Depoente: Gino Orlando
Entrevistado por: Marina e Rodrigo
São Paulo, 02 de dezembro
Entrevista nº 014
Revisado por: Felipe Rocha
P - Você poderia se apresentar Gino, falar onde você nasceu, qual o nome dos seus pais, contar um pouco da sua infância pra gente?
R - Pois não, o meu nome é Gino Orlando, meus pais são Nicola Orlando e Teresa Ciarlarillo. Nasci no Brás, com um ano de idade fui para a Vila Pompéia, onde residi muito tempo. Casei, fui para o Bairro da Lapa, com Emília de Freitas Orlando, onde, felizmente, eu tenho dois filhos, um é Mauro Orlando e outro é Gino Orlando Jr. Estou casado há 38 anos, e felizmente até hoje muito bem.
P - Gino, os seus pais, ele faziam o quê, quando você era garoto?
R - Meu pai era marceneiro de primeira linha. Digo de primeira linha, podia dizer o filho falando do pai, mas eu tenho orgulho em falar isso porque o meu pai era um marceneiro de primeira linha. Trabalhava nas Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, na qual eu também participei como empregado, minha esposa também e de lá ele passou a administrar o prédio do Matarazzo, onde infelizmente ele faleceu. Trabalhou lá muitos anos, aí eu perdi meu pai, fiquei com minha mãe e depois, com o decorrer do tempo, também perdi minha mãe, e nós ficamos em cinco irmãos: três mulheres e dois homens, e começamos uma vida nova.
P - Você começou a trabalhar muito cedo, Gino.
R - Eu sempre trabalhei, sempre, desde garoto. Eu era contínuo das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, e passei a pagador da indústria, então levei uma vida assim progressa. Graças a Deus, tudo dando certo, e de lá eu comecei a minha vida no futebol. Saí de lá, o Junqueira, antigo zagueiro do Palestra Itália na época, me convidou. Jogava na Associacão Atlética Matarazzo, entrei lá como amador em 48, e lá fiz minha carreira até 50 no Palmeiras, depois fui, s...Continuar leitura
Projeto: História em Multimídia do São Paulo Futebol Clube
Depoente: Gino Orlando
Entrevistado por: Marina e Rodrigo
São Paulo, 02 de dezembro
Entrevista nº 014
Revisado por: Felipe Rocha
P - Você poderia se apresentar Gino, falar onde você nasceu, qual o nome dos seus pais, contar um pouco da sua infância pra gente?
R - Pois não, o meu nome é Gino Orlando, meus pais são Nicola Orlando e Teresa Ciarlarillo.
Nasci no Brás, com um ano de idade fui para a Vila Pompéia, onde residi muito tempo.
Casei, fui para o Bairro da Lapa, com Emília de Freitas Orlando, onde, felizmente, eu tenho dois filhos, um é Mauro Orlando e outro é Gino Orlando Jr.
Estou casado há 38 anos, e felizmente até hoje muito bem.
P - Gino, os seus pais, ele faziam o quê, quando você era garoto?
R - Meu pai era marceneiro de primeira linha.
Digo de primeira linha, podia dizer o filho falando do pai, mas eu tenho orgulho em falar isso porque o meu pai era um marceneiro de primeira linha.
Trabalhava nas Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, na qual eu também participei como empregado, minha esposa também e de lá ele passou a administrar o prédio do Matarazzo, onde infelizmente ele faleceu.
Trabalhou lá muitos anos, aí eu perdi meu pai, fiquei com minha mãe e depois, com o decorrer do tempo, também perdi minha mãe, e nós ficamos em cinco irmãos: três mulheres e dois homens, e começamos uma vida nova.
P - Você começou a trabalhar muito cedo, Gino.
R - Eu sempre trabalhei, sempre, desde garoto.
Eu era contínuo das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, e passei a pagador da indústria, então levei uma vida assim progressa.
Graças a Deus, tudo dando certo, e de lá eu comecei a minha vida no futebol.
Saí de lá, o Junqueira, antigo zagueiro do Palestra Itália na época, me convidou.
Jogava na Associacão Atlética Matarazzo, entrei lá como amador em 48, e lá fiz minha carreira até 50 no Palmeiras, depois fui, sucessivamente, mudando de clubes.
P - Mas antes de você entrar no amador do Palmeiras, Gino, quer dizer, no tempo que você trabalhava, era muito difícil essa vida? Fala um pouco mais dela.
Dava tempo de você brincar ou era muita responsabilidade?
R- A vida era cômoda enquanto eu tinha meus pais vivos.
Você sabe que antigamente não era tão fácil, e eu perdi meu pai e aí já dificultou.
Perdemos o dono da casa, o que mandava.
A vida mudou completamente, vivemos um pouco sacrificados, larguei dos estudos, não pude estudar mais.
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Eu tenho o ginásio incompleto, precisava trabalhar pra poder ajudar o pessoal em casa.
Nós éramos cinco irmãos, nos reunimos, e vamos trabalhar, vamos lutar, o velho morreu e precisamos dar continuidade na vida.
Vida difícil, muito difícil, mas felizmente todos nós tivemos sorte.
Nós procuramos a sorte e trabalhamos muito, eu viajei pro interior também.
Não olhávamos tempo, não olhávamos nada, e precisávamos trabalhar.
Felizmente Deus nos deu saúde e demos continuidade à vida.
P - Você tinha tempo de fazer alguma outra coisa, Gino, além do trabalho, dessa correria, da responsabilidade para com a família?
R - Não, não.
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Somente trabalhava.
Quando eu trabalhava no Matarazzo, eu entrava lá ás oito e saía às seis da tarde, então me impedia de fazer qualquer outra coisa.
P- Mas, e o futebol, não tinha tempinho pra ele?
R - O futebol, eu fiz de tudo, só não vendi barbatana.
Eu trabalhava.
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Eu treinava de manhã, nós treinávamos um período só, e à tarde eu sempre fazia qualquer coisa.
Ou vendia cadeira cativa do próprio São Paulo pra angariar um pouco mais de dinheiro.
Foi uma luta dificílima, mas eu estou gratificado com tudo isso.
Hoje, graças a Deus, eu estou um pouco mais tranquilo.
P - Fale então da sua ida para o Palmeiras, não é Gino? Inclusive o são-paulino Gino foi começar no Palmeiras, não é? Conta um pouco dessa história.
R - Não, aí tem uma história interessante.
Claro que à época eu era palmeirense, porque tios, tias, primos, inclusive meus pais quando vivos eram do Palestra Itália, eu sou descendente de italiano, e aí aquele que fosse descendente de italiano e torcesse pra outro clube, não admitiam.
Hoje não existe mais isso, mas com o decorrer do tempo.
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Eu estou rindo porque me faz lembrar tanta coisa, e passei para o São Paulo, e jogando São Paulo contra o Palmeiras, você sabe que eu estou automaticamente lutando contra a família.
Eu já não tinha mais meu pai e ele eu acho que nunca ia admitir, mas eu tinha que discutir com parente: tios, tias, primos principalmente.
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Que eu tenho um primo que é conselheiro vitalício do Palmeiras, o nome dele é Waldemar Marchetti, brigava comigo, e eu dava sorte quando o Palmeiras, a maior parte das vezes que fizemos esse clássico eu tinha a sorte de fazer um gol, no mínimo um gol! Então era uma briga com a família.
P - Quando você começou no amador do Palmeiras, Gino, você já jogava com a camisa nove?
R - Sempre joguei com a nove.
P - Você sabe dizer onde você descobriu essa vocação para o gol?
R - Eu vou dizer com toda sinceridade, eu nunca pensei em jogar futebol, nunca pensei em ser um profissional.
Eu adorava outro esporte, eu adorava o basquete.
Sempre tive uma estatura mais ou menos elevada e eu achava que era melhor pra mim o basquete, mas o destino quis que eu fosse pro futebol, porque eu tenho um grande amigo até hoje, chama-se Dino Sani.
Nós nos conhecemos desde criança.
Éramos vizinhos no bairro da Vila Pompéia, perto do Parque Antártica.
E minha vida sempre foi essa, não tem jeito.
Segui no futebol, ele passou no Palmeiras, falou com o Junqueira, Junqueira foi lá me levou também e dei sequência à minha carreira no futebol.
P - Você jogou no Palmeiras até quando?
R - Eu joguei de 48 a 50.
Joguei de amador, aspirante, profissional, depois eles me emprestaram ao XV de Jaú.
Em 51.
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Fomos em cinco jogadores parece-me: Gerson, Passadore, Lourenço, o goleiro, fui eu, o Dino, fomos em quatro ou cinco pra ver se reforçaríamos o XV de Jaú na época que estava disputando a segunda divisão, pra ver se vinha pra primeira.
Fomos felizes também nisso, colaboramos, fomos campeões, voltei ao Palmeiras.
O Palmeiras por si tinha um plantel elevado, me vendeu para o Comercial da Capital, hoje não existe mais.
Fiquei onze meses, um ano.
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Aí o São Paulo me contratou.
P - E como foi a chegada ao São Paulo? Qual foi a sensação que você teve na primeira vez que vestiu aquela camisa tricolor?
R - Bom, quando eu fui contratado.
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Nós estávamos fazendo um jogo, o Comercial, aí em Santo André, com um clube de Santo André.
Um dia chuvoso, um dia feio, mas eu tive uma notícia formidável.
Nós estávamos jogando, terminou o jogo, a diretoria do São Paulo estava presente me chamou de lado junto com o capitão Bernardine Cola, presidente do Comercial: Gino, você quer ir pro São Paulo? Vou, mas levei um susto, fiquei meio.
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Eu vou.
Aí no dia seguinte estive na sede do Comercial na Praça Clóvis Bevilacqua com mais dois diretores do São Paulo, acertamos detalhes e me levaram pra Avenida Ipiranga, lá com o seu Feola, Vicente Ítalo Feola, e acertei o primeiro contrato com o São Paulo.
Aí fiquei onze anos.
Saí de lá fui pra Portuguesa.
Esperava não jogar mais futebol, saí do São Paulo, por exemplo, e falei pra minha esposa: acabou o futebol pra mim, não jogo mais.
À noite do mesmo dia que eu tinha saído do São Paulo, recebo um telefonema da Portuguesa de Desportos, Sr.
Otto Glória, querendo que eu participasse um ano na Portuguesa.
Falei, “ô Otto”, eu não queria acreditar que era o Otto, porque se eu falei que tinha largado futebol.
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Falei: “eu não estou acreditando”.
Ele mandou uma perua da Portuguesa de Desportos me buscar em casa, me levou pra Portuguesa.
Acabei ficando na Portuguesa um ano, um ano e pouco.
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Viajei pra Europa, fiquei noventa dias com eles lá, foi gostoso inclusive, fui dar um passeio enorme, é a vida da gente.
Voltei, falei: “parei”.
Então passei na fiscalização de uma autarquia federal do Instituto Brasileiro do Café, fiquei lá cinco anos.
Mas nesse intervalo até o Instituto Brasileiro do Café, eu participei nove meses mais ou menos do Juventus.
Eu falei ao diretor do Juventus: “olha, não dá, eu já trabalho”, ele falou “não, você vem aqui, treina um pouquinho e joga”; “Mas é fim de carreira”, eu falei, “parei, não quero mais, não”.
Fiquei um ano no Juventus.
E essa foi minha vida.
Quando completei cinco anos no Instituto Brasileiro do Café, que eu tirei a minha quinta férias no IBC, Manoel Raymundo Paes de Almeida me fez um convite, pra ir até o escritório dele.
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Lá eu fui, adoro esse homem! Pra mim foi um pai, e sempre me aconselhando, como já não tinha meu pai, esse homem foi um exemplo e eu seguia tudo que ele falava, porque vinha de coisas boas.
Aí ele me convidou pra ir pro São Paulo, voltar no São Paulo, que lá precisava de um homem pra tomar conta do Estádio.
Eu não entendia absolutamente nada, eu era zero, zero.
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Zero à esquerda, não entendia absolutamente nada, sempre joguei futebol.
E ele falou assim: “mas você vai pra lá, e o mês de férias do Instituto Brasileiro do Café?”.
Fiquei lá, eu sempre fui um curioso queria ver, falei: “Meu Deus, o que eu faço aqui?”.
Não sei, andava com um caderninho, com um lápis anotando, lendo, conclusão.
Fiquei gostando da coisa porque eu estava voltando ao futebol ao mesmo tempo.
Estou lá até hoje.
São 25 anos.
Essa é a vida da gente mesmo.
P - Vamos falar um pouco mais daqueles onze anos que você vestiu a camiseta nove do São Paulo, inclusive você foi o segundo artilheiro, não é? De toda a história do São Paulo.
Você tem.
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Quantos gols fez?
R - Segundo informações de um ex-funcionário do São Paulo, hoje falecido também, fez uma pesquisa consultando todo.
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Toda essa parte da Federação dá 235 gols do São Paulo, sendo que eu passei a ser o segundo, que o Serginho parece-me que tem 242 gols.
P - E você se lembra de algum gol em especial?
R - Era mais em clássico.
A gente quando joga futebol num clássico assim, todos os gols que a gente tinha a felicidade de fazer, todos eles eram de grande repercussão, porque se tratava de dois times grandes.
Citar um assim é difícil.
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Se for pra citar, no caso citar um gol que me lembro que me satisfaz da coisa, foi um lance que eu tive uma sorte tremenda, foi no jogo da Seleção Brasileira, em 1956, no Estádio do Jamor, jogando contra a Seleção Portuguesa, eu fui feliz e fiz um gol de bicicleta, isso marca pra mim.
P - Como é que foi o lance?
R - O lance foi um mini-escanteio, falei pro Canhoteiro, que era o ponta-esquerda, ficou um português na frente da bola, e das medidas oficiais, na frente, pra fazer um tipo de barreira, eu pedi ao Canhoteiro que não centrasse, porque o jogador europeu solta muito, choca muito.
Dificilmente você faz um gol de cabeça.
Então eu pedi que ele jogasse a bola no chão forte.
E eu fui feliz, porque eu estava de frente pro gol, ele bateu, bateu na perna do português, ela fez uma parábola, ela veio por trás de mim, eu só tive o trabalho de virar o corpo e tentar, em último recurso, dar uma bicicleta.
Fui felicíssimo.
Peguei bem, fiz o gol só vim ter a repercussão desse gol quando voltei ao Brasil, porque lá éramos nós, os jogadores, mais a comissão técnica, contra um país: Portugal.
Então não tinha aquela coisa, ninguém vai falar bonito do negócio, se eles perderam.
Agora, quando chegamos ao Brasil, toda a abertura de programas esportivos, dava a narração do gol de bicicleta, aí é que eu senti aquela emoção da coisa.
P - Jogando pela Seleção, não é? Você quase chegou a jogar na Copa de 58 na Suécia, não é?
R - Eu estive, sabia que era uma parada dificílima.
Tínhamos como centroavante Vavá, que tinha feito um campeonato maravilhoso no Rio, e nós tínhamos o Mazola aqui em São Paulo, que também fez um campeonato maravilhoso, foi até artilheiro.
Nesse ano eu fui convocado, eu falei: “bom, vamos brigar, já que estamos vamos brigar”.
Nós dávamos muito, haja vista que quando nós estávamos em Poços de Caldas, nós ficamos no Country Clube, todos a pé.
Na volta eles voltaram de carro, mas nós não vínhamos de carro, eu, Mazola e Vavá vínhamos na resistência, nos dávamos muito bem.
Agora, no campo era briga pela posição.
Quando.
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Tivemos três cortes, passei pelo primeiro, passei pelo segundo e o terceiro foi feito no Pacaembu na véspera do embarque.
Aí que foi a choradeira.
Nós tínhamos cinco elementos ainda pra cortar, quando chegou ao terceiro, deu o meu, quer dizer, é um choque.
Não que você tenha que desprezar, tem que ir um número limitado, claro, tem que cortar como foi cortado.
Poderia ter sido cortado eu, como um colega meu.
Mas o Brasil foi muito bem servido, foi Mazola e Vavá, haja vista que fizeram muitos gols.
Fui esperá-los na volta, no aeroporto de Congonhas.
Eles me viram lá, naquela multidão, me puxaram pra cima do carro de bombeiros e vim com eles, torcendo pro Brasil, é claro.
Senti de não poder ter ido, eu gostaria de estar lá, mas é impossível, tem que ir um número limitado e eu fui cortado.
Isso é duro, foi um choque meio.
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Mas a vida é isso mesmo.
P - Foi uma frustração? Você considera assim?
R - Não, eu sou uma pessoa muito controlada.
Não vamos dizer que na primeira semana, nos primeiros 15 dias, dizer: “não tudo bem”, não estava tudo bem não.
Você sente, é uma pancada que você recebe.
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Você lutando tudo.
Agora, vamos culpar os homens que cortaram? Absolutamente, pois foram dois centroavantes tecnicamente melhores do que eu, porque eu nunca fui um jogador técnico, eu dependia muito era de físico, me cuidava muito, sabia que ia enfrentar dois jogadores, tecnicamente, superiores a mim.
Já que fui convocado, eu não quero fazer feio, vou lutar.
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Se for cortado.
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Mas o corte é triste.
Então chorava.
Aqueles que iam viajar e aqueles que ficaram.
Então, era um tal de abraçar, chorar, é um desabafo normal.
É a vida.
P - Por outro lado nesses anos vieram títulos, não é? Lembra um pouco dos campeonatos que você conquistou pelo São Paulo em 53, em 57.
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Como é que foram aquelas campanhas?
R – Cinquenta e três foi muito mais fácil.
Nós tínhamos uma equipe muito boa, mesclada, mesclada no sentido de técnica e garra.
Nós tínhamos jogadores fabulosos como o Mauro Ramos de Oliveira, nós tínhamos o Negri, meio-esquerda argentino, nós tínhamos Albella, nós tínhamos De Sordi, nós tínhamos Bauer, quer dizer, tinha Maurinho na frente, que era mais garra, tinha eu, Victor.
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Não, Victor já não jogava.
Então era um time mesclado.
A classe com a vontade, aquela garra toda.
O time era Poy, De Sordi e Mauro, jogava Pé de Valsa, Bauer e Alfredo, você vê que defesa fabulosa! Depois jogava Amauri, jogava Albella, Argentino, eu, Negri e Argentino e Teixeirinha.
Já em.
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Aí fomos campeões com seis pontos de vantagem.
Quando fizemos a última partida contra o Palmeiras, já éramos campeões, quer dizer, vencemos também por um a zero essa partida.
Já em 57 foi dificílimo porque nós e o Corinthians, uma campanha idêntica, chegamos ao final, tínhamos que decidir no Pacaembu.
O time era Poy, De Sordi e Mauro.
Era Dino, Victor e Heriberto, Maurinho, Amauri, eu, Zizinho e Canhoteiro.
Nós.
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No primeiro tempo estava zero a zero, indefinido ainda, aquele nervosismo de ambas as partes, pulelêco (?) impaciente, nervoso, aí saiu o primeiro e o segundo gol nosso, eu acho que em doze minutos fizemos os dois gols.
Nós estávamos sendo dominados amplamente pelo Corinthians no segundo tempo e não conseguimos fazer gol, e eles estavam perdendo de dois a zero, fizeram um gol.
Gol do Rafael, hoje também infelizmente falecido, fez o gol de uma partida dificílima.
No final o Maurinho fez o terceiro e saiu aquela confusão toda, onde teve muitos feridos, que o pessoal arremessava garrafa lá de cima, com o intuito de jogar no bandeirinha, não alcançava, pegava no espectador, porque quem jogava de cima não alcançava no campo, pegava no pessoal de baixo e houve muitos feridos.
Futebol tem disso também.
P - Gino, nesse tempo você era ídolo da torcida, não é? Você tava na rua as pessoas vinham atrás, queriam conversar com o artilheiro do São Paulo.
Conta um pouco disso, do relacionamento.
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R - Eu nunca me liguei em nada, eu sempre.
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Que eu também vinha desse sacrifício todo, como eu já falei anteriormente.
Não é justo que eu na rua, que agora que a gente tava numa posição um pouquinho melhor.
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Não é justo um cidadão ou uma moça, ou rapazinho chegar e querer falar de futebol.
Eu parava, porque quantas vezes, porque a gente depende do público, quantas vezes muita gente deixou de comer pra pegar aquele dinheirinho e assistir o futebol.
Hoje você vai pôr de lado? Não.
Eu penso dessa forma até hoje.
Não posso admitir um jogador de futebol profissional chegar e negar qualquer.
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Eu vou bater um papo com alguém.
Porque quem paga eles? É o público.
Então era tão gostoso.
Eu frequentava muito a Praça Patriarca, Rua da Quitanda, aqueles lados todos.
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Barão de Itapetininga, parava, dava autógrafo.
É gostoso, é uma satisfação de você ter oportunidade de chegar ao povo, aquele que vai ao campo torcer.
Não era só são-paulino, vinha corintiano, vinha palmeirense, enfim, é uma satisfação.
Nós íamos tomar café juntos, ele ficava agradecido, eu ficava contente, ele mais ainda.
Eu nunca me neguei a isso não.
Essa é a coisa mais deliciosa que tem, é o contato com o público.
Até hoje meu cerco de amizades, graças a Deus, e é muito grande, pelo gênio que eu tenho.
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Pra mim não escolho raça, não escolho nada, pra mim são todos iguais.
Eu trato todos da mesma maneira, da mesma forma.
Eu acho que é um direito de todos.
Sinto-me bem com isso.
P - O senhor também ficou muito conhecido como um jogador, um companheiro muito brincalhão, que não perdia uma chance de fazer uma piada com os colegas no vestiário, na concentração.
Conta um pouco dessas histórias, Gino.
R - Não é história.
Eu nunca fui.
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Quem me via no campo, dizia, aquele é um cafajeste, aquele é um briguento, aquele não sabe perder.
Não sei, até hoje não sei perder, mas era o meu tipo de jogo, não era maldoso não, nada.
Agora, quem me via na concentração ia dizer: “bom esse é outro Gino, não é possível ser o mesmo”.
Na concentração eu era.
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Considero-me insuportável.
Eu não podia ver ninguém quieto, eu tinha que inventar qualquer coisa, eu tinha que brincar.
No avião, eu era a pessoa indesejada.
Entrava a delegação do São Paulo no avião, eu sentava e ninguém sentava do meu lado, ninguém! Um tinha que sentar.
Quem sentava do meu lado? Geralmente o primeiro que fazia a primeira viagem de avião punham junto comigo.
Então, eu falava, fique tranquilo, então ele ficava já meio receoso.
Os colegas: “você está perdido fulano, você foi sentar aí”; eu falei: “não, você fique tranquilo”.
Já quando mandavam não aprontar porque nós íamos sair, tem que pôr ali o banco vertical, numa posição, o cinto, e o rapaz ia encontrando dificuldade, eu dava toda aquela colher de chá.
E depois durante a viagem é que eu fazia as brincadeiras, às vezes brincadeiras que não podiam ser feitas, um rapaz que tava fazendo a primeira viagem, inexperiente.
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E a gente tirava proveito disso, mas tudo por uma diversão, uma brincadeira, eu era insuportável.
Na concentração, chegava perto do Gino.
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Agora, no campo, já é diferente.
P - Conta um pouco das brincadeiras de concentração de avião.
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Lembra alguma história?
R - Mas tem umas coisas meio bravas.
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Olha, com licença da palavra, eu.
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Não vou citar o nome da pessoa, nós estávamos no avião, veja o que eu fui pensar e o que eu fui fazer dentro do avião.
Têm os bancos da frente, eu tava no banco de trás, e pelo vão de uma poltrona e outra, eu visualizava meu colega.
Esse, era um rapaz que não podia ver ninguém se sentir mal que ele também vomitava.
Na hora do almoço, olha o que eu fui pensar.
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Não pode pensar, hoje eu não faço uma coisa dessas, nunca! Peguei o saquinho, que fica atrás da poltrona, e peguei uns pedacinhos de franco e joguei dentro do saquinho.
Vê se isso é coisa que se faça.
Eu falei pro colega do lado, eu vou fazer de conta que estou me sentindo mal, que eu estou vomitando, ele vai me ver com o saquinho na boca.
E comecei aquele negócio todo.
E olhava pelo vão da poltrona.
E já senti que ele engolia grosso, ele se sentia mal.
Pô, logo depois do almoço.
E eu fui fazendo isso diversas vezes, fazendo aquele barulho todo como se tivesse mal.
Falei pro colega do lado: “Diga vá ao banheiro, fala alto, vá ao banheiro”.
Então ele começou: “Vá ao banheiro, vá ao banheiro rapaz”.
Eu levantei, quando cheguei às costas dele aqui, eu fiz aquele sinal, aquele barulho todo e despejei aquele pouquinho de frango aqui nele, pô.
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Coitado, ele deu uma golfada, se sentiu mal a viagem toda.
Você vê, são coisas assim.
Eu brincava assim.
Não deixava ninguém dormir.
Se estava com a boca aberta, punha um cigarro apagado na boca dele, uma coisa no ouvido, no nariz.
Aí, eu fiz numa viagem, eu falei pro colega: “olha, eu vou ficar quieto, vou pôr o travesseirinho no meu rosto, e você fala que eu estou dormindo pra eles tirarem proveito da coisa, mas eu estou acordado”.
E eu fiquei quietinho, e o avião foi, foi meu colega dizia: “vai lá, o Gino está dormindo, está com a boca aberta”.
Mas eu estava acordado.
Então eles diziam assim: “Não, não, não.
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fica quieto, essa fera dormindo, todo mundo dorme”.
Mas eu não tava dormindo.
Aí, quando foram se apagando as luzinhas, porque tem a luz central, apagou, tem as individuais que alguém lê, alguma coisa, foram apagando, eu tinha uma paciência terrível.
Quando apagou tudo, eu tava com os dois pés no solo do avião, sempre dá aquele impacto, “Tum!”.
Aí acendia uma luzinha aqui, lá, outra, começavam a olhar pra trás, eu punha o travesseirinho lá.
Um.
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Agora me pegaram em flagrante, eu apanhei dentro do avião.
É as brincadeiras.
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Tinha que ter alguém pra brincar por que.
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Agora tem uma coisa, brincadeira até certo ponto.
Em excursão por exemplo, em excursão.
Nós tínhamos o roteiro primeiro, nós sabíamos o hotel, o país que nós íamos e o hotel.
Então, fazia uma previsão, eu fazia em casa.
Você não me escreve pro primeiro, você escreve já pro segundo ou pro terceiro, porque era uma sequência, jogava aqui.
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Então, a gente chegava na recepção do hotel e perguntava: “Carta brasileira, tem?”; “Tem”.
Então mostrava só aquelas coisas bonitas, verde, amarelo.
E, contente aquela que recebia, triste aquele que não recebia.
Eu tinha duas, três cartas, pegava, ficava contente.
Aí, aquele lá chateado: “Quando eu chegar em casa, minha mulher vai me ouvir”; “Não fica nervoso, que isso? Você precisa ver lá como é que está, se a preocupação em casa.
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Mas não fique nervoso, eu te empresto uma carta minha, quando chegar as suas pra você, você dá uma pra mim!”.
Pô, o que eu ouvia (risos).
Ia da brincadeira até o décimo segundo dia.
Era o começo da excursão, tudo bem.
No décimo terceiro, décimo quinto dia, muito cuidado com brincadeira, senão brigava.
Eu via um preocupado em cada.
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Não sei se hoje pensam dessa forma, mas ficávamos muito preocupados.
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Demais.
Então, você tinha que maneirar com as brincadeiras.
E eu não parava.
Eu saía brincando e voltava brincando.
Não adianta.
Você está fora, você está lá na Colômbia, por exemplo, tá na Colômbia.
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Adianta você ficar chateado? Pensa que é pegar um ônibus e voltar? Não é, pô, tem que aguentar, mas a turma não pensava assim não, pô minha família, abria aquele quadro, beijava a esposa, beijava o filho.
Eu olhava.
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Pô, não é esquecer.
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Escreve, manda uma carta pra lá e tal.
Tinha gente que chorava.
Não pode ser assim.
Você está longe mesmo.
A mulher sabe que a vida da gente era isso mesmo.
Mas tem de gente.
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Então, as brincadeiras precisam maneirar.
P - Era muito tempo que vocês passavam longe da família?
R – Muito.
Quarenta.
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Quarenta e cinco dias.
Eu casei e quinze dias depois, eu fiquei trinta e cinco, quase quarenta dias fora.
Não tem disso de levar a esposa não.
P - Como que foi seu casamento, Gino? Como que você conheceu sua esposa? Conta um pouquinho.
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R - Eu só tinha que casar com ela, mesmo porque eu trabalhava na Matarazzo, ela trabalhava.
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Eu falo que ela me perseguia muito, não é possível! Nós trabalhávamos juntos, voltávamos juntos, para o almoço, voltávamos ao serviço juntos, íamos, jantávamos juntos ela ia pra casa dela eu ia pra minha, depois da janta nós íamos juntos pra escola.
No fim, até hoje.
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Esse foi meu casamento.
Era o destino, nós íamos e voltávamos junto, o dia inteiro até a noite.
Graças a Deus, estou muito bem casado, uma mulher sensacional, colaborou comigo, porque mulher de jogador de futebol que não colabora está perdida.
Sempre colaborou comigo, até a data de hoje.
Leva uma vida como se eu fosse jogador de futebol.
As atividades são em finais de semana, eu estou.
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Em vez de levar a minha mulher para passear, não consigo, tenho que trabalhar, é sábado, é domingo.
Principalmente agora esse final de campeonato, a cada três dias, cada dois dias um jogo.
Então, a gente não dá uma assistência como deveria dar.
Então, até falei, Meu Deus, já são dez anos e meio que eu sou aposentado, está na hora de largar e ficar um pouco mais com a família, pra aproveitar um pouco mais enquanto estou com saúde.
É duro.
P - Mas parece que é difícil deixar o futebol, não é Gino? Quando você disse que ia parar com o São Paulo, veio logo o convite pra jogar na Portuguesa.
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R - É, o jogador de futebol, ele não pensa pro dia de amanhã.
Porque quem tem a felicidade de jogar num time grande, você recebe prêmios, se você fizer quatro jogos em um mês, na pior das hipóteses, você ganha três.
Verdade.
Então só de prêmio pode viver tranquilo.
Eu fazia isso.
Eu tive juízo, depois tive gente que me orientou.
Por isso, graças a Deus, hoje eu não estou preocupado com nada, sempre tive juízo.
Agora, jogador de futebol se habitua a receber bichos cada três vezes por mês, fora seu ordenado.
Quando para, quando para de jogar futebol, se esse jogador ainda se torna médio, não um jogador que ficou num destaque muito grande, que fez contratos vultosos, ele vai encontrar dificuldade, ele vai porque ele recebia prêmios três vezes por mês e mais o ordenado.
Ele podia viver dos prêmios, certo? Ele parado não sabe fazer nada.
Esse é que é o problema.
Depois ele começa uma vida, ele arruma um emprego, ele depende de 30, 31 dias pra receber um ordenado.
Ele vai sentir uma queda.
Deixa de vir, você tem que procurar, são trinta, trinta e um dias pra receber um ordenado.
Então deixa aqueles prêmios, aquelas.
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O jogador de futebol que não é preparado pro dia de amanhã, a não ser esses jogadores, que são raros, os jogadores que despontam de uma forma espetacular, que fazem contratos maravilhosos, entendeu? São raros.
Você pode contar nos dedos.
Que o outro é médio, e senão tiver juízo vai sofrer.
Eu não quero que ninguém sofra, gostaria que todos pensassem da forma como eu estou pensando, já pensando no dia de amanhã, porque o negócio não é fácil não.
P - Você considera que aproveitou, nesse sentido, sua carreira, não é Gino?
R - Aproveitei bastante.
Teve gente que me orientou muito.
Segui a orientação dessas pessoas que me queriam bem, e eu fui vendo com o tempo que eles tinham razão, e segui os conselhos que me deram, graças a Deus, hoje nada me preocupa.
Tenho dois filhos formados, minha tarefa está cumprida.
Pus no mundo, estão formados, um é casado, o outro é solteiro, está com vinte e quatro anos.
Mas nada me preocupa.
Estão trabalhando, vivem sossegados e isso me gratifica.
Então, sou eu, minha mulher e meu filho solteiro em casa.
O outro já namora e, claro, futuramente casa.
Vou ficar eu e minha mulher e ter a vida da gente.
Todos os filhos, graças a Deus, estão bem encaminhados, e isto aqui me gratifica muito.
P - Como é que você se tornou o prefeito do Morumbi?
R - Sabe o que é? O contato que a gente vai tendo com a imprensa.
Então, um dia fizeram um trabalho de me seguir.
Eu sabia que tava sendo seguido.
Eles falaram, nós vamos acompanhar você em todo lugar, mas eu não pensei que fosse sair essa matéria, parece que foi na Folha que deu essa manchete, porque até eu falando no telefone.
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Pensei que eles não ouviam o que estavam falando pra mim.
Tudo que eu falei puseram no jornal, fizeram um trabalho aí, até a polícia eles iam atrás, eu ia até o campo eles iam atrás.
E, daquilo fizeram um trabalho dizendo que eu era o prefeito do Morumbi, mas não tem nada de prefeito do Morumbi.
Sou um simples funcionário do São Paulo, seguindo as normas do clube, as determinações a mim dadas procuro fazer de melhor maneira possível, procuro não errar, claro.
Não sou o dono da verdade, não sou eu o sábio, pelo contrário, dia a dia no Morumbi você aprende coisas novas.
A diretoria, apoiando, é uma diretoria, se muda essa diretoria entra outra, a linha é a mesma, é uma diretoria, mudou essa diretoria, não quebra as normas, poderá modificar uma coisinha ou outra, mas a parte disciplinar, a linha em primeiro lugar.
P - Qual é a sua função no seu trabalho.
R - Eu sou gerente do estádio.
A parte de jogos e eventos e tudo.
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É tudo comigo, porque o dia a dia quem sabe sou eu e minha equipe toda, não é? E outra, tem que me ajudar, eu sozinho não faço absolutamente nada.
Os empregados do São Paulo é que são um espetáculo.
Dedicam-se, senhoras que trabalham até tarde da noite, isto tem uma coisa comigo, quando elas ficam até depois da meia-noite.
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Chega de madrugada, uma hora da manhã, nem uma daquelas senhoras nós soltamos na rua pra ir pra casa, não.
Elas sobem dentro das viaturas, elas vão levar elas em casa, porque não é justo soltar uma senhora naquela altura da madrugada, altura da noite, sozinha na rua, ainda mais no Morumbi, à noite.
Não, ela sobe na viatura, o motorista leva e deixa na porta da casa dela.
Então, com isso os maridos, os próprios filhos, admitem que ela trabalhe até mais tarde sabendo que ela vai se levada até a porta de casa.
Eu sozinho lá não faço nada.
Eu posso é comandar uma parte do pessoal, mas tenho funcionários sensacionais, nós nos damos tão bem que parecemos irmãos.
Eu chamo lá tudo de baiano e eles me chamam de baiano também.
Eu falei: “Bom, aqui é um grupo só de baiano”, e tocamos o barco.
Se pede pra ficar até duas horas da manhã fica.
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Não tem problema.
Então você está num ambiente gostoso, fácil de trabalhar.
Porque o funcionário que sai de linha, os próprios colegas vão lá e censuram.
Você não vai estragar um negócio que está muito bem feito.
Porque o Morumbi é muito grande, se você andar aquilo, vocês já tiveram oportunidade.
Você vê.
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Você dá uma volta lá em cima, você anda 840 metros, mais ou menos.
Então anda, não consigo engordar um pouco.
P - Você conhece palmo a palmo o estádio, não é Gino?
R - É, ando bastante, por isso dia a dia você aprende coisa nova.
Agora, não venha me perguntar aquele negócio do buraco, se caiu se não caiu, se o corpo está lá dentro, eu já não entendo nada de concreto.
Então, eles acham graça com você, não sabe, não.
Sei que houve uma queda num pedacinho de concreto.
Não venha perguntar pra mim, que eu não sou capacitado a responder a pergunta que me fizeram do concreto.
Só que exageraram.
Um buraquinho.
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Fizeram um buraco do tamanho do.
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Então, tem essas coisas do Morumbi que você vai levando, eles vão entendendo, e vamos levando a vida.
P - O Morumbi é um estádio seguro?
R - É.
Segundo as informações, todas da parte da engenharia, e depois aquele Falcon Bauer também que é perito na parte de concreto, foi feito o balanço, puseram peso, linha, puseram polícia do lado pra ninguém mexer naquela linha, porque todo e qualquer balanço marcava no aparelho, e viram que não há o mínimo perigo das coisas lá no São Paulo, graças a Deus, porque eu também trabalho lá e fico debaixo de marquise e tudo, mas tudo bem.
Eu tenho um relatório dado por ele num dos jornais e vejo que não há problema nenhum, não tem perigo nenhum.
P - Gino, trabalhando no Morumbi, fazendo a gerência do estádio, nos dias de jogos, quando você vê o pessoal correndo atrás da bola no gramado, não dá uma vontade de voltar pra lá?
R - No começo deu muita sim, principalmente se tratando assim de final de campeonato, que todas finais têm sido no Morumbi, ainda até hoje dá uma saudadezinha sim.
Mas eu vou até o campo, na entrada dos jogadores, eu vou.
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Dá a impressão que eu estou lá dentro também e passa assim, rapidamente.
Mas bate saudade sim.
Claro que você não pode voltar.
Isso tem que ser os atuais e a gente não vive do passado.
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Eu vivo de hoje, de agora pra frente.
Eu não vivo do passado.
Claro que a gente, olhando álbuns, olhando tudo, relembra tanta coisa gostosa, tanta coisa boa, mas eu só penso daqui pra frente.
P - O senhor acha que é muito diferente a rotina do atleta, do jogador, de hoje em dia, para o seu tempo? A preparação.
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R - É mais puxado.
Primeiro nós treinávamos um período só, hoje eles treinam dois períodos.
E outra, a sequência de jogos, o calendário de CBD, da CBF, da Federação Paulista, mistura tudo.
Então eles não têm tempo de ir pra casa.
Concentrações atrás de concentrações, isso dá uma saturação, eu me admiro dos jogadores, não vejo nada nos jornais, que eles apelaram, absolutamente.
São compenetrados da profissão que eles tão.
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Eu fico admirado.
Porque no meu tempo não tinha, era um período só, treinava, era individual, depois mudou tudo, individual hoje, coletivo amanhã, hoje é tudo diferente, circuito, treino.
Hoje um jogador de futebol não fala, levei uma pancada na perna, na batata da perna, como antigamente, hoje o jogador de futebol já fala, levei uma pancada, na panturrilha (risos).
É.
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Dados técnicos, dados medicinais.
Então, o negócio evoluiu muito.
É tíbia, é perônio, eles mesmos falam.
Primeiro era individual e coletivo, hoje tem uma série de nomes diferentes.
É a evolução.
P- Naquele tempo também a comissão técnica parece que não ficava tão em cima do jogador, assim, em relação a hábito de vida, o que ele comia, se ele fumava.
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R - A comissão técnica não existe.
Era o técnico, o preparador físico, o médico e o diretor, acabou.
Hoje, a comissão técnica é uma fábula: professor de educação física, especialista de coração.
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Por que isso? Porque futebol é força, eles estão treinando tanto, aparelhagem adequada, eles deixam o jogador com umas pernas fortes.
Dá a impressão que eles vão digladiar, você não vê um futebol bonito, espetáculo, porque se você tirar o improviso do jogador brasileiro, acabou o futebol.
E hoje são táticas, e táticas e mais táticas, e prende e segura, marca, o centroavante correu até lá.
Se o goleiro encaixou o centroavante corre de lá até o meio de campo ele pode marcar, eu nunca vi um centro-avante marcar, rapaz.
Hoje é tática contra tática.
Se os europeus sempre jogaram na base do ferrolho, nós em vez de procurarmos furar esse ferrolho, estamos fazendo ferrolho também.
Então eu não entendo.
Tirou-se o individualismo do jogador brasileiro, por isso que nós estamos na fila de Copa do Mundo, desde quando que nós não tiramos Copa do Mundo.
Tem que soltar mais os jogadores.
É tática, corre lá, marca aqui.
Você vê o Casagrande no Flamengo.
Ele corre lá no escanteio, cabeceou, pegou, chutou, escanteio, ele vem aqui de back.
Então você vê o desgaste que esse jogador tem de ir e voltar, quando ele é centroavante, quando ele tem de ficar lá na frente.
Tudo é tática, tudo é.
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Modificou muito o futebol.
P - Naquele tempo parece que vocês ficavam mais à vontade.
Você chegou a falar Gino que você até, você tinha liberdade de fumar um cigarro.
R - Não, não tinha liberdade.
Eles não davam.
Eu fazia as coisas erradas.
O vício, eu sempre tive do cigarro.
Não havia liberdade.
Acabava o primeiro tempo, eu corria pro banheiro, primeiro me lavava o rosto, tudo, corria pro banheiro e já pegava o cigarro que eu deixava escondidinho lá com uma caixa de fósforos.
Isso é um péssimo exemplo, não quero que ninguém siga.
E eu fumava, você vê, e eu me sentia bem.
Eu conhecia outros jogadores, Gerson fazia isso, Jair da Rosa Pinto fazia isso.
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Não quer dizer que os jogadores têm que fazer.
Hoje eu fico admirado em tudo porque o plantel do São Paulo, eu não vejo ninguém pôr um cigarro na boca.
Por quê? Telê detesta quem fuma, não é o jogador de futebol, se você tiver perto dele, você tirar um cigarro, você fica sozinho, fica você e o cigarro, que ele não admite.
E talvez seja por isso.
Eu não vejo o dirigente fumar, do São Paulo, não vejo.
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Eu fico pensando, será que no meu tempo eu aguentaria tudo isso, que eu sempre fumei, é o vício que eu tenho, eu acho que na vida a gente deve fazer um pouco de tudo, não proibir.
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Eu estou com 64 anos, será que vou ter que largar agora do cigarro, se eu fumei 40 anos.
É difícil tirar o vício de um dia pra outro.
E não adianta remédio, não adianta nada.
Toma pílula que.
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Isso é mentira, tudo é a cabeça da gente.
Que nem eu tomei uns negócios para não fumar.
Espera aí, eu não estou sentindo, eu vou pôr um cigarro na boca pra ver se dá algum contragolpe do remédio.
Que nada, então é a cabeça da gente, é verdade.
Antes de entrar aqui, bater um papo com vocês, depois de um papo amistoso que tivemos antes, eu pedi licença e fui fumar um cigarro lá fora.
É tão gostoso, se me sinto bem.
Olha, tem um colega dizendo que também.
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P - Gino, a gente conversando sobre toda a sua carreira, sua vida, você olhando pra trás, você mudaria alguma coisa que você fez, você seguiria outro caminho que você seguiu?
P - Você diz no futebol?
P - No futebol e na sua vida mesmo, olhando aí pra trás pra sua vida.
R - Com a experiência que a gente tem hoje, claro, a gente faria as coisas um pouquinho diferente, talvez não jogasse futebol, você já analisando as coisas de um forma ou de outra.
Eu tive sorte, apesar de eu não ter sido um jogador clássico, como falei anteriormente, era um jogador de luta.
Felizmente eu nunca fraturei nada, nada nunca me impediu que eu continuasse minha carreira, minha profissão, tive muita sorte.
O tipo que eu era, como jogava duro, que jogavam duro contra mim.
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Graças a Deus, eu nunca quebrei nada, eu tenho cicatriz no olho, aqui no supercílio, aqui no queixo, mas isso é coisa de dois, três dias, mas felizmente nunca.
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Mas claro que com a experiência que adquirimos até a data de hoje, claro que a gente faria diferente em certas coisas, já não ia brincar tanto.
É bom uma brincadeira, mas o excesso é prejudicial, ia fazer uma série de coisas.
P - Mas o futebol te deu muita alegria, não deu?
R - Deu, só me deu alegria, porque a coisa que não presta pra mim eu jogo fora de imediato.
Só me lembro de coisa boa.
Eu tive uma briga com.
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Briga, eu não tive briga, eu já até fiquei admirado que até agora você não me fez uma pergunta, mas eu.
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P - Qual a pergunta?
R - Eu já falo pra você, um negócio meu com o Luizinho em 1957 que eu levei aquela tijolada na cabeça e a turma confunde as coisas.
Diz que foi no campo, não foi nada.
No campo, não foi.
Foi um jogo amistoso entre Corinthians e São Paulo, que Alfredo Ramos, ex-jogador do São Paulo, passou para o Corinthians, e nós tivemos um jogo amistoso e, infelizmente, Alfredo Ramos quebrou a perna nesse jogo, num choque com o ponta-direita Maurinho, isso foi no domingo.
Claro que houve entrevero entre eu e Luizinho no campo, falando certas besteiras um pro outro, procurando enervar, porque isso é comum no futebol, mas Alfredo Ramos quebrou a perna, nós fomos visitá-lo na terça-feira.
Na terça-feira, quando nós estávamos saindo da casa do Alfredo, tava entrando a turma do Corinthians, aí o Luizinho me viu lá, pegou um tijolo, ficou atrás de dois diretores e me deu na cabeça.
Eu não esperava, porque aquilo é comum dentro do campo, de um falar uma coisa pra enervar, acabou, acaba em pizza.
Mas ele levou a sério, infelizmente.
Fui visitar o Alfredo, meu amigo, quando nós saímos, ele me deu uma tijolada na cabeça.
E isso deu um barulho tremendo.
Cheguei, menti em casa, porque eu fui pro hospital tomar os pontos.
Cheguei em casa, minha mulher disse: O que foi isso? Eu disse: “Tava num táxi”.
Porque nós combinamos, depois do acontecido do São Paulo e Corinthians, dentro da casa do Alfredo, que fomos com o mesmo fito, visitar o Alfredo, bom, não houve nada, fui pro hospital, dei os pontos, cheguei em casa: “O que foi?”; “Não, eu tava no táxi, o motorista brecou rapidamente pra não atropelar uma criança e eu dei com a cabeça no táxi e machuquei”.
Mas minha mulher não ficou acreditando muito.
À noite os diretores do São Paulo, chegaram tudo em casa: “Vamos embora, vamos pra central, lá no Pátio do Colégio”.
Chegamos lá, foi divulgado o barulho, deu delegacia, deu uma confusão.
E hoje, cinco dias depois do que aconteceu, eu já era amigo do Luizinho.
Nós estivemos num programa de televisão, parece-me que era o Manoel de Nóbrega.
"Não Durma no Ponto", então eram tarefas que os candidatos tinham, se não fizesse perdia ponto.
E uma delas era trazer Luizinho e Gino no programa.
Nós fomos.
E daquele dia nós estamos até hoje.
Depois joguei junto com Luizinho no Juventus.
P - Gino, nós estamos encerrando, mas uma última pergunta, a gente gostaria de saber da sua parte, se você ainda tem algum sonho na vida, se você gostaria de fazer alguma coisa, se você tem um sonho que falta realizar?
R - Olha, eu me sinto completamente à vontade, bem sossegado.
Eu tinha, claro, planos de chegar aonde eu cheguei, depois de tanta dificuldade na vida, hoje eu não planejo, mais nada.
Quero parar de trabalhar, quero descansar, quero aproveitar a minha vida com a minha mulher, que ela tem todo o direito, que eu não tenho tido oportunidade de estar convivendo mais juntos, eu virei um hóspede dentro de casa.
Só vou lá pra dormir, eu nunca vi, é muita coisa.
Eu quero ter mais tempo pra ela, que ela é uma mulher sensacional, colaborou comigo essa vida toda, 38 anos de casado.
Se nós temos alguma coisa, ela colaborou setenta, 80% é ela que colaborou comigo, e nada mais justo de dar um pouquinho mais da gente pra ele, pra poder sair, pra poder passear um pouquinho.
Não pretendo mais nada de coisa alta na minha vida, absolutamente.
Só peço a Deus saúde, que continue como está, que eu estou realizado.
P - Está ótimo Gino, agradecemos a sua presença.
R - Pra mim foi um prazer estar aqui com vocês, passar essas horas agradáveis e no Morumbi, estou sempre às ordens pra vocês todos.
P - Obrigado.