P - Para começar eu gostaria de saber o seu nome completo, local e data de nascimento. R - Eu sou Rogério Guimarães Pereira, nasci em Sorocaba em 73. Eu tenho 20 e poucos anos. P - E quando é que você entrou no Aché? R - Entrei em 99. Fiz agora três anos de empresa, no mês passado. P - F...Continuar leitura
P - Para começar eu gostaria de saber o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Eu sou Rogério Guimarães Pereira, nasci em Sorocaba em 73. Eu tenho 20 e poucos anos.
P - E quando é que você entrou no Aché?
R - Entrei em 99. Fiz agora três anos de empresa, no mês passado.
P - Foi seu primeiro trabalho?
R - Não. Comecei a trabalhar cedo, para os padrões de hoje, com 14 anos, registrado. Trabalhei um ano certinho, numa empresa que não tem nada a ver, uma empresa de máquinas de fliperama,
jogos eletrônicos, em 87 e 88. Comecei a estudar à noite, fui procurar um emprego. Então arrumei aquele primeiro empreguinho, você faz um castelinho na cabeça, né? Ter o primeiro empreguinho, para ter meu dinheiro, comprar minhas roupas. Antes eu já trabalhava assim com a família, uns tinham mercearia, meu pai sempre foi marceneiro, hoje aposentado, eu ajudava a passar verniz na madeira, achava legal. E então eu fui procurar meu primeiro emprego para fora mesmo, parece que o dinheiro é mais valioso, você tem a sensação. Aí encontrei uma amiga no ônibus, e ela falou: “Estou trabalhando numa empresa, num escritório de uma empresa que coordena várias lojas de produtos eletrônicos e está precisando de um rapazinho que nem você, para contar as fichas.” Que eram essas fichas, todo mundo já jogou o fliperama, e pôs aquela famosa fichinha, né? Que depois são mensalmente recolhidas e precisam ser contadas. “E você vai fazer isso aí.” Eu falei: “Beleza, vamos lá.” Fui lá, fiz a entrevista e entrei. Foi meu primeiro emprego, eu nem esperava, fui lá e voltei empregado e tinha que voltar naquele dia para trabalhar já, lembro que era o dia primeiro de março. Aí voltei e falei: “Mãe, estou trabalhando.” E ela: “Ah, que legal” Era um escritório da empresa, só que de manutenção. Então aquele pessoal que trabalhava lá só carregava máquina, um serviço bem braçal. Era complicado. Chegavam oito mil fichas e eu tinha que contar, tinha uma maquininha que emperrava direto, enfim, tinha que contar na mão. E eu empacotava em saquinhos de 500 fichas, então muitas vezes eu estava na 449 e perdia a conta, tinha que começar tudo de novo. Ficava sozinho, enfurnado numa casa, todo mundo saía para dar manutenção, e eu ficava sozinho. Era um tédio, porque eu percebi que minha área era comunicação, mas infelizmente a gente sempre começa a dançar um pouco conforme a música, começa a direcionar. Não é ao contrário, como eu acho que devia ser: “Eu gosto disso, então eu vou fazer isso.” Mas não, apareceu isso para mim, então fui fazer um curso nessa área. Como eu dava assistência técnica em máquinas e jogos eletrônicos, eu fui fazer colegial técnico em Eletrônica. Nada a ver com o que eu faço hoje. Então, fui fazer o curso de Eletrônica. E de dia contava as fichas, trabalhava também no almoxarifado, dava as peças para o cara, e quando todos iam embora, eu ficava sozinho. Mas acho que todo mundo já passou por isso um dia. Aí com dois meses de trabalho, eu não agüentava mais. É duro, eu ficava sozinho, eles trancavam a porta, tinha até grade na janela, era uma prisão perfeita. Só não via o Sol nascer quadrado porque a janela era redonda. Um dia cheguei em casa e falei: “Pai, não agüento mais trabalhar lá, vou sair.” Expliquei para ele, o pessoal não sabia nem conversar com a gente, não tinha um momento de confraternização, jogo de bola, não tinha nada. Aí meu pai: “Não, meu filho, isso suja a carteira. Tem que ficar pelo menos um ano para não sujar a carteira, senão vão pensar que você não quer trabalhar.” Começou dia primeiro de março de 88, vamos dizer assim. Dia primeiro de março de 89, eu pedi a conta. (risos) E nesse dia já não trabalhei mais. Fui lá para uma senhora e falei com ela: “Viu, quero saber dos meus direitos, se eu pedisse a conta hoje.” E ela: “Não, mas você não pode pedir a conta assim, tem que cumprir não sei o quê...” “Não, eu sei os meus direitos e eu vou pedir a conta hoje.” E nesse dia já não trabalhei mais. E eu já tinha uma coisa mais ou menos certa numa farmácia que estava precisando de um office boy. Uma amiga me falou e era uma farmácia bem renomada em Sorocaba. Eu passava sempre em frente e passava a me pesar. Eu via tudo limpinho, lotado de gente, várias pessoas, outro clima, né? E eu pensei: “Eu vou trabalhar aqui, mesmo de office boy. Então, no dia primeiro de março eu pedi a conta. Saí e fui na farmácia, fiz entrevista com o farmacêutico, um grande amigo meu, doutor Vanilton. O cara gostou de mim, me contratou. Então, dia dois de março eu estava na farmácia, e não fiquei nenhum dia desempregado. Para o primeiro emprego eu fiz entrevista e entrei, o segundo fui e entrei, e nunca até hoje fiquei desempregado, apesar de estar preparado para isso depois dessa filmagem. (risos)
P - E da farmácia você acabou entrando no Aché?
R - Sim. Entrei na farmácia, não tive férias e fiquei dez anos certinhos na farmácia. E fazendo Eletrônica à noite. Aí já estava no segundo ou terceiro ano, eram quatro anos. Na farmácia fiquei um mês de office boy. Eu ficava muito no balcão, já aprendi a ler receita e eu tinha um irmão que era propagandista de um outro laboratório, detalhe importante, então eu conhecia mais ou menos. Só que eu era um cara muito novo ainda, eu não tinha nem 18 anos, sem chance. Então eu entrei como office boy, passei para auxiliar e entrei no balcão da farmácia. E aí eu fui gostando da coisa mesmo, fascinei pela questão de medicamentos, sempre estudando, olhando, e daí, encurtando a conversa, terminei o curso técnico e falei: “Vou fazer Faculdade de Farmácia. Tem tudo a ver, Eletrônica com Farmácia, né? (risos) Vai que queima a caixa registradora da farmácia, eu já sei arrumar, né?” (risos). Aí fiz cursinho, na turma de maio,
e no meio do ano era o vestibular. Em Sorocaba não tinha Faculdade de Farmácia, só em Piracicaba, a 100 Km. E passei no Vestibular, graças à redação, como eu falei, da parte de comunicação eu sempre gostei. Na época, foi a segunda melhor redação do Vestibular. Todas as matérias do Vestibular somavam 50 pontos e a redação eram os outros 50. Eu tirei 47 na redação, em Química tirei um, Inglês tirei um, nas outras matérias ainda quebrei o galho. Era na época da Copa, a prova foi no dia do jogo entre Brasil e Camarões, e eu fazendo vestibular, uma tortura. Mas no ônibus ouvia no walkman, indo para Piracicaba. Aí passei e consegui trabalhar na farmácia mesmo e fazer Faculdade à noite. Eram 100 Km de ida e 100 de volta. Eu saía de manhã às sete e meia, ia para a Farmácia, e como já fazia quatro anos que eu estava lá, acabei me tornando o funcionário mais antigo. Aí o proprietário, o Vanderley, me colocou responsável, não pela parte técnica, que eu só estava no começo da Faculdade, mas o responsável moral, sabe? O pai dele gostava muito de mim. Só eu e ele tínhamos a chave, então ali eu não tinha mais para onde crescer, só se me tornasse dono da farmácia. Mas eu gostei muito.
P - Nesse tempo você já tinha contato, já tinha ouvido falar do Aché, obviamente?
R - Sim, aí é que está a questão. Meu irmão era propagandista de um outro laboratório que não o Aché, tinha sido propagandista do Aché no começo da década de 80, e na época era Novoterápica. E eu lembrava dos produtos, porque chegava caixa em casa, e os produtos lá. Eu lembro que era Necamin, Novocilin, que eram os tops de linha. E os representantes do Aché visitam farmácias e o pessoal me visitava lá. E como eu tinha certo conhecimento, eu dava a maior atenção para eles. Na verdade, eram os únicos que visitavam a gente lá sem interesse. Não é rasgação de seda, não. Aí eu peguei amizade com o pessoal do Aché. Quando eu fui ficando com mais idade, porque tinha aquela coisa, de noite tinha boate de casados, acima de 25 anos, só homens. Hoje não tem mais isso, na época também não tinha porque eu comecei a freqüentar solteiro, como sou ainda. E o pessoal falava do Aché, eu lembro que uns falavam assim: “Quanto você ganha aqui?” Eu falava: “Ganho tanto.” Eles diziam: “Lá você vai ganhar duas vezes mais.” Mas também mostravam os lados negativos, parece que era programado, parece que falavam isso para ele, para ver se o cara ainda assim se candidatava à vaga e se estava no perfil. Tanto que depois que eu formei uma concepção própria, eu descobri. Eu sabia que não era nada disso, que eu nunca fui um cara que cedi à pressões, pelo contrário, eu tenho consciência de que tenho uma personalidade um pouco forte, e isso às vezes pode até ser negativo. Mas depois que eu entrei no Aché, eu fui perceber que era um bicho de sete cabeças que estava formado. Acabei achando que era muito mais fácil do que eles me falavam, porém é mais difícil do que eu esperava que fosse. Eu achava que era mais fácil, mas percebi que não era bem assim. Daí foram surgindo vagas, apareceu uma vaga eu estava no terceiro ano de Faculdade. Aliás, teve uma grande expansão no laboratório e contrataram no Brasil todo parece que 300, 400. O pessoal ia me visitar e me avisavam: “Olha, tem vaga lá.” Só que eu sabia que a Faculdade ia prejudicar porque eu estudava fora. Aí eu fui lá, concorrer a vaga. Cheguei, tinha um monte de gente, eu lembro de umas pessoas que entraram, porque eu não entrei e hoje eu encontro. Fiz até uns testes iniciais, coisas bem básicas, como o exame psicotécnico da auto escola, coisas assim. O cara gostou de mim, e quando eu fui conversar com o supervisor, perguntou se eu fazia faculdade. Disse: “Faço.” “Onde?” ”Em Piracicaba.” Ele disse: “Sinto muito, não tem jeito. Você estuda fora, a gente quer um cara formado.” Já me cortou ali , porque parece que na época nem precisava ser formado, mas que não estivesse estudando. Ele perguntou: “Você abre mão da sua faculdade?” Eu disse: “Não, eu sempre sonhei, vou terminar.” “Então, obrigado.” Voltei para casa. Na época me disseram para ir de roupa social. Roupa social eu nem tinha, acho que aluguei para ir na entrevista. Eu fui, peguei uma calçona lá, aqueles sapatinhos de camurça da época. Mas depois que fui ver que não tinha nada de social no meu traje. Aquele sapatinho, o famoso Canadian, e achava que estava abafando. Porque estava com um camisão estampado de manga longa, correntona no pescoço, soltei esse botãozinho aqui, assim meio “à la Elvis”, era vinho com umas estampas brancas, parecia um céu noturno de inverno com as estrelas. Era um espetáculo a roupa. Mas, depois que o cara me descartou, praticamente ele disse: “De qualquer forma o gerente está vindo aqui essa semana, eu vou passar para ele e qualquer coisa a gente entra em contato, mas fica difícil.” Aí ele me chamou e falou: “Você venha de traje social.” (risos) Que o cara era conhecido meu. “Mas social mesmo, camisa lisa.” Mas não me chamaram.
P - E quando você entra, então?
R - Aí,
no velho truque da outra vaga. Apareceu uma outra vaga em Sorocaba no ano que eu me formei, no final do ano, eu estava terminando a Faculdade. Aí beleza, fiquei sabendo por um supervisor que não está mais na empresa, que estavam fazendo entrevista e eu fui lá me candidatar. Aí conversei e senti que o cara gostou de mim, conversou, me deu uns testes ali, eu fui bem. Ele falou: “Olha, volta aqui à tarde.” Me deu uma folha para eu assimilar, disse: “Assimila as propagandas, vai para sua casa, almoça e volta à tarde.” Eu nem almocei, parei embaixo de uma árvore e fiquei decorando aquilo. E à tarde voltei, falei com ele, acho que ele gostou de mim. Eu estava com meu carro, um Voyage 83 a álcool, porque precisava ter carro e novo, e eu menti que tinha um carro mais novo, um Uno EP, mas o Uno era do meu irmão e eu estava querendo comprar. Então se eu entrasse, meu irmão com certeza vendia para mim, que ele tinha mais que um carro. “E o carro?” “Esse carro aí eu estou
vendendo, tenho um Uno e a semana que vem está tudo no meu nome.” Aí ele me deixou mais esperançoso, falou para eu ir numa papelaria com ele, o carro dele estava no hotel, eu falei: “Vamos no meu carro.” Ele disse: “Poxa, como você quer andar com o supervisor, sem ter ar condicionado no seu carro?” Eu pensei: “A vaga é minha.” Era uma Segunda-feira, e ele falou que até Quinta-feira me ligava. Quinta-feira nada, Sexta-feira nada, aí eu fiquei sabendo que aconteceu um problema e ele foi demitido. Isso no final de ano, e aí já não dá mais nada. Aí entrou janeiro do ano seguinte, eu fiquei sabendo que ia começar o processo seletivo de novo, eu pensei: “Tá louco, que isso?” Quando a coisa começa não dar certo, parece que não dá certo mesmo. Mas eu fui insistente, fiquei sabendo que o processo seletivo voltou. E para os propagandistas que me visitavam eu contava a história e eles diziam: “Você vai ser avisado.” Aí ocorreu isso, eu fui lá para ser entrevistado, e disse: “Já fui entrevistado, já fiz tal coisa.” E ele me deu uma canseirinha, mas depois conversou comigo, comecei tudo de novo. As perguntas eram as mesmas. Tem sempre uma tensão que acompanha as entrevistas, por mais informais que elas pareçam. A palavra “entrevista” carrega uma tensão que é estranha.
P - Mas aí dessa vez, você finalmente conseguiu ser admitido?
R - Consegui, mas à duras penas, porque o processo novamente demorou, com o mesmo truque do “te ligo a semana que vem”. Eu sabia que era uma vaga e só no dia que eu fui tinha uns 20 caras. Na época, tinha um negócio que não sei se tem ainda, que é monitoria. A pessoa que estava no final do processo seletivo ficava um dia com o propagandista na rua, visitava o médico para sentir, e o propagandista, claro, era programado para tirar algumas informações do pretendente à vaga para ver se era isso mesmo que ele queria. Aí veio um propagandista na farmácia e disse: “Fiquei sabendo que tem um cara já fazendo monitoria, e geralmente quem faz monitoria tá dentro.” Eu falei: “Já era.” Mas depois eu fiquei sabendo que eram duas vagas, porque um outro propagandista tinha saído, não tinha sido promovido, então ficou uma vaga para propagandista e uma vaga para supervisor. Então, depois o cara me ligou para fazer monitoria com o propagandista. E aí trabalhei com o cara por um dia.
P - E como é que foi esse dia? Lembra?
R - Lembro, como se fosse ontem. Foi numa clínica aqui em Sorocaba, falando com os médicos. E me lembro também dos médicos. A gente marcou em tal hora da manhã, eu estava lá arrumadinho, aí devidamente paramentado, gastei aquele meu salarinho para comprar uma roupinha e ir lá trabalhar. Aí é que eu senti mesmo o que é, e a dificuldade que é também. Por isso que eu falei que é mais difícil do que eu imaginava, porém nem tanto quanto era pintado para mim, o “Dragão.” Eu me lembro onde a gente foi almoçar, não existe mais esse lugar em Sorocaba, era um restaurante self service bom, legal. E eu lembro que vários propagandistas almoçavam lá, e a gente foi lá.
P - Mas de outras empresas também?
R - Também, juntamos as mesas e aí todo mundo: “Poxa, quem é você?” Uns me conheciam da farmácia. “Ô, você entrou” E eu: “Não, estou fazendo monitoria ainda.” Senti aquele clima, o pessoal bem vestido, todo mundo cheiroso e outro tipo de conversa. “E na Faculdade?” Aí eu percebi: “Poxa, acho que é isso mesmo que eu quero. Vamos torcer para que aconteça de forma positiva.” Daí, mais duas semanas de espera sem contato nenhum.
Então vieram novamente em Sorocaba dois supervisores, fizeram entrevista comigo de novo. Aí veio o gerente num outro dia. Fui lá com ele, e só mentindo na farmácia, porque eu nunca tinha faltado em dez anos. “Não, eu tenho que fazer outras coisas da Faculdade.” Porque é chato, né? Mas o dono da farmácia um dia disse: “Olha, Rogério, você sabe que eu gosto muito de você, por mim daqui você não sairia nunca, mas eu sei que não vou poder segurar você aqui por muito tempo, então se aparecer alguma coisa melhor, fique à vontade, a gente conversa. Você está terminando a Faculdade, se quiser tentar alguma coisa, pode tentar, e se não der certo, pode voltar.” E foi próximo ao dia de eu conseguir a vaga efetivamente. Quase acabei me complicando, porque na entrevista do Aché perguntaram: “Mas e na farmácia, quanto você ganha? Mas e se você não gostar do Aché como você vai fazer?” Eu disse: “Meu patrão disse que se eu não gostar, eu posso voltar.” “Ah, então se você não gostar, você larga a gente?” Eu
falei: “Não, eu vou gostar sim, não é nada disso.” E outro fato curioso na entrevista, parece que eles preferem casado, eu não sabia disso. E uma das perguntas finais era: “Você é casado?” Mas perguntou de uma forma negativa. Eu falei: “Não, não”. Porque eu imaginei na minha cabeça: “Poxa, casado, tem esposa, tem filhos, o filho vai ficar doente, vai faltar para levar o filho no médico.” E ele disse: “Sabe que isso é um problema, a gente prefere casado.” Aí eu falei: “Mas eu namoro faz tempo, estou para casar, comprei um terreno.” E de fato eu tinha comprado um terreno. “Inclusive eu só estou querendo achar uma coisa melhor, que eu acho que é o Aché, para efetivar o enlace matrimonial.” (risos) Até hoje eu estou solteiro, mas na época se precisasse eu casava, apesar de ser um preço muito alto. (risos) Enfim, acabando esse dramalhão da contratação, eu estou na farmácia numa Segunda-feira, nove e meia da manhã, tocou o telefone, era o supervisor que me contratou: “A gente precisa marcar outra entrevista, mas é aqui em Bauru.” Onde era a sede. “O gerente quer conversar com você, mas é hoje, às duas horas da tarde.” Bauru está a 200 Kms de Sorocaba. “Mas eu estou aqui no trabalho, duas horas da tarde?” E ele falou: “Se eu fosse você, eu viria. Rogério, se vira, dá seus pulos, eu estou em tal número.” E um detalhe importante que eu esqueci de falar: 30 dias antes dessa ligação, eu estava lavando meu carro, o Voyage, a porta voltou e bateu na minha mão e quebrou esse dedo meu. E não fui no médico, só enfaixei. Passou uns 20 dias
e eu percebo que piorou, que não melhorava nunca. Depois que eu fui no médico e ele tirou radiografia, viu que quebrou e disse: “Você deveria ter vindo antes. Cartilagem não cola, ela cicatriza, e é um processo longo, tem que colocar um gesso aí.” Mas como é tendão, ele imobilizou até aqui o meu braço, por causa de um dedo. E eu estava trabalhando assim, como eu ia pegar a estrada com gesso? A camisa nem fechava. “O guarda vai me parar na estrada e eu vou levar uma multa”, eu pensei. Daí, cheguei em casa e disse para minha mãe que tinha que estar em Bauru às duas horas. Enchi o tanque de lavar roupa de água, pus o braço lá e deixei. Foi meia hora para tirar, arranquei o gesso, e fui. Errei o caminho, passei da cidade, eu nunca tinha ido para lá. Eu lembro que eu cheguei sem comer, cheguei lá cinco para as duas. Era uma casa, entrei na sede da filial, aí o supervisor me entrevistou e disse: “Espera que eu vou falar com o gerente, espera nessa salinha.” Ele estava fazendo o trabalho dele, e disse: “Olha, lê isso aqui.” Um negócio institucional lá. “Olha, preenche isso aqui.” Três e meia, eu sem comer, azul de fome, quase desmaiando e o cara nada. Aí o gerente apareceu para me entrevistar, me entrevistou, falou um monte e eu demorei para entender, porque ele queria ouvir de mim que eu queria trabalhar na empresa. Ele só dizia coisa negativa: “Então, você veio de longe, está terminando a faculdade, você podia arrumar coisa melhor, né?” Eu disse: “Se eu pudesse, já teria arrumado, estou há dez anos no ramo, é isso o que eu quero.” “Então, mas eu acho que o Aché não é uma boa casa para você. Imagina, reuniões todo o mês...” Eu falei: “Eu adoro reunião, vivo inventando reunião na farmácia, só para ter reunião lá.” “Mas você vai ter que dormir fora, trabalhar em outras cidades, deixar sua família.” “Ah, tranquilo. Eu acho bom ficar um pouco longe da família, para dar uma refrescada na cabeça.”
Aí depois de um tempo, ele disse: “Eu quero ouvir de você que você quer trabalhar no Aché.” Eu falei: “Eu quero, se eu não quisesse, eu viria aqui? Com um Voyage 83, a álcool, saí de Sorocaba às 11 horas para chegar aqui às duas horas da tarde? Deve estar esfumando o motor do meu carro lá embaixo.” Ele então me deu a mão e disse: “Parabéns, você faz parte da família Aché.” Eu fiquei parado olhando para a cara dele assim, e ele disse: “Você não vai dizer nada? Tem gente que chora, tem gente que grita, tem gente que ri.” “Eu vou esperar cair a ficha primeiro, depois eu vejo.” Eu só sei que saí de lá às cinco horas da tarde, quando enfim me contrataram. E ainda não foi o final do dia, eu fui embora e saindo de Bauru, fechou o tempo, escureceu, começou uma chuvinha, levinha. Daqui a pouco caiu o mundo, muito estranho, parece que a chuva estava me acompanhando, o caminho inteiro com chuva, sabe, aquela nuvem encima do carro. Cheguei na porta de casa e parou de chover. E na estrada, uns 100 quilômetros de lá para cá, o limpador não vencia. Aí parei num posto, porque eu não tinha comido ainda, desci do carro, cai um raio do meu lado, que tinha um poste de energia elétrica, caiu um raio e deu aquele estouro. Acaba a energia do posto, começou a pegar fogo no poste há 20 metros de mim, e acabou toda a energia do posto. E eu precisava por álcool e não dava, porque acabou a energia. E não abria a porta da conveniência porque era elétrica, o técnico teve que ir lá e eu não podia comer nada. Fiquei lá fora, na chuva, sem álcool e sem comer. Eu queria dar uma ligada para casa, o telefone também não funcionava, fiquei uma hora e meia no posto. Aí depois abriram a porta da conveniência, comi umas esfihas frias, a estufa não funcionou. Depois consegui ligar para minha mãe, ela ficou contente. Aí, a última tragédia do dia: eu consegui sair do posto, chovendo ainda, andei uns 50 metros, senti o carro pesado, parei. O pneu furado, o estepe murcho, fui até um posto mais próximo e troquei. No outro dia, fui na loja e comprei um carro melhor, porque tive a rescisão da farmácia. E outro detalhe: eu tinha que estar na sede de novo, em oito dias, com todos os documentos e carteira baixada. Cheguei à noite em Sorocaba. No outro dia eu fiz tudo o que pediram, fui na loja e comprei um carro, fiz em 36 vezes, meu carro valia dois e meio, peguei um Palio, que valia dez mil, financiei sete e meio, em 36 prestações de 300 e pouco. No outro dia eu estava com os documentos todos certinho. Aí, fui na farmácia e disse: “Vanderley, você falou que quando eu achasse coisa melhor eu podia falar para você. Eu achei, vou entrar no Aché.” Ele: “No Aché? Eu não sabia que ia ser tão rápido.” “Se eu contar a história você vai ver que não é tão rápido assim.” No outro dia eu não estava mais trabalhando. Dois dias depois, eu já estava fazendo curso no Aché.
P - E você foi trabalhar na região de Sorocaba?
R - No primeiro ano eu trabalhei só em Sorocaba. O Aché todo ano muda, mas eu trabalhei só na região central. Responsabilidade, né, porque Sorocaba sempre foi bem vista, eu ia pegar a vaga de um outro propagandista que tinha sido promovido para supervisor, ele teve um trabalho legal lá, então eu peguei a vaga dele.
P - A responsabilidade era maior ainda. E como é essa região de Sorocaba, descreve um pouquinho. Você viaja?
R- Primeiro eu trabalhei só em Sorocaba, depois peguei umas cidades próximas, São Roque, Ibiúna, Piedade. Outra coisa, parece outro país, a gente imagina o nordeste, o pessoal passando fome, comendo cactos, e aí você vê que há 50 quilômetros da sua casa tem uma coisa assim. Ou dentro de Sorocaba, nas regiões periféricas, nos postos de saúde, que eu comecei a trabalhar também, e uma região mais pobre, que muito tempo foi conhecido como circuito da fome. É triste, é outra realidade. Isso foi no segundo ano de Aché, quando eu mudei para esse setor e é daí que você começa valorizar mais o seu serviço e sua condição. Os postos mais bem atendidos tinham dois médicos, generalistas, que tratam desde criança até gestantes, ginecologia, 80 pessoas na porta, criança chorando, suja, cachorro no meio, e você com a pastinha para falar com o médico. Chega na porta para falar com o médico, porque não tem secretária, tem que ficar na porta, aí você chega na porta e o pessoal começa a reclamar que não vai passar na frente. Em Ibiúna, que era uma das cidades mais críticas de posto de saúde, o médico de lá super gente fina, ginecologista, eu peguei amizade com ele. Cheguei lá e o pessoal começou a me xingar, que eu não ia passar na frente. Aí você finge que não ouve, baixa a cabeça e tudo. Aí, eu sabia que a janela do consultório dava para o outro lado, e eu fui para o fundo. Olhei e o doutor me viu. Aí eu voltei na porta, ele saiu e falou: “Pô, vamos deixar o cara trabalhar aqui. Rogério, faz o favor, entra aqui.” E me recebeu. Eu deixei amostras com ele, aí me acompanhou e disse: “Obrigado, Rogério, quando precisar volta aqui, obrigado pelos medicamentos.” Isso foi um fato que marcou esse segundo ano, porque ele comprou uma briga minha e isso é difícil, foi o ícone desse segundo ano. Até hoje eu tenho amizade com esse médico, ele vai em Sorocaba e eu converso com ele. Tem um outro fato legal, que quando eu fui fazer o curso logo que eu entrei no Aché, eram duas semanas de curso, em Campinas, mas como eu tive que voltar para Sorocaba e dar baixa na carteira, eu comecei o curso depois do pessoal. Então fiquei hospedado nesse hotel, cheguei, as amizades estavam formadas, mas eu tive sorte dessa vez, cheguei lá e falei: “Rogério, do Aché.” “Mas o pessoal do Aché já veio.” “Eu sei, mas me contrataram depois.” “Olha, Rogério, não consta nada para você aqui, não.” Eu disse: “Olha direito, por favor, não é possível.” “Não, não consta vaga para Rogério, não.” É que eu cheguei de dia e os caras estavam no Aché, que é em outro lugar em Campinas, é em Souzas, um lugar próximo. Aí ligou para o Aché, foi uma meia hora de canseira, o gerente esqueceu de passar o meu nome por fax. Aí não tinha mais quarto para mim, que era o quarto stander, de dois. Então fiquei numa suíte presidencial sozinho, fizeram o mesmo preço. Só o meu tinha banheira. Aí, aquelas brincadeiras, porque estava todo mundo começando. Mas tinha gente que passava mal, não agüentava, todo dia prova, estudar, a pressão era muito grande. Tem uma diferença muito grande para a gente que estudou farmácia e o pessoal que saiu do Banco para trabalhar ali, que nunca tinha ouvido falar em algumas coisas, em inflamação. Para mim, beleza, eu dava uma olhada no produto e já sabia do que se tratava, e o pessoal se desesperava. Mas daí, conforme foi passando os dias a gente foi se descontraindo e então começaram as brincadeiras. Aí um dia, como eu estava num quarto presidencial, o pessoal pedia para acordar a gente cedo, para a gente estudar. Às seis horas ligavam: “Despertar.” Acordava, estudava um pouco e ia para o curso. Eu não levantei nenhum dia mais cedo para estudar. Num dos dias eu estava sonhando, o telefone tocou, tocou, aí começou a misturar sonho com realidade, pus a mão no telefone, eram quatro horas da manhã. Aí tocou, e a mulher: “Despertar.” E eu: “O quê?” “Despertar.” E eu falei: “Mas há um engano, eu não pedi para despertar.” “Está aqui, Rogério, quarto 204, despertar.” Eu falei: “Ah, tá, obrigado.” E pensei comigo: “Ah, os caras me acordaram.” Aí liguei no 205, e falei: “Despertar.” Uma voz: “O quê? Que despertar?” “Está aqui, quarto 205, despertar.” E dando risada. E ele começou a dizer palavrões. “Ah, olha amigo, então me desculpe, mas está constando aqui, vou procurar o responsável.” Eu tinha ligado no apartamento errado, acordei um outro cara. (risos) No outro dia fui tomar café, e o pessoal me perguntando: “Ah, e aí? Acordou bem?” Aí
quis contar o que tinha acontecido, e tinha um cara atrás de mim tomando café e contando: “Pô, mas isso aqui é uma espelunca, me ligaram quatro horas da manhã para me acordar” Eu fiquei quieto, não, depois eu conto, então. (risos) Pô, o cara atrás de mim, imagina se eu conto?
P - Como você estudou farmácia, você disse que tinha familiaridade com remédio. Mas houve alguma campanha que te marcou mais, que você criou algo para facilitar o convencimento do médico, em relação a algum produto?
R - Cada um tem seu estilo, como eu sou bem falante, eu procuro meio que conquistar pela simpatia ou coisa que se pareça com isso. Procuro pegar pelo lado humano, emocional, não demonstrar a princípio que eu quero vender. Primeiro eu quero conquistar a pessoa, a amizade, para que posteriormente a promoção da marca passe a ser uma coisa natural. Eu não mudo o tom da conversa entre o cumprimento do médico, de quando eu chego, e depois para vender o produto. Eu procuro ser mais natural, e mostrar um pouco do conhecimento que eu tenho. É bom deixar claro, depois dessa questão informal do cumprimento, da mesma forma informal, você mostrar para ele o que está fazendo ali. Brincando, na simpatia e tal, mas mostrar para ele que o produto está ali e que se ele não prescrever, o mês que vem eu posso não estar ali. E demonstrar conhecimento, demonstrar segurança, mesmo com a brincadeira, ou senão acabam montando em você, essa que é a verdade.
P - E você acha que essa maneira de chegar junto ao médico é o diferencial do Aché?
R - Sim. Engraçado, é que isso não é passado para a gente: “Olha, seja assim na frente do médico que você vai ter melhores resultados.” Mas desde que você entra, a ficha que você preenche quando entra no Aché, o curso que você faz, mas principalmente a convivência com os colegas do Aché, meio que catequizam você para isso. Em relação a outras multinacionais, esse subsídio para trabalhar, parece que o nome tem mais peso para os profissionais de outras empresas. “Eu trabalho na empresa ‘X’, ela é suíça.” “Eu trabalho em tal empresa, é americana.” Falavam com desdém para a gente, antigamente. Hoje não, porque com a crise geral que o comércio internacional está passando, ninguém está mais em condição de elite. Mas falavam sério e com desdém: “Ai que chato, na semana que vem eu vou para um Congresso em Salvador, uma semana. E o duro é que é das sete da manhã às duas da tarde.” Para você pensar: “Pô, então das três até a noite você está livre e eu tenho reunião em Bauru.” E era o dia inteiro. Hoje isso acabou, antes eles achavam que pela empresa ter um nome em inglês, isso significava alguma coisa. E a gente, que tinha acabado de entrar, pensava a mesma coisa. Porque a gente via na televisão a propaganda da Rhodia e que a Rhodia tinha uma linha de vários produtos diferentes, produto químico, medicamento, combustível, tapete, etc. Chicletes Addams, a empresa faz medicamento, chiclete etc. E no Aché só medicamento, aquela coisa pequena. Só que eu também sabia que na hora de vender, o que saia era Aché. Olha, uma farmácia qualquer, tem Aché. Então a gente foi se catequizando, que não tinha que ligar para o médico e dizer que era uma empresa francesa. Não, é brasileira. E com o tempo a gente foi com simpatia, com a qualidade dos produtos, que isso tem, não é preciso falar. E a simpatia é uma coisa natural. Eu não conheço um cara do Aché que não se enquadre nesse perfil.
P - E como é a convivência dos representantes, vocês se encontram quantas vezes por semana, o que vocês fazem?
R - Eu acho que a gente podia fazer mais reuniões. A gente se encontra pouco, até pela diferença de idade, eu acho que sou o único solteiro de Sorocaba, agora tem mais um mas que veio de outro setor. São todos casados, a maioria tem filhos, então não é a mesma coisa, os assuntos não são os mesmos, apesar de que duas vezes por ano a gente tem um churrasquinho. Agora, almoçar no dia-a-dia, pelo menos com dois a gente está junto todo dia, então conversa, dá risada, reclama e fala bem de outras coisas como todo mundo. Mas de convívio extra pasta de propaganda é pouco, não só o Aché mas em outras empresas também. Em trabalho sempre tem as máscaras, mas o pouco que tem de amizade eu posso garantir que é autêntico, mas é assim uma hora para comer. Todo mundo já passou por um monte de coisas e sabe que ninguém é melhor que ninguém, por isso a convivência se torna naturalmente legal.
P - E o que você achou de contar a sua história?
R - Eu achei legal, nunca tinha feito isso. Parabéns, vocês me deixaram bastante à vontade. Essas histórias simples que eu contei, pouquíssimas pessoas sabem. Sentar e relembrar assim, ninguém sabe que furou o pneu do meu carro quando eu voltei da entrevista e tudo. Ninguém imagina. Foi uma experiência legal e eu não imaginava que o meu depoimento fosse levar tanto tempo.
P - Parabéns, muito bacana seu depoimento. Muito obrigada.
R - Obrigado a você.Recolher