P/1 – Bom, senhor José, boa tarde. Inicialmente eu gostaria que o senhor me dissesse seu nome completo, local do seu nascimento e data do seu nascimento.
R – Boa tarde, meu nome completo é José Said de Brito. Nasci na cidade de Paranaíba, estado de Mato Grosso do Sul, em nove de maio de 1948.
P/1- Senhor José, o senhor pode me falar o nome dos pais do senhor?
R – O meu pai, já falecido, era Benjamin de Jesus Brito e minha mãe Geralda Alves de Brito.
P/1- E o que eles faziam?
R – Meu pai trabalhava com agropecuária e minha mãe era serviço do lar.
P/1- O senhor pode contar para gente como era a cidade que o senhor morava?
R – Bom, eu nasci numa cidade que hoje ela deve ter seus setenta mil habitantes, naquela época eu creio que tinha dez, quinze mil no município. A cidade mesmo eu acho que não passava de cinco mil habitantes. Uma cidade que não tinha, na época, asfalto, não tinha água encanada, então um cidadezinha bem, assim, subdesenvolvida.
P/1- E como era o cotidiano na casa do senhor?
R – Bom, o cotidiano, como meu pai… Como eu disse, ele trabalhava com agropecuária, ele ficava na fazenda a maior parte do tempo, onde ele cuidava. Era muito próxima da cidade e os filhos só frequentavam escola. Então ficavam numa casa na cidade e a gente estava sempre comutando entre a fazenda e a cidade. Éramos cinco irmãos, eu só como homem, mais quatro meninas, então não tínhamos assim, digamos... Eu tinha umas certas regalias por ser o único homem da casa, mas era um convívio normal, acho que como qualquer família, então era normal o relacionamento familiar, normal.
P/2- E a origem era estrangeira?
R – A minha mãe é filha de libanês. O meu avô materno veio do Líbano para o Brasil. Mas vocês podem observar que ela não tem o nome do meu avô, porque meu avô era o Said. O Said do meu nome, e (Al Rasham?). Mas os filhos acabaram pegando o nome da origem brasileira...
Continuar leituraP/1 – Bom, senhor José, boa tarde. Inicialmente eu gostaria que o senhor me dissesse seu nome completo, local do seu nascimento e data do seu nascimento.
R – Boa tarde, meu nome completo é José Said de Brito. Nasci na cidade de Paranaíba, estado de Mato Grosso do Sul, em nove de maio de 1948.
P/1- Senhor José, o senhor pode me falar o nome dos pais do senhor?
R – O meu pai, já falecido, era Benjamin de Jesus Brito e minha mãe Geralda Alves de Brito.
P/1- E o que eles faziam?
R – Meu pai trabalhava com agropecuária e minha mãe era serviço do lar.
P/1- O senhor pode contar para gente como era a cidade que o senhor morava?
R – Bom, eu nasci numa cidade que hoje ela deve ter seus setenta mil habitantes, naquela época eu creio que tinha dez, quinze mil no município. A cidade mesmo eu acho que não passava de cinco mil habitantes. Uma cidade que não tinha, na época, asfalto, não tinha água encanada, então um cidadezinha bem, assim, subdesenvolvida.
P/1- E como era o cotidiano na casa do senhor?
R – Bom, o cotidiano, como meu pai… Como eu disse, ele trabalhava com agropecuária, ele ficava na fazenda a maior parte do tempo, onde ele cuidava. Era muito próxima da cidade e os filhos só frequentavam escola. Então ficavam numa casa na cidade e a gente estava sempre comutando entre a fazenda e a cidade. Éramos cinco irmãos, eu só como homem, mais quatro meninas, então não tínhamos assim, digamos... Eu tinha umas certas regalias por ser o único homem da casa, mas era um convívio normal, acho que como qualquer família, então era normal o relacionamento familiar, normal.
P/2- E a origem era estrangeira?
R – A minha mãe é filha de libanês. O meu avô materno veio do Líbano para o Brasil. Mas vocês podem observar que ela não tem o nome do meu avô, porque meu avô era o Said. O Said do meu nome, e (Al Rasham?). Mas os filhos acabaram pegando o nome da origem brasileira com nossas raízes portuguesa, que é o Brito.
P/1- E os avós do senhor, os avós maternos também foram para essa cidade?
R – O meu avô foi o único que veio do Líbano, ele se instalou lá no Mato Grosso do Sul. Ele chegou nessa cidade de Paranaíba, depois foi para uma cidade vizinha que é Aparecida do Taboado, coisa de cinquenta quilômetros de distância e ele viveu lá até falecer, nessa cidade.
P/1- Então retomando, o senhor me contou um pouco do seu cotidiano. E como eram as brincadeiras do senhor, como era a infância do senhor?
R – Eram brincadeiras. Nessa época era comum nas férias a gente receber parentes de outros locais, os tios com filhos da idade da gente que moravam em outras cidades, por exemplo, interior de Minas, interior de São Paulo. Então a gente ia para a fazenda, aquilo lá era uma festa, aquilo lá era brincadeira de todo tipo possível, de esconde-esconde, de... Como é? Aquele negócio de correr, parece que é pique o nome da brincadeira. Fazíamos os carrinhos, a gente fabricava. Os carrinhos de... É tipo o carrinho de rolimã, mas a gente colocava com frutas, tinha o marmelo, que a gente fazia a roda de marmelo, saía dirigindo aqueles carrinhos. Então eram brincadeiras assim, tinha muito pouca coisa, quer dizer, de eletrônico nada, o máximo que eu ganhei quando era assim criança era um brinquedo de corda, aquele de corda e tal. Não tinha essa onda de eletrônico, não existia. Então a gente mesmo preparava os brinquedos, não faltava criatividade, o funcionamento ali para inventar os brinquedos. Era até bastante interessante.
P/1- Senhor Said, qual a primeira memória que o senhor tem do período escolar do senhor?
R – Período escolar... Memória mesmo do início, que eu não frequentei aquela pré-escola, entrei direto no ensino primário, primeiro ano, com sete anos de idade. Então me lembro bem do Grupo Escolar da cidade e acho até que por já ter sete anos de idade eu tinha bastante destaque, bem logo do início, destacava entre os alunos. Eu não sabia fazer quase nada, mas fazia bem aquilo que fazia.
P/1- O senhor se lembra como foi o primeiro dia de aula?
R – Eu me lembro aquele fato de chegar naquele ambiente todo diferente, com a natural ansiedade que a gente tem, louco para terminar logo para ir embora, mas foi só um comecinho. Me lembro bem, mas era época que a gente tinha algumas atividades, por exemplo, não se entrava na sala de aula sem antes fazer a formação no pátio do colégio e cantar o Hino Nacional. A gente cantava o Hino Nacional depois entrava, e tive a primeira professora que era muito jovem, era uma moça muito jovem e cidade pequena todo mundo se conhece, então ela era conhecida da família e isso ajudou bastante. O apoio dela, assim, o ambiente era bastante propício, a integração, não houve grandes dificuldades, não.
P/1- E aí o senhor terminou o primário nesse Grupo Escolar?
R – Não consegui terminar ali porque eu ainda quando estava... Quando passei do segundo para o terceiro ano eu me mudei para o interior de São Paulo, para uma cidade, Araçatuba. Quer dizer, fiquei na casa de uma tia porque as escolas eram melhores. Então fui em busca de ter um, digamos assim, um aprendizado um pouco melhor.
P/1- Mas o senhor veio só ou veio com a família?
R – Não, aí a minha família ficou lá e eu vim. Aí eu vim, ficava o período de aula na casa de uma tia e eu ia no período de férias de volta lá para a cidade, para Mato Grosso do Sul. Naquela época era Mato Grosso, não era Mato Grosso do Sul.
P/1- E aí o senhor terminou seus estudos em Araçatuba?
R – Não, só fiquei ali até terminar o primeiro ano que era do Curso Ginasial. Então você tinha Primário que eram quatro anos, depois Ginásio mais quatro anos, precisava fazer o Exame de Admissão para entrar no Ginásio - igual ao vestibular para entrar na faculdade hoje. Então eu fiquei, fiz até o primeiro ano desse Curso Ginasial. Depois eu fui de volta lá para Mato Grosso do Sul, porque meu pai faleceu e como eu já disse eu era o único homem da casa, tinha treze anos, mas eu voltei para ficar junto da família, tive até que parar com os estudos alguns anos, depois comecei, fiquei três anos parado, depois retomei o Curso Ginasial e concluí lá em Paranaíba, Mato Grosso do Sul, num colégio Batista. E quando eu terminei o Curso Ginasial eu comecei o Curso Técnico de Contabilidade. Estudei até o segundo ano ali, depois eu me mudei para o Rio de Janeiro e foi onde terminei o curso, que era equivalente ao Científico, naquela época era Científico, e entrei para a faculdade.
P/1- Certo, e a ida do senhor para o Rio de Janeiro tinha a ver com a continuidade dos estudos ou a sua família foi junto?
R – Não, também não, a família não foi. Eu fui porque sempre tive a pretensão de concluir um curso superior e de ter oportunidade de trabalho, que era muito difícil. Na região de Mato Grosso era muito difícil você conseguir um trabalho, digamos, adequado - e não existia nem curso superior. Hoje existem várias faculdades na cidade, mas naquela época não existia, se você quisesse estudar faculdade você tinha que sair. Então quem podia se manter, digamos, fazer uma faculdade, saíam só para estudar, mas como eu não tinha essa condição eu tinha que eu mesmo custear os meus estudos, então eu saí para o Rio de Janeiro para trabalhar e estudar numa faculdade.
P/1- Seu José, uma curiosidade, nesse período que o senhor estudou já havia, por exemplo, a perspectiva de estudar para mudar de vida ou isso era uma ambição pessoal do senhor?
R – Não, isso era uma ambição pessoal, mas que devia ser também ambição pessoal de muita gente, muita gente fazia isso. Então uma cidade pequena ou uma pessoa sai para buscar em outros centros maiores, ou então ela fica sujeita ao que a cidade pode oferecer - que é muito pouco. Então muita gente, dependendo da cidade, saía para centros maiores em busca de oportunidade de estudo e trabalho, foi o que eu fiz.
P/1- Como começou a relação do senhor com a área contábil?
R – A área contábil começou porque... Bom, eu comecei a trabalhar aos quatorze anos de idade. Mal inteirei quatorze anos, o gerente da loja, da Casas Pernambucanas, lá em Paranaíba, esse gerente vivia me perguntando se eu já tinha inteirado quatorze anos - o dia que inteirei ele me levou pra trabalhar lá como aprendiz nas Casas Pernambucanas. Trabalhei algum tempo lá, mas depois uma outra loja que era uma loja local, não era uma rede como as Casas Pernambucanas, o proprietário da loja me chamou para trabalhar, para desenvolver mais a parte de escritório, a parte de serviço de escritório dessa loja. E nesse serviço de escritório eu comecei a fazer trabalhos ligados à Contabilidade. E esse mesmo proprietário da loja tinha também escritório de Contabilidade, aí eu passei para o escritório de Contabilidade dele, então trabalhei algum tempo nessa área de Contabilidade. Quando eu fui para o Rio de Janeiro não tive nenhuma dificuldade de entrar, de arrumar um bom trabalho, o primeiro lugar que eu fui já consegui um trabalho na área de Contabilidade. Mas em pouco tempo surgiu um concurso para a Petrobrás, eu fiz esse concurso. Interessante é que tinha dezesseis mil candidatos nesse concurso, a Petrobrás era uma empresa muito desejada pelos jovens e então eram dezesseis mil candidatos e a prova foi feita no estádio do Maracanã, não tinha um local que comportasse esses dezesseis mil candidatos. E aí eu fiz, fui enquadrado no quadragésimo sétimo lugar, eu fui logo chamado. Aconteceu um fato curioso, que eu fui chamado, mas eu tive um problema com um DOPS na época, nós estávamos em pleno período de Revolução e surgiu um homônimo - por incrível que pareça, um homônimo meu e tinha uma série de problemas com a polícia. E em função disso a minha entrada na Petrobrás foi vetada. Então demorei algum tempo, quase um ano para poder esclarecer a situação. O Presidente da Petrobrás era o General Ernesto Geisel na época, cheguei até ele com todas as provas e ainda assim eles ocuparam muito a minha vaga, mas acabei conseguindo. Fiquei três anos trabalhando na Petrobrás, na área financeira - e como a Petrobrás é uma empresa muito grande, não oferecia muita oportunidade de progresso lá dentro, eu então procurei uma empresa um pouco menor que tivesse, digamos, que fosse promissora, mas que não estivesse com aquele quadro já tão preenchido. E foi quando então eu fui para as Centrais Elétricas do Sul do Brasil, que era uma empresa do Grupo Eletrobrás, com uma atuação na área do Sul. Depois passou a atender também o estado do Mato Grosso do Sul, na área de geração de energia elétrica e foi onde eu fiz uma grande parte da minha carreira no setor de energia elétrica, ou seja, contabilidade foi um início e propiciou, assim, um acesso a outros empregos. Mas aí eu comecei um relacionamento numa área que eu gostei muito, eu tive muita afinidade com ela, que é área de energia elétrica, que é a área que eu estou até hoje. Faz trinta anos que eu estou atuando nessa área de energia elétrica.
P/1- Certo, senhor José, antes de continuar na sua carreira profissional, eu gostaria de retomar uma coisa que eu acho que é interessante, é a questão da juventude. Como eram as relações na sua época de jovem?
R – Então desde dessa época que eu voltei lá para o estado de Mato Grosso, eu comecei a trabalhar durante o dia e a estudar no período noturno, então a minha juventude foi de estudo e trabalho. E tínhamos amigos, tínhamos os bailes, os passeios, gostava muito de viajar, de vez em quando reunia um grupo de amigos, saía viajando por outras cidades, estado de Minas, São Paulo, conhecendo pessoas. Vinha a São Paulo, ao Rio de Janeiro... Mas a juventude, o maior tempo da minha juventude, como eu disse, eu comecei a trabalhar aos quatorze e não parei mais enquanto estudante. Então sempre estudando no período noturno, consegui estudar também inglês na hora do almoço, estudei francês, estudei um pouco de espanhol, um pouco de alemão - não consigo falar alemão, mas inglês consigo me comunicar, francês também. Então além do trabalho, da faculdade mesmo, desde o período de ginásio eu já estava trabalhando. Então a maior dedicação do meu tempo foi estudo e trabalho. Quando tinha férias ia fazer um cursinho aí de alguma coisa, inglês, francês, alguma coisa, mas foi interessante, porque você faz amigos, faz um relacionamento e...
P/2- Conheceu uma namorada?
R – Minha namorada, que é a minha esposa hoje, a gente se conheceu, nasceu na mesma cidade que eu, na mesma cidade, na mesma rua. Então me mudei e tudo, mas a gente já se conhecia, depois ela se mudou também, ela foi também estudar. Fez Odontologia em Bauru lá na USP e se casou, o conhecimento já é bem, desde o início.
P/1 – Certo, retomando, o senhor primeiro estava no Mato Grosso do Sul, depois o senhor veio para o interior de São Paulo, voltou para sua cidade, aí o senhor foi finalmente para o Rio de Janeiro - que é uma outra realidade, completamente diferente. Como foi essa mudança, essa escolha de ir para uma cidade absolutamente cosmopolita como o Rio?
R – Bom, eu peguei as minhas coisas, tinha alguns amigos que estudavam no Rio de Janeiro, estive lá, peguei as minhas coisas, fui para o Rio de Janeiro, fiquei alguns dias, uns poucos dias na casa de uns amigos que já moravam lá até arrumar lugar para morar. Tinha muito aquelas repúblicas, então a gente saía procurando no jornal. Para mim era tudo muito estranho no início, aquela coisa diferente e tal. Às vezes ficava sonhando assim, vontade de voltar para casa, mas também foi uma questão que não durou muito, porque logo fui procurar trabalho, encontrei com facilidade e aí você já começa a conhecer gente e fui me acostumando com o Rio de Janeiro. Chegou um ponto que eu já até me sentia carioca, gostava muito da cidade, é uma mudança radical, uma mudança muito grande, mas, quer dizer, essa foi uma bela experiência. Eu já tinha morado fora de casa, como eu disse, desde a época do estudo primário, mas na casa de parente, já era bastante diferente - você está na casa de um tio não é a mesma coisa de estar na casa dos pais. Mas eu já tinha passado por aquela experiência, isso já me ajudou um pouco. Tem um detalhe curioso, é o seguinte: essa cidade que eu ficava quando estava no primário ainda, ela ficava 250 quilômetros da cidade que eu morava em Mato Grosso do Sul, mas era um dia inteiro de viagem e eu ia sozinho com oito anos de idade e tal. Ia sozinho, saía, pegava um ônibus, voltava, pegava um trem, sozinho. Era muito ruim, mas eu fui me acostumando a enfrentar essas coisas. Depois eu fui para o Rio, é claro que é uma mudança, é uma coisa nova. Até hoje depois de tantas experiências a gente sente as mudanças, tem aquele stress da mudança. Digamos, comecei uma atividade nova como eu comecei agora recentemente, quando saí da Votorantim, tem que se adaptar aquela atividade nova. Naquela época ainda que a gente não tinha nenhuma experiência, claro que era mais sacrificante, mais estressante, a experiência, mas isso é uma coisa que foi superada rapidamente. Essa, aliás, é uma característica minha hoje, eu me adapto muito bem a situações, hoje eu posso morar em qualquer lugar do mundo que o stress vai ser muito pequeno, não teria grandes problemas em me adaptar.
P/1- E uma curiosidade, qual a primeira memória que o senhor tem do Rio de Janeiro quando o senhor chegou nessa cidade?
R – A primeira memória que eu tenho, eu já tinha estado no Rio antes, estado, assim, a passeio e tal. Mas a primeira memória foi assim... Porque eu desci no Rio de Janeiro e esses meus amigos não estavam, só iriam no dia seguinte, só chegariam no dia seguinte. Então eu tive de ficar uma noite no hotel, mas eu não sabia onde me hospedar, porque quando eu fui a passeio eu já tinha local definido para ficar, tinha amigos e tal. E nesse dia eu ia ficar um dia no hotel e a imagem é que eu não sabia para onde ir, então eu saí andando na rua procurando um hotel, eu andei... Olha, eu devo ter andado mais de dez quilômetros, e parece que eu queria continuar andando, eu não estava com muita pressa para achar o hotel porque parece que ali na rua parece que estava melhor, assim andando, estava livre. Mas sentimento, foi assim de uma coisa, a primeira vista de uma cidade fria, porque você sozinho procurando ali... E aí demorei muito a encontrar um hotel simples ali para passar aquela noite. Então mais ou menos esse sentimento aí, digamos, primeiro de isolamento e tal, mas coisa também que passou rapidamente, logo chegaram os amigos. No outro dia já estava assim, me sentindo em casa.
P/2 – A partir daí quando o senhor começa a se aproximar em termos de atividade mais daquilo que o levou para desembocar na Votorantim Energia?
R – Pois é, digamos, vim para a Votorantim porque o Grupo estava decidindo a investir no negócio de energia elétrica, porque o Grupo Votorantim ele já tem, digamos, uma afinidade com assunto de energia elétrica há muito tempo - porque ele possui usinas para gerar energia elétrica para consumo das indústrias já há muito tempo. Mas o Grupo queria então entrar no negócio de energia elétrica com a privatização. Então, quer dizer, eu vim para o Grupo dado o meu histórico no setor de energia elétrica.
P/2 – Isso era em que ano mais ou menos?
R – Eu vim para o Grupo em 1996, em junho de 1996.
P/2 – Foi nesse ano?
R – Que eu vim para o Grupo, mas a minha história no setor já era antiga, porque o meu relacionamento com o setor de energia elétrica começou em 1973, em primeiro de janeiro de 73, quando eu ingressei nas Centrais Elétricas do Sul do Brasil - nessa empresa que era uma subsidiária da Eletrobrás para atuação no Sul do Brasil. Mas a sede dela era no Rio de Janeiro. Então entrei nessa empresa no Rio de Janeiro e eu tive uma carreira muito boa nessa empresa.
P/2 – Foi mudando de empresas, é isso, foi um encaminhamento.
R – Não, eu fiquei na Eletrosul direto dezessete anos, então lá eu tive várias oportunidades.
P/2- Lá o senhor fazia o quê?
R – Então, lá fiz várias coisas, porque entrei como Auxiliar Financeiro, logo eu passei, digamos, eu terminei a minha faculdade, fui enquadrado em categoria de nível superior, então comecei a... Digamos, atividade de gerência. Eles iniciaram primeiro um setor de custos de obras, depois eu passei para chefiar, a gerenciar divisões, chefiei várias divisões de orçamentos de obras. Eu tive atuação na área de Contabilidade, na área de planejamento econômico financeiro, na área de orçamento, na área de tarifas de energia elétrica, tudo isso dentro da Eletrosul. Então desenvolvi uma experiência razoável, razão pela qual fui requisitado pelo Ministério de Minas e Energia para trabalhar no Ministério de Minas e Energia em Brasília. A Eletrosul mudou-se para Florianópolis, depois de três anos que eu estava na empresa, no Rio de Janeiro, ela foi para Florianópolis e eu fui junto e alguns anos mais tarde, então foi quando eu fui requisitado para Brasília.
P/2 – E que ano era mais ou menos?
R – Foi no final de 1988. Era no Governo Sarney, e o Ministro das Minas e Energias era o Aureliano Chaves, na época. E eu fui para o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica que era o DINAI - que deu origem a ANEEL hoje, que é Agência Nacional de Energia Elétrica. Ali também eu tive várias oportunidades, porque eu terminei minha carreira lá dentro como Diretor Geral do órgão, que era o cargo máximo lá dentro do órgão. Nessa época eu tive muito contato, muito relacionamento com o Grupo, porque o Grupo, por ter vários empreendimentos na área de energia elétrica...
P/2 – No Grupo Votorantim?
R – O Grupo Votorantim foi onde comecei meu relacionamento e resultou num convite que eu tive no final de 1995 para vir para o Grupo. Embora o convite fosse no final de 95 eu tive dificuldades de ser liberado pelo então Ministro e o próprio Presidente da República e essa demora resultou que eu só consegui vir em junho para o Grupo Votorantim. Mas então, o começo da minha vinculação com o setor de energia elétrica foi em primeiro de janeiro de 1973.
P/2- Bom, aí o senhor consegue se liberar e vem para o Grupo.
R – Vim para o Grupo.
P/2- O que o senhor encontra, o que o senhor construiu e o que eles queriam?
R – O Grupo estava analisando o programa de desestatização do governo para definir em que negócios ele participaria. Energia elétrica era um deles, um dos ângulos que eles gostariam. Então o meu primeiro trabalho - eu já conhecia o Doutor Antônio Ermírio, Doutor Carlos Ermírio e eu fiquei diretamente ligado ao Doutor Carlos Ermírio - e a encomenda que me foi feita foi para fazer, digamos, elaborar um documento que fornecesse informações, o que era o setor, sobre que oportunidades teriam. Então elaborei um documento, chamado, digamos, “Plano de Negócio para o Setor de Energia”, para o Grupo e a partir desse documento nós começamos a fazer troca de ideias, conversa com os acionistas, com todos eles, inclusive Doutor Antônio, Doutor José, Doutor Ermírio Pereira, Doutor Clóvis, todos eles e mais a geração mais jovem.
P/2 – Perdão, esse Carlos Ermírio é a geração nova?
R – O Carlos é filho do Doutor Antônio Ermírio.
P/2 – Como foi o seu relacionamento com parentes, como foi o seu relacionamento com ele?
R – Bom, o Carlos é um gentleman, uma pessoa extraordinária. O relacionamento com ele é dos mais fáceis, durante todo meu período de permanência foi excelente e continua sendo excelente, depois que eu saí do Grupo.
P/2 – E ele continua no Grupo?
R – Ele hoje é Presidente do Conselho da Votorantim Participações. Ele está lá e a área de energia está ligada diretamente a esse Conselho.
P/2- Desculpa ter interrompido, o senhor estava numa sequência.
R – Não, está bem, as colocações aí são oportunas, as intervenções são oportunas. Então o que eu estava dizendo, o meu vínculo com o setor de energia elétrica começou em 1973. Teve, digamos assim, um curso muito bom, muito grande, quando eu estive lá nesse departamento que é um órgão regulador, Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, que era o órgão regulador setorial. Então aquilo ali me pôs em contato com muita gente e que gerou essa oportunidade de vir para o Grupo Votorantim. E foi uma experiência muito boa também essa que eu tive no Grupo Votorantim.
P/2 – Como foi o começo da sua implantação no Grupo?
R – O começo não teve, salvo os transtornos assim que eu tinha para aprender a conviver com a cidade de São Paulo - que eu vinha muito a São Paulo, mas eu não me preocupava em dirigir em São Paulo, arrumar lugar para morar - então salvo esse transtorno foi tudo muito bom, entende? Tive uma recepção muito boa pela família toda, Ermírio de Moraes, Doutor Carlos, todos eles. Fiz um relacionamento com todos e preservo esse relacionamento, então foi feito, digamos, uma solicitação para que eu elaborasse esse documento. Eu me dediquei e toda vida, eu não tive muito horário regular de trabalho. Quando eu tinha uma missão essa missão era o objetivo principal e eu me dediquei muito a esse trabalho até ver consolidado o trabalho e em seguida então partimos para a criação da empresa Votorantim Energia...
P/2 – Isso no...?
R – Para criação exatamente da empresa, constituição, saiu do papel, então foi criada a empresa Votorantim Energia Ltda, eu fui nomeado diretor, naquela época, diretor e único, né?
P/2 – Onde funcionava?
R – Funcionava no início na Alameda Santos, junto... Onde tinha Celulose e Papel, Votorantim Cimentos também, era ali. Depois nós nos deslocamos para a Praça Ramos de Azevedo, onde está até hoje.
P/2- No começo o que ela fazia?
R – No começo nós estudávamos oportunidades de investimentos no setor de energia elétrica.
P/2- Então continuava no papel?
R – Não por muito tempo, porque já em 97... Bom, é preciso relatar uma outra coisa que é o seguinte: como esse setor de energia elétrica é muito intensivo em capital - para se ter uma ideia uma usina de mil e poucos megawatts, que é uma grande usina, existe várias pelo país, ela custa perto de um bilhão de dólares. Então é muito pendente de capital. E o que foi logo verificado é que para marcar presença no mercado brasileiro, fazer, digamos, o que a gente chama de media player no segmento, era preciso mobilizar muito recurso, levantar financiamentos e aí foi constatado que seria conveniente formação de parcerias também, então nós além de criar a Votorantim Energia, iniciamos entendimentos com o Bradesco e com a Camargo Corrêa para formar uma parceria. Essa parceria foi formada e resultou na VBC – VBC Energia, que é Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa. Então essa VBC Energia… Através da VBC Energia é que nós começamos a fazer negócio. Então logo no início de 97 nós fizemos aquisição de uma parceria numa usina hidroelétrica - que é a usina de Serra da Mesa e ela pertencia a Furnas - mas nessa parceria a VBC ficou com 51,5% dessa usina que é a Usina de Serra da Mesa. E quando foi mais para o final do ano de 97 nós continuamos todo ano estudando, nós fizemos duas aquisições no final de 97. Foi aquisição no que é hoje a Rio Grande Energia e da Companhia Paulista de Força e Luz, que é a CPFL. Para essas aquisições novas parcerias foram feitas. Por exemplo, a Rio Grande Energia nós fizemos a parceria entre a VBC e uma empresa americana que é a PSEG – Public Service Energy and Gas - e com a PREVI, que é o Fundo de Pensão do Banco do Brasil. Então nós já tivemos uma abertura maior no ramo de parcerias e para a aquisição da CPFL, fizemos uma parceria entre a VBC, a própria PREVI novamente, e mais uma participação de outras fundações liberadas pela Fundação da CESP, da FUNCESP. Então já de posse, digamos, do controle dessas empresas, nós começamos então a ter um envolvimento com a administração dessas empresas.
P/2- De posse, como o senhor disse, a Votorantim ficou com a parte maior?
R – Não, não a Votorantim, mas a VBC, porque a Votorantim, Bradesco, Camargo Corrêa ficou com a... Digamos, na Rio Grande Energia ela ficou com um terço, então ela é membro efetivo. Digamos, a VBC é do grupo de controle, mas a forma de administrar sempre foi paritária, ou seja, a Votorantim, o Bradesco e a Camargo Corrêa cada um colocava um representante no Conselho de Administração, então...
P/2 – Ele fazia investimentos?
R – Investimentos, todo...
P/2 – Nunca usou capital de fora?
R – Não, também teve financiamento...
P/2- Capital de fora para os sócios?
R – Teve também.
P/2- Resultou em que esses consórcios?
R – Resultou na aquisição do controle, primeiro, Serra da Mesa e Energia.
P/2 – Fica em que estado?
R – Serra da Mesa, a usina fica no estado de Goiás, uma usina de 1275 megawatts de potência. É uma grande usina, e fica no estado de Goiás. Mas quase cinquenta por cento da usina pertence a Furnas - 51,5, então 48,5 pertence a Furnas, 51,5 veio para VBC e hoje integra o patrimônio da CPFL porque foi feito uma consolidação dos negócios e para não ficar, digamos, uma parte do patrimônio com a VBC e outra com a CPFL, então houve uma integração dessas participações todas e hoje a VBC está no acervo da CPFL. CPFL Geração de Energia. Quer dizer, é uma coisa que decorre da gestão da empresa.
P/2 – E hoje, quer dizer, em que ano?
R – Nós consolidamos essa... Digamos, concluímos, vamos dizer, essa consolidação em 2002. Foi consolidado, ou seja, nós pegamos todas as participações em usinas, em Serra da Mesa, em outras que estavam em construção, a nossa participação na própria Rio Grande Energia e criamos uma grande empresa que chama CPFL Energia e unimos VBC e PREVI, unimos todas essas participações sob, digamos assim, o comando da CPFL Energia.
P/2 – Isso no ano passado, 2002?
R – 2002.
P/1- Doutor José, eu gostaria de perguntar para o senhor, como era a situação das usinas hidroelétricas do Grupo Votorantim, quando o senhor preparou o primeiro estudo? E como foram as negociações para montar esse consórcio entre Bradesco e Camargo Corrêa?
R – Então, você veja que essa situação anterior era uma situação de autoprodução de energia elétrica, ou seja, produção de energia para o consumo do Grupo. Ela não se confunde com o assunto VBC, a parceria Votorantim, Bradesco, Camargo Corrêa. Por quê? Você pode traçar uma linha divisória bem no meio dessas duas questões e elas se separam completamente. Nessa parceria com a VBC, a energia elétrica é olhada como um negócio, ou seja, você participa de empresas que prestam serviço aos consumidores e usinas que geram energia para ser vendida no mercado. Do outro lado você tem as usinas do Grupo que atende a sua necessidade industrial, vai para suas fábricas, de cimento, alumínio, níquel, zinco, etc, celulose e papel. São coisas totalmente distintas, então diz: “A Votorantim usa energia da CPFL nas suas indústrias?” Usa porque compra, algumas indústrias compra da CPFL, mas é uma relação como qualquer cliente e o seu fornecedor de energia. O que acontece é que nós também, na Votorantim Energia, nós passamos a assessorar as indústrias quanto a melhor forma delas atenderem às suas necessidades de energia, se era comprando ou se era aumentando a capacidade de produzir a sua própria energia. Então nós fizemos um movimento grande no sentido de aumentar a capacidade de geração própria, de maneira que com as usinas que estão em construção, o Grupo vai ter agora em torno de 2005 cerca de 65% de capacidade de geração própria, ou seja, de toda energia que vai estar consumindo, mais ou menos 65% vai estar sendo produzido por usinas próprias. Então ele só compra no mercado cerca de 35%. E então do outro lado tem os negócios de energia elétrica que então evoluíram com a compra dessa parceria, ou seja, compra de um pedaço de Serra da Mesa. Então o Grupo, através da VBC, na época, passou a ser parceiro de Furnas naquela usina.
P/2- Aí o cliente é externo, é o mercado. Pode ser...
R – Aí o cliente é o mercado, não é o Grupo Votorantim exatamente. Aí adquirimos o controle da Rio Grande Energia, que o trabalho dela inclusive é distribuição de energia elétrica, não é nem geração - então ela distribui energia elétrica para clientes como aqui em São Paulo é a Eletropaulo. Depois na CPFL é a mesma coisa, é uma empresa distribuidora, mas ela tinha algumas usinas. Então houve uma separação, até por exigência legal, houve uma separação: a parte de Usinas foi separada, ficou na CPFL Geração; a parte de distribuição ficou na CPFL Distribuição. E outras concessões foram então adquiridas, conquistadas para construir novas usinas. Isso, algumas haviam sido conquistadas pela VBC e a VBC adquiriu para a CPFL para não ficar atuando na energia como VBC e também como CPFL, então juntou tudo. Foi essa consolidação que eu fiz, que eu mencionei, que todo o acervo, digamos, aqui da VBC, todas as participações do setor de energia elétrica foram agrupados na Secretaria de Energia. Então, quer dizer, hoje a CPFL Energia detém a participação na Rio Grande Energia em sociedade com o americano, a PSEG, entende? Ela detém as outras concessões para construir novas usinas, ela detém a sociedade com Furnas em Serra da Mesa e ela detém também uma outra empresa que eu não havia ainda mencionado porque foi a última a ser adquirida, que foi, que é chamada hoje de Companhia Piratininga - também ficou CPFL, Companhia Piratininga de Força e Luz - que é para trabalhar sinergia com a Paulista de Força e Luz. Então adotar, porque toda administração está sendo feita conjuntamente. Mas como é que surgiu a Piratininga? A Piratininga surgiu da seguinte forma: a VBC fez uma parceria com... Desculpe, a VBC não, aí já foi a própria CPFL, já fez uma parceria com a Eletricidade de Portugal, a EVP, e foi comprada por essa sociedade, por essa parceria, a empresa Bandeirante de Energia. A Bandeirante é uma empresa que surgiu da cisão da Eletropaulo; a Eletropaulo foi cindida em Metropolitana, Bandeirante e mais a empresa EMAI, que é essa que administra a parte de água e energia aqui em São Paulo e numa empresa de transmissão também. Mas então ficamos na parte só de distribuição, foi gerada só a Eletropaulo mesmo, Metropolitana e a Bandeirante. A Bandeirante atendia o alto Tietê, a Baixada Santista, o Vale do Paraíba e a região oeste de São Paulo, região ali de Sorocaba. Dois anos após a aquisição nós cindimos a Bandeirante, então a parte do alto Tietê e do Vale do Paraíba ficou sob controle da Eletricidade de Portugal, a EDP; e a parte da Baixada Santista e oeste aqui de São Paulo ficou com a CPFL. E passou-se a denominar então, o nome Bandeirante ficou com os portugueses e a nossa parte passou a ser denominada Companhia Piratininga. Então hoje a CPFL compreende administração direta de duas empresas de distribuição - que é a Paulista e a Piratininga - e uma administração indireta de outra empresa de distribuição, que é a Rio Grande Energia. A CPFL detém ainda a parceria com Furnas em Serra da Mesa e tem várias usinas pequenas que ela já tinha antes, de pequeno porte, e está, através de parceria, desenvolvendo várias usinas de maior porte que tipo Barra Grande, tipo Cantos Novos, são duas concessões de usinas grandes que ela tem então uma participação.
P/2- Essas usinas são feitas como? Como é a forma? Porque usinas de geração de energia pressupõe barragem de quedas d’água, é isso?
R – Exatamente, é um aproveitamento de um potencial de energia hidráulica que é uma queda...
P/2- Mas sempre na parte hidráulica, nada de eólica, muito menos nuclear.
R – Não, nuclear nós não poderíamos entrar porque ela é uma atividade exclusiva da União. A própria constituição veda a participação de privados, mas nada impede que se desenvolva energia eólica e existem estudos de termelétricas, não tem... A CPFL já tinha quando nós compramos uma usina térmica, mas tem estudos, e pode desenvolver usina térmica a gás, pode-se desenvolver.
P/2 – Agora eu queria pedir o seguinte enfoque: eu gostaria que o senhor dissesse, como é o senhor nesse meio, no seu dia a dia? Como foi isso, contado ao vivo, as emoções, as participações, as derrotas, as vitórias - por outro lado, como é o trato com esses companheiros de participação e principalmente com os portugueses? Agora vamos entrar na parte humana. Vamos sair do livro e entrar no dia a dia. Bate papo, as emoções.
R – O Doutor Antônio Ermírio, ele costuma usar uma expressão várias vezes: é que aquilo foi conseguido com sangue, suor e lágrimas. E ele foi contestado uma vez pelo Presidente, dizendo que: “Sangue, se for com sangue não vai ser com o meu”. E aí o Doutor Antônio explicou: “Quando eu falo em sangue é sangue na veia, não é sangue derramado” (risos). Então eu acho...
P/2 – Que presidente?
R – Pelo Presidente Fernando Henrique. Então eu dizia numa entrevista, eu dizia: “Não, tal, tal”. Mas interessante que essas coisas são conseguidas meio assim mesmo, muito sangue na veia e diga-se... (risos) Muito suor e, às vezes, lágrimas, por vezes de alegria, por vezes de tristeza, mas também com lágrimas, por quê? Porque veja só, quando a gente está entrando num negócio como esse, é um negócio novo, para o Grupo principalmente, é um negócio novo, por quê? Essa atividade estava por muitos anos na mão do governo - o governo que era o grande empreendedor, o grande ator no negócio de energia elétrica. E costuma até dar pauta da escassez de recurso para continuar fazendo os investimentos, o setor começou a entrar em risco e ele precisou buscar ajuda do setor privado. Então nessa hora é uma hora que a gente elabora os planos onde se usa muito sangue na veia e muito suor e vai entrar num processo de conquista, por quê? Porque o governo, quando vende qualquer coisa ele vende através de leilões públicos e para ser vitorioso nesse leilão é preciso que se estude muito, que se analise muito, que avalie o empreendimento, avalie a postura do concorrente, porque é um processo competitivo e dali vem esse processo também de lágrima que eu estava dizendo, que é na comemoração da vitória, na lamentação da derrota. Aí começa novamente o ciclo na preparação da administração daquela empresa, mas tem no meio desse processo todo aquela grande incerteza. Esse setor de energia elétrica é um setor que ele embora tenha passado pelo processo de privatização, é um setor de utilidade pública, então é um tipo de serviço público e o serviço público ele nunca, digamos, escapa às regras, às normas do governo. Então ele não tem dependência para sair fazendo as coisas - por exemplo, ele não pode: “Ah, vou aumentar, pôr a minha conta em risco, a minha produção de energia, vou atender aquela área, vou aumentar o preço, vou fazer promoção”. Não é uma coisa como o mercado normal, é um mercado em que o governo faz as regras. O preço que ele pratica é o governo que autoriza. Então nesses poucos anos ainda de atuação nós vivemos momentos bastante tensos, como por exemplo, o período de racionamento. Então houve uma escassez na geração de energia e as empresas que tem o papel simplesmente de distribuir energia, ou seja, de pegar a energia com as geradoras e levar até o consumidor acabaram sofrendo muito com isso, por quê? Porque não tinha o produto que ela tinha que distribuir. Então se o nosso papel ali, a maioria das empresas era distribuir energia e não tinha energia para distribuir, elas entraram, digamos, numa situação econômica e financeira muito difícil e estamos nessa situação até os dias de hoje – hoje que eu digo, julho de 2003.
P/2 – Sujeitos a apagão ainda?
R – Como houve, digamos, uma mudança de hábitos com o período de racionamento - a população aprendeu a economizar bastante energia - e como houve também uma queda na produção industrial, depois que normalizou o nível de água nos reservatórios das hidroelétricas, começou até a sobrar energia, mas essa sobra naturalmente vai ser consumida com o crescimento normal, sempre há. Então houve, digamos, uma queda no patamar de consumo, mas o aumento, o crescimento vegetativo vai consumindo essa sobra. E em dois anos, ou seja, até o final de 2004, início de 2005, essa sobra vai estar totalmente consumida e o crescimento daí em diante, principalmente se houver uma retomada no processo de crescimento econômico do país, vai precisar de mais energia e aí nós vamos depender de novas usinas. Hoje, na situação financeira que o setor se encontra, os investidores não estão dispostos a continuar investindo e aí há um risco, sim. Não havendo novos investimentos há um risco de nós termos uma escassez séria de energia a partir de 2005. 2005 há risco, mas a partir de 2007 se não tiver muita, digamos, muitas usinas novas em operação, certamente nós teremos um novo apagão.
P/2- Eu queria perguntar aqui, em questão de iniciativa, a Votorantim então tomou a iniciativa, formou os participantes do Grupo para fazer. Existem outros que tomaram essa incitava neste mercado nosso, como a Votorantim que liderou o Grupo Camargo Corrêa para formar, tem outros blocos trabalhando paralelamente?
R – Como a Votorantim há outros Grupos também, como por exemplo, a Vale do Rio Doce também... Geralmente os grandes consumidores de energia elétrica, como as indústrias de alumínio, também no ramo de celulose e papel, várias indústrias partiram para construir plantas de geração.
P/2- Agora como foi, ainda falando no lado humano, o relacionamento entre esses Grupos que formaram a Votorantim Energia para chegar nesse resultado? E qual é a diferença entre lidar com um grupo de brasileiros e com os portugueses?
R – Os portugueses são pessoas muito honestas, entende? São, digamos, pessoas transparentes, são... Não sei, são confiáveis. E o relacionamento foi muito bom com os portugueses. O que normalmente existe são diferenças de ponto de vista e divisão até estratégica, foco estratégico. Então quando estamos analisando o negócio de energia elétrica, tivemos uma época, por exemplo, algumas divergências. Por exemplo, eles gostariam de construir termelétrica, o próprio governo brasileiro estava estimulando muito a construção de termelétrica a gás. A nossa visão é que a termelétrica ainda não estava no seu ponto, no seu momento ideal. Tinha muitas inseguranças, incertezas, e o custo das termelétricas ainda era caro em relação a outras alternativas, então nós entendíamos, na época, que entrar em termelétrica podia não ser financeiramente bom para o Grupo, de uma forma geral, para o Grupo, digamos, de investidores, VBC e tal. Então naquela época houve assim...
P/2 – Mas isso mudou, agora é interessante?
R – Não, agora o que existe é que eles também perceberam que também não era, não era tão bom assim (risos). Mas no lado de relacionamento foi um relacionamento muito bom. Agora a dificuldade de relacionamento existe com os americanos, por exemplo, é... A dificuldade ela teve mais assim no campo das normas que deveriam ser atendidas, por exemplo, o americano, a sede dele está lá fora, ele tem que prestar conta segundo as normas do país dele e isso, às vezes, trazia sim, alguma diferença cultural, vamos dizer assim...
P/2- Mas eu não tinha entendido que havia, perdão, participantes americanos.
R – Os americanos são participantes lá na Rio Grande Energia, que houve uma parceria entre a VBC, o Fundo de Pensão do Banco do Brasil, que é a PREVI, e essa PSEG - que é uma empresa lá de New Jersey, a sede dela é em New Jersey e ela é sócia da, vamos dizer hoje, da CPFL, lá na Rio Grande Energia. Mas o Conselho de Administração lá é formado por um do Bradesco, um da Camargo Corrêa e outro da Votorantim e mais três dessa empresa e três da PREVI, então o Grupo Votorantim está direto lá. Estava presente, está presente em todos os Conselhos dessas empresas. Então ele, foi aquilo que eu disse, que uma vez conquistado o controle da empresa, ainda que em parcerias, o Grupo paga o controle das empresas, iniciou-se então a tarefa de trabalhar na administração da empresa. A forma de trabalhar nessa administração é a participação dos Conselhos para tomar as decisões, analisar os assuntos e tomar as deliberações de cunho administrativo dessa empresa. Então nessa hora é que, digamos, sentam três acionistas, representantes de acionistas, um da Votorantim, outro da Camargo, outro do Bradesco, três da americana Public Service Energy and Gas, e três da PREVI. Então é natural que cada uma tenha focos diferentes, visões diferentes, necessidades diferentes.
P/2– Nós estávamos naquele pedaço em que havia as reuniões de acionistas, e antes da explicação da própria reunião e da sua atuação nela, eu estava lhe fazendo um comentário que o senhor é muito alto astral, muito para cima, sorridente. Como o senhor é, com coisas, tendo uma vida tão...?
R – Eu diria até que a minha expressão assim, ela é menos, digamos, menos descontraída do que a minha maneira de ser. Eu tenho uma aparência que todo mundo diz, séria e tal, mas eu estou sempre fazendo algum tipo de brincadeira para descontrair o ambiente, então eu me relaciono bem com as pessoas. E eu não diferencio se é um superior, se é um subordinado, se é um colega, sempre estou fazendo as brincadeiras. Eu tenho um amigo que diz que eu sou a pessoa séria mais engraçada que ele conhece, porque tenho uma aparência séria, mas faço uma brincadeira, uma pessoa diz uma coisa e eu já faço um trocadilho. E os colegas geralmente mencionam isso como um ponto positivo no dia a dia, aquele trabalho tenso e a gente encontrar um tempinho para fazer uma brincadeira e descontrair um pouco, é bem assim mesmo.
P/2 - O Doutor Carlos acompanha sempre essas reuniões, como é isso?
R – Ele participava até há pouco tempo do Conselho da VBC, faz pouco tempo que ele se desligou, ele participa das reuniões do Conselho da CPFL e das outras ele nunca chegou a participar, das outras energéticas, mas ele frequentava religiosamente - aliás foi o primeiro presidente da VBC e da CPFL, desde a aquisição da empresa, até hoje ele é o presidente do Conselho, desde o início até hoje ele preside o Conselho, então eles...
P/2 – Das que ele saiu quem ficou no lugar dele?
R – Lá na VBC ficou o Otávio, o Otávio Resende, foi quem o substituiu na Votorantim Energia e entrou o Nelson Shimada que é o financeiro da holding, da VPAR, então foi quem ficou no lugar dele. Agora na CPFL ele não saiu, quem saiu fui eu, e ficou o Otávio no lugar. Na Rio Grande Energia tinha uma inversão, porque lá eu era o titular e o Carlos era o meu suplente. Então agora ficou o Otávio como titular. Mas o Carlos lá ele não frequentava, ele não participava, ficava mesmo como diretor da Votorantim Energia e continua assim.
P/2- Agora na hora que interrompemos a gravação, tinha, eram reuniões com três, e como funcionava isso para canalizar toda essa energia para a construtividade?
R – As reuniões, digamos assim, elas são eventos normais para se tomarem as deliberações. Mas além das reuniões tinha muitas reuniões de grupos, que a gente chamava de comitês, que é onde realmente as coisas acontecem mais, digamos assim, onde são feitas as reais negociações que tem que ser, ou seja, aparadas as arestas. Sul americano tem uma necessidade, antes de levar para reunião para ter... Porque a reunião, o conselho tem participante, de representante de empregados, tem direito a participação de acionistas minoritários, alguns conselhos têm, outros não têm, mas têm o direito. Então, digamos o grupo controlador tem que tratar dessas questões que afeta as atividades de controle, os interesses específicos dos controladores fora dessas reuniões. Então não é só o ambiente da reunião em si. Digamos, é um convívio que ele é o tempo todo ou por telefone ou por reunião de comitês ou nas próprias reuniões de conselho. Sempre tem, digamos, divergências entre talvez, o que uma pessoa quer. Vamos imaginar, se a empresa está precisando de uma capitalização, às vezes o acionista A quer capitalizar, o B não quer capitalizar; às vezes um acha interessante renegociar uma dívida, o outro não acha. São coisas típicas do negócio, isso existe em qualquer ambiente, até mesmo num grupo familiar, como o Grupo Votorantim, os membros lá do conselho devem ter as suas posições diferentes, então não é uma coisa, digamos assim, inédita, é uma coisa normal. E eu diria que até se consegue um bom grau de relacionamento em vista dessas, digamos, divergências, diferenças, vamos dizer assim, de interesse.
P/2- Já que o senhor falou em grupo familiar, todo mundo dá muito perfil do Doutor Antônio, as muitas entrevistas falam do perfil dele de diversos enfoques. Agora o senhor poderia dizer como é que o senhor descreveria o Doutor Carlos, qual é o perfil dele geral e também profissional, enfim.
R – O Carlos, primeiro vamos falar do Carlos como pessoa. A educação dele é uma coisa assim primorosa. Ele é uma pessoa de uma educação, a forma do trato, a forma, ele... Quer dizer, a pessoa que nunca chega com imposições, ele sempre consulta para ver: “É possível você fazer isso, é possível, como é que está...?” Ele respeita o indivíduo e respeita o profissional, ou seja, ele não diz: “Ah, porque eu sou um acionista, então a preferência é aquilo que eu pedir”. Não, ele, quando têm que até que solicitar alguma coisa ele procura saber como está, se não vai atrapalhar a agenda, essa coisa toda. Então ele é uma pessoa, um trato extraordinário. Ele tem uma competência muito grande, ele tem uma habilidade de trato com as pessoas, isso torna uma, o torna um líder no sentido de administrar alguns conflitos, ou seja, com muito jeito, com muito bom senso, procurando não exagerar naquilo que já está um pouquinho, digamos assim, um clima que já está tenso, ele procura então não botar mais lenha na fogueira, vamos dizer assim. Procura conciliar as coisas, para a coisa ser feita sempre em harmonia, em paz. Ele tem uma capacidade de entender as coisas muito grande, tem um preparo também acadêmico, teórico muito bom.
P/2- Ele é formado nos Estados Unidos?
R – Ele se formou nos Estados Unidos, mas acho que a escola mesmo é essa escola do dia a dia aí que ensina e... E a maneira de ser dele, a educação que ele tem. Mas é uma pessoa muito hábil, muito habilidosa para tratar das coisas.
P/2- O senhor diria que é um traço de família isso?
R – Vamos dizer assim. Bom, depois tem que cortar uns pedaços aí, da gravação. O Doutor Antônio é uma pessoa mais determinada e mais eu diria assim, vamos dizer, como que é a palavra, egoísta, mais autoritário. O Doutor Antônio já não gosta muito de que o time dele, o tempo dele seja contrariado. Ele gosta muito das coisas naquele tempo, naquela forma, deve ser uma pessoa, quer dizer, incomum. Ele é um homem incomum, a capacidade dele de trabalho, de entendimento, ela é muito grande, mas é muito grande mesmo. Então eu acho que ele não... Quando ele compara, a análise de uma outra pessoa, ele compara com a capacidade dele, ele acha que se a pessoa não faz igual a ele é porque está de má vontade (risos). Ele queria que a pessoa... Então isso, às vezes, dificulta. Dificulta assim, o relacionamento com ele fica mais difícil. E me parece que não é uma coisa mais recente não, é uma coisa que é uma característica dele, dele de bem mais novo e tal. Ele próprio comenta muito, passagens da vida dele e pelo que ele comenta ele já era assim. Os filhos não têm essa mesma característica, aquela determinação e tudo, os filhos não têm a mesma. Têm uma educação muito firme, todos eles relatam que tiveram uma educação rígida. Rígida mesmo, assim, no trato, então como diz, entre os irmãos, entre os filhos do Doutor Antônio essa é uma característica, todos eles têm o comportamento assim.
P/2- Não é engraçado, o senhor tem filhos?
R – Tenho filhos.
P/2- Quer dizer, um pai que fica, ainda mais como o Doutor Antônio, o dia inteiro trabalhando, ainda tem a Beneficência, como é que ele consegue imprimir esses valores nos filhos?
R – Eu acho que mesmo ocupado desse jeito, é uma coisa impressionante também como ele arruma tempo, porque ele participa de vários eventos – eu já participei de eventos aí que termina onze, onze e meia da noite, e está lá ele fazendo palestra, fazendo não sei o quê. É curioso como ele consegue tudo. E ele é uma pessoa assim, muito atenciosa, ele responde todas as ligações telefônicas, se a gente manda um cartão de cumprimento para ele, ele manda outro de volta.
P/2- O senhor está falando agora do Doutor Antônio?
R – Falando da parte do Doutor Antônio, é muito atenciosa. Nunca teve uma vez sequer de dizer: “Olha, liguei para o Doutor Antônio e ele não retornou”. Não teve, não teve uma vez pra citar: “Ah, não, teve aquela vez...”.
P/2- Isso tem a ver com valores da família, como são esses valores?
R – Olha, o Doutor Antônio, isso também eu pude perceber no Doutor José - eu convivi muito pouco com o Doutor José, convivi muito mais com o Doutor Antônio - mas o pouco que eu convivi com o Doutor José, eu também pude perceber isso: eles dão valor as pessoas, eles respeitam os indivíduos. E o Doutor Antônio demonstrou isso a vida inteira no meu relacionamento com ele, mesmo antes de eu estar no Grupo. Em alguma oportunidade que eu tinha que falar com ele eu ligava, se ele não estava no escritório, estava para a fábrica, ele recebia o recado, ele ligava da onde estava. Me lembro muito bem quando eu liguei para ele numa sexta à noite e aí no sábado de manhãzinha ele me liga no celular e tal... Então é assim, entende? E eu acho que é o valor que ele atribui as pessoas, acho que ele não pensa: “Ah, essa pessoa quer me ligar só para… O que ela quer falar comigo não deve ser importante”. Parece que isso não passa, a impressão que dá para gente é que isso não passa na cabeça dele, como com o Doutor José também, como com os filhos, os filhos do Doutor José, do Doutor Antônio, todos eles. Essa característica que eu estou dizendo, que a gente quando procura tem sempre resposta, é uma característica geral da família.
P/2- Como foi a sua convivência com o Doutor José, em que circunstâncias, etc.?
R – Eu convivi com o Doutor José no período que a gente estava para aprovar o plano de investimento, de aplicação, o setor elétrico, nós tínhamos as reuniões. Essas reuniões normais e tal, onde ele participava, participavam todos. Tinha as reuniões assim, quando tinha um evento do Grupo que a gente estava participando, que eu era um dos diretores da área de negócio, então estávamos convivendo, mas tinha muita ligação telefônica. Ele era uma pessoa assim, que gostava de ligar para ver como é que estava, via uma notícia nova aí, uma notícia nova pode até ser um pouco redundante, mas uma informação: “Ah, está acontecendo isso no setor aí e tal...”. Mas ele ligava: “Escuta, o que é aquilo?” E tal, ele se interessava, ele tinha uma memória fantástica.
P/2 – Tinha, porque foi esse que faleceu?
R – Ele faleceu, no ano, no dia onze de setembro, dia do atentado às torres gêmeas, exatamente, no atentado às torres gêmeas.
P/2- Não tinha ligado uma coisa com a outra.
R – É, foi naquele dia.
P/2- Dia onze de setembro.
R – Dia onze de setembro, exatamente.
P/2- Mas ele trabalhou até o final?
R – Trabalhou até o final.
P/2- E a convivência com ele, que o senhor estava contando?
R – Então nesse contato, ele tinha uma memória assim que ele ligava, a gente falava uma coisa para ele, aquilo lá, eu até podia esquecer, mas ele não esquecia mais, porque ele falava, às vezes, muito a frente, depois e ele tinha tudo aquilo na memória. E pelo que ele relatava de coisas do setor que eu conheço, que é o setor de energia elétrica, ele que é envolvido com uma série de setores diferentes, não precisou conviver tanto tempo para conhecer essa capacidade que ele tinha de guardar os fatos. E ele sempre mostrava assim, ser uma pessoa também muito conciliadora, ele não demonstrava aquele ímpeto que o Doutor Antônio Ermírio demonstrava. Ele era mais sereno, mas assim muito agradável com as pessoas, muito agradável. Eu estou descrevendo assim, características, o meu convívio com o Doutor Antônio, eu gosto muito do Doutor Antônio, admiro demais, até hoje quando eu ligo, ele me atende até hoje e não tem: “Ah, saiu do Grupo”. Não, ligo lá, ele atende, converso com ele e gosto muito dele. Estou falando de uma característica quando digo, ele já é mais impositivo, é uma característica dele. É, eu não estou dizendo: “Ah, não, então é mais difícil conviver”.
P/2- Mas em matéria de negócios o senhor continua ligado a Votorantim?
R – Não, eu hoje presto serviços, assim, em alguns pontos para ele. Foi uma, até quando estava saindo de lá combinamos de manter alguns aspectos, alguns assuntos, trabalho. Então eu faço algumas avaliações para ele, como eu tenho assim experiência de governo. Então tenho uma, digamos, talvez uma habilidade um pouco maior para entender o que o governo está pretendendo com uma certa medida, quais são as repercussões, então faço trabalho de consultoria como para vários outros.
P/2- Há quanto tempo o senhor está na consultoria?
R – Eu estou há seis meses.
P/2- O senhor só saiu da empresa há seis meses?
R – Eu saí em dezembro, dezembro de 2002.
P/2- Ah, tá.
R – Final de novembro, mas o desligamento só se solidou em dezembro.
P/2- Agora, voltando um pouquinho atrás, essas reuniões, não... Não, vamos voltar mais atrás ainda, eu queria terminar o assunto de, a preocupação social da família, a preocupação com os funcionários, o senhor notou alguma coisa sobre isso, existe alguma...
R – Existe, existe.
P/2- Alguma coisa que seja mencionável?
R – Bom, eu tenho casos concretos e... Principalmente quando entra numa dependência de tratamento, por exemplo, médico, em função da... Digamos, da ligação do Doutor Antônio e do próprio Doutor José com a Beneficência Portuguesa. Então a gente sabe que... Sabe, não, já tive vários casos em que eu precisei da ajuda e ele prontamente, às vezes até com ônus pessoal, ele dava uma solução, então nesse ponto. Questão, assim, de conhecimento que uma pessoa da equipe dele está com problema familiar, entende? Eu... Até mesmo, por exemplo, na questão de emprego, porque o marido de uma funcionária fica sabendo que está desempregado, ele fica preocupado.
P/2- Mas a nível mais macro, tipo uma preocupação empresarial, com o meio ambiente, com os funcionários, não assim no nível individual, assistencialista.
R – Pois é, o Grupo, vamos dizer assim, no meio... O Grupo agora está expandindo mais para essas questões. Até então o Grupo não estava muito... Por exemplo, não tinha uma fundação. Mas de uns tempos para cá ele está organizando uma fundação que é para proteger, digamos, o período pós aposentadoria, essas coisas. A gente tem visto que o Grupo tem avançado bastante. Como eu não fiquei tanto tempo no Grupo, o passado a gente conhece mais é de...
P/2- No total o senhor ficou quantos anos?
R – Fiquei seis anos e meio. Então talvez a... Tem muita gente lá que nessa história do Grupo, porque está lá há quarenta anos, eu conheço uma pessoa que está lá há sessenta anos, para ser mais específico, 62 anos. Está lá há 62 anos, trabalha lá com o Doutor Antônio.
P/2- Não é o João Câncio?
R – Nelson Teixeira.
P/2- Ah, sei.
R – Nelson Teixeira, tem parece que 75 anos, começou com treze lá, então está que é uma máquina, só energia (risos). Mas eu digo assim, eu não conheço muito o passado, o que a gente percebe no passado é que aparentemente o Grupo era um Grupo mais assim, com um sistema mais paternalista. Por exemplo, não era muito institucionalizada a coisa, então vamos procurar, por exemplo, dar um salário acima do mercado de uma forma geral, daquele padrão - o Doutor Antônio várias vezes dizia em entrevista: “Não, a Votorantim tem um padrão salarial bom”. Mas não tinha um esquema, digamos assim, regulamentar de benefícios e tal. Tratamento, assistência médica, essa coisa, sim. Mas agora com essa fundação, com o tratamento e programas de treinamento, capacitação, essa coisa toda, a gente vê que o Grupo está crescendo mais agora.
P/2- Amparo a comunidade?
R – Não, essa coisa também era assim, muito pessoal. Agora está sendo feito mesmo mais institucionalizado. Pessoalmente a gente conhece, por exemplo, o próprio apoio a Beneficência Portuguesa, mas tem várias questões. Outro dia me liga um pessoal de Santa Catarina me pedindo: “Ah, você conhece aí o Doutor Antônio Ermírio, vê se ele pode ajudar a gente numa situação que tem aqui, porque no ano de não sei o quê, que teve uma enchente aqui, nós recorremos a vários empresários. O único que nos ajudou aqui foi ele que nos mandou mil sacas de cimento para gente aqui, para ajudar aqui na...”.
P/2- Eu me lembro, foi nos anos oitenta.
R – Então eles estavam com um problema lá: “Queria ver se ele não podia ajudar nós”. Então o que a gente sabe é que eles têm uma participação muito grande em vários setores. O Doutor José tinha, parece também... Ah, tem ainda, a família está mantendo um programa social com o Hospital do Câncer; tem aquela ACD - Associação das Crianças Defeituosas - alguma coisa, ACD, esqueci o nome da ...
P/1- Tinha a ACD – Associação das Crianças Defeituosas.
R – Eu acho que é ACD, também. Tem várias instituições que eles ajudam. Então não se pode dizer que eles não estão atentos aos...
P/2 – Estão mudando a forma?
R – É, eles não podem, eu até entendo, não pode fazer de forma muito explícita. Muitas vezes eles fazem e não anunciam que é para não alardear muito. Agora tem muitos programas que eles participam.
P/2- Agora, do seu próprio desempenho na empresa, do seu papel e tal, tem casos interessantes, coisas curiosas que aconteceram que de repente é interessante contar, marcantes?
R – Olha, fatos curiosos, assim... Se a gente fizer um relato, um documentário, tem fatos curiosos, mas...
P/2- Tipo assim: “Uma vez aconteceu isso...”.
R – Pois é. Tem fatos, por exemplo assim, estive fazendo uma visita em Serra da Mesa, por exemplo em Serra da Mesa, antes dela entrar em operação. Então o Doutor Antônio, Doutor Carlos, senhor Brandão, do Bradesco, os acionistas da Camargo Corrêa, do período pré inauguração. E a gente estava andando um pouco lá pela obra - então isso mostra um pouco a característica técnica do Doutor Antônio, que ele é muito ligado - e estávamos passando na região do vertedouro. Vertedouro é aquela área que quando o rio está cheio, joga o excesso ali. E nós estávamos passando por ali, o doutor olhou: “Mas isso é um absurdo, esse vertedouro aqui não precisava ser tão grande, onde já se viu uma coisa desse tamanho?” Aí eu fiz um comentário: “Pô, mas a vazão aqui do rio é muito grande, né Doutor Antônio, a vazão aqui, essa geração é de 1200 metros por segundo”. “Você não tem nada a ver com isso, isso aqui é só para período de cheia, isso aqui não vai encher nunca, esse reservatório”. Aí ele deu uma olhada assim, pelo tamanho, tantos metros de largura, tanto de comprimento, e falou: “Isso aqui é vazão de quinze metros cúbicos, quinze metros cúbicos por segundo, e esse reservatório aqui nunca vai encher”. Mas ele fez assim, na mão com uma canetinha, multiplicou isso por aquilo, vazão de quinze metros cúbicos. Aí eu chamei o engenheiro chefe da obra, Miguel o nome dele, eu falei: “Miguel, qual é a capacidade de vazão desses vertedouros aqui?” “Quinze metros cúbicos por segundo” (risos). É assim, é uma curiosidade a cabeça dele, tem uma afinidade. É onde eu falo, ele tem uma capacidade técnica muito grande. E tem outras coisas assim, que eu não sei, mas nós fomos falar com o Ministro de Minas e Energia, lá em Brasília, e aí fui eu e o Doutor Antônio e foi o Doutor Miguel - Doutor Miguel de Carvalho Dias, que é um dos acionistas da CBA - e na hora de pegar o avião de volta, nós estávamos no andar da TAM, e estava eu, Doutor Antônio e o Doutor Miguel esperando e desembarcou lá o Secretário de Energia da Bahia e o governador da Bahia, que iam para uma solenidade lá no Palácio do Planalto. Então eles estavam de smoking e eu olhei, o Doutor Miguel, nós estávamos no andar da TAM, tem aquela recepção e tem um bar. Então o Doutor Miguel saiu e se dirigiu ao governador da Bahia e aí quando eu vi que ele estava indo falar com ele eu fui junto e falei: “O senhor já conhecia o Doutor Paulo Souto?” Que ele era o governador, que hoje, que ele era governador da Bahia. “Ah, muito prazer, muito prazer”. E conversou, aí saiu e ele disse: “Puxa, se você não me avisa eu ia pedir um copo d’água para ele, pensei que fosse o garçom” (risos).
P/2- Você salvou ele na hora "H".
R – Salvei ele na hora certa. “Pensei que fosse o garçom”. E ele estava com aquela gravata borboleta, de smoking, quer dizer, isso é um pouquinho do dia a dia.
P/2- Mas é engraçado. E tem outras que você se lembre, em relação aos trabalhos nesses anos?
R – Bom, não está me ocorrendo assim, não está me ocorrendo.
P/2- Agora o senhor está aqui dando o seu depoimento para o projeto Memória Votorantim - o senhor já tinha ouvido falar nesse projeto?
R – Olha, eu sei que tem um Instituto Votorantim que está cuidando de uma série de memórias, de ações ambientais, de ações sociais, essa coisa. Quer dizer, eu não sabia exatamente esse programa dessa forma e tal. Sabia que eles estavam tratando de questões dessa ordem, mas não tinha...
P/2- O que o senhor acha dessa iniciativa da Votorantim de fazer esse projeto Memória, como marco dos 85 anos, como podia ter sido outra coisa, levantar toda a memória da empresa até...
R – Eu acho que é muito interessante, porque o Grupo já tem 85 anos e a gente fica pensando: “Como é que vai estar esse Grupo daqui há mais 85?” E acho que uma coisa importante é saber como é a história, como começou, como as coisas aconteceram. Porque às vezes a gente olha e acha que aquilo começou daquela forma que está ali. Então acho muito importante sim que se cuide dessas regências. Talvez um Grupo novo não tenha consciência para isso, acha que é novo e vai continuar sendo novo. Mas quando a gente vê um Grupo que está perto de seu centenário, e ao que tudo indica é um Grupo que vai resistir ao tempo e às várias mudanças de geração. Está se organizando para isso, está se estruturando para isso, ele já está na quarta, quarta para quinta geração e continua sólido. E acho que é muito importante saber como é que esse Grupo chegou até aqui e até mesmo para poder fazer com que ele chegue até muito mais a frente. Então eu acho que é um trabalho muito importante mesmo.
P/2- Isso em termos de conteúdo - agora em termos, digamos, de mobilização ou então confraternização, o senhor acha que isso tem um significado?
R – A confraternização pelo...?
P/2- Pelo projeto. Em cima disso, faz-se um elo maior que as pessoas comentam, que as pessoas... Quer dizer, são vários enfoques na memória. Então em vez de sugerir a resposta, vou perguntar o que o senhor acha mais importante dentro disso, quer dizer, todo mundo vem aqui dar o depoimento, faz foto, faz livro, faz isso, faz aquilo, vai fazer festinha; quer dizer, com isto vamos colhendo as impressões e a história não pesquisada nos documentos, mas sim contada pelos que já viveram, isso pode ser visto de várias formas. Como o senhor vê essa iniciativa empresarial?
R – Deixa eu fazer mais uma pergunta então para... Então você está fazendo uma comparação, digamos, entre uma coisa e outra, digamos, de uma comemoração festiva ou...
P/2- Não.
R – Desse evento ou...
P/2- Não.
R – Digamos, caracterizar o trabalho como um marco dos 85 anos?
P/2- Mas um marco como nunca foi feito, ele terá um significado, tem um significado. Para o senhor qual é esse significado?
R – Não, para mim, digamos, a história, a formação da memória ela tem que ter antes de tudo uma decisão. Então se não foi feita até hoje, eu diria o seguinte: qualquer hora seria hora para começar, a partir, poderia estar relatando história a partir do primeiro dia da existência do Grupo. Como não houve até hoje o que eu vejo é o seguinte: eu acho que talvez o evento, com relação aos 85 anos ele tenha servido para despertar uma coisa que tem que ser duradoura, ou seja, não pode ser: “Ah, foi uma comemoração?” Não, eu acho que tem que consagrar isso como uma atividade rotineira e que possa, vamos dizer, nos cem anos ter até uma edição da memória como comemorativa dos cem anos. Agora para mim o maior significado foi o significado do começo, do despertar para a, digamos, perpetuação desse tipo de trabalho e da memória do Grupo.
P/2- Seria um despertar.
R – Uma organização, exatamente. Para já ir organizando a coisa de tal forma que aqueles fatos relevantes fossem já alimentando a memória do Grupo. Ou seja, que não se espere um outro marco para atualizar, dizer assim: “Bom, agora que o Grupo despertou para essa, para a importância desse registro histórico fazer dela uma atividade mais duradoura”. Porque é uma comemoração, uma festa, uma coisa, ela se perde no tempo. Um documento, um trabalho desse, não. Um trabalho desse, porque agora é hora de começar a pensar se vai - vamos dizer, deixa eu falar da minha área: se vamos inaugurar uma usina, vamos documentar esse evento, o que nós vamos registrar dessa usina? Porque daqui há oitenta anos quem vai ver aquela usina velhinha, ultrapassada (risos), pode não fazer a menor ideia quão importante aquilo foi, a história do Grupo que ajudou a consolidar tal unidade, entende? Então acho que a forma que eu vej... Não sei se era exatamente, se era o foco que estava perguntando.
P/2- Isso vale, na verdade, que o senhor está me dando, está dizendo uma mensagem para o Grupo, esta é uma mensagem?
R – Sem dúvida.
P/2- E que é uma mensagem para que se conserve, não deixe atrasado. Tem pessoas tão idosas que não conseguem mais falar. Então… E de dar o seu depoimento, o que o senhor está achando?
R – Eu achei que foi até um privilégio porque como eu já passei pelo Grupo e hoje não estou mais, digamos, integrando o Grupo, eu achei um privilégio poder vir aqui, porque eu tive muito orgulho em trabalhar no Grupo Votorantim. Tive trabalhos importantes, passei pelo governo em cargos importantes no governo, mas eu diria que dentro dos maiores orgulhos que eu tenho foi de ter trabalhado aqui no Grupo Votorantim, tanto com os acionistas como os demais profissionais, executivos, pessoas, digamos assim, do maior caráter, ética... É difícil encontrar num grupo, em algum local de trabalho, a reunião de tanta gente, assim, com competência técnica e com comportamento ético tão elevado, a começar por todos os acionistas. Está na minha mensagem, quando eu me desliguei do Grupo, eu dei uma mensagem, eu mencionei isso: um dos pontos mais altos da minha passagem aqui foi a convivência com esse pessoal. Tem uma nobreza de caráter muito grande. Eu tenho uma admiração muito grande tanto pelos acionistas, pela família Ermírio de Moraes como pelos vários executivos aí que nós tivemos relacionamento, nas diversas áreas. Eu me relacionei com todas as áreas, todas acabam consumindo energia elétrica, então a gente teve um relacionamento bem amplo, foi realmente um privilégio esse convívio todo aqui no Grupo. E fico feliz por poder estar dando esse depoimento e participando da memória e da história do Grupo, entende? Fico muito feliz mesmo por nem que seja, digamos, por um segundinho estar registrado aí na história do Grupo. Agradeço muito a oportunidade.
P/2- Tem perguntas mais? Não. Olha, nós agradecemos, nós da Memória Votorantim, Museu da Pessoa e nós todos aqui. Muito obrigada, foi ótimo.
P/1- Muito obrigado.
R – Muito obrigado. Qualquer coisa que vocês precisarem...
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