiva que dizem: “Não, isso é utopia, isso é idealismo”. Então a gente está aqui rodando com 30 pessoas às seis horas e nós somos o terceiro site de e-commerce brasileiro que vende mais livros, atrás de outras duas, que são as grandes players. De livros novos até, a nossas concorrentes são livros novos, a gente já chegou ao topo desse mercado, então para mim isso é um grande orgulho.
P/1 – André, agora eu só queria te fazer umas perguntinhas finais. E nas horas de lazer, o que é que você gosta de fazer? Fala um pouquinho de você fora do trabalho.
R – Bom, lazer eu tenho a música, que eu continuo, é muito forte. Mas sem pressão, não tenho nenhuma agenda, não tenho nenhuma obrigação, é basicamente no que dá prazer. Eu gosto de viajar, muito, estou sempre indo para a Bahia, adoro a Bahia, tenho uma casinha na Bahia.
P/1 – Em que lugar da Bahia?
R – No sul da Bahia. Foi no ano retrasado, eu queria comprar um apartamento no Rio de Janeiro e tudo na estratosfera, tudo caríssimo. Então fui ver o preço de casas por lá, eram metade de um preço de um conjugado aqui, uma quitinete. Então decidi que a minha casa própria seria na Bahia e, assim foi. Então gosto muito de ir para lá e outras viagens também, sempre que posso vou na Chapada Diamantina, gosto muito de cachoeira. Que mais, cozinhar, adoro cozinhar, já alguns anos que eu me empenho nisso e, gosto de criar, não gosto de pegar aquelas receitas prontas e fazer igual, para mim cozinhar é modificar ou nem modificar, é pensar uma coisa e fazer. E meus amigos até brincam que eu podia montar um restaurante, (risos), mas ia ser outra empresa e eu não quero administrar outra empresa. E o tempo de produção de um restaurante também é diferente do tempo de produção em casa, é mais lento. Eu gosto de valorizar as coisas lentas no meu ócio, assim, coisas que não são de correr e dar volta em cinco minutos. Eu acho que a gente tem que desacelerar, sabe e as pequenas coisas tem mais valor às vezes do que escalar o Himalaia.
P/1 – E André, o que é que você está lendo hoje?
R – Eu estou lendo um livro de motivação, é um livro empresarial, do Daniel Pink, na verdade eu não comecei, está lá em cima da minha mesa, comprei semana passada. Fala que não adianta mais colocar cenouras ou usar chicotes em cima das pessoas, para motivar você precisa de outro referencial, tem a ver com esse empowerment subjetivo de dar vazão a criatividade das pessoas e tal. Mas antes eu li um do Daniel Galera, é “Até o Dia em que o Cão Morreu”, muito bom. Antes eu li um do Tony Belotto, que é o último, “Machu Picchu”. Eu gosto muito de literatura brasileira, gosto também de Saramago, gosto de Paul Auster, Clarisse Lispector alguma coisa. Mas é difícil você escolher o próximo livro, às vezes você lê um e você vai na livraria e folheia alguns, mas não é o momento. É muito difícil escolher o livro que tem a ver com você, eu acabo lendo menos do que eu queria por essa dificuldade.
P/1 – E André, quais são suas aspirações agora para o futuro? Os próximos passos?
R – Na Estante ou na vida?
P/1 – Nos dois.
R – Bom, a Estante está crescendo, esse crescimento é parte do sucesso do mercado e parte também de uma estruturação interna que a gente, tem algumas áreas que não têm pessoas específicas cuidando, os sócios se revezam. Áreas que têm menos gente do que deveria, então a gente está estruturando melhor essa operação. E a gente quer lançar produtos novos, serviços novos, isso são segredos, não posso te adiantar, (risos). Na vida, na vida eu estou com 35 anos já, eu quero pensar em uma família em não muito tempo. Construir alguma coisa além de uma adolescência prorrogada de ficar por aí de balada em balada, que já cansei disso. Que mais? Ah, quero viajar mais, tem vários lugares que eu quero conhecer, não conheço ainda a Chapada dos Veadeiros, não conheço ainda África, Europa eu já fui, Estados Unidos não conheço, não faço muita questão de conhecer depois de tanta ideologia idiota que eles têm. Talvez a Costa Oeste ali. É isso e os amigos sempre, importantíssimo. E acho que fazer a diferença para as pessoas, seja pela amizade ou seja como empresário, seja como filósofo propagando essas ideias. Eu acho que a gente tem que deixar uma marca nesse mundo, tem que transformar, não adianta só se salvar, ter sucesso, fazer tua família sem influenciar, sem deixar uma marca, sem deixar ideias ali que vão sobreviver depois de você não estar mais por aí.
P/1 – Bom e para a gente encerrar André, queria te fazer uma última pergunta. O que você acha da gente resgatar esses 350 anos de Correios através da experiência vivida das pessoas, inserir a história dos Correios na história das pessoas? O que você acha desse projeto?
R – Eu acho muito legal porque tem a ver com subjetividade, tem a ver com histórias pequenas e preciosas e que tem muito valor, cada um de um jeito e que foram importantes para essas pessoas essas histórias, essas cartas, esses serviços, essas entregas. Eu acho que isso fala de encontros, as coisas que chegam são encontros, uma pessoa mandou para outra ou a empresa mandou para o outro. Acho que tem uma via poética até interessante nisso, eu acho que deve ficar muito interessante, fico curioso para assistir.
P/1 – Bom, então em nome do projeto e do Museu da Pessoa, a gente agradece a entrevista.
R – Obrigado a vocês, foi um prazer.
FINAL DA ENTREVISTA
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